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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

31.08.22

O visto da estupidez


Luís Alves de Fraga

 

Hoje, em Praga, foi aprovada a decisão de acabar com os vistos de entrada na União Europeia (UE) dos cidadãos russos, que, segundo julgo, se deslocassem em turismo.

Porque me impuseram esse estatuto, sou cidadão da UE; não o solicitei nem fui consultado sobre se o queria ou rejeitava. Impuseram-mo. Mas uma coisa não me podem tirar, por enquanto: a liberdade de expressão sobre aquilo que penso… E penso que a limitação ou corte de vistos de entrada na UE a cidadãos russos, que venham fazer turismo, é a maior estupidez colectiva que o colectivo de políticos da União podia cometer.

 

A aplicação de sanções económicas, como, creio, já tive oportunidade de dizer, é um acto de belicismo contra a Rússia, porque este país não atacou a UE, mas um Estado terceiro a quem nada nos liga; nem tratados, nem alianças, nem nada! Tal solidariedade configura, por si só, um acto bélico. Se a ele juntarmos o fornecimento de ajudas várias de matriz militar, então, mais nos estamos a envolver no conflito. Some-se-lhe, agora, esta decisão e, sem sombra de dúvida, declaramo-nos inimigos da Rússia.

Ora, perante um quadro internacional desta natureza, abrimos as portas a uma agressão armada da Rússia a qualquer dos Estados da União, porque tais atitudes acossam Moscovo contra aquilo que por lá já se chama o Ocidente. Em vez de sabermos adoptar uma postura neutral e expectante, a UE, por causa da sua ligação e dependência da OTAN, assume-se como aliada da Ucrânia, porque aliada dos EUA.

 

Esta guerra não é nossa. Esta guerra é, em primeiro lugar, um conflito civil entre povos que já fizeram parte da mesma nacionalidade (a Rússia e a Ucrânia) e, em segundo lugar, um conflito entre os EUA e a Rússia.

Agir sobre cidadãos civis (ou até militares) da Rússia é um acto provocatório de toda a dimensão; uma dimensão que justifica uma atitude de defesa por parte do Kremlin. E não se diga, depois, que Moscovo mandou atacar por ser uma potência imperial! Se espicaças o animal feroz e não esperas reacção és francamente mais estúpido do que ele.

O que a UE e os EUA estão a fazer é, jogando com a certeza de que a arma nuclear nunca será usada pela Rússia, obrigar Moscovo a dobrar os joelhos e aceitar um estatuto político internacional de segunda grandeza. Mas, ao proceder deste modo, está-se a abrir a porta para que o vazio deixado pela Rússia seja imediatamente preenchido pela China, o que já ficou demonstrado há semanas, aquando das provocatórias visitas a Taiwan por parte de políticos responsáveis de Washington.

Depois, isolar os russos do contacto com os Estados da UE, é privá-los da única porta de informação diferente das verdades oficiais determinadas pelo Kremlin. Ou seja, é retirar rumo à contestação interna que se possa gerar dentro das fronteiras da Rússia contra o actual sistema político que os sufoca.

Numa palavra, a presente medida alia dois pólos opostos: o das vinganças dos antigos Estados satélites da URSS com os falcões do Pentágono e de Washington, permitindo, uma vez mais, que a UE se dissolva na política de uns e de outros, dando de si a imagem de uma unidade sem objectivos políticos distintos e autónomos, para além de tudo aquilo que se limita a regular o comércio entre os seus componentes.

Faltam, no Parlamento Europeu, vozes que façam ouvir a voz do homem comum e da rua desta União.

30.08.22

Essa coisa a que chamam democracia


Luís Alves de Fraga

 

 

Pronto, em Angola quem ganhou as eleições, diz o actual Presidente da República, foi o MPLA. Acrescenta que vai governar sozinho porque tem legitimidade democrática para formar um novo Executivo.

Por cá, os órgãos de comunicação, em especial as televisões, exultam, recorrendo a analistas de toda a espécie, feitio e duvidosa formação para nos darem opiniões, pareceres e adivinhações sobre o futuro da democracia naquela nossa antiga colónia.

Tudo isto estaria, na minha opinião, muito certo e seria benéfico para todos os de cá e de lá, se, realmente, em Angola existisse uma democracia. Mas não existe! Parece existir, mas, na verdade, o que impera no país são duas ou três coisas, a saber: um elevadíssimo índice de analfabetismo com carência de formação cívica, um partido político dominante, que se apossou de todo o aparelho do Estado, apoiado na força policial e militar e um arremedo de oposição legal, que tem de se comportar dentro das linhas muito estreitas, que o poder lhe definiu, para que possa ter voz activa.

Dito de outra maneira, em Angola há uma ditadura partidária, policial e armada que, para se mascarar com aparência democrática, permite a vigência de um partido com expressão popular na oposição (UNITA) e outros sem qualquer tipo de influência no decurso político das grandes linhas do quotidiano daquele país. Chamar a isto democracia é aceitar o abastardamento do conceito tal como foi sendo definido e aperfeiçoado, na Europa, depois da Revolução Francesa.

 

A democracia em Angola difere da democracia na Rússia e na Ucrânia por causa de um só aspecto: a cor da pele e dos cabelos dos actores! No resto, não há diferença de espécie nenhuma entre João Lourenço com os seus apaniguados e Putin ou Zelensky e os seus respectivos apoiantes.

É a aceitação desta coisa, a que chamam democracia, em pé de igualdade com o regime democrático que nós por cá, só muito tardiamente reimplantámos, mas que existia em França, no Reino Unido, na Suécia, na Alemanha Federal, na Holanda, na Finlândia, na Dinamarca e noutros Estados europeus, que acaba por confundir os cidadãos de todos os países (ou de uma grande parte deles), levando-os a aceitar os desvios das suas consolidadas e fundamentadas democracias plurais e livres.

É isto ‒ e não só ‒ que leva a tornar-nos incapazes de perceber que a democracia na Ucrânia é, tal como na Rússia, uma descarada adulteração daquela onde se respeitam e se defendem os direitos humanos, a liberdade de expressão e o exercício da mesma.

É isto que nos permite tratar um tal Jair Bolsonaro, ex-capitão pára-quedista do mais boçal e caserneiro que se possa imaginar, Presidente da República Federal e democrática do Brasil, como se de um verdadeiro democrata se tratasse.

É isto que impede os verdadeiros democratas americanos de exigir o julgamento de um ex-Presidente da República ‒ o Donald Trump ‒ por trapacear as eleições e incitar à revolta civil quando foi derrotado pela vontade popular.

É isto que nos permite ficar indiferentes perante o Estado israelita que extermina a população islâmica, que ocupava o território há milhares de anos.

É isto que nos leva a perder todo o sentido crítico perante uma guerra onde o que se diz estar em causa não corresponde, realmente, à razão pela qual se batem e morrem cidadãos russos e ucranianos.

É isto que nos anestesia, chamando democracia a regimes políticos cheios de ancilosamentos e ou distorções de natureza primária, acabando por aceitar gato por lebre, deixando que a nossa democracia caminhe a passos largos para algo bem diferente daquilo que foi o sonhos daqueles que teorizaram a separação dos poderes e a soberania no povo.

 

Não podemos perder de vista que, em nome de estranhos interesses nacionais, nos desviam da rectidão do conceito pelo qual nós, os portugueses, lutámos durante quase cinquenta anos para dele usufruirmos há quase outros cinquenta.

Em democracia não vale tudo!

29.08.22

Correspondentes de guerra


Luís Alves de Fraga

 

Talvez muitos dos leitores mais novos desconheçam que Winston Churchill foi oficial do Exército britânico e que, quando ainda prestava serviço militar, a seu pedido, foi desligado das cadeias de comando para, ao serviço de jornais com quem previamente estabeleceu chorudos contratos, ser correspondente de guerra nos grandes conflitos coloniais em que a Inglaterra esteve envolvida, no final do século XIX. E como correspondente, embora fardado de oficial do Exército, foi feito prisioneiro na guerra anglo-bóer. Acompanhava as tropas e, depois dos recontros ou dos grandes combates, escrevia longas crónicas ‒ mais tarde publicadas em livros ‒ sobre o que se passava na frente de batalha. Naturalmente, os seus textos eram sempre elogiosos para com os soldados de Sua Majestade Britânica! Mas contava o que via e descrevia como se desenrolavam as operações. Claro, era a visão dele, carregada com os seus interesses.

 

Durante a 1.ª Guerra Mundial houve correspondentes nas várias frentes e das várias nacionalidades ‒ até Portugal teve o seu que, comodamente, mandava notícias do front instalado na cidade de Paris! ‒ que procuravam, sem trair segredos operacionais, explicar o que se passava nas trincheiras, na Europa Ocidental ou noutros teatros de guerra. As populações letradas (e também as iletradas) gostavam de saber como se batiam os soldados e quais os avanços e recuos que as várias grandes iniciativas operacionais provocavam. Entre todos aqueles que não combatiam, havia uma certa morbidez em saber o sangue que corria nas frentes militares. Era a morbidez dos que, cobertos pela certeza de não serem chamados às fileiras, se compraziam em discursos heróicos, quase sempre animados pelos seus ideais políticos, por um ódio não explicado contra o inimigo ou pelas descrições românticas e romanceadas dos correspondentes de guerra.

A par desta informação de iniciativa privada havia os chamados boletins informativos dos diferentes escalões militares onde se dava uma noção dos acontecimentos em cada semana. Evidentemente, os órgãos militares e estatais não permitiam a divulgação de dados que pudessem vir a ser utilizados pelo inimigo para proceder a ataques sobre as frentes de combate. As localizações eram devidamente omitidas, assim como o número de mortos e prisioneiros (exageravam-se as baixas infligidas ao inimigo).

 

A Guerra Civil de Espanha foi um ensaio daquilo que se havia de passar durante a 2.ª Guerra Mundial.

Com efeito, quer do lado nacionalista quer do lado republicano e democrático, havia correspondentes de guerra. Até Portugal, em pleno fascismo salazarista, mandou um repórter do vespertino Diário de Lisboa, Mário Neves, fazer a cobertura da chegada dos nacionalistas (fascistas) a Badajoz e, por um mero acaso e distracção da censura portuguesa, foi através dele que o mundo inteiro ficou a saber do terrível massacre de republicanos fuzilados a sangue-frio, na praça de touros daquela cidade. Entre os republicanos, tornou-se famoso pelas suas crónicas aquele que viria a ser mais tarde prémio Nobel da Literatura, Ernest Hemingway.

 

Na 2.ª Guerra Mundial, a nova tecnologia, de então, criou o chamado repórter de imagem tanto fotográfica como cinematográfica. E, tanto do lado dos Aliados como do lado nazi, foram famosas as reportagens que o mundo conheceu carregadas de propaganda, como não podia deixar de ser evidente, mas com imagens reais de combate, feitas debaixo de fogo e com risco da vida daqueles que queriam informar as populações que serviam.

 

Do conflito na Ucrânia o que é que nos chega como reportagem de guerra?

Exactamente aquilo que não nos informa rigorosamente nada sobre a guerra!

Chegam-nos imagens de cidades bombardeadas e entrevistas de desalojados, que tanto podem ter sido feitas na véspera como há dois meses. As imagens noticiosas ganham a forma de cenários de cinema, o que serve na perfeição para enganar quem se quer deixar enganar e gerar fortes dúvidas junto daqueles ‒ nos quais me incluo ‒ que tendem a duvidar daquilo que nos é mostrado. Assim, através das reportagens de guerra, deste conflito militar percebe-se, perfeitamente, que o mais importante de tudo, quer no lado russo como no lado ucraniano, é conquistar adesões com base na propaganda, com base em encenações que ajam sobre a emotividade, porque estão a ser atingidas populações indefesas!

Isto não é reportagem de guerra, isto não é informação sobre o andamento das operações! Isto é sim, uma imensa operação de lavagem ao cérebro dos distantes assistentes da guerra feita, no lado ocidental, exactamente nos mesmos moldes que no lado russo!

Faltam-nos as imagens dos combatentes no campo de batalha, a visão da morte e das baixas que se sofrem ou que se impõem ao inimigo. Faltam-nos as verdadeiras vivências de campanha dadas por aqueles que arriscam o bem mais precioso que possuem.

 

Esta ausência de verdadeiros correspondentes de guerra evidencia que mais conquista, menos conquista de território na Ucrânia é absolutamente insignificante para Kiev, porque importante é a condenação e, se possível, a destruição da Rússia. Claro, também se pode dizer que, para Moscovo, mais soldado russo morto ou vivo é indiferente, pois importante é demonstrar que a Ucrânia, estando ao serviço dos EUA, coloca em sério risco a existência da Rússia.

A falta de correspondentes de guerra, dos verdadeiros, daqueles que nos habituámos a ver de máquina fotográfica ou de câmara de cinema nas mãos, nos dá ‒ a todos os que querem ver com olhos de ver e cabeça de compreender ‒ a clara noção do tipo de conflito que está a decorrer na frente ucraniana.

Esta é uma guerra de embustes!

27.08.22

O Buraco Negro


Luís Alves de Fraga

O Buraco Negro

 

Há mais de uma semana, salvo erro, na CNN Portugal, ouvi uma muito ponderada observação feita por um major-general do nosso Exército, sobre a qual fiquei a pensar. Dela vos trago notícia, não porque seja original ‒ já tinha lido o mesmo em jornais estrangeiros, que apostam na imparcialidade das suas considerações ‒, mas porque só nos vamos recordar do assunto quando, como se diz em língua portuguesa popular, rebentar a bronca.

Chamava o oficial-general a atenção para um aspecto extremamente sensível: o do fornecimento de armamento à Ucrânia por parte dos EUA, do Reino Unido e de outros países europeus que está sob rigoroso controlo durante todo o percurso até chegar ao país de destino e, depois, entra naquilo que ele designou por buraco negro. O que é que isto quer dizer? Vamos ver.

 

Em primeiro lugar, quer dizer que mal é entregue o armamento e as munições pode uma parte seguir para os depósitos das forças armadas ucranianas, mas outra muito significativa pode cair nas mãos das máfias do tráfico de armas, que as farão chegar a quem pagar bem. Estas máfias não são fantasias dos estúdios cinematográficos de Hollywood nem dos das empresas que trabalham para a Netflix; elas existem e fazem chegar todo o tipo de armas a todos os tipos de compradores, independentemente do conflito ou das ideologias defendidas. O negócio está em primeiro lugar. É que a lógica deste género de comércio funciona como a do dono da mercearia aqui defronte da minha casa: os vizinhos são velhotes, já sem carro nem forças para irem fazer grandes compras aos mais distantes supermercados, nem talvez dinheiro para fazer abastecimentos vultosos, então, ele acresce aos preços praticados nos hipermercados, uma taxa que pode variar de 20 a 50% do preço da prateleira nesses grande revendedores. Para ele é a inflação, para os velhotes aqui da rua são as carências ditadas pela idade e pelas suas condições.

Os senhores das guerras, que se espalham por esse mundo fora, condicionados pela ilegitimidade dos seus motivos, não discutem preços do armamento desde que seja de última geração e ninguém ande atrás dele. Quem enriquece? Tal como o merceeiro da minha rua, o intermediário que faz chegar às mãos do traficante o armamento desviado do fim para que foi enviado para a Ucrânia.

Cá está o buraco negro, cá estão os fabricantes de armas, cá estão os traficantes e muita gente a enriquecer à custa de uma indústria que, no Ocidente, em especial nos EUA, não é controlada pelos poderes dos Estados.

 

Curioso é que, ontem à noite, o mesmo oficial-general, na mesma estação televisiva, chamava a atenção para o facto de nos EUA já estarem esgotados alguns stocks de armamento ou de munições e as fábricas só os conseguirem repor daqui por três anos.

Claro, o entrevistador de serviço fez todos os esforços possíveis para interromper a explicação isenta e independente do oficial, com o evidente intuito de não deixar passar uma informação que nos colocaria sérias reservas se fosse explorada até ao fundo, pois ia-nos abrir a porta da pergunta que não interessa fazer: «Qual, afinal, o objectivo do apoio à Ucrânia?» Pior seria a pergunta: «Qual o objectivo da Ucrânia desejar arrastar todos os Estados da Europa e os EUA para uma guerra com a Rússia?»

Se para a primeira questão nós temos, mais ou menos, consensualizada a resposta, para a segunda, quase ninguém se interroga, nem tem resposta na ponta da língua. Sabeis o porquê? É que todos, desde há mais de seis meses, temos sido condicionados na forma de ver e compreender a Ucrânia. Para nós, o governo ucraniano está a defender-se de uma traiçoeira invasão, feita contra o Direito Internacional, determinada pelo ditador Putin. Não cuidamos de analisar a fundo quem é e quem representa o Presidente Zelensky; o que é que ele defende, que Ucrânia é aquela que ele diz estar a defender, que interesses lhe determinam o comportamento? É que, como eu já disse repetidas vezes e ontem afirmou o oficial-general em plena televisão, aquela guerra é, acima de tudo, uma guerra civil. E, para prová-lo, basta ver que só agora, em Kiev, se estão a substituir nomes de ruas e avenidas que recordavam heróis russos por nomes de individualidades ucranianas… e, todavia, passou, há dias, o 31.º aniversário da independência. Em Portugal, no dia 26, 27 ou 28 de Abril de 1974, a ponte Salazar já tinha sido rebaptizada!

 

Para além dos naturais efeitos que uma guerra provoca, o actual desequilíbrio económico que se faz já sentir com grande peso no continente europeu devia levar-nos a pensar nos valores que estão em jogo em termos globais e não só naqueles que afirmam estar a defender o Ocidente e todos nós de algo que não nos afligiu nos últimos trinta anos. Quem vai ganhar com este conflito?

13.08.22

Pouco a dizer


Luís Alves de Fraga

 

Podia ir repescar temas que já deixei aqui escritos sobre a guerra na Europa de Leste, mas era dizer mais do mesmo. Nos nossos noticiários, os fogos florestais apagaram o fogo do conflito entre a Rússia e a Ucrânia.

De tudo o que ainda se fala é dos bombardeamentos que podem acontecer junto da maior central nuclear da Europa e do perigo que tal representa. Também disso deixei, há dias, qualquer coisa dita.

Claro que não são os nossos fogos que tiram força às notícias sobre a guerra; é a própria guerra que está num impasse. O meio do mês aproxima-se e daqui até começar o mau tempo na Ucrânia falta pouco mais do que um outro mês. Por muito material de guerra ‒ peças de artilharia, munições, mísseis, drones e sei lá o que mais ‒ que a Ucrânia receba, as condições meteorológicas estarão lá sempre para impedir a infantaria de ocupar o terreno, porque nenhuma guerra se ganha sem que o soldado, com armas ligeiras nos braços, ponha o pé nos locais que se desejam conquistar ou reconquistar.

 

Creio que chegou a hora das conversações, primeiro, secretas e, lá mais para a frente, com a devida publicidade. E vai ser nessa altura que se estabelecerão os finca-pés de todos os lados: da Ucrânia, da Rússia, dos EUA, da União Europeia, da OPEP, da Argélia, da China e, até, se calhar, da Turquia.

Perguntará o leitor: «De tantos lados, porquê?»

Pois bem, por causa da luta de interesses que está em jogo. Repare nas seguintes confrontações possíveis (note que digo possíveis, pois estou simplesmente no campo das hipóteses):

A Rússia pretende manter ocupada a parte do território conquistada sem ceder nem um metro quadrado, exigindo a desmilitarização do que resta da Ucrânia, para impedir, deste modo, qualquer ligação à OTAN; a Ucrânia, não aceitando nenhuma das anteriores propostas, vai querer de volta todos os territórios e, provavelmente, a Crimeia; os EUA vão impor que a Ucrânia se mantenha firme na sua posição ofensiva e vão mandar mais armamento e, quase pela certa, conselheiros militares para apoiarem as tropas ucranianas, porque não desistem de vergar a Rússia e de implantar sistemas de armas sofisticados no território ucraniano; a União Europeia desejará, depois de sentir o frio e a falta de energia no Inverno, que as sanções aplicadas à Rússia desapareçam ou que sejam aliviadas face à falta de gás e de petróleo e às impossibilidades técnicas e económicas de ver abastecida a Europa do Norte e Central por gás ido da Península Ibérica (esta posição terá de levar à definição urgente de uma nova estratégia de defesa e a uma nova política de produção de energia que, quase pela certa, resultará na activação, se possível, das velhas, e construção de novas e modernas, centrais nucleares); a OPEP, sem ver diminuir os seus lucros, tentará manter-se como fornecedora privilegiada de energia à Europa, sem prejudicar as relações comerciais com a Rússia; a Argélia estará interessada em substituir a Rússia enquanto principal fornecedor de gás à Europa, pelos dividendos estratégicos e políticos que daí lhe poderão advir no futuro controlo de uma União Europeia fragilizada e dependente; a China verá com muito bons olhos a continuidade da tensão entre os EUA e a Rússia, através da campanha na Ucrânia, porque ganhará tempo e oportunidades para consolidar a sua economia como globalizante (lá se produz tudo ou quase tudo o que nos rodeia na Europa e nos EUA) e melhorar as suas forças armadas para subir ao patamar que, por tradição (e só tradição, como é visível agora), pertencia à Rússia, podendo fazer frente aos EU; e, por fim, a Turquia que, pertencendo à OTAN, tem boas relações diplomáticas com a Rússia e não vê com bons olhos o alargamento da Aliança aos países da Europa do Norte, desenhará assim uma relação tensa com os EUA e apoiará a Rússia nas suas reivindicações, pois uma Ucrânia militarizada e posicionada como ponta-de-lança para a Rússia, não lhe traz vantagens estratégicas.

 

Não pretendi ser exaustivo, mas julgo ter esboçado, a traços largos, os contornos dos efeitos que, provavelmente, entre outros, se vão chocar no próximo Inverno para encontrar uma solução que não arrase a União Europeia tanto do ponto de vista da segurança quer da economia. Mas, qualquer que seja a solução, de uma coisa podemos ter a certeza, a vida na Europa não vai ser igual à que foi nos últimos trinta anos: a inflação vai subir, os hábitos de consumo vão alterar-se, as comodidades vão ser diferentes e a busca de um espaço na política mundial vai determinar comportamentos de segurança e de dependência distintos daqueles que se seguiram à implosão da URSS.

11.08.22

As loucas exigências


Luís Alves de Fraga

 

É próprio das crianças e dos jovens adolescentes a incapacidade de limitar as exigências juntos dos pais e, algumas vezes, dos avós quando estes cedem perante uma restrição anterior.

Face a uma cedência, a criança, que até certa altura só queria um determinado brinquedo, passa a julgar-se com direito a tudo. O mal dos progenitores é aceitarem a escalada sem lhe porem limites os quais, quanto maior for a transigência, mais amplos têm de ser e mais dolorosamente vão ser sentidos pelo egocêntrico fedelho.

Infelizmente, o quadro que acabei de traçar não se aplica em exclusivo a crianças e adolescentes; muitas vezes ocorre, também com adultos irresponsáveis ou, quando responsáveis, profundamente egoístas e incapazes de medir consequências.

 

Grave mesmo, é que pode acontecer com um político a quem foi dado apoio para vencer uma determinada situação num contexto bem definido e ele, convencido de que, afinal, pode exigir tudo, entra em verdadeiro delírio e passa a pedir, sem critério, aquilo que vai levar ao extremo do desequilíbrio internacional.

É isto que Zelensky está a fazer quando pede que os países que apoiam ou mostram simpatia pela causa ucraniana façam, proibindo os vistos a todos os cidadãos russos. Ou seja, que os russos fiquem postergados para uma posição de total isolamento de uma boa parte do mundo.

Zelensky mostra, desta forma, que a sua única posição é de um egoísmo feroz, que a sua loucura deve ultrapassar a de Putin, porque quer que todas as relações, de todo o tipo, sejam não só cortadas com a Rússia, mas, bem pior, com os russos. Não basta que o Estado russo sofra, é imprescindível que os comerciantes, os empreendedores, os turistas e os estudantes sofram, porque Moscovo entendeu invadir a Ucrânia com base numa argumentação que, para além de desagradar (como é natural) a Kiev desagrada a outros Estados do chamado Ocidente. Isto é a prepotência do menino a quem foram satisfeitos muitos dos seus caprichos e, agora, impõe, tiranicamente, um requinte de malvadez sobre todos aqueles que estejam de acordo com a invasão ou a condenem.

Será que não dá para perceber que Zelensky é, na Ucrânia, o equivalente a Putin na Rússia? É um tirano para quem democracia é aquilo que ele entende ser democrático? Será que não dá para perceber que Zelensky é, simplesmente, um nacionalista a rondar aquilo que foi Mussolini, Salazar, Franco, Hitler, Getúlio Vargas, Perón, Pinochet? Que é alguém muito semelhante a Erdogan ou Orbán, que dizem ser democratas, inventando uma democracia à medida dos seus desejos? Será que o chamado ou dito Ocidente não percebe que está a chocar o ovo da víbora? Será que a obcecação contra a Rússia e o seu líder calculista, mas cauteloso quanto à segurança das fronteiras do seu país, é tão grande que leva à cegueira de não perceber o verdadeiro Zelensky que, à imagem de alguns ditadores, que souberam transformar-se em actores do teatro das relações internacionais, começou por ser comediante nos teatros do seus país e, agora, representa na perfeição o papel de Presidente e tirano? Ou será que alguns dos mais importantes políticos ocidentais o usam para destronar a Rússia do pedestal de grande potência, pensando poder desfazer-se, depois de cumprido o objectivo, do herói do povo ucraniano? Um herói plebiscitado à custa de muitos litros de sangue de gente anónima que preferia a paz à guerra? De um herói construído pela propaganda política que nos submerge em todas as alturas do dia? De um herói que vestiu o traje militar e representa para as televisões o papel da sua via?

 

Talvez os leitores estranhem tantas perguntas, tantas dúvidas ‒ habituados como estão a tantas certezas de tantos comentadores ditas e escritas nos órgãos de comunicação social ‒ mas, talvez, um dia, não muito longe, as percebam e as achem premonitórias. Mas, acima de tudo, são as minhas dúvidas, dúvidas que partilho convosco. Podia calá-las, mas de que serviriam se as guardasse só para mim?

10.08.22

O milho para os pombos


Luís Alves de Fraga

 

Já aqui escrevi sobre o primeiro navio que tendo saído de Odessa chegou à costa da Turquia carregado de milho. O impacto foi tão grande que o Secretário-Geral da ONU num discurso fez referência a essa conquista. E o navio, depois de ser inspeccionado por uma comissão constituída para tal efeito (verificar se a carga não incluía armamento) seguiu ao seu destino, ou seja, o Líbano.

De certa maneira, uma parte do mundo deveria estar a festejar este cessar-fogo marítimo entre a Ucrânia e a Rússia. Mas a notícia caiu como uma bomba: o comprador libanês, dado o atraso da entrega, desistiu da carga.

Segundo os jornais e as televisões, não houve, nesta decisão, qualquer tipo de intervenção do governo do país de destino; a decisão deve-se exclusivamente ao importador/comprador. O navio fez meia-volta e foi fundear ao largo da costa da Turquia sem saber o que fazer da carga. Há-de ser para alguém, nem que seja para alimentar os pombos que possam andar por perto ou que se façam ao mar!

 

Eu faço de conta que acredito na explicação dada e fico à espera da melhor oferta para fazer seguir o navio para um qualquer destino, mas alguém terá de pagar as despesas do armador e a compra do cereal aos produtores ucranianos bem como ao armazenista, ou seja, aos donos dos silos. A vitória diplomática está conseguida, o resto, vamos ver.

Mas será assim tão simples?

Não nos esqueçamos que o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, logo após a assinatura do acordo, andou por África e as redes de influência entre Estados e comerciantes pode ser grande e terrível. É que sair os navios é uma coisa, vender a sua carga é outra e detectar, com satélites espiões, a ou as rotas de saída das embarcações é outra coisa bem mais importante do ponto de vista militar… Por onde sai um navio pode entrar outro e a esquadra russa do Mar Negro não está lá para fazer número. As minas marítimas não se movimentam facilmente de uma rota para outra.

Se tivesse de estar sentado no estado-maior militar, em Moscovo, mandaria juntar informações sobre saída dos cargueiros, porque o Outono está aí à porta e as operações terrestres começam a tornar-se difíceis por causa da lama, dando oportunidade a que certas operações anfíbias se possam fazer no que resta livre da costa da Ucrânia.

Estou a imaginar ofensivas russas? Provavelmente sim, mas quem não pode caçar com cão, caça como o gato… Espera o melhor momento para, emboscado, cair sobre a presa.

Mas já se noticiam ataques da Ucrânia sobre a Crimeia. O que estará a tramar o estado-maior ucraniano? É que, do ponto de vista moral, enquanto os russos ao invadirem a Ucrânia estão, na prática a invadir um país estrangeiro, o mesmo não acontece quando as forças de Kiev atacam a Crimeia, pois os seus habitantes são ucranianos. Começamos a estar assim perante uma guerra, também civil.

 

E, entretanto, o milho é mais uma operação de diversão (como se diz em linguagem militar) para prender as atenções de toda a gente e distrair daquilo que pode vir a tornar-se muito importante para os russos: a guerra no mar ou partindo do mar.

09.08.22

O Conselho de Segurança e os conflitos


Luís Alves de Fraga

 

Hoje, ontem ou amanhã, ter-se-á reunido o Conselho de Segurança da Nações Unidas, por causa de mais um massacre levado a cabo pelas tropas israelitas sobre a Faixa de Gaza. O número de mortos terá sido elevado tal como o de feridos. Quem diz isto é a jornalista Joana Pereira Bastos, do Expresso. Fala de 44 mortos e 300 feridos entre os jihadistas.

Não se trata de uma guerra que começou há seis meses, mas de um conflito com várias dezenas de anos. Os hospitais estão superlotados e corre-se o risco de faltar a electricidade de um momento para o outro de acordo com a vontade dos judeus.

Do Conselho de Segurança são membros permanentes os EUA, a Rússia, a China, a França e o Reino Unido e têm direito de veto sobre as decisões tomadas pelos outros 10 membros eleitos para mandato de dois anos.

Pois bem, o Conselho reúne-se por causa da sacrificada Faixa de Gaza e da luta com o Estado de Israel e toma decisões e dá conselhos e propõe soluções e faz tudo e mais mil e uma coisas para resolver um problema insanável: a criação de um Estado judaico onde há milénios viviam judeus e palestinianos em harmonia, mas não consegue resolver o conflito entre a Rússia e a Ucrânia (um Estado com existência moderna desde 1991). E, sobre este conflito, não chega a qualquer tipo de consenso por uma simples razão: os cinco grandes agrupam-se em três blocos opostos: os EUA, a França e o Reino Unido, de um lado, do outro, em antagonismo total, a Rússia e, por fim, até há pouco tempo, mantendo um diálogo de equilíbrio com os outros dois blocos, a China.

Não se pode comparar o conflito israelo-palestiniano com o russo-ucraniano, porque, segundo muitas e abalizadas opiniões, se tratam de assuntos diferentes. Mas, com toda a ousadia que a minha liberdade de pensamento e de expressão do mesmo me confere, eu afirmo que há uma comparação possível entre estes dois confrontos. Vamos vê-la.

 

‒ Na essência qual é a razão da invasão russa da Ucrânia?

Integrar na Rússia regiões russófonas, combatidas pelos ucranianos (claro que eu mesmo já teci variadíssimas motivações para os russos quererem impor-se à Ucrânia, mas, olhando com uma visão nua para o conflito, a Rússia quer criar uma zona de segurança para poder sentir-se confortável na defesa do seu território. Não se trata de acabar com a Ucrânia, nem de ocupar outros Estados; trata-se, tão-somente, de impedir uma militarização que ponha em risco a sua fronteira.

Explicada desta forma a guerra na Europa de Leste, vemos que as razões da Rússia são exactamente as mesmas que as invocadas por Israel em relação à sua vizinhança islâmica e, muito em especial à jihad islâmica. Contudo, Israel recebe favores e apoios dos EUA e a Rússia recebe condenações. É aqui que reside o busílis da questão: as mesmas causas não resultam nos mesmos efeitos, gerando uma atitude cínica, falsa e traiçoeira por parte de alguns dos Estados que representam as maiores potências do mundo (por enquanto).

 

A vida internacional está cheia destas contradições, porque o que realmente impera no trato entre Estados são os interesses pelos quais se batem.

‒ Como é que não há sanções para Israel e as há para a Rússia, se as motivações primeiras são as mesmas? Ou será que, afinal, a comparação está mal feita e o equivalente a Israel, no conflito na Europa de Leste, são os EUA? Claro que, para tudo ter uma lógica e coerência na política internacional, teremos de aceitar que a China tem todo o direito a reivindicar para si a ilha Formosa. Mas será que tem?

 

Claro, só desmontando estas contradições poderemos perceber quanto estamos enganados sobre os bons e os maus nas relações internacionais.

08.08.22

As centrais nucleares


Luís Alves de Fraga

 

A guerra tem certas regras que, umas, já estão definidas do antecedente e outras que se vão firmando com o desenrolar do conflito. E não se diga que só os chamados conflitos regulares têm regras, pois a guerra de guerrilhas também tem regras prévias ou que se vão concebendo ao longo do desenvolver das operações. Por conseguinte, dado adquirido: a guerra tem regras.

Mas quando se diz que a guerra não tem regras ou que não se estão a cumprir as regras da guerra, pretende-se, normalmente, afirmar que um, ou vários, dos exércitos em confronto está a introduzir uma nova regra, ou seja, uma nova forma de fazer a guerra.

 

Ora, neste conflito militar entre a Rússia e a Ucrânia, começa a surgir a acusação de que as centrais nucleares ucranianas, que caíram na posse das tropas russas, estão a servir de zona de concentração de forças, armamento e munições daquele país para ficarem ao abrigo de bombardeamentos ucranianos e dali poderem atacar com maior impunidade certos alvos inimigos. Curioso é que, também, os russos acusam os ucranianos de igual procedimento. Ambas as acusações podem ser verdadeiras, ambas falsas ou uma verdadeira e outra falsa. Tudo isto faz parte da guerra, porque esta se alimenta de informação e contra-informação de modo a confundir o inimigo e a opinião pública que é afecta a um dos lados.

Usar as centrais nucleares como escudo é extremamente perigoso tanto para os russos como para os ucranianos, pois se houver um bombardeamento, mesmo que muito bem dirigido, capaz de gerar uma fuga de radiação ela tanto atingirá as tropas de um lado como do outro, para além de ir causar estragos físicos numa massa bem extensa de população, podendo, ainda, propagar-se a centenas de quilómetros de distância e atingir gente que não está envolvida no conflito militar.

Partindo deste ponto, tudo me leva a crer que a acusação feita pela Ucrânia se trata de mais uma contra-informação para colocar os russos em má posição perante o mundo, podendo ser que, até, os ucranianos estejam a usar esse método, contando com a cautela dos generais inimigos, por saberem que Moscovo desaprova uma escalada nuclear e, ao mesmo tempo, porque estando em desvantagem numérica e contando com melhor armamento fornecido pelos americanos, o guardem nas suas centrais nucleares, pois vêm verificando que os depósitos de munições junto de zonas habitadas têm sido sistematicamente bombardeados por mísseis de alta precisão disparados pelos russos. Então, para desacreditar a acusação de Moscovo, Kiev acusa os russos de estarem a fazer aquilo que, afinal eles podem estar a fazer.

 

Tudo isto são suposições, que só ganham verosimilhança quando forem minimamente provadas por uma das partes. Ora, para que se não ganhe calor defendendo este, acusando aquele, há que colocar as hipóteses para se tentar perceber qual dos lados ganha mais com a contra-informação.

Assim, como a propaganda russa, nos países onde é bem aceite, é muito agressiva, Zelensky tem de fazer subir os decibéis da sua contrapropaganda para esconder uma verdade que não é conveniente poder ser confirmada por aqueles que acreditam nele e na sua causa.

 

A guerra não é nem um jogo de futebol, nem um campeonato inteiro de qualquer desporto para diversão das massas populares. A guerra gera a morte de muita gente que nem sabe, com plena exactidão, para que serve o sacrifício da sua vida. Desta forma, temos de ter cautela sobre o apoio que damos, procurando não ser apanhados pelas operações de propaganda, nas quais há pessoas interessadas, porque obtém vantagens desmesuradas, que nos passam ao lado sem darmos por elas.

07.08.22

A impagável dupla


Luís Alves de Fraga

 

Todos vimos percebendo que a guerra russo-ucraniana não nos traz, colectivamente, nada de bom; antes pelo contrário. Disso já falei muito e, tenho a certeza, fui bastante mal compreendido, pois até houve quem, no Facebook cortasse relações pessoais comigo (e tratava-se de alguém que eu considerava muito e por quem tenho muita admiração intelectual e pessoal).

Parece-me que, com o rodar da carruagem, já há quem compreenda que a defesa ideológica da Ucrânia foi uma excelente invenção de quem comanda os órgãos de comunicação social e, no caso vertente, os nacionais, que estão sempre dispostos a fazer qualquer frete por qualquer preço desde que fiquem classificados como bons alunos à custa de nos tentarem fazer parvos ou alienados, o que, em boa verdade, a alternativa, é bem pior.

Quiseram fazer de todos nós ucranianos ‒ coisa em que não alinhei desde a primeira hora, embora não tenha alinhado em ser russo ou, até, comunista; fui e continuo a ser aquilo que há muitos anos tenho sido: um analista independente e com um campo de tiro de 360 graus ‒ à força de nos impingirem a ideia de que a Rússia ‒ que, sem dúvida, invadiu a Ucrânia ‒ estava na origem de uma nova guerra, desta vez, na Europa de Leste. Não, a origem da guerra estava, está e estará sempre no facto de os EUA aceitarem e incentivarem o alargamento da OTAN até uma outra fronteira da Rússia, esta, agora, a da Ucrânia. A crise de Cuba foi esquecida pela Casa Branca e não se tentou levar Kiev a reposicionar-se em relação às regiões que se autoproclamaram Estados independentes.

 

Por cá, como prova de que o fascismo ainda está muito vivo em gente de avançada idade e, até, em jovens, confundiu-se, propositadamente a Rússia oligárquica, capitalista e ditatorial com a já há muito falecida URSS e, ao fazer isto, vá de classificar como comunistas todos quantos olhavam a política do Kremlin mais como defensiva do que como ofensiva.

Se todas as estações generalistas de televisão eram afincadamente defensoras da visão ditada pela Casa Branca e pelo Pentágono, uma delas ‒ a SIC ‒ primava por estar na vanguarda. E usava (creio que, à data em que escrevo, ainda usa), num dos telejornais da noite, dois pares de jarras de se lhe tirar o chapéu! Tirar o chapéu, porque bolsam, durante um pas de deux de alguns minutos, todo o veneno que acumularam durante a vida contra a Rússia estivesse ela ainda no regime comunista ou já nesta farsa democrática de agora. Trata-se, como já devem ter percebido de Nuno Rogeiro e de José Milhazes.

 

Convirá recordar que, há muitos anos, segundo constou nos meios académicos, ainda no final do século passado, Nuno Rogeiro teve de abandonar a universidade Lusíada e as cadeiras ali leccionadas por si porque, instado a apresentar o diploma ou os documentos que lhe conferiam grau académico para poder exercer a função, nunca o fez, levando à presunção de que não possuía as condições, então, requeridas para o desempenho atribuído.

Já na altura ele fazia, de quando em vez, comentários em estações de televisão, sobre temáticas internacionais, mostrando clara simpatia pelos EUA e pelas ideologias políticas tendencialmente do leque da direita parlamentar. Acabou por fixar-se na SIC e assumir os cometários sobre as relações internacionais.

Com a eclosão da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, posicionou-se, sem margem para dúvidas, ao lado do governo de Kiev, desenvolvendo muito mais um tipo de propaganda política, através da mostra de episódios contrários à Rússia, do que buscando um tipo de informação capaz de permitir aos telespectadores compreender o conflito e tirarem por si mesmos as conclusões que resultassem de simpatias ideológicas ou de análises mais aprofundadas. Não. Ele, todos os dias, injecta uma vacina anti Rússia, através de vídeos e considerações que chegam a ofender a inteligência de quem ainda presta atenção ao seu discurso. Nuno Rogeiro não é um especialista em questões internacionais; é um propagandista ao serviço de certos poderes mundiais e nada mais.

 

Em parceria com Rogeiro surge o inimitável José Milhazes, um comunista desconvertido e rebelde contra a Rússia. Foi jornalista e é licenciado, pela Universidade de Moscovo, em História Russa. Doutorou-se, já tardiamente, em História, na Universidade do Porto.

Não imagino o que o fez mudar de posição política, desde que chegou a Portugal e abandonou a terra por onde aprendeu ‒ ou talvez não ‒ a fazer História. O que salta à vista dos telespectadores desta dupla de propagandistas é a, por vezes, quase caricata figura que faz José Milhazes nos seus comentários sobre a terra e o povo que o acolheu durante dezenas de anos. Não há como o levar a sério, tão raivosa é a sua postura para com o governo russo e a actualidade russa.

 

É pena que dois estudiosos sobre temas eslavos e asiáticos se desperdicem em campanhas de propaganda política, pois podiam, talvez sem se esforçar muito, ajudar a compreender mentalidades e culturas tão distantes das do resto da Europa.

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