Como vai a guerra?
Passaram três meses e alguns dias sobre a invasão da Ucrânia por tropas russas. Ao contrário do que pensei logo no início, o conflito está a durar mais do que as três semanas que imaginei.
Foi engano meu, que não estou dentro do estado-maior russo ou ucraniano, ou deixei-me influenciar pelas experiências das pequenas guerras do século XIX, levadas a cabo para acerto de fronteiras ou, até mesmo, pela duração da invasão prussiana de França? É que, admiti, bastaria ocupar Kiev e provocar uma mudança governamental que fosse pró-russa e tudo estaria resolvido. Não há dúvida, enganei-me. Todavia, continuo a apostar numa curta duração deste conflito, ao invés do que se apregoa quanto a uma possível resistência superior a um ano.
Quando digo curta já admito que possa chegar a Setembro ou Outubro do corrente ano. Mais do que isso, parece-me, é eternizar uma guerra na Europa, que não convém nem aos russos nem aos europeus, embora possa ser do agrado dos americanos.
O meu engano inicial fundamento-o naquilo que a maioria dos comentadores ocidentais considera um recuo do estado-maior russo: o avanço em duas frentes: uma sobre Kiev e outra a Leste sobre o Donbass rumo à costa do Mar Negro.
Realmente, hoje, admito que, desde antes da abertura das hostilidades, o estado-maior russo optou por uma manobra de diversão e divisão das forças ucranianas, pois, fazendo crer que o objectivo principal era Kiev, com vista àquilo que admiti (fazer cair o governo e substitui-lo por outro pró-russo), obrigou ao reforço da defesa da capital ucraniana, chamando todas as atenções para aquela zona do território, enquanto deslocava para Leste, em direcção ao Donbass, forças capazes de iniciar operações que só mais tarde se perceberia constituírem o objectivo fundamental de toda a operação.
Com efeito, repare-se, a simples mudança do governo da Ucrânia não oferecia garantias estratégicas permanentes (recordemos os falhanços da URSS e dos EUA em operações deste tipo no Afeganistão ou só de Washington noutras regiões do Médio Oriente) enquanto que dominar militarmente a zona russófona a Leste e a costa do Mar Negro, bem como alguns dos seus principais portos, é, estrategicamente, a única solução capaz de levar ao fim do conflito. E, o mais curioso é que, na minha opinião, esse final de guerra, com perdas territoriais, pode vir a ser imposto à Ucrânia pela Europa, arrastando os EUA a ter de parar com o desejo de arrasar o poder militar russo. Assim, Putin pode apresentar aos russos uma vantagem na guerra. Se tal vier a acontecer como o antevejo, haverá dois perdedores e dois ganhadores. Os EUA e a Ucrânia perdem, de formas diferentes, mas perdem, enquanto a Rússia e a Europa ganham, também de formas diversas, mas ganham.
E não se diga que Putin, no quadro que acabei de traçar, sai com vontade de iniciar qualquer outro conflito sobre Estados vizinhos e não pertencentes à OTAN. Não sai, porque, para além de o seu arsenal militar estar desfalcado, está sob uma forte tensão devido às sanções económicas impostas pelos EUA e acompanhadas pela Europa.
O único golpe de rins que lhe fica para dar é o da aproximação à China, mas, admito, não irá entrar por esse caminho, pois mostrou fragilidades militares que não interessam a Pequim. Não se pense, contudo, que a Rússia sai deste conflito com um estatuto internacional inferior àquele que tinha antes; continuará a ser uma grande potência, porque vai buscar à panóplia de armas nucleares toda a força que perdeu no plano da guerra convencional. Esta última fragilidade colocará Moscovo perante a situação de ter de repor forças convencionais e ampliar a investigação de modo a conseguir encontrar novas e inovadoras soluções de fazer a guerra com armas tácticas modernas e capazes de se contraporem às dos EUA. Para que isto se torne uma realidade exequível é preciso que economicamente a Rússia se recomponha e, para tanto, carece de vender aquilo que lhe pode dar lucro: o petróleo e o gás. A médio prazo, a Europa poderá ter de substituir as compras de tais fontes de energia aos EUA por outros fornecedores onde, entre eles, se perfila, novamente, a Rússia.
Em conclusão, julgo (sem apoio de nenhuma bola de cristal, que abomino), a Europa terá todo o interesse estratégico em procurar estabelecer os termos de uma paz na Ucrânia a troco de ajuda na reconstrução daquilo que ficou destruído como compensação daquilo que foi conquistado pela Rússia, com mais uma pequena exigência a Kiev: desistir de afrontar Moscovo, desarmando-se dentro dos limites do razoável.
É isto que se mostra conveniente ao Kremlin para a Rússia não sair humilhada e o que pode contribuir para a Europa, em especial a União Europeia, não se sentir um simples pião na definição da estratégia global dos EUA.