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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

29.04.22

A História repete-se?


Luís Alves de Fraga

 

É comum ouvir dizer que a História se repete, embora com actores diferentes e noutros tempos. Nada pode ser mais falso! A História não se repete, embora pareça. São simples aparências. A História tem pontos de coincidência, mas é somente isso: coincidências e não igualdades, daí que não se possa falar em repetições.

Mas, da História e dessas coincidências, podem extrair-se lições, tal como cada um de nós, no sentido individual, tira ‒ os que tiram, está bem de ver! ‒ ilações do seu passado, umas para tentar repetir, salvaguardadas as circunstâncias, e outras para evitar.

Posto isto, hoje lembrei-me, face às actuais circunstâncias que a Europa atravessa, para não falar do mundo, de vos brindar com a lembrança de um conjunto de acontecimentos passados quase no final da década de 1930, para ajudar nas chamadas coincidências da História. Outras coincidências que ninguém recorda, embora relembre, pelos menos, um dos personagens, um tipo com um ridículo bigodinho…

Vamos a isto?

 

A 2.ª República em Espanha foi proclamada em 14 de Abril de 1931, depois de uma estrondosa vitória eleitoral dos republicanos aquando das eleições municipais. O rei, Afonso XIII, abandonou o trono, fugiu e, depois, no exílio, abdicou no seu filho Juan de Borbom.

Em Julho de 1936, uma conspiração de generais nacionalistas, que, depois de algumas peripécias, permitiu ao general Francisco Franco chefiar a sangrenta e terrível guerra civil na vizinha Espanha.

Claramente, do lado republicano lutava-se pela democracia e pela liberdade e do lado nacionalista pela ditadura, pelo obscurantismo e pelo genocídio de todos os que não perfilhassem as ideias de Franco.

De ambos os lados praticaram-se barbaridades, fuzilamentos sem julgamento prévio, destruições absurdas. Nas mesmas aldeias, famílias que sempre se haviam respeitado, combateram-se, separando-se e denunciando-se às forças dos lados que se batiam palmo a palmo pela conquista do território.

Os republicanos receberam apoio em armas e alguns conselheiros militares da Rússia e do México, enquanto os governos de França, Grã-Bretanha e Estados Unidos se declaravam neutrais e não forneciam qualquer apoio em armamento. Mas muitos cidadãos desses países, por razões ideológicas vieram combater ao lado dos republicanos nas chamadas Brigadas Internacionais.

Portugal, à socapa, passou, de imediato a apoiar e auxiliar naquilo que era possível, os nacionalistas, porque outra coisa não se esperava da ditadura anticomunista de Salazar. Mas, descaradamente, com envio de tropas e de todo o tipo de armas, puseram-se ao lado dos nacionalistas a Alemanha nazi e a Itália fascista.

A guerra durou três anos ‒ a vitória de Franco e dos nacionalistas ‒ festejou-se nas ruas de Madrid, com um desfile militar, no dia 1 de Abril de 1939, poucos meses antes do começo da 2.ª Guerra Mundial.

 

Adivinho a pergunta: «Onde estão as coincidências?»

Pois bem, quem é que auxiliou fortemente, com armamento e com tropas bem treinadas, o vencedor, o ditador, o torcionário?

Aqueles que se preparavam para a guerra que se seguiu: os nazis alemães e os fascistas italianos. Foram esses que se empenharam a fundo na vitória do ditador Francisco Franco, que, dez anos depois do final da guerra civil, ainda mandava fuzilar em segredo os democráticos republicanos que foram sendo denunciados ou que caíram sob a alçada das forças policiais.

A coincidência é quase subtil e desvendo-lhe uma parte: a Ucrânia só se tornou um Estado soberano, por vontade de Moscovo, em 1991, então, podemos dizer que, sem ter de forçar demasiado a História, o actual conflito é uma guerra civil, porque na Ucrânia há muitos russos que ficaram nos seus lares após a independência. Esta é uma das subtis coincidências; a outra procurem-na entre quem está a alimentar a resistência ucraniana e porquê.

27.04.22

Esquecimentos dos órgãos de comunicação social


Luís Alves de Fraga

 

Todos ‒ se calhar, nem são assim todos… são só alguns ‒ sabemos que os órgãos de comunicação social, em vez de nos darem notícias com a imparcialidade que se espera de um juiz no tribunal, nos servem gato por lebre e, deste modo, condicionam-nos na tomada de posição sobre qualquer assunto. Entre nós, ai, entre nós, a televisão e alguns jornais e certas revistas, condenam um mero suspeito de qualquer coisa, faltando-lhes somente ditar a pena de prisão: eles contam, investigam e julgam a uma condenação irremediável: a da opinião pública. Mas, o pior de tudo, é que pensam estar a fazer jornalismo verdadeiro e sério.

Tenho, para mim, a sensação de que tais comportamentos resultam de uma imensa necessidade de protagonismo, tanto dos jornalistas como dos órgãos de comunicação social. Isto é uma consequência de não haver uma verdadeira escola de jornalistas, uma ética comportamental. Dizem que há deveres e obrigações, mas são letra morta no dia-a-dia.

 

E tudo isto vem a propósito de quê?

Pois, de um só esquecimento que não tem o devido destaque desde que as tropas russas ultrapassaram a fronteira com a Ucrânia!

Esquecem-se de dizer, de repetir com o mesmo ênfase com que mostram as destruições feitas pela artilharia russa, que a Ucrânia tem existência soberana em consequência de Moscovo, durante a vigência do regime soviético, ter feito daquele território russo um Estado independente; esquecem-se de dizer que uma parte da Ucrânia a Oeste chegou a ser território polaco; esquecem-se de dizer que no Leste e Sul da Ucrânia prevalece uma parte de população que é russófona; esquecem-se de dizer que a Ucrânia está a viver uma guerra civil, pelo menos desde 2008, data em que Ângela Merkel e Sarkozy se opuseram à admissão daquele Estado na NATO por não apresentar a estabilidade política desejável para fazer parte da aliança; esquecem-se de dizer que, desde 2014, Kiev mantêm uma guerra civil no Leste da Ucrânia contra os povos que pretendem separar-se da tutela ucraniana, porque culturalmente são diferentes, não se identificam com o processo histórico da Ucrânia.

 

São esquecimentos convenientes para agradar a Biden e a Bruxelas, que, agora, ‒ com raras excepções ‒ se vergam à vontade de Washington. E vergam-se, porque, durante largas dezenas de anos, a UE foi somente um projecto político-económico despreocupado com a sua defesa e com a sua política externa, já que acreditava no chapéu-de-chuva americano, contudo, foi necessário haver um Trump para acordar os tecnocratas da União e fazer-lhes ver que os EUA não estavam dispostos a pagar a segurança de UE que, em última análise, é um bloco económico concorrencial da América.

Os esquecimentos dos órgãos de comunicação social são, neste momento, óptimos para nos colocarem não só com uma imensa pena dos ucranianos, mas, acima de tudo, para nos prepararem para um possível enfrentamento com a Rússia, fazendo a guerra russo-americana através de interpostas pessoas. Essas interpostas pessoas, vamos ser nós. Aliás, já estamos a ser nós, porque a inflação, os custos mais altos do gás e do petróleo empobrecem-nos enquanto vão enriquecer os EUA ao mesmo tempo que a sua indústria de guerra prospera, fazendo prosperar quem nela trabalha e não corre o risco de ver o seu território sujeito a retaliações de grande calibre por parte de Moscovo.

Os esquecimentos dos órgãos de comunicação social, estando ao serviço do complexo industrial bélico americano, querem fazer-nos crer que Putin é o Hitler dos nossos dias, quando ele é, muitíssimo mais parecido com o Kaiser Guilherme II, de 1914, que, por se sentir encurralado pela França e pela Rússia, ambas apoiadas pela Grã-Bretanha, optou pela fuga para a frente, para aliviar o abraço que no resto da Europa lhe estavam a dar.

 

Todos precisamos de meditar, de averiguar, para não sermos enganados, pois, por trás de tudo isto estão interesses financeiros e económicos que só se querem servir de nós como o carvão serve para a caldeira.

26.04.22

Barbas a arder


Luís Alves de Fraga

 

Pois, diz o nosso povo ‒ ou dizia, quando era sábio, para compensar o seu imenso analfabetismo ‒ que devemos pôr de molho as barbas quando vimos as do vizinho a arder. Ora, o que arde neste momento é a Ucrânia, um Estado do Leste da Europa… A Leste, mas da Europa, porque se fosse na África Austral ou na América do Sul ou na Índia a coisa não nos afectava, não nos dizia respeito, mas é aqui, quase ao virar da esquina e, então, tudo nos alerta para as tais barbas, a bacia e a água.

 

Hoje de manhã, na Antena 1, vários experts, entre os quais não faltava o inefável Ângelo Correia ‒ e já vamos perceber o porquê ‒ discutiram uma hora, ou talvez mais, a questão das nossas Forças Armadas. Exíguas Forças Armadas que, na minha opinião, estão quase desarmadas… Mas eu não sou, nem quero ser, um perito em tais assuntos e, de meios de defesa e segurança já ando tão arredado que não me arrisco a dizer muito para não mostrar o quanto tudo isso está ultrapassado em mim.

Disseram-se coisas interessantes, chamou-se a atenção de quem de direito ‒ o Primeiro-ministro ‒ para a necessidade de se dar uma razoável dimensão às tropas que garantem a nossa segurança e a nossa defesa; de se evitarem as duplicações de funções entre GNR e Marinha, por exemplo; de se adquirir ou reparar convenientemente os sistemas de armas que estão inoperativos ou comprar aqueles que fazem falta. Mas disse-se algo que é muito importante: não podemos, não devemos, ficar à espera da definição do conceito estratégico de defesa da NATO para definirmos o nosso conceito estratégico nacional.

 

Este último aspecto, sem desprezo pelos anteriores, foi aquele que mais me chamou a atenção.

Porquê?

Pela simples razão de que os aliados de hoje podem ser os indiferentes de amanhã, podem ser os que assobiam para o lado e disfarçam as suas obrigações com discursos lindos de solidariedade, de amizade e… vai-te tratar, porque não tenho aqui remédios para ti!

O exemplo das sansões aplicadas à Rússia e que são a todos os segundos de cada dia boicotados pela Alemanha, pois continua a comprar-lhe gás e petróleo para satisfazer os seus interesses nacionais, sem prejuízo dos alemães, é bem evidente do que são e como são tratadas as prioridades nacionais, mesmo quando se pretende dizer que se está politicamente solidário com um Estado, com um conjunto de Estados ou com uma União de Estados.

 

Não sei se por ingenuidade, se por conluio de momento, se por desleixo, esta lição não a aprendem os nossos políticos, governantes ou opositores, porque, realmente, parecemos pedintes de mão estendida quando se trata de pensar nos nossos interesses nacionais e, acima de tudo, de os defendermos.

Isto é Estratégia Nacional, isto tem de estar contemplado no nosso conceito estratégico, que não passa só pela defesa militar; passa pelo conceito de segurança que vai muito mais longe do que a linguagem das armas, pois, para além de outros meios, pode usar a economia, a demografia, a agricultura, a indústria, a pesca, a energia e tudo aquilo que afecta o bem-estar do nosso povo, que somos todos, sem excepção.

Vamos lá ver se arranjamos uma bacia suficientemente grande para pormos as nossas barbas de molho.

25.04.22

Da Liberdade ao surreal


Luís Alves de Fraga

 

Passa hoje o 48.º ano sobre o 25 de Abril de 1974. Foi o dia em que se deitaram fora outros 48 anos de ditadura. E a ditadura começou por ser militar e a liberdade foi-nos devolvida, também, pelos militares.

Em 1926, os tenentes do 28 de Maio, esperavam acabar com a instabilidade gerada na 1.ª República, a qual era menos por causa do que se passava cá dentro do que consequência do que vinha de fora. E esta perspectiva quase não tem sido explorada pelos nossos historiadores, pois fixamo-nos excessivamente na sucessão de governos caídos, uns atrás dos outros, porque, mais do que tudo, não havia pão e, onde ele não existe, não há razão. Da falta do pão não eram culpados os políticos ‒ mais nacionalistas ou não, mais monárquicos ou mais republicanos ‒ porque, afinal, a desregulação vinha de fora, de uma Europa em crise constante e de uma América que se fechara até rebentar, em 1928, com a economia mundial.

Em 1974, os capitães arrastavam e arrostavam com uma guerra que a estabilidade do regime impunha ao país sem se vislumbrar fim para ela. E, curiosa e estranhamente, também essa guerra resultava de um mundo em mudança, um mundo que abandonara o modelo colonial, optando por independências subjugadas por um novo colonialismo disfarçado, mas imperativo. O modelo nacional não soube e não quis aceitar o novo paradigma e exauriu a nação num conflito bélico de baixa intensidade, segundo os padrões de riqueza estrangeiros, mas de altíssimo desgaste, segundo a miséria nacional.

Assim foi parido o 25 de Abril, no ano de 1974, cheio de esperanças na modernidade que estava ao alcance de um estender de braços, julgavam os capitães. Julgavam, porque não perceberam que, afinal, o nosso povo gosta do surreal, dessa coisa que ninguém percebe e que, ao invés de trazer progresso e modernidade, traz um profundo obscurantismo, essa coisa que dá pelo nome de reality show.

 

É que ontem, véspera do 48.º aniversário da noite libertadora, vi, pela primeira vez, o mais idiota dos programas televisivos de todos os tempos; um programa absolutamente impossível há 48 anos e só possível 48 anos depois, porque, do ponto de vista cultural, do ponto de vista da evolução mental, parámos no tempo, num tempo lá muito para trás. Um programa que tem um nome que, só por si, diz tudo sobre o conteúdo, diz tudo sobre a miséria moral que nos consome e que é bem pior do que a miséria de pão que havia em 1926 e, até, em 1974. Um programa que se chama: Casados à primeira vista.

 

Se calhar já viram, mas ao ver limitaram-se a olhar e não observaram com profundidade o que aquilo tem de absurdo, de imoral, de contra-senso.

Um homem e uma mulher que nunca se viram na vida, que não sabem nada um do outro e que casam (eu disse bem, casam civilmente) um com o outro e, em conjunto com outros concorrentes, vão estar sujeitos a um começo de vida só para ver se a união resulta.

 

E os senhores deputados da Nação discutem no parlamento se indivíduos do mesmo sexo devem casar civilmente, se devem e podem ter filhos concebidos por um deles ou adoptados, discutem se se deve aceitar a eutanásia, a morte assistida e mais uma série de problemas ligados ao matrimónio e à vida e deixam passar incólume um programa em que se banaliza o casamento até o tornar num concurso televisivo em que nada do que ali se passa é ficção, mas pura realidade.

Se o formato é uma importação, não me interessa, pois importada é, também, muita coisa que aqui não compramos. Importada foi a instabilidade governativa da 1.ª República e foi repudiada tal como repudiada foi a solução de uma descolonização precoce. Também um formato surrealista podia ser repudiado, porque atenta contra a seriedade de um tema que merece ser enaltecido em vez de banalizado e descredibilizado.

Vale a pena um 25 de Abril que nos conduz para o absurdo?

24.04.22

A guerra e o PCP


Luís Alves de Fraga

 

A posição assumida pelo PCP, aquando da intervenção de Presidente da Ucrânia no nosso parlamento, tem sido largamente criticada, porque se negou a estar presente e porque, depois, ainda fez uma pequena conferência de imprensa sobre o assunto.

Ontem, na CNN portuguesa vi e ouvi um programa em que só faltou ao coordenador e aos intervenientes condenarem à ilegalidade o Partido Comunista. Ouvi algumas barbaridades ditas por quem ainda não tinha nascido aquando do 25 de Abril de 1974.

Claro que não venho aqui defender o PCP. Mesmo que o quisesse fazer não havia condições para tal. Mas vou tentar explicar as razões do PCP.

 

Antes do mais, o PCP está ideologicamente nos antípodas da ideologia política dominante nos EUA. Sabemos e percebemos que, por trás desta guerra a incentivá-la está o Governo de Washington, logo há um confronto frontal entre os comunistas e os americanos. Esta é uma das razões do PCP. Mas, sendo, talvez, a principal, não justifica a atitude do partido.

Depois, há aquilo que, na Europa e no mundo ocidental, está completamente esquecido: na Ucrânia a prevalência ideológica, dentro dos quadrantes comuns da classificação dos partidos políticos, é de direita e, até, de extrema-direita. Os partidos de esquerda, incluindo o comunista, estão ilegalizados e são perseguidos. Mais um motivo para juntar ao anterior, que leva o PCP a não aceitar estar presente.

De seguida, Zelensky apresenta-se como vítima da Rússia e, em particular, de Putin. Ora, a verdade é que as Forças Armadas ucranianas, que integraram no seu seio, bandos políticos armados de ideologia pró-nazi, desde 2014, tem vindo a provocar o Governo de Moscovo naquilo que o afecta mais: a possibilidade de adesão à NATO, gerando a possibilidade de colocar perto da fronteira mísseis capazes de alcançar alvos estratégicos russos. Os ucranianos, para que se perceba, têm tido o comportamento daqueles adolescentes que fazem bulling sobre o companheiro de carteira, na escola, levando-o à exaustão e a, usando da força que têm (quando a têm), lhe dar um verdadeiro arraial de pancada, queixando-se, de seguida, que foram agredidos.

A propaganda ‒ excelentemente bem montada ‒ tem levado o mundo inteiro a não ser capaz de inverter o cenário (como acabei de fazer) e perceber que os interesses estratégicos da Rússia estão a ser ameaçados pelos EUA e, por arrasto, pelos restantes países europeus. O PCP vê com clareza o cenário descrito. E mais, vê que para os EUA tudo isto tem finalidades secundárias, nomeadamente, são avisos contra a China.

 

O PCP, que não foi capaz de aplicar os princípios do judo ‒ utilizar a força do adversário para o vencer ‒ está, agora, a tentar inverter a situação, reconhecendo que se bate pela causa da paz. A resposta da oposição é evidente: a Ucrânia deve erguer a bandeira branca e render-se?

Não se trata de uma rendição… que é a percepção da maioria dos mais do que sobrecarregados ocidentais com propaganda para fazer chorar as pedras da calçada; trata-se de fornecer à Rússia aquilo que ela tem exigido da Ucrânia: a neutralidade militar.

Estará, agora, Moscovo, depois das conquistas militares que já fez, disposto a pactuar? Julgo que não. Neste momento a Ucrânia terá de ceder o que já está ocupado pelos russos e negociar a redução de estragos a que levou a sua atitude de desafio. Isso só se faz à mesa das negociações, mas com as armas já em silêncio. Ora, neste preciso momento, se Zelensky propuser um cessar-fogo internamente é apeado do poder, o que prova que não está já a defender os ucranianos, está a defender a sua posição política.

 

O PCP teria de vir calmamente esclarecer todos estes pontos de vista e justificar o erro da sua não presença no parlamento. Mas explicar e justificar com base no desejo de paz e da não intervenção de outros Estados na política interna de cada um, que é aquilo em que os EUA são useiros e vezeiros.

15.04.22

Com a devida vénia


Luís Alves de Fraga

 

O MGen. Carlos Branco publicou no Referencial, revista da Associação 25 de Abril, que já está em casa dos sócios em formato digital, um texto intitulado “Mais uma Guerra na Europa”, do qual extraí as partes iniciais, por ajudarem muito à compreensão e à desmistificação da propaganda que nos força a ver o conflito somente entre os “bons” e os “maus”, os “brancos” e os “vermelhos”, partindo de uma terminologia que data dos anos seguintes à revolução soviética de 1917.

Só indo às origens primeiras do conflito é que se pode perceber como poderia ter sido evitado e como está a ser empolado, quase nos levando a admitir uma próxima guerra mundial como um videojogo sem efeitos no nosso dia-a-dia.

Aconselho vivamente a leitura e compreendam-se as razões, evitando as zangas, as ofensas, os cortes de relações, porque o pior cego é aquele que se recusa a ver.

 

«O TERRITÓRIO EUROPEU ENCONTRA-SE novamente envolvido numa guerra de consequências ainda difíceis de antecipar. Não bastaram duas guerras mundiais. Esta guerra tem por fim inviabilizar uma possível adesão da Ucrânia à NATO. Acossada pelas ameaças ao seu território colocadas pelos sistemas antimíssil instalados próximo da sua fronteira, capazes de atingir Moscovo e São Petersburgo, submarinos nucleares norte-americanos no norte da Noruega, e o aumento das atividades navais da Aliança no Mar Negro, Moscovo pretende garantir que a NATO não vai continuar a expandir-se para Leste, nem vai continuar a colocar sistemas de armas ofensivos próximo das suas fronteiras, garantias que a Casa Branca não está disposta a dar. Por isso, o governo de Moscovo não está disposto a permitir a adesão da Ucrânia e da Geórgia à NATO. Trata-se de uma questão considerada existencial para a Rússia. Ficaria numa situação de extrema vulnerabilidade noutras regiões, nomeadamente no Cáucaso. Abriria um precedente sem fim à vista. Seria o fim da Rússia como potência. De igual modo, os EUA não permitirão que uma potência rival estabeleça bases militares na América Central, ou a China em regiões próximas do seu território, que considere ameaça direta ao seu território. Neste plano inclinado descendente em que nos encontramos, as lideranças políticas europeias parecem não estar a perceber o que está realmente em causa. A possibilidade de o conflito russo-ucraniano vir a extravasar o quadro regional é real. Moscovo tem vindo a alertar há cerca de 30 anos para este problema. As preocupações, os alertas e os protestos russos não foram ouvidos, aumentando o nível de ameaça percebido por Moscovo. A oposição da Rússia ao alargamento da NATO tem sido erradamente atribuída ao espírito maléfico de Putin. É um problema securitário existencial, vital para a Rússia, que extravasa o poder de quem, num dado momento, se senta no Kremlin.

(…)

A explicação para esta guerra não se encontra em abordagens maniqueístas dos bons contra os maus, mas sim na geoestratégia, que tem influenciado de modo decisivo a política externa das grandes potências. Isso é bem visível no caso norte-americano. A política da contenção da União Soviética adotada por Washington, nos tempos da Guerra Fria, elaborada e desenvolvida por George Kennan, o arquiteto da estratégia americana para conter a União Soviética, fortemente inspirada nos trabalhos do geoestratega Nicholas Spykman, é um flagrante disso. Mais recentemente, Zbigniew Brzezinski, conselheiro nacional de segurança do presidente Jimmy Carter, avançou no seu livro The Grand Chessboard (1997), com a teoria dos pivôs geopolíticos, considerando a Ucrânia um desses pivôs. Segundo Brzezinski, a Ucrânia “é um pivô geopolítico porque sua existência como país independente ajuda a transformar a Rússia. Sem a Ucrânia, a Rússia deixa de ser um império euroasiático… se Moscovo recuperar o controlo da Ucrânia, a Rússia recupera imediatamente a capacidade de se tornar num estado imperial poderoso, abrangendo a Europa e a Ásia.” Este pensamento ajuda a compreender a tensão que se vive há, pelo menos, quinze anos naquele país. Falamos do confronto entre dois atores geoestratégicos de primeira grandeza: EUA e Rússia. Foi um racional de natureza geostratégica que prevaleceu quando: (1) no culminar da “revolução laranja” (janeiro 2005), se instalou em Kiev um presidente pró-EUA (Viktor Yushchenko), “revolução” essa revertida pelo voto popular com a eleição de um presidente pró-Rússia (Viktor Yanokovitch), em 2010; (2) a Administração Bush impôs, em 2008, na Cimeira da NATO, em Bucareste, o convite à Ucrânia e à Geórgia para aderirem à Aliança; (3) Viktor Yanokovitch, um presidente democraticamente eleito, foi derrubado em 2014 através de um golpe de Estado orquestrado por Washington, perpetrado por grupos paramilitares neonazis, colocando no poder grupos nacionalistas ucranianos anti-russos. Não bastou ver, em Kiev, Victoria Nuland, secretária de Estado adjunta para os Assuntos Europeus e Eurasiáticos, juntamente com Geoffrey Pyatt, embaixador americano na Ucrânia, a distribuírem comida aos “revoltosos”, numa clara ingerência nos assuntos internos da Ucrânia. As credenciais democráticas do regime instaurado na Ucrânia, em 2014, deixam muito a desejar, ao ponto da insuspeita Freedom House classificar a Ucrânia como um país apenas “parcialmente livre”, a mesma classificação atribuída ao governo filipino chefiado por Rodrigo Duterte. Dirigentes e analistas políticos russos – incluindo reformistas liberais – têm vindo ao longo dos anos a avisar que tornar a Ucrânia ou a Geórgia clientes securitários dos EUA ou membros da NATO seria cruzar uma linha vermelha, de que resultaria um perigo de guerra. Essas advertências foram ecoadas por George Kennan, Henry Kissinger e outros estadistas americanos. Embora os Estados sejam todos iguais, as grandes potências são mais iguais do que os outros Estados. A Rússia não está interessada exatamente numa esfera de influência, mas na criação de uma zona de segurança ao seu redor. Os temores russos sobre a expansão da NATO até à sua fronteira deviam ser compreensíveis para qualquer americano que tenha ouvido falar da Doutrina Monroe

14.04.22

A RÚSSIA

Para se compreender a actual situação


Luís Alves de Fraga

 

Opto por apresentar partes do livro “Prisioneiros da Geografia” da autoria de Tim Marshall, editado em Inglaterra em 2016, que, partindo dos acidentes geográficos ‒ rios, mares, montanhas, planícies, vales e florestas ou desertos ‒ explica as razões por que, independentemente do regime político, os Estados, em especial as grandes potências, optam por tomar certas medidas militares, que consideram de protecção e defesa.

Espero que a leitura vos seja benéfica para tirar conclusões e desfazer preconceitos.

 

«Vladimir Putin diz-se um homem religioso, um grande apoiante da Igreja Ortodoxa russa. Assim sendo, é bem possível que, todas as noites, quando se deita, faça as suas orações e pergunte a Deus: «Porque não puseste montanhas na Ucrânia?» Se Deus tivesse posto montanhas na Ucrânia, a grande extensão de terreno plano que forma a Planície do Norte Europeu não seria um território tão ideal como ponto de partida de ataques repetidos à Rússia. Assim, Putin não tem alternativa: precisa de, pelo menos, tentar controlar as planícies a oeste. O mesmo acontece com todas as nações, grandes ou pequenas. A geografia aprisiona os seus líderes, deixando-lhes poucas alternativas e uma margem de manobra mais reduzida do que se possa pensar. Foi o caso do Império Ateniense, dos Persas, dos Babilónios e de outros antes deles; foi o caso de todos os líderes em busca de um terreno elevado de onde pudessem proteger a sua tribo. A terra em que vivemos sempre nos moldou. Moldou as guerras, o poder, a política e o desenvolvimento social dos povos que, hoje, habitam quase todo o planeta. A tecnologia pode parecer ultrapassar as distâncias, tanto no espaço mental como no físico, mas é fácil esquecer que a terra onde vivemos, trabalhamos e criamos os nossos filhos tem uma importância crucial, e que as escolhas daqueles que lideram os sete mil milhões de habitantes deste planeta serão, em certa medida, sempre influenciadas pelos rios, montanhas, desertos, lagos e mares que nos rodeiam a todos — como sempre o foram. Em geral, não existe um fator geográfico mais importante do que os outros. As montanhas não são mais importantes do que os desertos, nem os rios têm mais relevância do que as selvas. Em diferentes zonas do planeta, as diferentes características geográficas estão entre os fatores mais determinantes do que as pessoas podem e não podem fazer. Em termos gerais, a geopolítica estuda as formas como a política internacional pode ser compreendida através dos fatores geográficos; não apenas da paisagem física — por exemplo, das barreiras naturais formadas pelas montanhas ou das ligações proporcionadas pelas redes fluviais —, mas também do clima, da demografia, das regiões culturais e do acesso a recursos naturais. Fatores como estes podem ter um impacto importante em vários aspetos da nossa civilização, da estratégia política e militar ao desenvolvimento social humano, incluindo a linguagem, o comércio e a religião. As realidades físicas que sustentam a política nacional e internacional são, demasiadas vezes, menosprezadas, tanto em obras sobre História como em relatos contemporâneos da política mundial. Não há dúvida de que a geografia é uma parte fundamental, tanto do «porquê» como do «quê». Pode não ser o fator determinante, mas é certamente o mais ignorado. Veja-se, por exemplo, a China e a Índia: dois países colossais com populações gigantescas que partilham uma fronteira muito extensa, mas não estão alinhados política nem culturalmente. Não admiraria que estes dois gigantes se tivessem defrontado em várias guerras, mas, na verdade, tirando uma batalha que durou um mês em 1962, nunca o fizeram. Porquê? Porque, entre eles, se ergue a cordilheira montanhosa mais alta do mundo, e é praticamente impossível fazer avançar grandes colunas militares atravessando ou transpondo os Himalaias.

(…)

A oeste dos Montes Urais fica a Rússia Europeia. A leste fica a Sibéria, estendendo-se até ao Mar de Bering e ao Oceano Pacífico. Mesmo no século XXI, atravessá-la de comboio leva seis dias. O olhar dos líderes da Rússia tem de abarcar estas distâncias e diferenças e formular as suas políticas de acordo com elas; há já vários séculos que esse olhar se projeta em todas as direções, mas concentrando-se, essencialmente, no Oeste. Quando os escritores tentam chegar ao coração do urso, usam, muitas vezes, a famosa observação de Winston Churchill sobre a Rússia, proferida em 1939: «É um quebra-cabeças embrulhado num mistério dentro de um enigma», mas poucos completam a frase, que termina assim: «mas talvez exista uma chave. Essa chave é o interesse nacional russo.» Sete anos mais tarde, ele usou essa chave para revelar a sua versão da resposta ao quebra-cabeças, declarando: «Estou convencido de que não há nada que admirem tanto como a força, e de que não há nada que respeitem menos do que a fraqueza, especialmente a fraqueza militar.» Churchill poderia bem-estar a falar da atual liderança russa, que, apesar de se encontrar agora embrulhada no manto da democracia, continua autoritária na sua natureza, ainda com o interesse nacional no seu âmago. Quando Vladimir Putin não está a pensar em Deus e em montanhas, está a pensar em pizza. Em especial, no formato de uma fatia de pizza — um triângulo. A ponta dessa fatia é a Polónia. Aí, a vasta Planície do Norte Europeu, que se estende da França aos Urais (os quais ocupam uma área de 1600km de sul a norte, formando uma fronteira natural entre a Europa e a Ásia), tem apenas 500km de largura. Vai do Mar Báltico, a norte, até aos Montes Cárpatos, a sul. A Planície do Norte Europeu abarca toda a França Ocidental e Setentrional, a Bélgica, a Holanda, a Alemanha do Norte e quase toda a Polónia. Da perspetiva russa, esta é uma espada de dois gumes. A Polónia representa um corredor relativamente estreito para o qual a Rússia poderia conduzir as suas forças armadas, se necessário, e assim impedir o avanço de um inimigo sobre Moscovo. Mas, a partir deste ponto, a fatia começa a alargar-se; quando se chega à fronteira russa, já tem mais de 3000km de largura, e é plana até Moscovo e para lá da capital. Mesmo com um grande exército, seria difícil defender esta linha em força. Porém, a Rússia nunca foi conquistada a partir daqui, em especial devido à sua profundidade estratégica. Quando um exército se aproxima de Moscovo, tem já linhas de abastecimento insustentavelmente longas, um erro cometido por Napoleão em 1812 e repetido por Hitler em 1941. Da mesma forma, no Extremo Oriente Russo, é a geografia que protege a Rússia. É difícil mover um exército da Ásia para a Rússia Asiática; não há muito para atacar além de neve, e só se consegue avançar até aos Urais. Depois, fica-se com o controlo de um pedaço gigantesco de território, em condições difíceis, com longas linhas de abastecimento e o risco sempre presente de um contra-ataque. Poderá pensar-se que ninguém pretende invadir a Rússia, mas não é essa a opinião dos russos, e com razão. Nos últimos 500 anos, foram invadidos várias vezes a partir do Oeste. Em 1605, os polacos atravessaram a Planície do Norte Europeu, seguidos pelos suecos liderados por Carlos XII em 1708, pelos franceses sob a liderança de Napoleão em 1812 e pelos alemães duas vezes, nas duas guerras mundiais, em 1914 e 1941. Sob outra perspetiva, partindo da invasão napoleónica de 1812, mas desta vez incluindo a Guerra da Crimeia de 1853-56 e as duas guerras mundiais até 1945, os russos combateram, em média, na ou nas imediações da Planície do Norte Europeu, uma vez em cada 33 anos.

(…)

Desde então, os russos têm visto com preocupação a aproximação constante da NATO, com a adesão de países que a Rússia afirma terem assumido o compromisso de nunca se lhe juntarem: a República Checa, a Hungria e a Polónia em 1999, a Bulgária, a Estónia, a Letónia, a Lituânia, a Roménia e a Eslováquia em 2004 e a Albânia em 2009. A NATO diz que nunca foram dadas tais garantias. A Rússia, como todas as grandes potências, pensa em termos dos próximos 100 anos e sabe que, nesse espaço de tempo, tudo pode acontecer. Há um século, quem poderia ter adivinhado que as forças armadas americanas estariam estacionadas a poucas centenas de quilómetros de Moscovo, na Polónia e nos Estados Bálticos? Em 2004, apenas 15 anos depois de 1989, todos os antigos estados do Pacto de Varsóvia, exceto a Rússia, estavam na NATO ou na UE. A administração de Moscovo tem estado concentrada nesse facto, e na história russa. A Rússia, como conceito, data do século IX, tendo tido origem numa federação pouco unida de tribos eslavas do Leste conhecida como Kievan Rus, baseada em Kiev e noutras cidades ao longo do Rio Dniepre, onde agora se situa a Ucrânia. Os mongóis, expandindo o seu império, atacavam continuamente a região a partir do Sul e do Leste, e acabaram por invadi-la no século XIII. A jovem Rússia reinstalou-se então a nordeste, dentro e à volta da cidade de Moscovo. Esta Rússia dos primeiros tempos, conhecida como o Grande Principado de Moscovo, era indefensável. Não havia montanhas nem desertos, e os rios eram poucos. O solo era plano em todas as direções e, do outro lado da estepe, a sul e a leste, estavam os mongóis. O invasor poderia avançar por onde quisesse, e havia poucas posições defensivas naturais a ocupar. Surge então Ivan, o Terrível, o primeiro Czar. Este pôs em prática o conceito de ataque como defesa — i.e., iniciar a expansão consolidando a sede e depois alargando-a. Isto levou à grandeza. Ali estava um homem que confirmava a teoria de que os indivíduos podem mudar a História. Sem o seu caráter, tanto de crueldade impiedosa como de visão, a história russa teria sido muito diferente. A jovem Rússia iniciara uma expansão moderada sob a liderança do avô de Ivan, Ivan, o Grande, mas essa expansão acelerou-se depois de o Ivan mais novo chegar ao poder, em 1533. Ganhou terreno para leste, sobre os Urais, e para sul, até ao Mar Cáspio, e, mais tarde, até ao Mar Negro, aproveitando assim as montanhas do Cáucaso como barreira parcial entre si e os mongóis. Foi construída uma base militar na Chechénia para dissuadir potenciais atacantes, fossem eles a Horda Dourada Mongol, o Império Otomano ou os persas. Houve contratempos, mas, no século seguinte, a Rússia avançaria para lá dos Urais e entraria na Sibéria, acabando por anexar todo o território até à costa do Pacífico, no extremo oriental. Os russos adquiriram, assim, uma zona-tampão parcial e uma região interior — profundidade estratégica — para onde poderiam fugir em caso de invasão. Ninguém iria atacá-los em força a partir do Mar Ártico, nem atravessar os Urais para chegar a eles. O seu território estava a transformar-se no que conhecemos hoje como a Rússia e, para lá chegar a partir do Sul ou Sudeste, seria necessário ter um enorme exército, uma longuíssima linha de abastecimento e ultrapassar posições defensivas. No século XVIII, a Rússia — sob o reinado de Pedro, o Grande, que fundou o Império Russo em 1721 e, depois, da Imperatriz Catarina, a Grande — lançou o seu olhar para oeste, expandindo o Império até se tornar uma das potências da Europa, movida, essencialmente, pelo comércio e o nacionalismo. Uma Rússia mais segura e poderosa tinha agora capacidade para ocupar a Ucrânia e alcançar os Montes Cárpatos. Conquistou a maior parte do que hoje conhecemos como os Estados Bálticos — a Lituânia, a Letónia e a Estónia. Ficou, assim, protegida de qualquer incursão vinda desse lado, por terra ou a partir do Mar Báltico. Formou-se, pois, um largo anel à volta de Moscovo, que era o coração do país. Começando no Ártico, descia através da região do Báltico, atravessava a Ucrânia, depois os Cárpatos, o Mar Negro, o Cáucaso e o Mar Cáspio, voltando a subir pelos Urais, que se estendiam até ao Círculo Polar Ártico. No século XX, a Rússia comunista criou a União Soviética. Por trás da retórica que proclamava «trabalhadores de todo o mundo, uni-vos», a URSS era simplesmente o Império Russo na sua expressão mais vasta. Depois da Segunda Guerra Mundial, estendeu-se do Pacífico a Berlim, do Ártico às fronteiras do Afeganistão — uma superpotência económica, política e militar, que só encontrava rival nos EUA. A Rússia é o maior país do mundo, com duas vezes a extensão dos EUA ou da China, cinco vezes a da Índia e 25 vezes a do Reino Unido. Todavia, tem uma população relativamente pouco numerosa, de cerca de 144 milhões, inferior à da Nigéria ou do Paquistão. A sua estação de crescimento agrícola é curta e é-lhe difícil distribuir adequadamente as colheitas pelos 11 fusos horários governados por Moscovo. A Rússia, até aos Urais, é uma potência europeia na medida em que faz fronteira com o território europeu, mas não é uma potência asiática apesar de fazer fronteira com o Cazaquistão, a Mongólia, a China e a Coreia do Norte, e de ter fronteiras marítimas com vários países, incluindo o Japão e os EUA.»

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11.04.22

Não sou comunista


Luís Alves de Fraga

 

Há muitos, mas mesmo muitos anos, estudei, na cadeira de Filosofia, no hoje, ensino secundário, no âmbito da lógica, os silogismos.

Se a memória não me falha, a “coisa” podia, de forma sintética, enunciar-se da seguinte maneira:

Se A tem os mesmos condicionalismos que B, podemos concluir que A é igual a B. Dito de outra maneira e sob a forma de exemplo sujeito a erro, pois não estudo o assunto há mais de seis décadas: todas as cadeiras têm quatro pernas; se uma mesa tem quatro pernas; uma cadeira é uma mesa.

Admitamos que, mais coisa menos coisa, dei um exemplo não clássico de um silogismo, modo arcaico de fazer deduções (no caso presente, mais do que falso).

 

Ora muito bem, com a eclosão da guerra russo-ucrânia procurei, como é meu hábito e já aqui tenho dito vezes sem conta, não me deixar enlear pelos tentáculos bastante traiçoeiros da informação social e estudar a fundo os antecedentes conhecidos deste conflito, pondo em equação e em pé de igualdade todos os dados recolhidos.

Se conheço pessoalmente ‒ por terem sido meus alunos na universidade ‒ alguns russos e ucranianos com os quais estabeleci boas relações sociais, não nutro nem pela Rússia, nem pela Ucrânia qualquer tipo de simpatia especial, nem nunca tive qualquer desejo de ir fazer turismo em algum dos dois países (antes deles, há muitos mais para conhecer na Europa ocidental).

Assim, após esta declaração de total desprendimento pelos Estados agora em luta, a única coisa que me move é perceber os fundamentos estratégicos que determinaram a passagem de uma fase de conflito latente para outra de conflito declarado. E move-me, porquê? Porque, como cidadão do mundo, não sou uma ilha isolada, nem me sinto tão egoísta que, qualquer que seja a catástrofe ‒ e a guerra é uma catástrofe ‒ fique indiferente às suas causas e aos seus efeitos. Deste modo, procurei as mais longínquas e as mais próximas e dei-lhes a arrumação que me pareceu lógica, dentro do labirinto determinante dos interesses e objectivos conhecidos dos Estados aparentemente directa ou indirectamente intervenientes na guerra.

 

Feito este trabalho ‒ estivesse colocado num alto escalão de estudo e planeamento das Forças Armadas, seria designado por estudo da situação ,e só assim não o considero porque, reformado há muito, não tenho nem o treino nem o nível de informação para de tal modo o classificar ‒ que me consumiu algum tempo nas duas primeiras semanas de guerra, já que até ao dia da eclosão das operações militares admiti que, no plano político, se iria encontrar solução idêntica àquela que se verificou aquando da já longínqua crise dos mísseis de Cuba, verifiquei que os meus resultados eram em muito semelhantes às razões e explicações dadas pelo PCP. Havia largas margens de coincidência.

Ora, porque não sou comunista ‒ embora na minha qualidade de cidadão livre e de esquerda já tenha votado no PCP, do mesmo modo que votei no PS ‒ não posso aceitar que o partido de Jerónimo de Sousa tenha copiado o meu raciocínio e, muito menos, eu o dele. Só com base na lógica silogística da igualdade de uma cadeira, porque tem quatro pernas, ser uma mesa é que se pode concluir que eu sou comunista porque há largas coincidências na minha análise e na do PCP.

E vou mais longe, nem o PCP pode ser acusado de russófilo nem eu de putinista com base no facto de convergirmos nas nossas conclusões quanto às causas primeiras da eclosão da guerra. Se não houver provas que desmintam, em absoluto, as razões que me levaram às conclusões agora obtidas, certamente nem Putin, nem o PCP, nem eu mudamos de opinião, mas, nem assim se poderá dizer que Putin é comunista nem eu.

10.04.22

Winston Churchill e os massacres


Luís Alves de Fraga
O grande "Leão Inglês", que na 2.ª Guerra Mundial" só prometeu aos britânicos "sangue, suor e lágrimas" para se alcançar a vitória sobre a Alemanha nazi, muitos anos antes de ser Primeiro-Ministro, fez uma afirmação que não posso deixar passar em claro, no momento actual.
Vejam, por favor, e oiçam no vídeo...
 
 

09.04.22

Personalidade e carácter


Luís Alves de Fraga

 

Há muitos, muitos anos aprendi uns rudimentos de psicologia numa disciplina que era leccionada no, então, chamado Curso Geral de Comércio e que dava pelo nome de “Técnicas de Venda”.

Para além das, nesses tempos recuados, classificações morfo-psicológicas do ser humano, que tentavam justificar comportamentos através do aspecto físico do indivíduo, aprendi dois conceitos básicos que continuam na actualidade a gerar grandes polémicas: o de personalidade e o de carácter.

Dizia-se, na altura, que a personalidade era inata e o carácter era nato, ou seja, a primeira vem “agarrada” ao ser humano desde a nascença e o segundo resulta do meio ambiente, do que se aprende, de como se aprende e de como se “entranha” o que se aprende. Por conseguinte, o carácter é mutável, mas a personalidade não é.

 

Porque nunca me dediquei ao estudo da psicologia, nem aprofundei muito mais estes conhecimentos básicos, aceito-os sem discussões académicas, embora compreenda quão difícil se torna separar, sem estudo prévio e profundo, da personalidade o carácter ou vice-versa. Do estudo da Antropologia Cultural e do da Sociologia sei que o Homem nasce culturalmente nu, ou seja, aprende tudo com a sociedade, no contacto com o meio social ambiente que o rodeia. Mas, nem toda a gente aprende tudo da mesma maneira, nem age da mesma forma quando sujeito às mesmas regras sociais. Assim se justificam os “rebeldes” ou “inconformistas” e os “conformistas”. É aí que entra a personalidade como “gestora” da “aprendizagem” ou, se se preferir da enculturação ou endoculturação.

E o exemplo que me ocorre, de momento, é o dos colégios internos ‒ tantos na Grã-Bretanha com altos preços e tradições de primeira grandeza ‒, que Portugal não têm em quantidade. Alunos que entram com dez anos ou pouco mais e, depois de sete ou oito ou mais de frequência, saem, uns, perfeitamente bem formados, disciplinados, sapientes e plenos de virtudes sociais, e, outros (não a maioria), saem cobertos de um verniz que estala à primeira dobra do couro… Estala e mostra uma qualidade de cabedal miserável!

Explicação?

Pois, para mim, que sei pouco ‒ como, aliás, já disse ‒ deste assunto, o fracasso depende da personalidade que não soube absorver convenientemente a moldagem do carácter. Aliás, creio, é baseado nesta convicção que os psicólogos e os sociólogos aceitam, sem relutância, a educação de filhos por pares homossexuais, pois não vai ser a homossexualidade dos pais a definir a sexualidade dos filhos; esta estará a cargo da personalidade dos descendentes. É assim, também, que de ambientes de ladrões e malfeitores saem cidadãos exemplares e vice-versa.

 

Está claro que há bons colégios internos nos quais se cultivam valores cívicos e morais de excepção, mas nada garante que, pela simples frequência dessas escolas, os antigos alunos hajam adquirido o que por lá se semeia… É que, por entre as boas searas também nascem as ervas daninhas, retorcidas e só pela aparência verde e fresca, no verniz, nos enganam.

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