Duas espreitadelas
1.ª A Defesa Nacional e as Mulheres
Esta coisa de Forças Armadas, militares e mulheres, em Portugal, só começou a “mexer” quando uma grande investigadora, falecida há muito pouco tempo ‒ refiro-me a Maria Carrilho ‒, ousou atirar-se de cabeça para a compreensão da relação entre o 25 de Abril de 1974 e as origens sociais dos oficiais do Exército. Foi mexer e remexer nos arquivos escolares da Academia Militar e descobrir “coisas do arco-da-velha”! Foram alguns anos de trabalho, mas valeram-lhe a pena, pois, de repente (desculpem-me, não posso deixar de o referir, era uma mulher bonita, elegante, com porte distinto e os militares são ‒ pelo menos eram ‒ sensíveis a esses “pormenores”) abriram-se-lhe todas as portas para ficar a saber muito sobre a “tropa”. De repente, “fez escola” no nosso país, tanto mais que vinha de Itália onde se exilou na fase final do fascismo português e se aproximou do Partido Comunista italiano que, como se sabe, não “alinhava” pelo diapasão moscovita. Naturalmente, por cá, acabou por ser socialista do PS.
Ao “fazer escola”, Maria Carrilho despertou vocações ‒ será que devo dizer oportunismos? ‒ entre as suas alunas no ISCTE para se lançarem na mesma senda da Mestre, mas procurando novos caminhos. Uma, pelo menos, conseguiu agarrar-se bem a um nicho deste novo saber universitário: Helena Carreiras, a actual ministra da Defesa Nacional.
Era eu professor na Academia da Força Aérea, andava às voltas com a minha tese de mestrado, eis que sou contactado por uma jovem ‒ bastante jovem ‒ licenciada, em fase de preparação da dissertação de mestrado sobre “as mulheres nas Forças Armadas”. E o contacto deu-se, porque a Academia da Força Aérea havia sido a pioneira, ao admitir mulheres para fazer delas oficiais.
A jovem Helena Carreiras trazia as perguntas bem preparadas e recebeu respostas que a satisfizeram. Concluiu o mestrado e soube avançar para o doutoramento aproveitando o balanço do pioneirismo. Pena foi que o tenha feito no estrangeiro!
Encontrámo-nos, depois disso, mais três ou quatro vezes, em circunstâncias diversas e sempre de âmbito académico. Dedicou-se, depois, ao ensino e foi sendo “empurrada” para comissões e cargos (por exemplo, no Instituto de Defesa Nacional) onde não só teve oportunidade de lidar com alguns dos mais candentes problemas dos militares, mas, acima de tudo, com a Estratégia e com a Defesa e Segurança aos mais altos níveis. Dos últimos cinco ou seis ou sete ministros da Defesa Nacional é, de certeza, a que melhor está preparada para dar respostas a questões internas e a questões externas. Resta saber se lhe dão os meios para poder encontrar soluções e, se, por outro lado, não lhe espartilham o pensamento de modo a fazer não o que sabe, mas o que deve.
2.º A “Ilha Ibérica”
Provavelmente, alguns dos meus leitores desconhecem que o preço da electricidade está indexado ao preço do gás. Isso acontece porque em Bruxelas se determinou para manter regulado o mercado da energia. Coisas que a preocupação com a possibilidade concorrência impõem.
Pois bem, há dias foi notícia que haveria uma cimeira entre chefes de governo ou primeiros-ministros mediterrânicos para tentarem forçar certas alterações em Bruxelas, de modo a que houvesse a adaptação possível às realidades geográficas.
Hoje, logo de manhã, ao ler “newsletter” de Berna González Harbour, publicada todos os dias da semana, no “El País”, deparei com este trecho da autoria do jornalista espanhol Carlos E. Cué:
«Pedro Sánchez procura uma saída para tentar fazer com que a União Europeia lhe permita dissociar o preço do gás do da eletricidade em Espanha, evitando a resistência dos países mais duros, sobretudo Holanda e Alemanha. O presidente vai tentar salvar a reunião decisiva sobre energia com um pedido muito claro, tendo em vista que, neste momento, chegar a um acordo aplicável a todos os países da UE, parece quase impossível: assim, vai lutar para que os vinte e sete permitam que Espanha e Portugal, os dois países da Península Ibérica, actuem como uma "ilha de energia" — quase não existem interligações com os outros, ao contrário do que acontece na maioria dos países da UE — e apliquem fórmulas diferentes dos restantes sem quebrar os princípios do mercado comum de energia. Uma espécie de exceção temporária ibérica com a justificação desse isolamento.
Sánchez explicou muito claramente à imprensa à entrada para a cimeira de Bruxelas: “Agora é importante ter uma fórmula que se adapte à realidade geográfica da Península Ibérica. Espanha e Portugal estão praticamente isolados do resto, temos algumas interligações que não chegam a 2,8%. Essas peculiaridades prejudicam-nos, porque estamos isolados, mas todas as normas comuns aplicam-se a nós. É por isso que propomos uma solução para a Península Ibérica”, assegurou o presidente.»
Ao fim da tarde, chegou-se a cordo e a proposta luso-espanhola venceu! Claro que é uma vitória dos dois proponentes, mas fica-me atravessada na garganta a pergunta:
‒ E se fosse só o primeiro-ministro António Costa, em nome de Portugal, a bater-se em Bruxelas, haveria vitória?
Hoje, fico-me por aqui.