Depois de passar a noite de domingo, dia 30 de Janeiro, e o dia de ontem, depois de deixar assentar todas as euforias partidárias dos diferentes comentadores políticos ‒ jornalistas, politólogos e outras coisas mais ‒ venho fazer a minha análise das reacções, e só das reacções, dos líderes partidários face aos resultados. Uma análise não política, mas, tanto quanto possível, psicológica e comportamental daqueles chefes de partido que se apresentaram a mostrar a cara depois de sabidos os resultados da votação.
Comecemos por António Costa, o grande vencedor da noite.
Trazia a alegria estampada no rosto, mas sem arrogância, sem aquele ar impante, que poderia ter, uma vez que alcançou o objectivo com que arrancara para a campanha eleitoral. As palavras usadas, sendo de satisfação, foram contidas, pensadas, procurando dar garantias ‒ que vai cumprir ou não ‒ de manutenção de diálogo com as forças políticas democráticas. Soube agradecer e festejar, com comedimento, os auxílios que lhe foram dispensados durante a campanha e usou de delicadeza para com os vencidos, não os esmagando com o peso da sua vitória ou, melhor, com a vitória do seu partido. Teve a atitude esperada de um político de sorriso fácil e de optimismo contagioso. Se estava a representar, a encarnar um papel de “bonzinho”, só o tempo o poderá dizer, depois de vermos o seu comportamento após a aprovação do Orçamento e o comportamento parlamentar dos deputados eleitos.
Rui Rio, já à entrada do hotel onde instalou o seu quartel-general, trazia um semblante quase fechado, indicador de abatimento moral ou físico. Talvez já tivesse, em traços largos, informações de que a vitória não lhe iria bater à porta. Mas, ao descer, para falar aos partidários presentes e à comunicação social, soube compor uma aparente boa disposição, que não chegava para esconder, por completo, a tristeza da derrota e as previsíveis consequências que advirão desse facto. Não escondeu a desilusão de ficar aquém dos valores esperados, não usou dos velhos estratagemas para transformar uma derrota numa vitória parcial. Soube agradecer a quem o ajudou e assumiu de uma forma velada, pouco transparente, a sua vontade de abandonar o leme da governação do seu partido, dizendo não ter agora condições para fazer oposição ao Partido Socialista. Este “não ter condições” quer dizer duas coisas: primeiro, face a uma maioria absoluta no parlamento, não há combate político possível, porque a vitória está sempre assegurada pelo partido maioritário; em segundo lugar, porque fazer oposição supõe conseguir arranjar conjuntos de argumentos que levem o adversário a aceitar mudar. Ora, face à conjuntura, mesmo que o oponente mude ou acerte o passo, momentaneamente, pelo ritmo da oposição, a vitória e os louros que daí advierem são sempre da maioria. Isto não é oposição, isto é colaboração sob a capa de uma desarmonia. A inteligência dos jornalistas presentes, pouco habituada ao uso de uma linguagem enviesada, levou Rui Rio a ter de, para não ofender a comunicação social, brincar, falando alemão. Foi a brincadeira de quem, já com mau sabor na boca por causa da derrota, quer escapar ao enxovalho público.
Catarina Martins, aparentando a boa disposição possível, assumiu, sem grande dificuldade, a derrota eleitoral mas, como é apanágio dos partidos onde o colectivo se impõe ao individual, não chamou a si a responsabilidade dos fracos resultados; deixou para os órgãos colectivos a decisão do estudo, análise e resolução de tal problema. Não se eximiu, contudo, a identificar a autoria de alguns avanços e conquistas que agora o PS chama seus como tendo sido exigências do BE. E foram-no! António Costa, como político hábil que é, transferi-os para o património do seu partido e, do ponto de vista da legalidade, não há dúvidas que pertencem aos socialistas, todavia, em termos de legitimidade, eles foram expostos e defendidos pelo Bloco. Catarina Martins esqueceu que as benesses conseguidas pelas massas populares perdem autoria depois de alcançadas… Passam a ser de todos e quem as propôs não interessa… É a injustiça popular!
Com humildade, a líder do PAN apresentou-se perante as câmaras e aceitou a derrota. Não sabemos se, no entanto, soube tirar dela a lição mais evidente: o seu partido é, politicamente, uma “invenção” que está a meio caminho da defesa ecológica, da defesa dos cãezinhos, dos touros e dos gatinhos e da defesa das pessoas, olhando muito pouco para as ideologias políticas que são comandadas pelos interesses sociais e económicos. Na minha opinião, politicamente, o PAN é um desperdício de votos! Assim, é um desperdício a liderança daquele grupito de gente que humaniza animais e animaliza os humanos.
Ufano, com alegria estampada no rosto, apareceu o líder do partido Iniciativa Liberal por ter ganho maior destaque no parlamento. Houve promessas de cumprir o programa eleitoral, de contribuir para um Portugal mais desenvolvido através de desenvolver e aumentar o investimento, de proteger empresas. Promessas normais, alegria e satisfação normais, nas circunstâncias, pois já se sabia que o CDS não elegera nenhum deputado e o PSD havia caído na confiança dos eleitores.
No rosto de Jerónimo de Sousa, em cada ruga, em cada sulco, estava impresso, como num livro carregado de palavras, a dor da luta contra a ditadura, os anos de prisão de todos os militantes durante cem anos de existência do Partido Comunista, mas mais do que tudo, o esforço feito, no rescaldo de uma intervenção cirúrgica, para dar notícia da perda de mandatos no parlamento. Não houve arrogância, nem desculpas com vitórias “morais”; a explicação de que muitas das propostas introduzidas nos diferentes Orçamentos, desde 2015 até ao presente, se ficaram a dever ao PCP para benefício dos trabalhadores e dos Portugueses foi dada sem arrogância, sem rancor, mas com firmeza, para que se saiba como os comunistas colaboraram com o partido detentor, agora, da maioria. Jerónimo de Sousa manter-se-á à frente do partido, como secretário-geral, enquanto o comité central o entender.
Quando o líder do Livre deu explicações sobre a sua eleição ‒ a única que conseguiu ‒ não houve euforia, nem excessivo rebuliço. Reafirmou tratar-se de um partido ecologista dentro da “família” dos que defendem a Natureza e que procuram soluções socialistas integradas na ordem europeia. Foi comedido e parco de palavras, mas inteligente e decidido nos propósitos norteadores da ideologia do seu partido.
Francisco Rodrigo dos Santos surgiu na sala de imprensa do CDS com aspecto patibular, sem qualquer vestígio da arrogância que usou noutros tempos. Era um líder vencido à frente de um partido em vias de extinção. Aceitou a derrota com estoicismo e arcou com as responsabilidades: apresentou a demissão ao Presidente do partido.
Guardei para o fim a entrada triunfalmente animalesca de Ventura na sala onde o esperava gente agitada, inquieta, irrequieta, tendo como palhaço da festa a inefável criatura que dá pelo nome de Maria Vieira. Só ela, por si só, poderia ser o logótipo daquele agrupamento de arruaceiros com ar caceteiro (bastava olhar para os “seguranças” do “chefe” para se perceber que o cacete dos frades miguelistas do século XIX era um inocente brinquedo nas mãos destes “gorilas”). Por aquela sala não se gritava, urrava-se a raiva de uma vitória a babar vingança, a pedir sangue e perseguições descontroladas de socialistas. E André Ventura ‒ aquele que eu conheci pacífico, apagado e silencioso nas salas do Departamento de Direito da Universidade Autónoma de Lisboa ‒, agora, ainda a um ano ou dois de atingir os quarenta de idade, avisava, usando o tu carroceiro e impudico, António Costa, vinte e dois anos mais velho do que ele, que o iria perseguir com verdadeira oposição, procurando amedrontar um político calejado nas pugnas da democracia, tal como se estivesse a discutir o resultado de um golo nos campos da grosseria de um futebol sem qualquer “fair play”. Este “chefe de fila”, que se julga líder, mais tarde ou mais cedo, engolido pelos tubarões da violência bruta do agrupamento a que chama partido e cujo programa eleitoral poucas mais páginas tem do que este comentário, este “chefe de fila”, dizia eu, foi a nódoa de um momento democrático clarificador da vontade dos Portugueses, porque trouxe para as urnas o lado mais sórdido do carácter da nossa forma de estar na vida e em sociedade: trouxe a violência ‒ por enquanto verbal ‒ própria dos analfabetos políticos e dos despeitados, daqueles para quem as palavras têm pouca ou nenhuma valia na resolução dos problemas.
Será que a raiva ululante da “rua” vai chegar ao hemiciclo da Casa da Democracia e da Liberdade ou Ventura e os seus deputados, como certos jogadores de luta livre combinada, imitam bem a raiva para exaltar o público e, na arena de trabalho, se transfiguram em gente civilizada?