O velho coronel
(Ao cuidado de quem ainda tem poder para mandar)
Está velho o coronel ‒ não me refiro ao Coriolano de Jorge Amado, porque este é-o de carreira militar completa ‒, mas ainda senhor de si, da sua dignidade, dos valores, princípios e educação de quando estava na situação de activo e ajudou a formar muitas dezenas de oficiais do quadro permanente. Está velho e foi ao “seu” hospital, o das Forças Armadas.
Para encurtar caminho, na zona da chamada “porta d’armas” ‒ será que ainda é assim designada, pois por lá também viu, a par de militares, gente civil em funções de segurança (estarão a guardar a tropa ou a tropa a guardar o ditos seguranças?) ‒ dirigia-se à área de passagem dos veículos automóveis que saem da unidade, quando um soldado do Exército, nas suas costas, lhe diz:
‒ Você tem de sair pela passagem de peões.
Olhou para trás e inquiriu:
‒ O quê? Tenho de ir dar aquela volta toda?
‒ É. Você tem de ir por ali ‒ e apontava o passeio separado da estrada por uma corrente metálica, que começava lá atrás, uns quinze ou vinte metros.
A imbecilidade da medida, da decisão, que coloca o transeunte em condição de gado a ser levado ao redil, fez voltar o velho coronel e chamar a atenção ao soldado ‒ com uma boina bem enterrada na cabeça, armada à maneira americana ‒ para dois factos evidentes e usais na educação militar: a falta de continência ‒ forma tradicional de cumprimentar antes de se dirigir a alguém mais velho ou mais graduado ‒ e o tratamento por você. Responde o soldado:
‒ Mas eu só estava a dizer que você tem de ir pelo passeio e não pode passar por aqui!
‒ E eu só estava a dizer-lhe que é da boa educação militar, ao falar com alguém que não sabe quem é, fazer a continência e tratar por senhor e nunca por você!
‒ Pois, mas eu só está a dizer que você tem de ir por ali…
‒ Você, não! O senhor, percebeu?
‒ Acho que é melhor falar com o chefe…
E, pelo rádio individual, pediu a presença desse tal chefe, virando as costas ao velho coronel à paisana. Este esperou pela vinda do graduado.
Apareceu um primeiro marinheiro (pensava que viesse o antigo sargento da guarda) que o cumprimentou regulamentarmente e a quem, depois de explicar o sucedido e as incorrecções sucessivas do soldado, exigiu que chamasse a atenção do militar do Exército, tanto mais que parecia ser relapso em relação aos princípios educativos. O militar da Marinha agradeceu e retirou-se para conferenciar com o soldado.
O velho coronel tomou o caminho que lhe havia sido indicado e ficou-se, no passeio, enquanto esperava o transporte que o levaria a casa, a ponderar se esta é a tropa do seu país ou se é uma gente uniformizada a quem não ensinaram a tradicional e básica educação castrense.
Afinal, a boina enfiada na cabeça a imitar o garbo de uma certa classe de militares dos EUA e do Reino Unido não corresponde a mais nada do que ao “boneco” exterior, porque, lá dentro, está um bronco sem princípios.
No carro, cogitou nos anos em que, na tropa, ao soldadito, vindo das berças, se lhe ensinavam comportamentos cívicos e sociais tão distantes daqueles que acabara de tentar corrigir…