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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

25.01.22

O velho coronel

(Ao cuidado de quem ainda tem poder para mandar)


Luís Alves de Fraga

 

Está velho o coronel ‒ não me refiro ao Coriolano de Jorge Amado, porque este é-o de carreira militar completa ‒, mas ainda senhor de si, da sua dignidade, dos valores, princípios e educação de quando estava na situação de activo e ajudou a formar muitas dezenas de oficiais do quadro permanente. Está velho e foi ao “seu” hospital, o das Forças Armadas.

Para encurtar caminho, na zona da chamada “porta d’armas” ‒ será que ainda é assim designada, pois por lá também viu, a par de militares, gente civil em funções de segurança (estarão a guardar a tropa ou a tropa a guardar o ditos seguranças?) ‒ dirigia-se à área de passagem dos veículos automóveis que saem da unidade, quando um soldado do Exército, nas suas costas, lhe diz:

‒ Você tem de sair pela passagem de peões.

Olhou para trás e inquiriu:

‒ O quê? Tenho de ir dar aquela volta toda?

‒ É. Você tem de ir por ali ‒ e apontava o passeio separado da estrada por uma corrente metálica, que começava lá atrás, uns quinze ou vinte metros.

 

A imbecilidade da medida, da decisão, que coloca o transeunte em condição de gado a ser levado ao redil, fez voltar o velho coronel e chamar a atenção ao soldado ‒ com uma boina bem enterrada na cabeça, armada à maneira americana ‒ para dois factos evidentes e usais na educação militar: a falta de continência ‒ forma tradicional de cumprimentar antes de se dirigir a alguém mais velho ou mais graduado ‒ e o tratamento por você. Responde o soldado:

‒ Mas eu só estava a dizer que você tem de ir pelo passeio e não pode passar por aqui!

‒ E eu só estava a dizer-lhe que é da boa educação militar, ao falar com alguém que não sabe quem é, fazer a continência e tratar por senhor e nunca por você!

‒ Pois, mas eu só está a dizer que você tem de ir por ali…

‒ Você, não! O senhor, percebeu?

‒ Acho que é melhor falar com o chefe…

E, pelo rádio individual, pediu a presença desse tal chefe, virando as costas ao velho coronel à paisana. Este esperou pela vinda do graduado.

Apareceu um primeiro marinheiro (pensava que viesse o antigo sargento da guarda) que o cumprimentou regulamentarmente e a quem, depois de explicar o sucedido e as incorrecções sucessivas do soldado, exigiu que chamasse a atenção do militar do Exército, tanto mais que parecia ser relapso em relação aos princípios educativos. O militar da Marinha agradeceu e retirou-se para conferenciar com o soldado.

 

O velho coronel tomou o caminho que lhe havia sido indicado e ficou-se, no passeio, enquanto esperava o transporte que o levaria a casa, a ponderar se esta é a tropa do seu país ou se é uma gente uniformizada a quem não ensinaram a tradicional e básica educação castrense.

Afinal, a boina enfiada na cabeça a imitar o garbo de uma certa classe de militares dos EUA e do Reino Unido não corresponde a mais nada do que ao “boneco” exterior, porque, lá dentro, está um bronco sem princípios.

No carro, cogitou nos anos em que, na tropa, ao soldadito, vindo das berças, se lhe ensinavam comportamentos cívicos e sociais tão distantes daqueles que acabara de tentar corrigir…

23.01.22

O que nós não queremos…


Luís Alves de Fraga

 

Recordo-me perfeitamente de, quando ia ao cinema na minha meninice e começo da juventude (vamos lá especificar o que quero dizer: “meninice”: idade entre os três e dez anos; “começo de juventude”: idade entre os onze e os dezasseis anos, porque “adolescente”, na década de 1950, era-se lá por volta dos dezassete aos vinte anos, pois, “adulto”, só com vinte e um anos e já não havia recuo possível!), dizia, ficava encantado com o facto de ver os jovens estudantes americanos trabalharem nas férias ‒ e, às vezes, sem ser em férias ‒ para custearem as suas despesas sem sobrecarga dos pais.

Por cá, neste nosso país, a posição cultural era outra: ou se era estudante e ficava-se dependente da semanada ou mesada dos papás ou ia-se trabalhar após a conclusão da instrução primária (mesmo sendo proibido até à idade de catorze anos ‒ os empregadores, pagando pouco, negavam a existência de salário, dando às crianças-trabalhadoras o estatuto de “aprendizes de um ofício a pedido dos progenitores”, donde, sem pagamento).

 

Por volta dos dezoito anos comecei a pedir ao meu pai, nas férias grandes, autorização para arranjar um emprego de um mês para ganhar mais do que a mesada que me dava. A resposta era, invariavelmente, a mesma: «O teu emprego agora é estudar. Estuda, pois mais tarde terás oportunidade de ganhar dinheiro».

Hoje compreendo o receio do meu pai… É que um jovem, naquela altura, vendo-se com dinheiro no bolso, facilmente se transviava dos estudos e enveredava por uma qualquer actividade, da qual nunca mais saía, quando os pais aspiravam a um melhor nível de vida para os filhos do que aquele que eles próprios possuíam. Assim, nunca trabalhei nas férias, nem que fosse a vender enciclopédias de porta-a-porta (actividade muito comum no final dos anos 50 e começo da década de 1960).

E vem tudo isto a propósito de alguma coisa resumível em poucas palavras: nunca achei que trabalhar, em qualquer actividade, fosse desonra; não fazer nada e viver à custa dos pais, isso sim, para mim, era afrontoso.

 

Mas, a entrada na CEE e, depois, na UE, veio, para nós portugueses, alterar hábitos, costumes e atitudes.

Em primeiro lugar, vulgarizou-se a importância de ter um curso superior e, até aqueles que eram especialmente profissionalizantes ‒ os das Academias Militares, os de enfermagem, os de terapeutas, os contabilistas, os agentes técnicos de engenharia, os de professor primário, os de guarda-livros e outros semelhantes, que me não ocorrem ‒ subiram ao patamar da licenciatura, porque, importante, é ter um grau académico; depois, em ritmo mais ou menos acelerado, verificou-se o abandono dos trabalhos braçais, começando nos da agricultura e acabando noutros socialmente conotados com pouca instrução ou de baixo nível; por fim, o interior do país, mais vocacionado para certas indústrias, que foram sendo extintas, e para a agricultura, despovoou-se e, despovoando-se, só restam velhos, casas vazias e leiras sem tratamento por onde cresce tudo o que é silvestre.

 

Eis que, por causa de uma suposta entrada numa sociedade de abundância, por causa da livre circulação de bens no espaço dito ou chamado europeu, por causa da democratização do ensino e da livre-concorrência, começaram a existir trabalhos “destinados” a imigrados das antigas colónias, do Brasil e, agora, para gente vinda de países asiáticos, porque muitos licenciados em coisas que não têm emprego em Portugal aceitam ser “caixas” nos supermercados ou ocuparem-se em trabalhos completamente distintos das suas formações académicas.

 

E trago toda esta crítica à colação somente porque, por razões que não vêm ao caso, tenho utilizado, ultimamente, para me deslocar, os veículos geridos pela Uber. Há coisa de dois anos, em situação idêntica, os condutores destes carros eram “portugueses de gema” e agora, em mais de duas dezenas de deslocações, já topei com cerca de meia dúzia de condutores paquistaneses, indianos, brasileiros e um ou dois que só sabem dizer na nossa língua um esquisito “obrigado”, “bom dia”, “boa tarde” e “boa noite”, porque o idioma que falam é o inglês.

Queremos dar-nos ao luxo de ser racistas, xenófobos e outras coisas semelhantes? Então assumamos o retorno à agricultura, à formação primária, ao elitismo dos “senhores drs.” e às profissões sem grau académico. Votemos no Chega!

É isso que desejamos? O Ventura é isso que nos promete por trás de todos aqueles chavões que fazem parte de um léxico fascizante e de um elitismo balofo. Mas, atenção, não é só ele! É ele e toda a direita liberal, porque o liberalismo é a porta aberta para os “ascensores sociais” onde não vence o melhor, mas aquele que é capaz de pisar mais cabeças para chegar ao topo da maralha.

22.01.22

Os incógnitos


Luís Alves de Fraga

Já por várias vezes, nos dezasseis anos de existência deste blog, que não teve moderação inicial, que passou a não aceitar comentários (porque na minha casa mando eu) e, por fim, voltou a aceitá-los, desde que previamente moderados, chamei a atenção dos meus leitores para o facto de, para verem os seus comentários publicados, terem de se identificar, sem se esconderem atrás do anonimato ou de um pseudónimo.

Não se trata de eu ser censor! Trata-se de falta de coragem de quem quer dizer o que lhe apetece na "casa" dos outros, acobertando-se nos "direitos democráticos", mostrando a ausência de aceitação de "obrigações democráticas" e elevada carga de cobardia.

Assim, repito, não publicarei comentários ofensivos, de linguagem desbragada ou desrespeitosos para o autor e dono deste blog.

20.01.22

Na terra dos bons rapazes


Luís Alves de Fraga

 

Estamos com as eleições à vista e continuamos a ser os bons rapazes de sempre, o mesmo é dizer, os tais do desenrascanço, da ausência de planeamento, de falta de respostas para as coisas mais essenciais, os que acreditam nas soluções miraculosas (em especial se se ficarem a dever a Nossa Senhora de Fátima), os que desconfiam muito daqueles que julgam serem seus inimigos e não desconfiam nada daqueles que julgam serem seus amigos, enfim, os que andam cá para ver os pardais voarem e beberem uns copitos de um tinto ou branco (agora, cada vez mais substituídos por umas cervejolas). E quando digo rapazes, incluo, também elas, as piquenas que gostam de se emperiquitar sem grande consciência do mundo que lhes vai à volta.

 

Ninguém se lembrou, no parlamento, antes de o dissolver, de prever a forma de levar os isolados, por razões pandémicas, às mesas de voto sem espalhar mais a doença.

‒ Então isso não se pode resolver, do pé para a mão, uns dias antes do acto eleitoral?

Foi o que se fez! E como estamos em pleno Verão, com um anoitecer tardio, e uma brisa cálida, vá de marcar a melhor hora para esses saudáveis rapazes irem votar: das 18 às 19 horas! O São Martinho até vai ser convocado pelos Portugueses para nos dar um fim de tarde, começo da noite, bastante ameno!

 

Meus caros amigos, a ironia sempre foi uma das formas mais terríveis de abordar os problemas e, naturalmente, até aqui tenho estado a ser irónico, pois nós, Portugueses, somos exactamente iguais ao inicialmente enunciado. O improviso, a falta de planeamento, o descuido na tomada de decisões, a incapacidade de acompanhamento da execução dos trabalhos, a falta de rigor, a ausência de honestidade, a tendência para a mentira, são traços que, com outros, nos caracterizam.

Se eu precisasse de provas para demonstrar, na prática, o que acabei de afirmar, bastava olhar para a campanha eleitoral em curso, porque, todos os políticos, andam a engar-nos e nós deixamo-nos enganar, porque somos feitos da mesma massa. Aceitamos que não haja rigor na exacta medida em que esperamos beneficiar alguma coisa com a essa falta.

Esta é a nossa cultura. Uma cultura herdada do cruzamento de outras que por aqui passaram ou onde uma parte de nós passou. Temos os defeitos da cultura judaica, da cultura islâmica, da cultura católica, associando-lhes algumas virtudes de todas elas. Mas também temos, por importação, partes das culturas extraeuropeias, em especial provenientes de África e da Índia.

 

Um bocado cansado de ver e ouvir na televisão os candidatos dos diferentes partidos que concorrem às eleições legislativas e, ainda mais, os comentadores ‒ uns (raros), bastante informados e, outros, sem informação nem formação ‒ discretear sobre o que dizem os líderes, julgo que posso, reconheço e se me impõe como dever cívico, opinar sobre tudo e todos. Por isso, a minha grande crítica aos líderes partidários vai num só sentido: anunciando-se para breve um mar de euros para inundar Portugal e os restantes Estados da União, ninguém apresenta um plano, um projecto, um esboço, um traço de como se vai e onde se vai gastar esse rio imenso de euros. Ninguém arrisca mais do que falar em salários mínimos, em SNS e outras coisas menores e imediatas.

Eu queria que os políticos do meu país se comprometessem com planos, projectos ou simples esboços de um futuro onde o dinheiro vai abundar, dando-nos a perspectiva de como Portugal mudará. Um tal silêncio leva-me a pensar que todos estão com os olhos postos no pote e em como podem lá chegar, beneficiando-se ou beneficiando quem os pode beneficiar. Uma tal visão, mesmo que seja só uma mera ilusão, leva-me a desconfiar dos políticos do meu país.

 

Curiosamente toda a gente está à espera da tal bazuca que, não sendo a grande garrafa de cerveja moçambicana nem a arma tubular que dispara projécteis anticarro, se calhar, assume o sentido figurado de medidas de grande impacto (do dicionário da Porto Editora), que serão impactantes nas contas offshore de alguns portugueses e de pequeno sentido e importância para a maioria dos meus compatriotas.

 

É tempo de deixarmos de ser bons rapazes e de começarmos a exigir explicações, planos, projectos, deixando de lado as merdas que os políticos e os senhores jornalistas e seus patrões nos querem impingir a toda a hora e a todo o momento.

Eu quero saber qual vai ser o futuro dos meus filhos e dos meus netos. E não me venham com o histórico dilúvio a que chamam pandemia… Noé construiu a barca e salvou um casal de todas as espécies, porque não havia ou não quis um offshore só para si.

11.01.22

Linhas Vermelhas


Luís Alves de Fraga

 

Ontem vi na televisão o programa que dá pelo nome de “Linhas Vermelhas”, uma conversa/comentário/debate entre dois políticos de campos bem diferentes, mas que se sabem respeitar mutuamente, porque são ambos bastante “civilizados” na análise dos assuntos que lhe são propostos pelo “condutor” do diálogo. Trata-se de Mariana Mortágua ‒ que faz análises muito “frias” norteadas pela sua perspectiva ideológica ‒ e Adolfo Mesquita Nunes com quem acontece o mesmo (embora já, há muito tempo, o tenha visto na televisão zaragatear de forma descabelada e inapropriada).

Para quem esteve bastante atento, terá percebido que, agora, mais do que nunca, a divisão dos eleitores portugueses se vai fazer tendo por base a separação das ideologias de direita e de esquerda, independentemente de se votar em qualquer um dos partidos que integram os dois blocos.

 

Numa análise mais “fina”, pode concluir-se que António Costa, ao contrário de Rui Rio, acaba sempre por pedir a maioria “estável”, mas, realmente, isso, podendo ser interpretado como um apelo ao voto nos socialistas, é, mais vastamente, um pedido de voto em partidos relativamente pequenos que ele sabe, de antemão, que lhe vão dar apoio: o PAN e o Livre.

 

As “concordâncias” que, ao longo do programa, se foram verificando entre Mariana Mortágua e Adolfo Mesquita Nunes traduzem bem o que acabei de afirmar: O SNS tem de responder em pleno às necessidades dos portugueses, passe pela exclusividade e monopólio dos cuidados sanitários por parte do Estado ou pela partilha de cuidados entre o sector público e privado, desde que não se faça de modo concorrencial. Na Educação o problema é igual e faltou dizer que também a Defesa e Segurança, como é óbvio, são sectores exclusivos do Estado e onde ele deve prevalecer.

É claro que a ânsia de privatizar a economia levou a que se tivessem perdido empresas estratégicas para a economia nacional, mas o que ninguém disse, até agora ‒ por vergonha ou manobra táctica ‒ foi que a venda dessas empresas teve em vista satisfazer duas finalidades em conjunto: tapar buracos orçamentais e rechear corruptamente os bolsos de alguns políticos intervenientes no negócio.

 

É indubitável que Portugal carece de investimentos rentáveis para fixar no território uma parte dos bons técnicos que, formados cá, procuram no estrangeiro os empregos que os remuneram à altura da sua qualificação, mas é também indiscutível que a mão-de-obra menos preparada necessita de ser paga de forma a poder sair do nível mais baixo dos salários europeus.

Para mim, é bastante duvidoso que tudo isto se faça em ambiente de liberalização económica, pois acredito no facto de os grandes investimentos quererem, antes do mais, satisfazer os accionistas que apostam no retorno do capital usado para a afirmação empresarial. Acredito na honestidade do Estado, se ele não for servido por maus políticos.

 

No final do mês vamos ficar a saber se os eleitores penderam mais para os Adolfos ou se para as Marianas, porque a grande disputa vai ser entre a direita e a esquerda parlamentar.

09.01.22

A definição da política nacional


Luís Alves de Fraga

 

No fim do mês há eleições para definir a composição do parlamento nacional, contudo, nunca como hoje estivemos tão perto do bipartidarismo.

Pode a afirmação anterior causar estranheza nos meus leitores, contudo, é fácil de explicar e nem demora muito tempo, exigindo, simplesmente, “vontade” de compreender. Vamos a isto.

 

Em 1975, quando Mário Soares “meteu na gaveta” o marxismo do Partido Socialista (PS) “separou as águas” entre a esquerda e a direita, “inventando” o centro, pois possibilitou que o, então, PPD viesse a tornar-se no PSD de hoje em clara e manifesta rivalidade com o PS.

Rivalidade de princípio, mas não de fim, pois aquele que poderia ser social-democrata ‒ por já não ser marxista ‒ era o PS. Foi deste modo que o entendeu, até certa altura, a Internacional Socialista onde preponderavam os alemães e os suecos. Eles não estavam enganados, pois o nosso PSD tinha como fim último agradar mais aos empresários do que aos portugueses e isso foi sendo visível ao longo do percurso, que culminou com Passos Coelho ao fazer guinar o partido para a via neoliberal. Com tal manobra, retirou espaço político e ideológico ao CDS e, porque o percebeu a tempo, Paulo Portas “saltou” fora da presidência do partido que se dizia democrata-cristão, mas, na verdade, era neoliberal vocacionado para o preenchimento do espaço ideológico da direita radical.

 

Acabamos de ver que dois “puxões do leme” ideológico de dois partidos ‒ o do PS e o do PSD ‒, em momentos diferentes e distantes ‒ 1975 e 2011 ‒ fizeram cambar a política nacional para a direita sem que o eleitorado suspeitasse destas manobras ideológicas. Tudo iria continuar assim, em 2015, se António Costa, num golpe magistral (em termos de ajuste político, que visou colocar os resultados eleitorais e parlamentares no rumo certo e real) não tivesse invocado a maioria de esquerda que existia dentro do parlamento. Ou seja, o PS “abriu a gaveta” fechada por Mário Soares e deixou que “lá dentro” as “correntes de ar marxistas” pudessem facilitar um entendimento com o PCP e o BE.

Tal actuação veio, em seis anos, mostrar a toda a gente que quis ver e quis perceber, que, afinal não havia “centro”, mas sim uma esquerda com gradações diferentes e uma direita que, diversa entre si, tinha de se reencontrar, reorganizando-se.

E bastou esta meia dúzia de anos para a direita se desarticular, partindo da desarticulação interna do PSD e a desorganização, quase total do CDS.

 

Com grande sentido de oportunidade surgiram, em 2015, à direita, dois partidos residuais cheios de esperanças neste “desmanchar de feira”: o Chega ‒ pronto a fazer um discurso radical com base em slogans que se alimentam da ignorância política dos portugueses mal esclarecidos e incapazes de perceber as “guinadas de timão” dos líderes partidários ‒ e o que dá pelo nome de Iniciativa Liberal (IL) ‒ pronto a agarrar os “restos” do CDS e do PSD para definir uma linha democrática dentro do neoliberalismo, assumindo que o Estado tem peso excessivo na vida e vontade dos Portugueses, ou seja, um Chega que, para chegar onde quer, está disposto a fazer o que for preciso e uma IL pronta a dar a mão ao PSD ou ao CDS, caso este tivesse possibilidades governativas. Também à esquerda surge, como “hífen” entre o PS, o PCP e o BE, o partido Livre, que reforça, num outro sentido, a ação do PAN.

 

Como se vê, uma simples acção do PS, em tempos diferentes e distantes, fez deslocar todo o cenário político-partidário, mas, desta feita, aquilo que aconteceu em 2015, veio provar que não há centros político-ideológicos e que, agora, de um modo muito claro, o eleitorado, ao escolher, vai fazê-lo separando-se entre direita e esquerda.

Ganhe o PS ‒ seja qual for a percentagem de votos ‒ ou ganhe o PSD o que vamos ter é a definição de um Portugal (tudo depende do valor da abstenção) de esquerda ou de direita, pois, é na bipolarização entre estes partidos que se vão definir os arranjos parlamentares para viabilizar o governo da Nação, o que não invalida que, pontualmente, direita e esquerda estejam de acordo. Estamos, por conseguinte, face a um bipartidarismo.

Finalmente, está bem claro que o centro foi e é uma ficção política entre dois partidos que se diziam ideologicamente muito próximos, mas que, na verdade, optam por caminhos distintos para favorecer objectivos bem diferentes.

06.01.22

Dar e receber


Luís Alves de Fraga

 

Não, por hoje vou deixar de lado a política e as eleições, os partidos, António Costa, Rui Rio, e todas personagens que andam envolvidas neste circo mediático sem que nos esclareçam com exactidão os caminhos, as soluções para a vida nacional, incluindo a dívida pública, os aumentos de salários, de combustíveis e das dependências cada vez maiores do Banco Central Europeu e das taxas de juro que ele impõe e vai ou não mudar, mudando, assim, toda a nossa forma de viver.

Hoje vou falar de sentimentos pessoais íntimos, ou seja, de uma coisa que todos temos e da qual raramente damos nota pública a não ser em circunstâncias muito especiais.

 

Fui ao dicionário da nossa língua procurar o exacto significado da palavra egoísmo e topei com o seguinte, entre mais duas possibilidades: «preocupação exclusiva consigo e com os seus próprios interesses» e «individualismo extremo». Depois, no fundamento etimológico, lá vem o latino ego, igual a eu, e o ismo igual a qualidade de ou teoria.

Vulgarmente, dizemos que alguém é egoísta quando se centra muito ou quase exclusivamente em si mesmo, nos seus problemas, na sua pessoa. Se eu me preocupo muito com as minhas doenças sou hipocondríaco, mas, de certa maneira, também sou egoísta, só que esse sentimento está virado quase em exclusivo para a minha saúde ou falta dela.

Posto isto, nos termos de uma psicologia barata, quase poderia dizer que o egoísta não vê os outros nem o mundo à sua volta, porque se tem em grande conta e ao seu mundo, sem dar conta dos outros.

 

No extremo oposto está o altruísta (do dicionário: «que se dedica ao bem social; filantropo») ou, o mesmo é dizer, aquele que se esquece de si para se dedicar aos outros. Seguindo, uma vez mais, a linha da psicologia barata, o altruísta, com alguma margem de erro, não se tem em grande conta, sendo que, muitas vezes, tem de si próprio uma imagem diminuída ou de pouca valia.

Curiosamente, na minha opinião e por mero jogo de lógica, julgo que há algo comum ao egoísta e ao altruísta: a necessidade de lhes prestarem atenção: o egoísta, em consequência da sua condição e o altruísta, porque para dar, para oferecer, espera receber um pouco de reconhecimento dos outros, um pouco de afago para não ver reduzida, ainda mais, a imagem que tem de si.

Deste modo, o egoísta amplia a razão da sua vaidade e o altruísta ganha forças para se sentir menos mal consigo. Todavia, nisto que a lógica do meu raciocínio me aponta, há um só problema: o tempo, no sentido cronológico. É que, para o egoísta, falarem dele é sempre pouco, porque carece de ser único e, para o altruísta, também é pouco o elogio recebido, pois, a sua autocomiseração consome, num instante, o louvor de que foi alvo.

 

Neste mundo de gente autocentrada, rondando o egoísmo, há necessidade de se ser capaz de olhar com atenção para quem nos dá, às vezes inesperadamente, alguma coisa (pode ser só uma palavra ou um sorriso), pois, se calhar, é um altruísta, descompensado e carente de amor, um amor que se contenta com pouco, mas que lhe alimenta a possibilidade de continuar a dar num tempo em que só se espera receber.

E, porque acaba hoje o período convencionado para as Festas Natalícias, deixo aqui a lembrança, pois há tanta gente a dar a quem nós não damos atenção, podendo, cada um de nós, fazer Natais em qualquer momento dos dias do ano.

 

A política, afinal, é passageira, contudo, a marca dos sentimentos é mais forte e quase perene.

04.01.22

Um Rio a precisar de ajudas


Luís Alves de Fraga

 

Ontem vi, por mero acaso, o debate entre Rui Rio e André Ventura e sobre isso tenho algumas considerações a fazer, que poderão interessar ou não aos meus leitores. Deixo-as à vossa consideração. Aí vão elas.

 

Numa tentativa de começar bem e dentro dos parâmetros que iriam condicionar o seu adversário, o líder do PSD invocou o fundamento de ilegitimidade do partido que dá pelo nome de Chega: estar contra o actual regime. Se Rui Rio não tivesse saído deste estreito e limitado campo teria ganho o confronto de ideias, pois, cada vez que Ventura abrisse a boca, bastar-lhe-ia dizer que não tinha que argumentar com alguém que apadrinha e defende um agrupamento político que, há partida, tem como objectivo derrubar o regime e a actual Constituição Política.

Mas Rio deixou-se apanhar na rede do maior desordeiro da actual política nacional. Rio, pelos anos que leva de vida pública e política, devia saber que era no campo do dichote populista que Ventura lhe tirava o tapete, fazendo estatelar-se no lodaçal onde vive o chefe do Chega ‒ sim, chefe, porque aquilo não é um partido, mas um gangue de arruaceiros (tais como os camisas negras de Mussolini ou os camisas castanhas de Hitler) a girar à volta de ideias ultrapassadas, mas muito perigosas para a estabilidade da democracia.

 

Faltou a Rui Rio habilidade para fugir aos dislates de Ventura e a persistência para apresentar não o seu programa eleitoral, mas a ideologia do novo PSD que ele quer recompor. Era no campo das ideologias que Rio se devia ter colocado e, desse modo, confrontava um partido democrático com um grupo desejoso de alcançar o poder para lhe dar a volta e acabar democraticamente com a democracia que ainda hoje é possível numa Europa onde se suporta um Morawiecki, na Polónia, ou um Victor Órban, na Hungria. Esse teria sido o caminho mais próprio para deixar claro quem é o PSD de Rui Rio e o Chega, de quem Ventura é uma simples marioneta manobrada na sombra por interesses antipatrióticos e antinacionais.

 

André Ventura, com a habilidade dos debates televisivos de futebol, onde se discute da mesma maneira que se joga no campo, isto é, tentando bloquear o adversário que leva a bola em direcção à baliza, sem ser detectado pela equipa arbitral, driblou o velho político, que tem, em relação à causa pública, princípios éticos um pouco mais visíveis do que a maioria dos seus adversários, haja em atenção as vezes que, para não travar uma acção de carácter nacional, votou ao lado do PS, quando outros ou se abstiveram ou votaram contra.

 

Sabemos que André Ventura vai usar do mesmo tipo de alegação ‒ que só pode colher votos junto de ressabiados ou ignorantes das coisas políticas ‒ usada aquando das eleições presidenciais: o insulto, a armadilha, a argumentação pontual e populista, que não leva nem toma em consideração os grandes interesses dos Portugueses, mas somente, e em segredo, os interesses dos grandes grupos económicos dos quais espera, depois, apoio para a prática de uma política de silêncio e contenção democráticas.

 

Naturalmente, não vou ajudar nenhum dos candidatos ‒ eu, que da prática política nada sei, embora saiba como estudar o fenómeno que a comanda ‒, mas, se tivesse de dar a mão a Rui Rio, aconselhava-o a deixar de lado as pequenas preocupações da pequena política para se dedicar a explicar qual é o projecto social-democrata que ele tem para o país. Ele e António Costa, pois será daí que o eleitorado poderá extrair as bases onde sedimentará a sua opção partidária. Foi assim que se construiu a democracia plural nos distantes anos de 1974 a 1982; discutia-se, a sério, o que era bom para Portugal e para os Portugueses e pouco ou nada os casos do dia (a esses dedicavam-se os interessados na manutenção do obscurantismo de onde nos havíamos escapado).

03.01.22

António Costa Pinto e o Livre


Luís Alves de Fraga

 

Ontem tive oportunidade de ver, na RTP 1, o debate entre António Costa e Rui Tavares e, na RTP 3, os comentários de António Costa Pinto ao que se passou no outro canal.

Começando pelo debate perceberam-se (ou percebi eu) várias coisas:

António Costa está apostado em conseguir a maioria parlamentar, ou seja, 51% das cadeiras disponíveis;

Quer convencer o eleitorado de que a estabilidade só se conquista com uma maioria, negando, desta forma, todo o seu passado de negociador entre partidos de esquerda;

Cristalizou, por completo, no modelo partidário prevalecente no Parlamento até 2015, não dando pela mudança ‒ ou desprezando-a ‒ que ocorreu em 2019 com a chegada de novos partidos ao hemiciclo.

 

Todo o discurso de António Costa centrou-se numa incapacidade de resposta a Rui Tavares, que, sem o afirmar explicitamente, veio mostrar a viragem em curso no seio do tecido partidário nacional.

Com efeito, o líder do Livre chamou a atenção para a importância dos pequenos partidos, que Costa parece menosprezar. Todavia, não foi só para o ainda Primeiro-ministro que o aviso de Rui Tavares passou despercebido; António Costa Pinto, numa postura demasiado distante daquilo que faz falta ao comum cidadão espectador dos debates e das explicações subsequentes, reduziu o Livre a um pequeno apêndice, descartável ou absorvível, do ou pelo Partido Socialista (não se escusou de tentar lembrar outras tendência passadas, que acabaram engolidas pelo partido de Mário Soares). Esqueceu-se ‒ e “vestindo” a fatiota de comentador, isto é grave ‒ de que os contextos de absorção desses pequenos partidos, movimentos ou tendências políticas foram outros e em épocas bem diferentes das actuais.

 

Rui Tavares ‒ um político, um historiador e um jornalista bem informado ‒ por várias vezes apelou a que António Costa olhasse para a Espanha ‒ e não foi por acaso que o fez ‒, focando-se no problema salarial, mas, para um entendedor atento, aquela “meia-palavra” chegava para lembrar a viragem política ocorrida aqui ao lado, quando os partidos tradicionais foram confrontados com novos partidos muito aguerridos e com capacidade para explorar os desencantos dos eleitores. A António Costa Pinto esta chamada de atenção não deveria ter escapado.

 

Desde o PAN ao Chega, passando pela Iniciativa Liberal e pelo Livre o peso do quadro partidário português pode alterar-se, dado o completo desvanecimento do CDS, a confusão do PSD, o desgaste e envelhecimento do PCP (inadmissivelmente apegado, agora, a uma teimosia ortodoxa quase repentina), a desilusão no BE que, até ao momento, só cativou a classe média descontente, vai levar, na minha opinião, a duas situações concomitantes: mais um aumento da abstenção e a uma votação nos pequenos partidos (espero que não muito significativa no Chega), deixando o PS quase sozinho, sem maioria, a ter de se entender, com esses partidos, que, na ala esquerda parlamentar, são o PCP, o BE, o PAN e o Livre. Ora, uma excelente alternativa para quem estiver cansado dos estafados partidos da esquerda tradicional, surge no Livre e no PAN, já que os Verdes não se descolam do PCP.

 

Do meu ponto de vista, António Costa Pinto ‒ comentador político, professor e investigador ‒ perdeu uma excelente oportunidade de, mostrando independência, ter dado aos Portugueses uma visão mais completa de um futuro que não se apresenta risonho, porque Rui Tavares, pelo menos ele, vai fazer finca-pé na necessidade de transparência política, num tempo em que, por força dos dinheiros de Bruxelas, queremos evitar as negociatas do passado e os nepotismos a que alguns partidos “tradicionais” nos habituaram.