A República de São Tomé e Príncipe
Por muito que alguns astrólogos tentem, o futuro continua a ser imprevisível, insondável e secreto. Assim, ninguém, em 1974 ou 1975, durante o chamado PREC, se atreveria, em Portugal, a tentar esclarecer os naturais do pequeno arquipélago de São Tomé e Príncipe, inicialmente despovoado e, depois, povoado por alguns europeus, um largo punhado de judeus e muitos, muitos escravos africanos idos do continente ‒ e não me venham dizer que foram os portugueses e Portugal quem descobriu a escravatura ou a praticou em primeiro lugar na História! ‒ de que o mais conveniente para eles era continuarem dependentes de Lisboa, embora gozando de uma ampla autonomia administrativa e, até, financeira. Quem o fizesse, no mínimo, arriscava-se a ser acusado de colonialista e fascista, a ser preso e, talvez, erradicado de Portugal. Estava-se no tempo das independências, das amplas liberdades; não se estava no tempo do bom-senso, da ponderação e da análise fria das consequências futuras.
São Tomé e Príncipe tornou-se um Estado independente e soberano em tudo igual aos existentes no mundo, mas só diferente numa coisa: é que a independência e a soberania eram uma brincadeira de mau gosto! A soberania e a independência têm custos tão elevados, que muitos Estados bem maiores do que aquelas ilhas, bem mais ricos, bem mais preparados, não possuem capacidade formal e efectiva para se proclamarem soberanos e independentes.
Tudo isto são águas passadas e, chorar sobre leite derramado, pouco adianta.
Em São Tomé, ilha e cidade por onde passei há cinquenta e cinco anos, houve, há dias, uma imensa chuvada que, para além de levar à perda de uma vida, resultou na destruição de infraestruturas que, para serem refeitas, custam mais empréstimos ou mais dádivas internacionais. Se São Tomé fosse uma região autónoma de Portugal, a União Europeia daria uma boa ajuda, agora, tal como teria dado outras ao longo de todos estes anos e o arquipélago, por força da sua localização, do clima e das belezas naturais, poderia estar, no Equador, em pé de igualdade ou muito próximo daquilo que são as ilhas do Porto Santo e da Madeira.
A grande questão é saber como é que se sai de uma situação de pobreza endémica, quando a população é incapaz de fazer grandes investimentos que atinjam um valor capaz de representarem uma boa receita para o Estado se sustentar, redistribuindo socialmente aquilo que faz evoluir o conjunto. Resumindo: como é que um pobre se pode tornar remediado ou, até, rico?
Há duas soluções: uma inviável e improvável e outra possível.
A inviável é proveniente do mundo teológico: o milagre; a possível vem da vontade de haver quem queira fazer largos investimentos no Estado de São Tomé e Príncipe.
Esta solução exige várias contrapartidas: em primeiro lugar, elevar o nível cultural e educacional das populações ‒ ninguém aposta num investimento onde o índice de alfabetização seja rudimentar, onde para dar trabalho se tenha de ensinar a falar e a escrever, a estar e a comportar-se ‒; depois, que existam boas condições de assistência sanitária para os naturais ou para os estrangeiros ‒ não se pode estar dependente de evacuações urgentes para salvar vidas; em seguida, que os naturais estejam dispostos a trabalhar, cumprindo padrões de rentabilidade internacionais.
Tendo sido São Tomé o primeiro produtor de cacau do mundo, parece, a aposta deveria começar por ser feita na reconquista de uma boa posição nesse domínio, mas quem é que quer voltar às roças de cacau?
O turismo poderá ser uma saída para a economia local, mas, para deixar rendimento no país, não pode passar por se fazer dentro de um hotel, numa praia e nada mais… Têm de se promover as belezas naturais onde, com conforto e bom serviço, o turista possa usufruir de condições óptimas de lazer.
A pesca é um caminho, desde que não passe pela prática artesanal, mas implica a existência de infraestruturas em terra, que garantam a qualidade e o imediato escoamento do produto em boas condições de consumo em qualquer parte do mundo.
Programas não faltarão, todavia eles têm de passar primeiro por certas apostas que os governos da República de São Tomé e Príncipe terão de fazer. É uma questão de saber semear para, depois e só depois, colher os rendimentos.