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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

20.08.21

Do multiculturalismo à integração diferenciada


Luís Alves de Fraga

 

A retirada das tropas dos EUA do Afeganistão veio reacender a questão do futuro das culturas nacionais europeias nos Estados onde existe elevado número de imigrantes muçulmanos.

 

O melhor pensamento estratégico para abordar este assunto não passa pela intransigência a todo o custo, pois, adoptando uma tal posição, a Europa está a colocar em risco a democracia, dando, de mão-beijada, larga margem do eleitorado aos partidos radicais, xenófobos e racistas, enfim, neofascistas. Foi isso que aconteceu em França, na Áustria e, em grande parte, na Inglaterra, levando-a ao Brexit.

A intolerância é a arma de quem não tem armas ou de quem, tendo-as, não as sabe utilizar, porque prefere a força bruta. Ora, o apelo ao imediatismo, para evitar um mal que se imagina, conduz à ausência de lógica, porque se anulam as razões dos outros, fazendo prevalecer as nossas sem medição de consequências. Olhe-se para o exemplo mais flagrante dos últimos cem anos: o da Alemanha nazi. Num exercício de pura imaginação, se fosse possível, em 1923, ter mostrado ao eleitorado germânico o que seria a Alemanha em 1945, após a derrota, Hitler e o seu partido jamais teriam ganho as eleições de uma junta de freguesia, quanto mais lugares no parlamento! Contudo, por força do livre curso dos sentimentos provenientes do medo, ditados pela falta de raciocínio lógico e dialéctico, os alemães encheram estádios e ruas, avenidas e praças aplaudindo aquele que os levaria à mais desgraçada miséria material e à maior carga moral que pode viver um povo com centenas de anos de cultura.

 

A democracia europeia optou por estabelecer como forma de aceitar a imigração islâmica a chamada política de convivência multicultural.

Dentro deste princípio, temos que a convivência de duas ou várias culturas no mesmo espaço geográfico vai resultar em choque ‒ frontal ou camuflado ‒ porque haverá sempre alguém pronto a desencadear a discórdia, sendo que, regra geral, esse elemento dissonante, é declaradamente minoritário, podendo estar ao serviço de interesses muito bem disfarçados para quem a desordem traz vantagens, quase sempre estratégicas de longo prazo. É isso que, de quando em quando, vemos, lemos ou ouvimos na Europa.

Os governos dos Estados europeus e a própria UE adoptam uma posição pública de condenação dessas minorias discordantes, fazendo, cada vez mais, a apologia da convivência multicultural facto que, naturalmente, empurra para os braços dos movimentos políticos neofascistas mais gente que se sente indignada, agora já não pela diferença cultural entre muçulmanos e não muçulmanos, mas pela prática governamental utlizada.

Não tenho dados para apoiar a afirmação que vou fazer, todavia, parece-me, os Estados onde as manifestações xenófobas e racistas são maiores, não mostram ter montada a informação estratégica suficiente para, por um lado, determinar a origem da agitação e, por outro, quem se aproveita dela, pois, se a tivessem fenómenos políticos como os que deram vitórias eleitorais em Itália, Hungria, Áustria e Polónia não se verificariam.

 

Em face do exposto, parece, a melhor estratégia, na Europa e, consequentemente, na UE deveria ser ligeiramente diferente da que apelidam de “convivência multicultural”, pois, ter-se-ia de separar, sem complexos, o que constitui matéria religiosa do que constitui cultura diferente.

Vejamos.

Nas cantinas escolares fazer refeições diferentes para os praticantes do islamismo não deve constituir motivo de crítica, pois também se fazem pratos vegetarianos para quem não come carne; as mulheres usarem lenço a cobrir a cabeça não deverá ser problema, porque, há cinquenta anos, não entravam num templo católico ‒ fossem católicas ou não ‒ sem cobrirem os cabelos com um lenço ou véu; estabelecer pausas no horário laboral para efectuar orações, não é motivo para escândalo, pois, também na Europa católica, nos meios rurais, havia o hábito de, a certas horas, fazer interrupções nos trabalhos para rezar quando o sino da igreja chamava à oração; deixar construir ou subsidiar a construção de mesquitas, não dá razão a quem contesta o islamismo, já que há templos protestantes, católicos ortodoxos e sinagogas em quase todas as grandes cidades europeias.

 

Assim, ter-se-á de separar com cautela, o que é, no islamismo, religioso e, por conseguinte, optativo, do que é jurídico ‒ que não pode ter cabimento como regra genérica nos Estados democráticos da Europa ‒ e do que é cultural.

É exactamente por aquilo que constitui matéria jurídica civil, no islamismo, que, nas sociedades ocidentais europeias, se tem de fazer a separação de águas: a Lei corânica pode ter lugar dentro da mesquita, dentro do lar de cada um, mas não pode ser imposta como regra para todos os muçulmanos e não muçulmanos, tal como as tradições que extravasem a mesquita e os lugares sagrados.

Um sistema assim visa a integração social num Estado de direito europeu, com respeito pela religião e pela cultura do todo social, porque os imigrantes muçulmanos ou de outras religiões terão de aceitar a hospitalidade que lhes é facultada sem serem ofendidos nem ofenderem, porque, entre nós, por cima do império da moral religiosa, está o império da Lei Civil, o império da democracia e o da liberdade.

O multiculturalismo não é a estratégia, quanto a mim, tal como tentei demostrar, mais própria para estabelecer o convívio respeitoso que o imigrante deve aceitar vindo da sociedade de acolhimento; a da integração diferenciada essa é, sem dúvida para mim, a mais própria e cumpridora das diferenças de todas as partes.

17.08.21

Cabul e a vitória da guerrilha


Luís Alves de Fraga

 

O Afeganistão foi um território onde ingleses, russos e americanos nunca conseguiram impor-se à cultura local.

Só há uma explicação para isso: ao contrário de compreenderem o povo afegão, os seus costumes, as suas necessidades e os seus anseios, tentaram ocidentalizá-los, abrindo estradas, fazendo escolas e hospitais. Tudo isso constituiu um tremendo erro.

O islamismo tem de ser compreendido, estudado e interpretado segundo os princípios que o regem. A primeira grande diferença entre as culturas ocidentais, influenciadas pelas culturas greco-romana e judaica é que a religião, tal como Jesus afirmou, “é de Deus” e a política “é de César”. No islamismo, política, justiça e religião confundem-se sem dar lugar à tripartição do poder ‒ legislativo, executivo e judicial ‒ porque, soberano é Deus, que se revelou e ditou a justiça, as leis e a governação, através do seu profeta, Maomé.

As fontes da Lei são o Alcorão seguido da Suna (relato da vida e dos caminhos do profeta) e, depois, os hádices (narrativas do profeta). Tudo está contemplado nestes escritos tidos como sagrados e, mais do que isso, soberanos no sentido atribuído pelo Ocidente à palavra (depois da Revolução Francesa), ou seja, detentores de todos os poderes.

É assim, deste modo que, para um muçulmano, o Estado, a chefia do Estado e a chefia religiosa se confundem. Um condutor religioso é, também, um condutor político e jurídico.

 

Poder-se-á perguntar como foi possível, em certas regiões do Próximo Oriente e, até, nos Balcãs e na Península Ibérica, ter-se verificado, em tempos distantes, desenvolvimentos filosóficos e científicos que ultrapassavam os dos cristãos e, todavia, a resposta é simples, se a quisermos curta e sintética: o estádio de desenvolvimento cultural dos povos do Ocidente estava ainda fechado em torno de uma religião que, em moldes de rigor proselítico, não andava muito longe do dos islâmicos mais radicais.

O que aconteceu no Ocidente, justificativo da distância cultural entre cristianismo e islamismo, foi que, por cá, se ultrapassou, em pleno Renascimento, o teocentrismo, dando lugar a um antropocentrismo que, não renegando o papel de Deus no plano da religião, dá ao Homem um lugar que, em última análise, até pode explicar a vontade de Deus e a Sua obra criadora. Este foi o momento de corte entre as duas religiões e, consequentemente, das culturas que geram.

 

Na Turquia, depois do fim da Grande Guerra e da derrota militar do império Otomano, o general Mustafa Kemal Atatürk, fez-se proclamar Presidente da República e porque conhecia e entendia o papel do Iluminismo (um tempo de subversão do teocentrismo) na História do Ocidente, determinou a laicização do Estado, o mesmo é dizer, criou estruturas políticas e judiciais separadas da prática religiosa. Queria, assim, modernizar uma sociedade que, mantendo-se apegada ao modelo tradicional, jamais conseguiria aproximar-se das novidades de um mercado que se abria à tecnologia, à comodidade e ao conhecimento.

Para simplificar, podemos dizer que, com um golpe estratégico dentro da tradição islâmica, ele abriu as portas a um novo entendimento do papel da religião. É assim que se tornou possível, sem embates de maior nem choques culturais permanentes, a coexistência de comunidades islâmicas no seio das de maioria cristã.

 

Não perceber estas relações e a necessidade de conciliar tradições com inovações levou as grandes potências ocidentais até ao Afeganistão com uma só ideia: modificar, sem plano islâmico, uma população islâmica. Fizeram qualquer coisa como abrir uma estrada onde ninguém quer transitar. Ora, o único processo de poder alcançar mudanças era, estrategicamente, subverter a cultura islâmica através da sua própria cultura e, para tal, não sendo muçulmano como Atatürk, era preciso pensar como islâmico, deixando de lado todos os preconceitos ocidentais, porque, subverter passa por estar dentro, o mesmo é, literalmente, entornar, partindo de baixo para cima, porque o que as grandes potência quiseram fazer foi sobreverter ou seja, fazendo tábua rasa do islamismo, derramar, sobre um povo impreparado, uma nova ordem cultural, jurídica, política e religiosa.

 

Esta vitória do islamismo radical vai ter efeitos que não podemos calcular de momento, mas de que, em breve, teremos notícias.

Para jogar xadrez não basta saber movimentar as peças!

16.08.21

Vagas de calor


Luís Alves de Fraga

 

Passei férias de Verão mais de doze anos num pequeno “Monte” muito cerca da fronteira de Ficalho, no chamado Alentejo profundo. Cheguei a estar por lá dois meses ou, até três, no tempo de maior calma (do mais seco calor), que vinha sempre quando o vento ‒ às vezes, uma simples aragem ‒ soprava de Espanha.

Só a sombra do interior da casa com os lambazes salpicados de água fresca do bidão onde fazíamos reserva, vinda a braço, em baldes e cântaros, do poço próximo, que, depois de analisada garantia a potabilidade impecável do seu veio, aliviavam o calor escaldante que fazia lá fora.

 

Houve uma noite, já rapaz de dezasseis anos, que não aguentando o respirar ainda quente da casa, fui dormir para a eira, em cima da palha. Avisaram-me da brotoeja, das cobras e sei eu lá de que mais. Fiz ouvidos de mercador e lá me deitei sob um céu estrelado, onde corria uma brisa mais fresca. Acordei com os alvores do dia, que ia ser quente, de certeza. Vim para casa sem sinais de quaisquer mazelas. Já passaram muito mais de sessenta anos sobre essa noite e esses calores.

 

Não sei se era o vento de Espanha ou o suão de José Régio que povoou muitos dos meus Verões perto de Aldeia Nova de S. Bento. Não se falava ainda de aquecimento global, embora ardessem poucas ‒ porque limpas ‒ algumas matas nas Beiras. Ou, talvez, fosse a censura quem calava os fogos, como quase calou Aquilino Ribeiro e o seu Quando os Lobos Uivam.

Que há mudanças climatéricas não tenho dúvidas, pois as estações do ano tão bem definidas, na minha infância, esbatem-se e interpenetram-se agora, quando a humidade e o frio me enferrujam as dobradiças e o calor me baixa a tensão arterial.

Não arrisco dormir nas eiras, que já não tenho, quando, depois de um dia de canícula, me sabe bem o fresco da noite. Contudo, pergunto-me, muitas vezes, se, no dizer cheio de humor de Vasco Santana, “esta bola que rebola e dá voltas sem parar” não estará, também, a sofrer efeitos daqueles muitos que o Sol exerce sobre a Terra.

Não sei e, consequência da minha ignorância, sou atrevido no lançar de hipóteses que, provavelmente não têm qualquer fundamento, estando certos todos os que vêem nos automóveis, aviões, navios de cruzeiro, nas fábricas que consomem carvão e em tantas mais fontes de produção de CO2 a razão destes excessivos calores estivais, nas chuvadas imensas de Verão e nas consequentes cheias que transbordam leitos traçados há milénios.

 

Estou de frente para uma ventoinha que me dá a sensação de fresco, porque somente agita o ar. Queira Deus que a electricidade que a alimenta não seja produzida numa usina que queima carvão.

11.08.21

Aquilo de que não falamos


Luís Alves de Fraga

 

Raramente os nossos noticiários, tanto de televisão como de rádio ‒ dos jornais e revistas nem falo ‒ dedicam tempo a explorar, informar, esclarecer, opinar ou reflectir sobre o que se passa, o que se legisla, o que se intriga, o que se discute, o que se pensa nos corredores da União Europeia (UE).

Qualquer noticiário televisivo gasta largos minutos a informar sobre desporto, acontecendo o mesmo na emissora radiofónica pública (Antena 1) que, a cada meia hora, despende cerca de dez a quinze minutos a falar de actividades desportivas, em especial futebol. A RTP consagra um canal ao que se passa no Parlamento, tal e qual como as coscuvilheiras usam o parapeito das janelas para darem conta do que se passa na rua, embora se estejam nas tintas para o que ocorre na cidade.

 

Explorando o sítio da UE dei com uma série de coisas sobre as quais gostaria de me debruçar, começando sobre aquilo que a instituição diz de si mesma. Vou transcrever:

 

«Os europeus unidos na diversidade

A União Europeia (UE) é uma família de países democráticos europeus, com um projecto comum de paz e prosperidade. Não se trata de um Estado que pretende substituir Estados existentes, mas vai além de qualquer outra organização internacional. A UE é, neste aspecto, única. Os Estados Membros criaram instituições comuns a que delegam parte da sua soberania por forma a que as decisões sobre questões específicas de interesse comum possam ser tomadas democraticamente a nível europeu.

A Europa é um continente com muitas tradições e línguas diferentes, mas também com valores comuns. A UE defende estes valores. Reforça a cooperação entre os povos da Europa, promovendo a unidade ao mesmo tempo que preserva a diversidade e garante que as decisões sejam tomadas tão perto quanto possível dos cidadãos.

No mundo cada vez mais interdependente do século XXI, será cada vez mais necessário que os cidadãos europeus cooperem com os povos de outros países num espírito de curiosidade, tolerância e solidariedade.» (Os sublinhados são da minha autoria).

 

Por favor, detenham-se um pouco no fim de cada período gramatical e tentem perceber as contradições expressas do início até ao fim desta definição da UE.

Vejamos, aquilo que para mim, está em oposição.

 

A União Europeia não se trata de um Estado, porque é uma família de países democráticos, mas vai além de qualquer outra organização internacional.

Fixemo-nos nesta afirmação. A União Europeia não é, de facto, uma união, porque, para sê-lo, à semelhança de um homem e uma mulher que casam, teria de formar uma família, comportando-se como um todo único. Ora, a verdade, é que, reconhecendo soberania parcelar a cada país, não existe família! Poderá existir uma junção de famílias em regime de vivência em condomínio e nada mais do que isso.

Assim, esse algo de novo, no plano das relações internacionais, começa a ganhar contornos de Estado quando aceita receber parte da soberania dos Estados «por forma a que as decisões sobre questões específicas de interesse comum possam ser tomadas democraticamente a nível europeu»!

Grave, mas mesmo muito grave, é que não estão definidas as «questões específicas de interesse comum», nem está preceituado a forma de democraticidade referida.

 

O parágrafo seguinte, então, ronda a total contradição, pois, reconhecendo diferenças entre Estados da Europa, pretende promover a unidade na diversidade, ou seja, quer juntar no mesmo meridiano o pólo Norte e o Equador!

Grave é a afirmação de que a UE «garante que as decisões sejam tomadas ‘tão perto quanto possível’ dos cidadãos»!

‒ O que é ou o quanto é este perto dos cidadãos?

Pela amostra nacional, é o mais distante possível!

 

Por fim, o último parágrafo constitui a afirmação de alienação total dos cidadãos europeus, pois o «tão perto quanto possível» antes exposto demonstra que a desejada cooperação se faz aos níveis que, livre e arbitrariamente, os órgãos dirigentes da UE decidirem, porque não se vê, não se ouve falar, não se adivinha nos Estados membros os «cidadãos europeus» ‒ essa ficção criada nos papéis assinados nos gabinetes distantes do homem da rua ‒ qualquer manifestação de agrado ou de desagrado respeitante à cooperação com os povos de outros países e, quando, relativamente aos movimentos migratórios se faz ouvir alguma reserva, logo as instâncias europeias vêm definir a posição politicamente correcta.

 

Prometo voltar a este assunto polémico, aceitando a contradição, que é tão bem-vinda como a afirmação de apoio.