É vulgar o uso da expressão estratégia económica que nada tem a ver com estratégia e economia. Vamos começar por estabelecer e distinção.
Uma estratégia económica pressupõe a existência de uma luta, um objectivo e um ou vários modos para vencer, alcançando os objectivos, ou minimizando os estragos causados pela luta. Uma estratégia económica é, por conseguinte uma acção que se desenvolve, no domínio da economia com o intuito de conseguir um resultado.
Não podemos confundir com política económica, pois esta está a montante daquela e, assim, é ela quem determina a estratégia a adoptar ou seja o desenvolvimento dialéctico perante o desenrolar da acção.
Face ao exposto com sintetismo, ocorre uma pergunta retórica para prosseguirmos na exposição:
‒ E entre Estratégia e Economia, qual a relação existente?
Se aqui entendermos o termo Estratégia (propositadamente escrito com maiúscula) como o desenvolvimento dialéctico da acção condutora do Estado no prosseguimento dos seus superiores interesses e objectivos, percebemos que, ao estabelecer a complementaridade “Economia”, estamos a tratar desta como fazendo parte daquela. O mesmo é dizer, na Estratégia do Estado cabe tudo o que concorre para a realização dos interesses do colectivo sobre o qual ele, Estado, exerce o dever de tutela.
Definidos conceitos, temos obrigação de chamar a atenção para aspectos mais subtis da Estratégia do Estado ‒ se se preferir, também lhe podemos chamar Estratégia Nacional ‒ e que a separam da vulgar luta política. Na verdade, os objectivos estratégicos de um Estado devem sobrepor-se à disputa pela detenção da governação.
Ora, quando relacionamos Estratégia e Economia caímos no grande pomo de discórdia política, pois, no geral, os desentendimentos essenciais entre partidos passam pela forma como se deve encarar a Economia do Estado.
Reparemos que é por causa da política económica que, quase sempre, se deram os grandes confrontos bélicos e as grandes disputas internacionais. A política económica tanto passa pelo mercado interno como pelo mercado externo e, quanto mais os mercados dependerem uns dos outros, tanto mais difícil será traçar a política económica mais conveniente a uma sociedade.
O caso português é paradigmático nesse aspecto. Vejamos.
Na primeira metade do século XVIII, quando na Europa se desenvolviam grandes oficinas para produzir os artigos que podiam satisfazer os mercados internos dos diferentes Estados, no nosso país, em consequência da descoberta dos grandes filões de ouro no Brasil, comprava-se tudo o que lá por fora se produzia, sem a cautela de desenvolver uma política económica que apontasse para a autarcia possível, ou seja, que evitasse as importações. Praticava-se, nessa altura, em França, na Inglaterra, na Áustria e um pouco por toda a Europa, o chamado mercantilismo, que se traduzia por vender ao estrangeiro o mais possível, evitando comprar fora o quer que fosse.
Na segunda metade do mesmo século, com a queda da mineração brasileira, o marquês de Pombal deu um extraordinário impulso mercantilista à economia do reino, fundando oficinas de produção de tecidos de lã e de seda, de chapéus, de sapatos, de peças de vidro, delimitou a produção de vinho a zonas próprias, enfim, lançou aquilo que poderia ter sido a base de uma transformação industrial no momento em que a oficina deu lugar à fábrica. Mas tal não aconteceu, porque, por razões já por nós explicadas noutro sítio (Reflexão sobre o Capitalismo Português no Século XIX ) se optou, até quase ao fim da primeira metade do século XX, por aceitar que Portugal fosse um país essencialmente agrícola, com uma indústria controlada.
Curiosamente, quando se julgava que se estava a praticar uma política de incentivo à economia ‒ abertura de estradas e lançamento de vias férreas ‒ durante a Regeneração, com o patrocínio de Fontes Pereira de Melo, começou-se, de facto, pelo fim, o mesmo é dizer, abriram-se vias de escoamento da produção industrial, mas não se implantaram fábricas a cavalo das mesmas.
Em suma, pode dizer-se, que a nossa Estratégia Nacional nunca levou em conta a Economia e este nunca chega mesmo aos anos oitenta do século passado, quando um dilúvio de dinheiro foi vertido sobre Portugal proveniente da CEE. Repetiu-se, quase a papel químico, o mesmo erro de Fontes Pereira de Melo, mas, desta vez bem pior, pois desprezaram-se as linhas férias.
Ficar por aqui nesta análise sintética era enviesar o estudo da nossa Estratégia Nacional ‒ mesmo quando ela não estava vertida em letra de forma ‒ pois, os povos, por caminhos ínvios ou mais direitos, definem-na quase sempre (já vimos como a Geopolítica é fundamental nesse papel) mesmo sem grande noção da importância das suas acções ‒ algo semelhante à aprendizagem da busca do leite materno levada a efeito pelos mamíferos quadrúpedes após serem paridos ‒ (o que confirma a afirmação do general André Beaufre: «todo o homem faz estratégia sem saber»).
Realmente, se fizermos uma rápida análise interpretativa à Expansão Portuguesa, começando pela conquista de Ceuta, em 1415, até 25 de Novembro de 1975 (data da independência de Angola) percebemos que o eixo sobre o qual giraram as diferentes formas de geração de riqueza nacional foi o do comércio marítimo com todos os entrepostos comerciais criados ao longo das costas de África, da Índia, do Oriente e do Brasil. Não se tratou de um império territorial à maneira do de Espanha nas Américas, mas um fluxo mercantil que soube adaptar-se aos diferentes condicionalismos ditados pela concorrência e pela força das políticas imperiais europeias.
Infelizmente, nem nas nossas universidades nem os nossos meios políticos nascidos na sequência da revolução democrática de Abril de 1974 souberam dar a conhecer ou explicar esta Estratégia Nacional onde a Economia se tornou o pilar da independência e da soberania nacionais. Sempre se acreditou que o cadeado que fechava o portão por onde a Espanha poderia entrar era a aliança com a Grã-Bretanha. Ao não perceber a Estratégia Nacional, intuitivamente definida por sucessivos reis, governos e regimes, os negociadores da adesão de Portugal à CEE cometeram um erro de lesa-pátria, pois, virando as costas ao mar e ao comércio marítimo a grande distância, meteram o país no caldeirão dos conflitos europeus e mundiais, sem outro recurso do que o de aceitar o que nos fosse imposto.
Veja-se o caso da Holanda, país de fracos recursos naturais, cujo solo arável tem vindo a ser conquistado ao mar, que ocupa o primeiro lugar no transporte marítimo europeu o qual, para além de conduzir para o exterior a produção agrícola nacional (emprega 2% da população e exporta 60% da produção), transporta tudo de e para todo o lado. A Holanda não modificou a rota da sua Economia com a entrada na CEE.
Fora da União Europeia, temos o caso bem conhecido da Suíça. País de fracos recursos naturais, vive de uma fortíssima exportação de produtos produzidos nas inúmeras pequenas e médias empresas que dão trabalho e despende anualmente cerca de 15 mil milhões de euros em pesquisa e desenvolvimento. Trata-se de um Estado que soube orientar a sua Economia para nichos de mercado onde se afirmou pela qualidade.
Em Portugal, falta determinar o papel que a Economia tem presentemente na Estratégia Nacional, pois, se deixarmos que sejam interesses privados a escolher a direcção económica estamos a abrir uma profunda brecha na nossa defesa colectiva, expondo-nos à vontade estranha, que defenderá os seus interesses e deixará cair os interesses nacionais.
Será que o Ministério da Defesa Nacional está a trabalhar em consonância com o da Economia para garantir a nossa integridade, soberania e bem-estar?