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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

30.05.21

Vacinas e militares

(Ou uma pequena explicação da Ética Castrense)


Luís Alves de Fraga

 

Tem causado excelente impressão na opinião pública e publicada a forma como o almirante Gouveia e Melo conduz o processo de vacinação de toda a população, sem sobressaltos, mas com objectivos que, em cada dia, se vão cumprindo.

Vê-se e ouve-se que a mão militar soube colocar ordem onde começava a impor-se a desordem, os favoritismos, as influências e as “cunhas” usuais na nossa cultura cívica.

 

Para mim, que desde os treze anos de idade, fiquei sujeito ‒ porque fui voluntário ‒ às regras da disciplina castrense e toda a cultura militar se me foi entranhando por baixo da pele, estranho seria que um graduado das Forças Armadas empossado num cargo dirigente falhasse logo aos primeiros passos. Mas não o culparia de imediato. Iria procurar as envolventes que o levaram a falhar, as armadilhas que lhe colocaram no caminho, os vespeiros de interesses sórdidos onde ele teria posto a mão. Era essa a minha atitude e, se não encontrasse nada do que descrevi, então, iria tentar perceber se o militar tinha, realmente, perfil de líder e se era, na verdade, um “militar a sério”… É que na instituição castrense também há nódoas!

 

Mas há que perceber a razão para os êxitos das lideranças marciais.

Antes de tudo o mais, são raríssimos os militares que têm uma “agenda pessoal” ou seja, um objectivo individual a realizar para conseguir alcançar prémios e regalias por vias ínvias. Ao graduado militar é incutida a ideia de serviço comunitário nacional sem esperança em grandes agradecimentos, sem grandes louvores ou notória visibilidade pública; quem lhe pode reconhecer feitos é a estrutura hierárquica, que o valoriza, por regra, empurrando-o para um cargo de maior responsabilidade e mais exigente (o velho provérbio castrense faz todo o sentido: “Na tropa, nem bom cavalo nem bom cavaleiro”!).

‒ E o graduado militar é assim, em consequência de quê?

Muito simples. É assim, porque, desde o primeiro momento, em todas as circunstâncias, os meios de que dispõe para o cumprimento da missão ‒ seja ela qual for ‒ são sempre escassos, pois o nível de perfeccionismo exigido é sempre superior ao espectável. Nunca nada está bem, se puder estar melhor! Então, tem de se avançar rumo à optimização. Então, só construindo uma excelente organização e gestão de meios se pode estar apto a tentar alcançar o óptimo, que estará sempre longe de ser alcançado.

‒ E qual a razão desta necessidade de óptimo?

Simples! Às Forças Armadas é dada a missão mais difícil de todas: a defesa da Nação a todo o custo, mesmo a custo da própria vida! Mas, de preferência, a defesa da Nação à custa da vida de quem a ataca. Heróis mortos não valem nada para nós… Têm valor para o inimigo, porque os matámos pela defesa da nossa boa causa. Então, a nossa excelente optimização leva-nos a preservar meios, rentabilizando-os ‒ e um soldado é, no campo de batalha, um “meio” de imenso valor ‒ desde os homens, às munições, às rações alimentares, passando pela água, pelo armamento, pelo combustível, por tudo o que pode fazer muita falta no momento seguinte.

 

Só percebendo esta “mecânica” é que se consegue perceber que as Forças Armadas sejam, em cada dia que passa, sujeitas a reduções drásticas em meios humanos, materiais e apoios, e aceitem tudo isto, quase pacificamente, sempre dispostas a dar o seu melhor, mesmo quando já nada tiverem para dar além do corpo e da vida.

Esta é a Deontologia Militar, é a Ética de quem nasce para liderar e gerir a máxima capacidade de violência legal dentro de um Estado, seja ele qual for e abrace a ideologia política que abraçar.

É por isso que todos os militares profissionais, de todos os Estados, são “irmãos”! São-no, porque os princípios comportamentais e morais têm de ser os mesmos para alcançar a vitória. Os militares não gostam da guerra, porque nela têm de esquecer família, bens materiais, comodidades, saúde e vida, para se confrontarem com um inimigo que pensa e age exactamente da mesma maneira e está disposto a atingir os mesmos limites, paradoxalmente, ilimitados.

 

Percebe-se agora, a razão de a vacinação estar a correr tão bem em Portugal?

Mas, senhor almirante Gouveia e Melo, cuidado, pois mesmo anunciando que vai ser o último cidadão a ser vacinado ‒ o que, para um civil, pode parecer uma idiotice, mas para nós, militares, faz todo o sentido ‒ podem, antes disso, colocar-lhe a armadilha no caminho só para não usufruir do prestígio que já ganhou junto de todos nós.

Cuidado!

27.05.21

Retalhos de prosa


Luís Alves de Fraga

 

Boa noite.

Hoje vou deixar correr os dedos por cima das teclas para construir as palavras que me brotam em catadupa na mente.

 

39 anos

Ao fim do dia completaram-se trinta e nove anos que perdi o meu pai.

Não se trata da perda só de um pai ‒ e este “só” é imenso! ‒ porque o meu pai, desde os meus vinte e cinco anos, passou a aceitar-me numa relação de amigo mais jovem, mas amigo e confidente (essa coisa de se dizer que somos os melhores amigos dos nossos filhos é uma boa treta! É preciso que nos comportemos como tal no tempo certo e que, nesse tempo, eles nos aceitem nessa condição sem esquecer que continuamos a ser pais. Eu e o meu pai, depois dos meus vinte e cindo anos, sempre tivemos presente as duas condições, de pai/filho e de amigo mais velho/amigo mais novo).

Era tão engraçado termos um serão na semana para irmos ao café para conversar durante duas horas e meia! E tanto falava ele como eu. Trocávamos pontos de vista sobre tudo, desde a política nacional às questões familiares mais candentes. Falávamos dos seus projectos literários e jornalísticos, da sua experiência como autarca, da sua vida passada como enfermeiro da nossa Marinha, tal como, também, eu tinha oportunidade de contar das minhas preocupações de toda a natureza. Ele ouvia-me, tomando em consideração algumas das minhas críticas ou observações, e eu aprendia muito com tudo o que me dizia.

Tenho saudades? Claro que tenho, mas tive de aprender a viver com perdas e, de certa forma, aprendi muito garoto, a saber gerir ausências. Depois, depois é treinar a dor dentro do peito de modo a parecer que não existe.

 

Integração social e cultural

Por razões várias, recebo todos os dias inúmeras mensagens na minha caixa de correio electrónico e, entre elas, vêm sempre três ou quatro convites para assistir a conferências ou debates ou lançamentos de livros, tudo feito usando meios telemáticos, melhor dito, sem ter de sair de casa. Ora aqui está um excelente resultado da pandemia e da imposição de confinamento social!

Ontem tive a oportunidade de assistir a uma entrevista com a psicóloga social Susan Fiske, professora na famosa e prestigiada universidade de Princeton.

Foi um prazer ouvi-la (a entrevista tinha legendas em língua portuguesa), mas, por várias razões, ao perambular sobre integração social, diferenças sociais, culturais e sobre o possível choque provocado nesses “encontros”, às vezes desencontrados, ela disse uma frase que soou magnificamente nos meus ouvidos e provocou ondas síncronas no meu cérebro.

Transcrevo o que ela disse e, depois, tecerei um ou dois comentários:

«(…) nos Estados Unidos a integração de maior sucesso, integração institucional, é a militar. Porque se temos um pelotão integrado e vamos entrar numa situação de vida ou de morte não podemos ralar-nos com as origens da pessoa, pois a nossa vida está nas mãos deles».

 

Ao pensarmos nos Estados Unidos da América (EUA) teremos de levar em conta aquilo que, geralmente, não pensamos: aquele país é formado por gerações e gerações de imigrantes idos de todas as partes do mundo, uns de livre vontade e outros obrigados. Assim, aquela União de Estados existe de uma maneira muito diferente da União Europeia (EU): quem para lá foi voluntariamente queria continuar lá e fazer vida por lá e quem para lá foi obrigado procura sobreviver, pois não tem outra pátria para onde regressar ou que chame sua.

É este elemento que nos falta na UE, pois estamos identificados com o local onde nascemos e somos filhos de “imigrantes” que para aqui emigraram há muitos séculos, tantos que já esquecemos que os nossos antepassados não eram daqui. E, estranhamente, precisando de mão-de-obra para fazer aquilo que já não queremos fazer cá, aceitamos os emigrantes, os fugidos, os refugiados para trabalharem, contudo serão eles e os filhos deles sempre estranhos entre nós. São-no, porque não os sabemos integrar. E nós, os portugueses, acabámos com o instrumento que melhor serviria para agilizar essa integração: o serviço militar obrigatório.

Acabámos com essa prestação nacional, porque, também isso, achamos que só alguns devem fazer e, a fazê-lo, que o façam os que se sentem atraídos para essa profissão, pois, transformou-se aquilo que devia ser um direito e uma obrigação de cidadania num “emprego” e, por acaso, até precário.

A isto eu chamo falta de percepção política sobre as conveniências futuras.

Papá no escritório.JPG

 

25.05.21

A explicação de uma guerra


Luís Alves de Fraga

 

Miguel Sousa Tavares ‒ que não colhe a minha simpatia ‒ explicou hoje, na edição do “Expresso”, de forma simples como se conseguiu, uma vez mais, estabelecer o estado de guerra entre Israel e a Palestina.

Gostei e transcrevo aqui uma pequena parte para que os meus amigos e leitores possam compreender como os pulhas fazem política para safar a sua pele, estando-se nas tintas para todas as vidas que se percam pelo caminho, sejam de compatriotas seus ou de seus inimigos.

Isto, realmente, vem mostrar que a democracia de hoje não é, em nada, semelhante à de há sessenta anos nos Estados onde a existia e se praticava. Sob o manto democrático fazem-se as mesmas trafulhices indecentes, porcas e condenáveis que se fazem nas ditaduras “democráticas” de hoje tal como se faziam nas ditaduras de “mão pesada” de ontem.

Ora leiam, por favor.

 

«Só alguém tão amoral e desprovido de escrúpulos como Benjamin Netanyahu conseguiria engendrar um plano tão maquiavélico como o que ele montou para salvar o próprio pescoço, ao preço de pôr mais uma vez a Palestina a ferro e fogo. Primeiro, e com a colaboração do Supremo Tribunal de Israel, engendrou uma causa em que alguns dos seus sinistros aliados judeus ortodoxos obtinham vencimento na reivindicação de supostos direitos de propriedade milenares sobre casas onde viviam há décadas famílias de árabes israelitas, antes expulsos da Cisjordânia, ocupada ilegalmente por Israel desde 1967. E em Jerusalém Oriental, território sob administração oficial da Jordânia, e em relação a cidadãos que têm oficialmente a cidadania israelita. Tal como tinha previsto e era inevitável, isto conduziu a manifestações de árabes israelitas, que ele, imediatamente e seguindo o seu plano, mandou reprimir brutalmente, dando ordens à polícia para invadir, inclusivamente, uma mesquita. Com isso conseguiu logo duas coisas: que o Governo alternativo que se estava a formar ao seu, e que incluía o partido árabe israelita, caísse por terra face à repressão sobre os árabes e que, sendo assim, ele se mantivesse no poder e escapasse ao julgamento por corrupção de que é alvo. E, depois, o três em um ou o quatro em um: previu que o Hamas iria cair na armadilha da provocação e não iria resistir a mostrar que, a partir de Gaza, era a única entidade capaz de resistir à repressão de Israel sobre os palestinianos. E quanto mais protagonismo no terreno ganham os “terroristas” do Hamas mais enfraquecida politicamente fica a Autoridade Palestiniana e a OLP, a facção negociadora da solução “dois Estados” que os ultras de Israel nunca quiseram, nem querem. E, portanto, assim que o primeiro rocket proveniente de Gaza subiu aos ares para logo ser destruído pelo sofisticado sistema antiaéreo de Israel, Netanyahu esfregou as mãos de felicidade: Israel estava oficialmente em guerra e, como disse Biden, tendo sido atacado, tinha o direito de se defender.»

23.05.21

Quem é Ângelo Correia?


Luís Alves de Fraga

 

Não vou dizer-vos que conheço o verboso Ângelo Correia, pois nunca falei com ele, mas, com ele cruzei-me várias vezes no bairro da Portela de Sacavém, quando ele por lá vivia nos idos de 80 do século passado. Contudo, conheci e fui amigo de quem o conheceu bem quando ele era um jovem estudante no bairro da Ajuda, onde viveu em casa dos pais (segundo vagas informações, não confirmadas, filho de um militar da GNR).

 

Ângelo Correia foi sempre um palavroso, servido por uma dicção onde as entoações convincentes ganham as características de transcrições de autores abalizados, conhecidos e inquestionáveis. Que é muito inteligente, disso não tenho a menor dúvida!

Mas, de inteligente a “autoridade” irrefutável, vai uma enorme distância!

Donde lhe vem o saber sobre Forças Armadas, segurança (foi ministro da Administração Interna há muitos, muitos anos, podendo aplicar-se-lhe as palavras, que utilizou há poucos dias para qualificar os generais de quatro estrelas que se pronunciaram sobre a reforma organizativa das Forças Armadas: “antigo ministro”, e somente isso!) e estratégia nacional, temas sobre os quais sempre botou “falação”, como se de um sábio se tratasse ou, mais modestamente, como se fosse um famoso catedrático de Ciências Militares?

 

Ângelo Correia é, em suma, um sabedor de “coisas várias”, inteligente malabarista da palavra, das ideias, convincente, porque tem jeito para “vender” muito bem o seu produto. Sobre isto não tenho dúvidas! Neste país, com este nível cultural, com esta facilidade em acreditar em milagres e milagreiros, Ângelo Correia tem um lugar de destaque (poderia explicar melhor o seu sucesso, mas não quero, nem tenho paciência para mais).

Se procurarmos na Internet, encontramos vastas provas destas faceta de Ângelo Correia, engenheiro químico de formação inicial (IST), posteriormente, gestor de empresas (ISCTE) e, agora, finalmente, doutor pelo ISCSP, com uma tese sobre estratégia nacional.

Não me quero alongar mais, porque, se desejarem, deixo aqui para lerem, verem e ouvirem alguma das coisas que se diz deste senhor, que gere ou geriu imensas empresas, mas é (?) também um perito (?) em defesa nacional, forças armadas, armamento e mais coisas que me escuso de referir.

 

Para começar vejam o que ele diz à TVI24 (https://tvi24.iol.pt/politica/angelo-correia/reforma-das-forcas-armadas-coordenador-do-psd-arrasa-cavaco-silva-devia-estar-calado) [consultado em 22/05/2021].

Depois, leiam, se estiverem interessados, o que afirma ao semanário “Novo” (http://www.aofa.pt/rimp/O_NOVO_Deputados_do_PSD_nas_maos_do_grande_consultor_da_defesa.pdf), [consultado em 23/05/2021] pois vale a pena, para se perceber coisas sobre a sua insistente defesa na nova lei de reorganização das chefias superiores das Forças Armadas.

Para acabar, transcrevo o que se diz, no “O Tretas”, (https://tretas.org/%C3%82ngeloCorreia), [consultado em 23/05/2021], que me limitei a consultar na Internet:

«Mais uma semana de revelações dos Panama Papers com avenças a políticos, maços de notas esquecidas há 11 anos e os nomes de deputados da Madeira, de Pedro Queiroz Pereira, de Ângelo Correia e da família Champalimaud envolvidos. A ES Enterprises, o offshore conhecido como “saco azul” do Grupo Espírito Santo (GES), terá feito alegadamente pagamentos durante mais de 20 anos que nunca foram conhecidos, avança o semanário Expresso deste sábado, no âmbito da investigação aos Panama Papers.»

Chega, não chega?

22.05.21

Preocupações para um ministro da Defesa Nacional


Luís Alves de Fraga

 

Tenho vindo a deixar por aqui a minha opinião sobre o que agora se discute a propósito da organização superior das Forças Armadas, intercalando críticas ao projecto com questões de ordem estratégica, que deveriam ser preocupações primeiras do Governo e do Ministério da Defesa Nacional.

Naturalmente, estes assuntos não me espicaçam a curiosidade só porque está a ocorrer algo de estranho e anormal na gestão das Forças Armadas! Tudo isto é um tema sobre o qual me interrogo há muitos anos. E, porque assim é, julgo a abordagem do ministro Cravinho absolutamente errada e, pior, desgarrada. Ela, para ter qualquer credibilidade deveria ter resultado de um estudo muito mais abrangente do que uma mera mexida orgânica no Estado-Maior General das Forças Armadas. Teria de partir de interrogações que, quase aposto, não foram feitas em tempo devido.

 

Em 2003 já eu me debruçava sobre problemáticas que só depois de resolvidas, através de um amplo estudo e debate, podem dar origem a mudanças organizacionais e/ou estruturais. Foi nesse ano já recuado que publiquei na Revista Militar (n.º 8/9 Agosto/Setembro, p. 771-790) um trabalho cujo título diz tudo: “Universidade das Forças Armadas e Ensino Superior Militar”.

Dado admitir que tem cabimento nesta discussão crítica do que se pretende fazer agora ao comandamento das Forças Armadas, reproduzo somente duas páginas do que, então escrevi. Espero conseguir provar como se deveria pegar na reorganização para ela poder ser coerente desde a base até ao topo.

Aqui fica pequeno trecho que, admito, poderia ser ponto de partida.

 

«Naturalmente que os futuros oficiais das FFAA dos países da União Europeia terão de ter uma formação diferente da que lhes é agora ministrada. E porquê? Pela simples razão que o fundamento da socialização militar (ou ressocialização, como lhe temos vindo a chamar) se faz partindo de pressupostos que têm por base conceitos históricos que dão fundamento à nação, ao nacionalismo e, por conseguinte, a um conceito ainda não modificado de soberania. Para que, de facto, possa haver uma União Europeia não basta caminhar para a unidade monetária nem para a abolição de fronteiras, nem, até, aceitar uma redução de soberania; é preciso que se defina uma política externa comum e uma política de defesa comum. Ora, uma e outra implicam no surgimento de um novo conceito de soberania — o da União — que relega para um plano totalmente secundário aquele que ainda hoje vigora nos Estados que a integram.

Do que aqui se trata não é de uma mera decisão política negociável em qualquer cimeira europeia; trata-se de algo que vai muito mais longe do que isso, porque se radica no inconsciente colectivo dos povos que formam os Estados da União; trata-se de História e, por conseguinte, de Cultura, tomada esta no sentido sociológico e antropológico, ou seja, naquilo que caracteriza os grupos sociais humanos e lhes dá coesão.

A soberania da União Europeia passa por ter de se verificar uma «suave revolução» de mentalidades ou, para sermos mais expressivos, por uma lenta combustão da História dos povos, levando-a ao esquecimento para que em seu lugar nasça uma História de unidade onde geograficamente imperou uma História de rivalidade.

A nossa grande dúvida assenta na possibilidade de alguma vez se conseguir atingir um estádio de evolução política na Europa que seja capaz de gerar a plataforma comum de entendimento (para o presente e futuro) e de esquecimento (do passado). Se a Europa não conseguir ultrapassar o estádio do nacionalismo estadual para dar lugar a um nacionalismo unionista jamais passará de uma hipótese de União política.

Quando na Europa se for capaz de construir a União efectiva — tal como a Itália e a Alemanha construíram os respectivos Estados no século XIX — ter-se-ão de modificar as formações dos elementos que integram algumas das instituições detentoras da capacidade de gerar violência, no plano interno e no plano externo: as polícias e as FFAA.

O que no presente se verifica é que a educação militar dos países europeus e, especialmente em Portugal, continua a basear-se na exaltação dos conceitos de soberania nacional, de interesses nacionais e de estratégias nacionais e, muito vagamente, em operações de manutenção de paz e, ainda de forma mais diluída, em política de defesa comum da União Europeia — neste particular aspecto sobressai mais o ultrapassado conceito de defesa comum com base na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) que esgotou a sua finalidade inicial e se prolonga, agora, como um processo de enfeudamento da Europa, fracamente militarizada, aos EUA.

Em face do que acabamos de expor a grande questão que se deve colocar é a de saber (acreditar) que a União Europeia é, ou vai ser, duradoira. Não se trata tanto de querer que seja, mas de avaliar se tem possibilidades para o vir a ser. E a condição primeira para essa análise — na perspectiva em que vimos desenvolvendo o nosso raciocínio — não passa pelas declarações políticas feitas à volta das mesas de negociações, mas sim por actos que comprovem o esbatimento dos nacionalismos antigos para dar origem a um novo nacionalismo. Ora, para que tal aconteça terá, à semelhança do passado e com base nas experiências conhecidas, de haver (ou de vir a definir-se) um Estado director do processo (Prússia para a Alemanha e Piemonte para a Itália). Qual será o Estado que polarizará o nacionalismo europeu? Alguma vez haverá esse Estado comummente aceite pelos restantes? Não passará a União Europeia de uma excelente Comunidade Económica? Quando e por que motivo se desmoronará efectivamente a União? [Nota escrita em 2021: passados dezoito anos sobre a redacção deste texto, ainda está por definir se o Estado director é a França ou a Alemanha].

Se o prognóstico de uma União Europeia com política de defesa comum se concretizar a formação dos oficiais dos quadros permanentes das FFAA deixará de ser uma preocupação estadual para passar a ser um encargo federal (?) e, neste caso, pouco ou nada mais teremos a acrescentar, porque serão os interesses da União que ditarão o perfil das novas FFAA; as Escolas onde se ministrará o ESM situar-se-ão algures na Europa e integrarão contingentes variados de candidatos oriundos dos diferentes Estados federados (?). Para o caso de concretização do prognóstico não faz sentido prosseguirmos com mais considerandos, no entanto, se acaso a nossa conjectura falhar — como supomos que falhará, por insuperáveis diferenças culturais — então haverá que aprofundar os delineamentos dos traços do esboço da formação académica dos futuros oficiais das FFAA portuguesas.»

21.05.21

O Regresso das Ditaduras?


Luís Alves de Fraga

 

Este é o título de um pequeno livro de divulgação, da autoria de António Costa Pinto, conhecido politólogo e investigador, editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e cujo tema central é o da análise das democracias actuais e das tendências ditatoriais que se vão manifestando por esse mundo fora. Assisti ao lançamento do livro, usando a plataforma Zoom, feito pelo Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas ‒ no qual sou investigador ‒, tendo tido oportunidade de ouvir os comentários feitos à obra e as explicações que o autor deu.

 

Não se trata de um ensaio de nível académico, mas, também, não é uma obra desvalorizada só pelo facto de se destinar a ser lida por gente cuja formação não é a da Ciência Política. Assim, aconselho-a aos que quiserem ter um ponto de situação sobre o estado das democracias actuais e da evolução que sofreram as ditaduras.

Na verdade, o autor dá mais importância a estas últimas e às formas de que se revestem do que às democracias. Ao fazê-lo, fica claro que as ditaduras de hoje ‒ sejam de direita ou de esquerda, porque as iguala, partindo dos métodos utilizados ‒ são bastante diferentes das que vigoraram até ao fim da primeira metade do século XX.

 

O populismo não é determinante de uma ditadura; pode ser um dos ingredientes que a ela conduzem. Também o uso do golpe militar ou da revolução popular não são já as vias escolhidas para a ditadura se implantar ‒ podem ocorrer, mas não são necessários. O partido único dominante só já é utilizado em algumas ditaduras herdeiras do modelo marxista-leninista. Também o modelo corporativo parece esgotado. Assim, as ditaduras de agora aceitam ser democráticas ou seja, espelham uma aparência de democracia através da existência de partidos de importância menor e pouca implantação nas massas populares, assentando os seus vértices estruturais no domínio da comunicação social, que controlam, incluindo as redes sociais, na preponderância de um partido de suporte ao líder ou líderes, podendo assumir o papel de governo, através de se sobrepor ao executivo, no controlo dos sectores fundamentais da economia, na alienação popular, usando diversos modos de execução, numa pouco visível força policial repressiva sem recurso às prisões ou assassinatos em massa e, por fim, na domesticação das Forças Armadas.

 

Ao acabar de ler o livro, reflectindo sobre ele, cheguei a duas conclusões, cujo valor pode ser discutível: primeira, as ditaduras são suaves porque têm de sobreviver no tempo da economia global e do consumo estabelecido pela concorrência do mercado; segunda, para travar o avanço ou implantação destas ditaduras tem de existir um partido de esquerda, suficientemente enraizado na sociedade civil, capaz de acordar a população para a descida aos infernos que se avizinha, porque os partidos de centro e de direita, por natureza e vocação, tendem a desarmar ou desvalorizar o avanço das ditaduras, por um lado, e, por outro, não mobilizam, em continuo, as massas populares.

 

Quem quiser, por ter interesse, leia o livro.

20.05.21

Forças Armadas para que Estratégia Nacional?


Luís Alves de Fraga

 

A organização superior das Forças Armadas tem estado em discussão, agora já, na Assembleia da República por causa da concentração de poderes na mão do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA) em vez de uma muito mais operacional, saudável e fiável distribuição por entre os Chefes dos Estados-Maiores (CEM) dos três ramos, coordenados, em certas circunstâncias, pelo CEMGFA.

 

O verdadeiro problema não está naquilo que se discute agora. O problema está, como tive oportunidade de referir há mais tempo, no incompreensível medo que a classe política tem das Forças Armadas e da sua tradição interventora na área do poder. É um medo irracional ‒ como está provado com quarenta e sete anos de estabilidade democrática e total passividade dos militares ‒, mas, ele sim, atrasado em relação à modernidade de pensamento das nossas tropas, cada vez mais escassas em número e em eficiência operacional, mas, cada dia, mais conscientes de que o seu papel é o da defesa da Nação à ordem do Governo.

Isto não dá garantias aos governantes. Esse medo vem do tempo da clandestinidade de figuras que fizeram escola como pais da democracia, e refiro-me, sem papas na língua, a Mário Soares e a um escol de figuras destacadas do PS e algumas, até do PSD e outras do CDS.

Toda a importância e benefícios que os governos têm dado à GNR ‒ força policial e militar às ordens directas do ministro da Administração Interna, que já não depende, para ser superiormente comandada, dos generais do Exército, porque, finalmente tem os seus generais nascidos, criados e escolhidos dentro da disciplina governamental a que as Forças Armadas fazem questão de fugir, para não serem uma força dos políticos, mas, pelo contrário, uma força da Nação ‒ demonstram, à exaustão, o que afirmo ou, dito de outra maneira, mostram como se pretendem subalternizar as Forças Armadas.

 

Pode parecer aos meus leitores, que tudo isto não passa de uma bizantinice, de uma teoria da conspiração, de uma mania da perseguição, porque não estão dentro destas temáticas, nem sentem na pele os resultados de políticas que, a passo lento, mas seguro, vão empurrando as Forças Armadas para um papel ornamental que sirva para cumprir os compromissos internacionais ao nível de União Europeia e das Nações Unidas, porque, para a NATO a nossa contribuição e importância não está na força militar, mas antes na nossa posição geográfica que é, estrategicamente, fundamental para a defesa dos objectivos primários dessa aliança.

 

E adivinho nos leitores a pergunta e afirmação inevitáveis para quem não pensa, realmente com fundamento lógico e aberto ou, melhor dito, com pensamento estratégico:

‒ Mas para que é que precisamos de Forças Armadas? Ninguém se vem meter connosco!

É aqui que bate o ponto!

 

Tomemos atenção a uma ocorrência muito actual e a uma outra mais actual, mas menos badala nos meios de comunicação social: os incidentes em Ceuta e os combates no Médio Oriente entre Israel e o Hamas.

Ao que se noticia o movimento de entrada de imigrantes ilegais em Ceuta deve-se à protecção dada pela Espanha a um inimigo do Governo de Marrocos. Muito bem! Nada disto tem a ver connosco!

Ora, julgar assim é errar profundamente!

Tudo isto tem a ver connosco. E tem por uma simples razão: a Espanha é a nossa vizinha para a vida na Península e tudo o que se fizer ao nível político por lá, tem reflexos mais ou menos imediatos no nosso país. Reflexos aos quais não podemos fugir. Há um cordão invisível entre a política espanhola e a portuguesa. A cautela na relação com a Espanha tem de levar em conta essa tremenda fragilidade. E a prova de que não leva, anunciou-a ontem o Primeiro-Ministro: a linha férrea de Sines vai ligar-se à fronteira Leste com a Espanha!

E disse mais, com uma total inocência estratégica, uma total prova de falta de estatuto de estadista. Disse que ‒ pasme-se ‒ o porto de Sines vai ser o porto da Península Ibérica!

Isto é pôr nas mãos do governo de Madrid os interesses nacionais de Portugal, é assumirmo-nos como uma região de Espanha.

Era com coisas destas que os assessores do ministro da Defesa se deviam preocupar! Às nossas já grandes fragilidades estratégicas, alegremente, o Governo vai somar uma outra, que nos coloca, mais ainda, na mira dos inimigos de Espanha.

 

Que inimigos são esses?

Os marroquinos e, por associação, todos os Estados islâmicos. É isto!

Isto que se traduz, de imediato, na questão migratória, que se prende com as nossas Forças Armadas. Vejamos como.

Antes do mais, ao colocar a nossa política externa dependente da política externa de Espanha, temos de ter umas Forças Armadas capazes de responder dissuasoriamente às ameaças que possam cair sobre o nosso vizinho, de modo a, pelo receio bélico, separarem Portugal de Espanha. Depois, há que levar em conta a imigração em Portugal, tal como em toda a Europa.

Ora, os movimentos migratórios só se tornam em problema se não se traçar uma política de integração cultural nas culturas europeias ‒ não se trata de conversões religiosas, mas de aceitação, de parte a parte, das diferenças ‒ que se deve fazer através da escola (e, neste aspecto, ao que parece, até a França tem falhado!) e através de um outro mecanismo do qual tivemos larga e boa experiência nos anos da Guerra Colonial: o serviço militar obrigatório (SMO).

Realmente, dizia-se, e é verdade, o SMO era um processo de todos os jovens, de qualquer cor, religião ou região, durante meses, perceberem que estavam integrados num todo a que se chamava Portugal. Que estavam ao serviço da Nação ‒ coisa bem diferente de estar ao serviço do Governo ‒ o mesmo é dizer, ao serviço de todos nós independentemente de tudo o que nos une ou nos separa no dia-a-dia.

E o conflito no Médio Oriente?

Pois, bem, por lá luta-se entre duas culturas e duas religiões diferentes, gerando extremismos político-culturais. Estes vão procurar assentar arrais nos Estados que pratiquem políticas que se lhes oponham ‒ no caso vertente, onde o Islão é pouco bem visto ou mal recebido - e é aqui que entra a Espanha e, por arrasto, entramos nós.

 

Não me vou alongar mais. Não é conveniente. Deixo-vos somente esta ideia final:

Da primeira até à última linha, este texto está cheio com a ideia da importância da Estratégia Nacional, que os nossos governantes, infelizmente, desconhecem ou desprezam na luta partidária, na luta para satisfazer interesses nem sempre muito claros e ou confessáveis.

Poderia levar o que acabo de dizer até aos jornais ‒ àqueles que quisessem e fossem capazes de dar publicidade às minhas palavras ‒ mas valerá a pena?

14.05.21

Uma subtileza da História


Luís Alves de Fraga

 

Os que acreditam que, nos anos de 1974 e 1975, o PCP liderou a revolução com vista a conquistar o controlo político do país, precisam de aprender a relacionar a luta dos republicanos democratas contra o Estado Novo e, no mesmo tempo, o empenhamento do PCP nas tentativas revolucionárias desses velhos republicanos.

E não entro em maiores detalhes, porque não pretendo nem diminuir a importância democrática do PCP nem exaltar o papel dos outros opositores à ditadura fascista. Acho é que só percebendo a forma de agir do PCP ao longo dos anos de opressão se pode compreender a sua efectiva acção nos anos do PREC.

06.05.21

Os militares e a política em Portugal


Luís Alves de Fraga

 

Diz-se que está na tradição militar portuguesa, desde o início do século XIX, as Forças Armadas, em especial o Exército, intervir na política nacional. Diz-se e, até certo ponto, é verdade. Todavia, tem de se olhar para o tempo e para a época, pois, de outro modo, incorre-se numa análise parcelar e pouco séria. Sem entrar em pormenores, vamos explicar os grandes contornos.

 

Em 1817, a falhada conspiração liderada pelo general Gomes Freire de Andrade, envolvendo a tropa, tinha como finalidade libertar o país do governo de Beresford, um ditador militar ao serviço dos ingleses e de D. João VI, ainda refugiado no Brasil, mas já sem qualquer razão lógica. Em 1820, a nova intervenção militar fez-se pelo mesmo motivo com a intenção de acabar com o regime absoluto do monarca e gerar um sistema de poderes divididos entre o executivo, o legislativo e o judicial. E todas as lutas que se seguem até 1851 são a prova da vontade do Exército em repor alguma modernidade na vida política nacional. Em 1870, Saldanha volta a intervir com a tropa. Em 1881, de novo a tropa tenta, no Porto, a proclamação da República.

Este tempo de instabilidade em Portugal foi, também, um tempo de mudança na Europa onde, ocorreram golpes militares para conseguir acertar o andamento entre o passado absolutista e a modernidade liberal. As tensões sociais e políticas brotavam naturalmente tal como os sismos, como resultado de ajustes entre aqueles que, fora de tempo, queriam que o passado continuasse no futuro e os que defendiam o enterro de velhos hábitos. Tudo isto fez parte da ascensão da burguesia à condução dos destinos dos povos. Nuns casos foi mais fácil essa mudança e noutros, como em Portugal, muito mais difícil. É deste modo, e integrando os movimentos militares no processo de crescimento burguês e capitalista, que teremos de encaixar a vocação dos militares para a política.

Tudo estaria mal explicado se ficássemos pelo século XIX, em Portugal. Temos de avançar.

 

Em 1910, a economia do país assentava numa agricultura precária e pouco mecanizada, faltavam indústrias e importava-se muito mais do que se produzia. O comércio externo não trazia grandes vantagens à nação, o número de analfabetos era ligeiramente superior a 75% da população, o clero ditava crendices nas aldeias, vilas e pequenas cidades da província. A burguesia urbana queria expandir-se, mas não tinha condições políticas. Precisava-se de fazer um corte para tentar colocar o país o mais próximo possível da modernidade da Europa de além Pirenéus. O golpe militar e civil republicano foi, politicamente, o salto em frente que fazia falta, mas o conservadorismo não se deixou derrotar. Toda a chamada instabilidade política da 1.ª República traduziu-se pelo estrebuchar entre uma direita com pensamento retrógrado e uma esquerda a querer saltar para a modernidade, mas sem capacidade nem condições para avançar, porque, sendo o país pobre e sem recursos, dependia, quase completamente, dos favores da Grã-Bretanha, que usava Portugal como se de um seu protectorado se tratasse. O desrespeito internacional raiava a obscenidade.

O golpe militar de 28 de Maio de 1926 marcou o regresso completo ao tradicional, a um passado que jamais poderia ser repetido… mas foi! Salazar, trazido pela mão do Exército até à governação, foi a encarnação do conservadorismo, do obscurantismo e do clericalismo radical. Ele mesmo era um ser do passado, da agricultura, da dependência rural ao senhor da terra, da subserviência perante o poder. E assim ficámos de 1928 até ao começo da década de 1950. Daí para a frente não houve alternativa: teve de se avançar para a modernidade moderada pela mão policial e censória até 25 de Abril de 1974.

Nesse dia os militares fizeram política, mas uma política que ia ao arrepio do que se esperava: uma política que apontava para a democracia e para o desenvolvimento.

Consolidada a estabilidade política e seguindo o exemplo do tempo, os militares voltaram aos quartéis e entregaram a governação aos civis. Civis marcados com todos os vícios do passado!

 

Nestes anos de democracia as Forças Armadas jamais voltaram (depois de 1982) a intervir na política; remeteram-se à obediência devida ao poder civil e à sua actividade normal: treinar a defesa militar de Portugal.

Mas os políticos, toda a classe política, continua prisioneira do passado. Continua incapaz de perceber que os militares não são uma ameaça nem à democracia nem à liberdade. As Forças Armadas de hoje estão disciplinadas e conscientes do seu papel. Quem vive em permanente desconfiança ‒ e vá-se lá perceber a razão, que eu poderia tentar explicar! ‒ são os políticos, em especial os que se situam no leque parlamentar do centro para a direita ‒ e a posição da esquerda também se explica com facilidade. Vivem aterrorizados e, na impossibilidade de acabarem com as Forças Armadas, reduzem-lhe a capacidade através de cortes orçamentais geradores de obsolescência do material e falta de pessoal.

A classe política quer domesticar as Forças Armadas, porque não acredita que elas, muito mais do que os políticos, estão integradas na ordem democrática. Assim, os políticos intervêm, mexendo na organização operacional das Força Armadas, depois de escolherem para as comandar os generais que julgam mais ajustáveis à democracia. Esquecem, porém, que os generais não fazem as Forças Armadas (estão a cair no mesmo erro de Marcelo Caetano no dia 25 de Abril de 1974)! Quem as faz é a cultura inculcada nas Academias Militares e, acima de tudo, a observação da política nacional, porque, hoje, não há militares políticos, mas há-os com capacidade de olhar a política com sentido crítico, porque as Forças Armadas são a reserva moral da Nação e só em nome dela agem dentro ou fora das fronteiras. E, para entrarem em acção, carecem de ter certezas sobre a legitimidade da ordem que as faz movimentar.

É tempo de os políticos portugueses perceberem as Forças Armadas, porque estas, há muito, já os perceberam a eles.

 

04.05.21

Portugal, um Estado policial desarmado


Luís Alves de Fraga

 

Há quem defina a ditadura portuguesa (entre 1926 e 1974, ainda que com características marcadamente fascistas só de 1933 em diante) como tendo sido um estado policial. Confesso, não tenho elementos ‒ nem vou agora fazer pesquisa ‒ sobre os efectivos das forças de segurança interna existentes, pelo menos, nos últimos anos desse período negro da nossa História. Contudo, quase posso garantir, eram inferiores aos actuais.

Olhando para trás, no tempo, sei que se dizia que as Forças Armadas eram o pilar de apoio do fascismo nacional. Isso não corresponde à verdade efectiva dos factos!

Realmente, o que acontecia é que se fazia crer que as Forças Armadas estariam prontas a exercer repressão contra qualquer tentativa de derrube da ditadura. Ora, as Forças Armadas vão do general ao soldado e não tivemos, para além da tentativa de derrube da ditadura em Fevereiro de 1927, nenhuma situação capaz de demonstrar a veracidade do que constava. Antes pelo contrário, pois as Forças Armadas, ou parte delas, conspiraram várias vezes para derrubar o regime (recorde-se o golpe da Madeira e Guiné, em 1931, a revolta dos marinheiros, em 1936, o golpe da Sé, em 1959, o assalto ao quartel de infantaria de Beja, 1961, para além de outras conspirações abortadas). As Forças Armadas não eram uma força de segurança da ditadura e provaram-no bem em 1974. Mas as polícias ‒ as diferentes forças policiais, nas quais incluo a GNR ‒ essas sim, garantiam o medo da revolta contra o fascismo. Esse medo ia desde o receio da acção da Guarda Fiscal, da PSP, da PIDE/DGS até à simples Polícia de Viação e Trânsito (um coio de corruptos).

 

Na madrugada de 25 de Abril de 1974, as Forças Armadas, se tinham alguma mácula no seu passado ‒ e não tinham! ‒ redimiram-se para sempre, pois foi pela sua mão que tivemos a liberdade e a democracia. Foi uma revolução sem tiros, nem mortos feitos pela tropa. Foi uma coisa linda! O mundo inteiro aplaudiu.

Estas Forças Armadas, as de Portugal, deviam ser acarinhadas, pelo exemplo que deram, pois, ao contrário de serem politicamente conservadoras, foram progressistas (em certos momentos, até em excesso, convenhamos).

Estas Forças Armadas deviam ser acarinhadas pela classe política, que ascendeu à possibilidade de governar o país segundo os ideários e programas de cada partido… Mas não foram!

 

Tudo se conjugou, entre os partidos que governaram Portugal ‒ do PS ao CDS, passando pelo PSD ‒, para quebrar qualquer força que as Forças Armadas tivessem, tal como se fossem inimigas do novo regime, tal como se fossem uma inutilidade pública, tal como se sobre o país não pudessem impender riscos externos, tal como se não tivéssemos interesses nacionais a defender. Foram-se dando golpes sobre golpes nas Forças Armadas, quer reduzindo-lhes os orçamentos, quer acabando com o serviço militar obrigatório, quer deixando que a obsolescência do material as colocasse num patamar quase ridículo no concerto militar das nações do mundo, quer dificultando a aquisição de sistemas de armas modernos, quer diminuindo os vencimentos dos militares até um ponto que os coloca muito distantes do lugar social e económico que deveria ser o seu em função do que fazem e do que estão dispostos a fazer pela Pátria.

A classe política governante despreza e tem medo das Forças Armadas do país. Todavia, não tem medo, nem despreza as forças de segurança!

 

Sim, sim, foi isso que escrevi. Não tem medo das forças de segurança nem as despreza, pelo contrário, fez de Portugal um Estado policial.

Duvidam? Então acompanhem-me na análise dos números.

 

Em Dezembro de 2020, Portugal tinha nas Forças Armadas 26.220 militares (em 2011 eram 34.514), ou seja, para estabelecermos uma medida de comparação, 1.093 militares por cada 100 Km de fronteira marítima e terrestre do país (estou a contar Exército, Marinha e Força Aérea).

No mesmo mês do ano passado, só de GNR havia 21.687 militares e de PSP 19.966 agentes, mais 1.604 da Polícia Municipal. Ao todo são 43.257 (quarenta e três mil duzentos e cinquenta e sete)! Quer dizer, há cerca de meio agente da segurança interna por cada cem portugueses ou um agente da autoridade sob o comando do ministro da Administração Interna por cada 200 portugueses!

Se isto não é um Estado policial, não sei que diga sobre o que é ser um Estado policial.

 

Olhado assim, na crueza dos números, os diversos governos de Portugal mostram que têm medo das Forças Armadas e, mais ainda, da população em geral. E esta afirmação confirma-se, também por números, através do que se paga, em média, aos elementos das forças de segurança interna e aos militares. Vejamos.

Um soldado ou cabo da GNR ganha por mês 1.677 euros, um agente da PSP ganha 1.897 e uma praça das Forças Armadas 1.170 euros (estou a falar de valores médios).

Será preciso mais para se perceber a política dos nossos governantes? Eles preferem desarmar Portugal perante a ameaça externa e armar a segurança interna. E, como é vulgar dizer-se, das duas uma: ou querem estar seguros com as policias ou todos nós somos uma cambada de marginais, no entender da classe política dominante.

De qualquer forma, isto é uma tristeza e, julgo, o país devia ser informado sobre estes números para se poderem tirar conclusões quanto à política de defesa nacional prosseguida de há muitos anos até hoje.

Eu já fiz a minha parte… Agora, outros que façam a deles.

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