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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

22.02.21

E as Escolas, Senhor?...


Luís Alves de Fraga

 

Mas será possível? Neste país anda tudo ao contrário ou sou só eu que ando na mão errada?

Então será que sou o único a perceber que a abertura das escolas conduz a um extraordinário movimento de gente de um lado para o outro?

 

Vamos lá ver.

Abrir as escolas não implica somente em meter nelas alunos e professores. Há, também, o pessoal das secretarias, das cozinhas, dos bares e o pessoal auxiliar. Mas há mais. Há todos os pais ou avós que vão levar e buscar os meninos e as meninas à escola e que, de caminho, fazem compras no supermercado, que mais não seja para não irem para casa fazer o que estão a fazer agora.

Mas há mais. São as camionetas que, na província, vão buscar e levar as crianças às escolas... camionetas que não se conduzem a si mesmas e condutores que não dormem nos locais de trabalho.

Querem mais explicações?

Há os ajuntamentos de meninos e meninas que andam, depois da escola, a namoriscar pelos cantos e a infectarem-se para levarem para casa o vírus que vai fazer adoecer os pais, os irmãos e, possivelmente, matar os avós... se ainda forem vivos e conviverem com os netos.

 

Bolas, se me dissessem que iam começar o desconfinamento pela abertura das gelatarias ou pelos museus ria-me, mas ficava tranquilo. Todavia, assim... assim é fazer um quarto de volta nesta mal esboçada melhoria.

 

E não me falem de escolas e de programas de ensino, porque disso me vou encarregar daqui por dias.

Vejam se ganham juízo e me ou nos explicam a razão de começar o desconfinamento pelas escolas. É que não encontro qualquer lógica na decisão... Pode ser que o defeito seja meu!

20.02.21

“Expresso da meia-noite”


Luís Alves de Fraga

 

Não cheguei a tempo de ver todo o programa, mas vi mais de metade e deu para, sobre o que foi dito, comentar alguma coisa.

Não gostei da insistência anticomunista de Henrique Monteiro ‒ a quem reconheço uma inteligência superior ‒ porque, não a entendo, a não ser que ele tenha ficado lá atrás no tempo, em pleno PREC ‒ e, mesmo assim… ‒ pois tudo mudou depois da queda da URSS.

 

‒ O que é hoje um partido comunista, na Europa, num Estado integrante da União Europeia, onde a moeda corrente é o euro?

Será interessante procurar dar resposta à pergunta.

 

Ponhamos de lado os papões sul-americanos e orientais e as suas experiências mais ou menos marxistas. Esses comunistas estão inseridos numa realidade muito diferente daquela que defini acima. Tal como estão completamente desfasados os militantes ou simpatizantes do PCP que sonham com uma revolução marxista-leninista. Essa revolução só existe na cabeça de uns quantos ‒ e já raros ‒ teóricos, que gostam de imaginar, ainda, “os amanhãs que cantam”.

Um partido comunista na União Europeia é uma voz crítica, seguindo uma perspectiva marxista ‒ o mesmo é dizer profundamente dialéctica ‒, dos desvarios cada vez mais abundantes do capitalismo global. Essa voz distingue-se pelo tom, porque os partidos socialistas engavetaram o tom marxista para adoptarem aquilo que chamaram o tom social-democrata à sueca. Este socialismo ‒ que seria o ideal para gerar uma sociedade livre, equilibrada e justa na medida do possível ‒ só é viável em Estados onde, conjuntamente, se verifiquem duas condições: haver fortes investimentos nacionais (que não têm sede em Estados onde são mais favoráveis os impostos) e haver uma cultura de disciplina social muito rígida, de modo a que cada qual aceite os princípios ditados pelo poder político. É que esta social-democracia vive de uma forte cobrança de impostos a quem gera riqueza (o trabalhador gera riqueza através do seu trabalho e jamais através do seu salário) e que são as grandes empresas. Depois, essa social-democracia, distribui os impostos sob forma de benefícios sociais, tentando nivelar as diferenças de rendimentos.

 

Como se percebe facilmente, Portugal jamais terá possibilidades de implantar uma social-democracia à sueca. O único caminho passa por haver uma oposição que trave a natural tendência para os excessos de exploração por parte do médio e pequeno capital e que combata a corrupção que, num Estado como o nosso, tem grandes possibilidades de proliferar sob todas as formas imaginadas. Esse papel está reservado ao PCP, já que o PS será um partido de equilíbrios.

 

O PCP não vai fazer revoluções, nem vai tentar alcançar o poder. Nem o queria nos anos que se seguiram a 1974. Isso foi um fantasma alimentado por uns quantos militares sonhadores e, na altura, convertidos ao marxismo-leninismo. Jamais se repetirão as revoluções de Outubro!

Assim, não compreendo que figuras públicas inteligentes tomem posição semelhante à de Henrique Monteiro… A não ser que estejam a fazer favores que não confessam!

19.02.21

Filosofia, Matemática, História, Literatura e Artes


Luís Alves de Fraga

 

Na tradição americana o estudo das Artes anda associado ao estudo daquilo que por cá chamamos Humanidades e Ciências Sociais.

Cada vez mais, se ouve bramar contra o facto de as crianças não saberem Matemática (verdade seja que também não sabem Português, nem História nem...), mas a razão de se pretender empurrar as Humanidades para um segundo plano, no plano dos estudos, tem o seu fundamento. E não sou eu quem o vai dizer.

Deixo-vos numa das páginas, a 63, da obra Sem Fins Lucrativos: Porque precisa a democracia das humanidades, de Martha C. Nussbaum, uma reputada filósofa dos EUA.

Depois de ler dá para perceber uma ponta desta complexa meada onde se luta pelo ensino tecnológico e pelo ensino humanístico.

 

Na tradição americana o estudo das Artes anda associado ao estudo daquilo que por cá chamamos Humanidades e Ciências Sociais.

Cada vez mais, se ouve bramar contra o facto das crianças não saberem Matemática (verdade seja que também não sabem Português, nem História nem...), mas a razão de se pretender empurrar as Humanidades para um segundo plano, no plano dos estudos, tem o seu fundamento. E não sou eu quem o vai dizer.

Deixo-vos numa das páginas, a 63, da obra "Sem Fins Lucrativos: Porque precisa a democracia das humanidades", de Martha C. Nussbaum, uma reputada filósofa dos EUA.

Depois de ler dá para perceber uma ponta desta complexa meada onde se luta pelo ensino tenológico e pelo ensino humanístico.

Martha C. Nussbaum - Sem Fins Lucrativos p 63.png

 

 

14.02.21

Marcelino da Mata

Herói somente


Luís Alves de Fraga

 

Homenagear, na morte, o tenente-coronel comando Marcelino da Mata exige uma reflexão sobre a ciência política e a guerra colonial e depois, uma investida pela sociologia militar.

 

Comecemos pela ciência política e, em particular, pela polemologia.

O que foi a guerra colonial?

Para o Estado Novo ‒ o fascismo português ‒ a guerra no ultramar foi, embora nunca o tenha afirmado, uma guerra de secessão, por conseguinte, uma guerra civil, um conflito em que uns territórios pertencentes a um todo, tido como nacional, conduzidos politica e militarmente por partidos políticos ‒ proibidos na vigência do regime ‒ queriam separar-se para serem independentes.

Para os partidos políticos africanos, que conduziam a luta armada, a guerra era de libertação, de independência e anticolonial.

Já aqui, e por causa do que disse, temos de separar águas. A esmagadora maioria dos combatentes europeus de Portugal ia para a guerra convencida de que lutava por uma causa justa e, acima de tudo, nacional. África, para quase todos, estava no cu do mundo, mas era nossa, dos Portugueses e, ainda por cima, o poder político constituído, afirmava que aqueles territórios eram tão portugueses como as aldeias e cidades de onde saíam os nossos soldados para, de arma na mão, defender essa unidade territorial. Para eles, para nós, a guerra era justa e patriótica. Raros eram, em percentagem, aqueles que saíam do Portugal europeu, com a consciência de não havia um Portugal ultramarino e, por conseguinte, que iam combater numa guerra civil onde, se quisessem, poderiam escolher o lado onde servir, por haver uma identificação ideológica com a razão da guerra. Desses, com essa consciência, muitos optaram por desertar do país e alguns, muito poucos, por desertar, servindo a causa africana.

 

Passemos, agora, a olhar o recrutamento dos Africanos para a guerra de independência dos seus territórios. Neste caso, a análise torna-se muito mais simples.

Devido à propaganda, tanto feita pelos órgãos competentes do fascismo como pelos dos movimentos ou partidos defensores das independências, os recrutas ficavam num dilema: ou servir nas fileiras do colonizador e identificar-se com a sua causa ou servir nas fileiras dos partidos rebeldes e desertar para defender a independência. Por muito pouco politizado que fosse o jovem africano ele sabia que só tinha dois caminhos e, por indiferença, comodidade, conveniência ou consciência política optava com mais liberdade do que o soldado transmontano, minhoto, algarvio ou alentejano.

 

Explicado este ponto, passemos, agora, ao plano da sociologia militar.

Herói é o combatente que luta com coragem, sem medo, expondo-se e expondo a vida para cumprir os objectivos que lhe foram determinados, fazendo-o para além do que é expectável, para além do comum. Herói é o combatente exemplar, o símbolo a seguir, o modelo de soldado. Tal apreciação não tem nada de político!

Mas, fazer do herói militar um exemplo nacional, apropriando-se das suas qualidades de combatente para o exaltar como modelo a seguir na guerra, é deturpar a heroicidade para fazer política. E foi isso que o Estado Novo fez em relação aos bons combatentes, maculando-os na sua impoluta condição de soldados. Mas não foi só o Estado Novo, a Monarquia fê-lo, por exemplo, com Mouzinho de Albuquerque.

 

O culto do herói remonta aos tempos mais recuados e, ao que sabemos, podemos percebê-lo ao analisar o comportamento de certos grupos de guerreiros, ditos antropófagos, porque comiam os chamados órgãos nobres dos seus adversários (coração e fígado). Faziam-no não para matar a fome nem para humilhar os vencidos. Comiam só e somente os dos mais valentes adversários para adquirirem as suas capacidades e qualidades de combate.

Numa perspectiva da sociologia militar o culto do herói não se faz só nas nossas fileiras. Faz-se também enaltecendo os heróis do inimigo, porque só assim se justificam os nossos heróis. O que resta do culto antropofágico primitivo é a homenagem dos combatentes daqueles que foram, no passado, nossos adversários. Não é a exaltação dos nossos heróis que nos torna mais dignos, pelo contrário, é a exaltação dos nossos adversários que nos dá mais glória.

 

Da conjugação do que resulta da análise política com a da sociologia militar percebemos que os políticos sujam e maculam os lídimos valores castrenses, porque é do reconhecimento dos sacrifícios feitos por todos os combatentes, no campo da honra, que resulta a honra de ser soldado. E os verdadeiros soldados respeitam-se.

 

Marcelino da Mata fez uma opção política na Guiné e honrou-a em combate. É um herói militar merecedor do respeito de todos os que sabem o que é combater sejam de que campo forem. Não lhe chamem herói da Pátria. Chamem-lhe só e somente Herói. Assim homenageiam um combatente.

10.02.21

EDP, SNS ou a agilidade de procedimentos


Luís Alves de Fraga

 

Ontem precisei de tratar de um assunto de alguma gravidade com a EDP Comercial e, naturalmente, liguei para o número indicado ‒ o do call centre ‒ e lá me surgiu a buzinar ao ouvido a lengalenga: se é para assuntos de… marque 2; se é para… marque 3, etc.

Disciplinadamente fui marcando de acordo com as minhas preferências e eis-me a falar com uma senhora que, cheia de delicadeza e paciência, me disse não ser ela o meu contacto correcto, mas que aguardasse, pois ia-me transferir para a colega certa. E transferiu em menos do tempo de arder um pau de fósforo.

Tratei do que tinha a tratar, mas, para finalizar a acção, teria de falar com outra assistente e foi ela quem, em poucos segundos ‒ sem eu nunca ter desligado o telemóvel ‒ me pôs a falar com quem de direito. De seguida, e porque me lembrei de regularizar um outro assunto, pedi para me passar ao departamento conveniente. Sempre com amabilidade na voz, pôs-me em contacto com quem de direito que, sempre validando a minha identidade, através de perguntas que, em princípio, só eu sei responder, me resolveu tudo o que eu pretendia. Ao todo estive ao telemóvel, exactamente, 48 minutos e 46 segundos.

 

Claro que, neste tempo, não resisti a fazer a pergunta ‒ desculpe, mas estão a trabalhar no vosso call centre? ‒ e a resposta foi pronta ‒ não, não. Estamos a trabalhar em teletrabalho! ‒ Do lado daqui, fiquei mudo.

Fui atendido por quatro ou cinco pessoas, com uma amabilidade incrível, uma disponibilidade fora do habitual, uma tranquilidade inusitada, cada uma em sua casa e, de certeza, todas vivendo bem distantes umas das outras!

 

Não quero saber se o patrão é chinês ou americano! Basta-me saber que eram portuguesas ‒ todas mulheres, com exclusão de um só interlocutor ‒ e que foram tão ou mais eficientes do que noutras ocasiões… e, até, entre ligações, davam-me música de fundo!

Enquanto cliente-pagador-utilizador não me preocupa se estas pessoas estão a trabalhar seis ou sete horas, se têm filhos ou netos à sua conta, se têm uma divisão em casa à prova de som, se estão bem sentadas ou se estão a descascar ervilhas enquanto falam comigo; interessou-me a forma como fui atendido e a simpatia que acompanhou todo o atendimento. Mas, enquanto cidadão, enquanto preocupado com os assuntos sociais do meu país, fiquei a pensar que estas pessoas, num dia de chuva, não tiveram de se levantar para enfrentar transportes públicos ou trânsito, não tiveram de vestir a fardeta de trabalho, não tiveram os olhos de águia de um vigilante em cima delas, não tiveram de comer fora de casa, não enfrentaram a hora de ponta e os apertos dos transportes públicos e, acima de tudo, não estiveram sujeitas a ser infectadas pela Covid 19 para ganharem o pão de cada dia.

Tem grandes inconvenientes o teletrabalho? Claro que tem! Mas, para quem seja capaz de olhar o futuro com olhos de descobrir, sentirá ser isto o começo de uma era que não sei como se desenvolverá, mas, que irá ao longo desta senda, não tenho dúvidas.

 

Para que o quadro fique completo e se perceba o que é o futuro e o que é passado, vou referir um outro assunto que me traz apreensivo.

Não tenho médico de família, porque, sendo militar e tendo um subsistema de saúde próprio, não sobrecarrego os postos de saúde, nem os médicos a eles adstritos. Mas tenho de me vacinar e, assim, tenho de figurar no tal centro de saúde da área da minha residência. Que fazer?

 

Averiguei e, parece, uma simples declaração do médico que habitualmente me acompanha, passada e introduzida no sistema informático usado para prescrição medicamentosa, é suficiente. Depois tem de ser entregue… pessoalmente, no tal centro de saúde.

Primeiro entrave: o médico diz que o sistema não aceita a situação, que não tem acesso ao serviço e mais umas tantas baboseiras. Mas aceita o pagamento da consulta, feito por mim, na parte que me compete, e pelo meu subsistema, na parte que lhe compete!

Consultado o centro de saúde, fui informado de que tenho de ir para uma fila, para ser inscrito no sistema, mas tenho de ir eu, ou alguém por mim, com o meu cartão de cidadão.

Depois, depois sim, tenho de aguardar que me chamem para ser vacinado onde e quando me disserem.

 

Vê-se a diferença?

Ora vamos lá simplificar as coisas. Admitamos que o (dá-me vontade de dizer um nome inapropriado, vulgo palavrão) filho de uma senhora muito honesta do sistema usado pelo SNS tem o meu número de utente, o meu nome, a minha idade e pode cruzar estes dados com os do cartão de cidadão (ou o contrário, se der mais jeito). Então, se cruzar dados, o sistema fica a saber que estou vivo e onde moro (se não tiver mudado de residência e não tiver actualizado o cartão de cidadão, pois ficarei fora de controlo, nesse caso, e a culpa é minha e só minha). Sabendo onde moro, sabe qual é o meu centro de saúde, mas já sabe, também (porque me manda mensagens para o meu telemóvel) qual é o meu contacto.

Com tudo isto, eu não deveria dar um passo, com ou sem médico de família para ser avisado do momento de tomar a bendita vacina.

 

Estou assim tão distante da simplicidade ou a merda da máquina estatal gosta de inventar processos para lixar a vida ao cidadão?

Percebe-se qual a razão por que as grandes e bem organizadas empresas comerciais dão milhões de lucros e os serviços do Estado andam numa lástima?

A explicação é só uma, para mim, que, há muitos anos, estudei métodos de normalização do trabalho administrativo: é preciso complicar, demorar, emperrar para dar trabalho a mais gente, mesmo que mal paga e sem perspectivas de carreira!

Assim, não há milhões da Europa, nem bazuca, nem bomba atómica que mude este país e o faça progredir ao nível daquilo que se espera de um Estado.

07.02.21

O que não interessa


Luís Alves de Fraga

 

Em frente do papel branco fico a pensar sobre o que interessa falar e concluo sobre o que não interessa dizer.

 

O que me salta é cabeça?

A bastonária da Ordem dos Enfermeiros e as denúncias de aplicação dos restos de vacinas (merda, são restos que têm de ser consumidos rapidamente!), a aflição das famílias que estão a trabalhar em casa com filhos em idade escolar e não têm computadores ou não têm condições para tomar conta deles (toda a gente sabe isto e conhece o drama mas, qual é a solução?), o aperto dos pequenos comerciantes que, tendo a porta fechada, já não possuem capacidade para sustentar o negócio, (prova evidente do fraquíssimo tecido empresarial português), o Chega e o Ventura (já teve tempo de antena em excesso!), os descuidos do Natal (se calhar não foi isso que determinou a segunda vaga!), a ajuda internacional ‒ em especial, alemã ‒ que veio para mostrar como se faz (por que será que na Alemanha tudo funciona melhor do que no resto da Europa?), a ansiedade de voltar a uma vida normal (não se percebe que a normalidade passa pela manutenção desta anormalidade dolorosa?). Tudo isto me atravessa a cabeça, mas gastar neurónios a escrever sobre rios que correm e não chegam a mar nenhum…

Não, não vale a pena!

 

Interessante seria discorrer sobre as mudanças estruturais necessárias na sociedade, na educação, na saúde, na economia, na segurança depois de estar neutralizada a pandemia, pois ela veio deixar a nu e em carne viva todas as nossas debilidades.

Como nação somos exactamente como um navio que, saído dos estaleiros, vai para o mar, na sua primeira viagem, sem testes de resistência, de navegabilidade, de sustentação, de estiva, de comunicações, de salvamento, de nada, absolutamente nada. E enfrentámos agora uma tempestade que nos deixa muito mal tratados, quase em situação de naufrágio.

Se fossemos bem-avisados como construtores navais, iríamos olhar para tudo, tudo sem falta de nada, para todas as queixas, para todos os problemas reais e inventados pelo comodismo destes passageiros. Iríamos ponderar e corrigir o que deve ser corrigido, destruir o que deve ser destruído e reconstruir o que tem de ser reconstruído. Se assim procedermos (será que somos capazes ou teremos de chamar uma equipa alemã para nos ensinar?) talvez consigamos voltar ao alto-mar prontos, na nossa pequena dimensão, para enfrentar os vendavais que surgirem.

Já devia estar nomeada a comissão para fazer o debriefing (aconselho a consulta do dicionário Priberam) da pandemia!

 

Mas será que também isso interessa?

06.02.21

A minha esquadra naval


Luís Alves de Fraga

 

Num tempo em que os jovenzinhos e os pais reclamam por não terem isto e aquilo, por não lograrem dar resposta a esta ou aquela exigência, os meus olhos passaram por cima de velhas recordações da minha infância, que o cuidado, a atenção e o carinho das minhas companheiras de vida preservaram de modo a que, ainda agora, as possa ter e fotografar, pois estão expostas à frente dos livros da minha, hoje, magra estante. Vamos aos factos?

 

Era eu garotinho, de dez ou onze anos, ‒ acabara a 2.ª Guerra Mundial há dois lustros ‒, passava junto a uma papelaria, tabacaria e venda de brinquedos quase todos os dias e lá estavam expostos dois navios de guerra cinzentos, feitos de madeira, com peças de artilharia, mesmo à espera de mim, para os levar para casa e travar, em cima da mesa de jantar, grandes batalhas navais, que a minha imaginação pródiga me facultava sempre que assim o desejasse.

Eles esperavam por mim e eu por eles, porque, os meus pais não cediam perante a simples sugestão de compra de um dos vasos de guerra ‒ Brinca com o que tens, porque o dinheiro não era gastar assim ‒ dizia-me a minha mãe com tom carinhoso, porém decidido. E eu calava-me e sonhava com os navios!

 

Ora, porque já era suficientemente habilidoso ‒ meu Deus, dizer uma coisa desta de mim! ‒ para manejar uma boa faca, um martelo, pregos, aguarelas e pincéis, pensei em superar a falta de dinheiro e fazer a minha esquadra naval. É que a imaginação de uma criança dotada desse predicado é capaz de ver aquilo que jamais passa pela cabeça de um adulto com os pés no chão…

Se o pensei, de imediato passei à acção.

E fiz a minha esquadra com três navios: um cruzador bem artilhado, tanto para ataques de superfície como aéreos, e dois patrulhas menos dotados de poder de fogo, mas, mesmo assim, suficiente para proteger, em escolta, o navio almirante. E não me faltou a guarnição… marinheiros de chumbo, um pouco maltratados, mas tal devia-se a muitas refregas por onde haviam andado.

 

Guardei estas porcarias porque me lembram um tempo em que, carecido de dinheiro, fui capaz de ser feliz.

Por onde anda a imaginação das crianças de agora? E a capacidade de suplantar faltas? E os pais destas crianças não percebem que é através de pequenos sacrifícios que se treina a possibilidade de enfrentar grandes imolações?

Deixo para cada um pensar o que quiser.

A minha esquadra naval.jpg

Os meus marinheiros.jpg

 

04.02.21

Diálogos de consciência


Luís Alves de Fraga

 

Seria estultícia minha vir para aqui, agora, discretear sobre a existência de Deus, da alma, de outra vida. Já está tudo dito. Todavia, por imperativo de consciência, sinto vontade de me deixar embrenhar numa reflexão sobre o divino na vida do Homem.

 

Não me restam grandes dúvidas sobre a necessidade que o Homem ‒ e refiro-me, em particular, ao das culturas Mediterrâneas, depois designadas por ocidentais ‒ face aos fenómenos telúricos, atmosféricos e celestes inexplicáveis na sua simples, mas paradoxal complexidade, teve de inventar deuses ‒ no início também eles celestes e ou telúricos ‒ para se proteger do desconhecido ou para procurar controlar esse desconhecido, aplacando-lhe iras através da forma de relacionamento mais antiga na sociedade humana, a mercantil: eu ofereço-te algo e, em troca, tu dás-me o que te peço. Sendo um comércio é, também, uma chantagem.

E o Homem fez deuses de todas as formas e feitios para todas as coisas, para todas as aflições, para todas as alegrias e tristezas!

 

Em determinado momento do longo percurso da humanidade nesse todo espaço ‒ bem delimitado ao Médio Oriente ‒ o Homem percebeu que deuses destrutíveis eram pouco deuses. Assim terá nascido, na cultura ocidental, o monoteísmo inventado pelos Judeus.

Era muito melhor ter um só deus, que comandava tudo e não falecia de cada vez que se lhe destruía a representação ou o templo. Foi um deus mais consistente e, ainda influenciados pelo politeísmo, mas seguindo uma variante mais inteligente, cristãos e islâmicos prenderam, cada um em sua gaiola, o seu deus. Não fizeram nada de diferente dos Gregos; estes criaram o Olimpo onde puseram os deuses tão humanos como os seus criadores. E, claro está, para não serem, na essência, originais, cristãos e islâmicos, atribuíram aos seus deuses o direito de serem os criadores da vida, da Terra, do universo, do paraíso, do inferno e do purgatório (que, felizmente, acabou!).

 

Sucederam-se, depois de assentes as três religiões do Livro, guerras entre os crentes de cada uma delas em nome do monopólio teológico. E tal estado de coisas estabeleceu uma diferença tremenda entre os deuses e as religiões: é que a religião é a propaganda que leva a escolher entre deuses, logo, entre obediências. Depois, depois cada qual invoca o perdão do seu deus para fazer mal aos que pedem a protecção do outro deus.

 

Então, não há dúvida, religião e deuses são invenções humanas na continuação do melhor politeísmo arcaico. Se assim for, isto coloca-me no ponto de partida, isto é, a necessidade de explicação para aquilo que não tem explicação através da Ciência: a inexplicabilidade da morte e do que há para além dela. Assim, o medo primitivo subsiste. Já não é a trovoada, o relâmpago, o tremor-de-terra, o eclipse, a seca ou a inundação que causam medo, mas somente esse imenso desconhecido do desconhecido. E afirmam alguns, com jactância, a sua ausência de medo, porque, senhores de certezas incertas garantem o nada para além do tudo.

 

Em consciência, rebelde a qualquer dependência religiosa, cada vez mais se me enraíza a dúvida como nos astrónomos subsiste a interrogação sobre os buracos negros no universo, fazendo-me crescer a pequenez, a insignificância humana, ao pensar no verdadeiro sentido da infinitude onde roda este pedaço de matéria orgânica e inorgânica a que chamamos Terra.

 

Depois do tempo das grandes caçadas na floresta da vida, engelhada a pele, perdida a acuidade visual e a agilidade elástica dos músculos, sentado no chão a olhar as estrelas na noite escura, sem saber se haverá um nascer de sol no amanhã que aguardo, sou exactamente igual ao meu distante avô que, enrolado em peles, na caverna da Gália, quando ainda não havia Gália, assistia pasmado e receoso ao fogo caído dos céus, fazendo arder a floresta que lhe servia de espaço de caça.