Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

30.12.20

Páginas do Meu Diário - 18


Luís Alves de Fraga

28 de Fevereiro de 2019

Ao cabo de quatro anos de internato nos Pupilos do Exército, duvidei da minha vocação militar e ansiei por sair para, com uma pequena reconversão nas matérias aprendidas, me matricular na Escola do Magistério Primário, em Benfica, com o fim de me tornar mestre-escola.

Não seria uma profissão bem remunerada ‒ os professores ganhavam um valor muito próximo do de um primeiro sargento ‒ mas era, naqueles tempos, uma profissão ainda socialmente muito respeitada, reconhecida e apreciada por esse país fora.

Se formos fazer uma pesquisa entre os mais distintos intelectuais portugueses, da segunda metade do século XIX até ao começo do último quartel do século XX, quase de certeza, numa grande maioria, a vontade de prosseguir estudos e de enveredar por certa actividade teve como origem a influência do mestre-escola; ele sugeria vocações e alvitrava caminhos aos pais dos meninos mais inteligentes. Os seminários católicos tornaram-se no trampolim para adquirir estudos e, depois, prosseguir para outros objectivos.

Na minha tentativa de mudança, quem não esteve pelos ajustes foi o meu pai. Que acabasse o curso e me dotasse com a enxada que me estava a ser proporcionada… Depois, depois poderia fazer o que quisesse. Era um tempo que não admitia réplicas, perante as decisões paternas! E acabei na Academia Militar e, depois, na Força Aérea.

Começava o ano de 1980, era já major graduado ‒ à espera de frequentar o Curso Geral de Guerra Aérea, no Instituto de Altos Estudos da Força Aérea (IAEFA) ‒, estando colocado na Base Aérea n.º 6, no Montijo, por razões que não vêm agora ao caso, fui punido com três dias de prisão disciplinar. Foi um momento de corte para mim. Precisava de fazer o curso e, porque tinha já metade do tempo de serviço, podia, após a conclusão do ano lectivo de 1980/81, requerer a passagem à situação de reserva ‒ com uma pensão no valor de metade do que recebia no activo ‒ e iniciar nova vida no ensino privado ou, até, tentar o público, se tal fosse viável. À actividade, dentro da minha especialidade, não queria voltar!

O inesperado aconteceu: fui nomeado professor no IAEFA. Quatro anos depois, com o apoio de um camarada, também docente, consegui passar para professor da Academia da Força Aérea onde acabei a carreira ao cabo de onze anos de actividade lectiva.

Depois, já na reserva e reformado, continuei na universidade por mais vinte e tal anos.

Ao cabo e ao resto, consegui ser militar e professor, tendo-me realizado como sempre desejei…

O Povo tem razão, «há males que vêm por bem».

27.12.20

Páginas do Meu Diário - 17


Luís Alves de Fraga

27 de Fevereiro de 2019

Dizer que em Portugal há brandos costumes é uma verdade e uma mentira, que, no Estado Novo ‒ o fascismo nacional ‒ foi explorada, até à exaustão, como uma verdade indiscutível e indiscutida e porque, uma mentira repetida mil vezes, torna-se uma verdade, todos nós, ainda gora, aceitamo-la sem nos questionarmos. E, vamos ver, se tenho ao não razão.

Sem grande esforço, basta consultar jornais do começo do século XX para por lá encontrar notícias muito frequentes de mortes à sacholada ou agressões em feiras onde tudo acabava varrido a varapau com cabeças rachadas, às vezes, mortalmente. Sobre a luta do pau leia-se, de Aquilino Ribeiro ‒ um mestre da literatura nacional vivo e activo até depois da primeira metade do século XX ‒ O Malhadinhas. Mas, se dúvidas houvesse, existem fotografias de soldados portugueses, do Corpo Expedicionário Português (CEP) em França, exibindo-se no jogo do pau para espanto dos oficiais britânicos. Eu mesmo, na minha infância, ainda assisti a demonstrações da classe do mesmo jogo, nos saraus de fim de ano do Lisboa Ginásio Clube. Em Portugal, matava-se e morria-se por razões de pequena monta. Durante a ditadura, o mito dos brandos costumes cresceu à sombra da comissão de censura, que tinha ordens para não deixar publicar notícias violentas. Excepcionalmente, viam a luz da publicidade as que, por serem do conhecimento geral, jamais se podiam cortar.

Mas, se é verdade esta falta de brandos costumes donde é que apareceu a tradição contrária?

Aí temos de recuar à segunda metade do século XIX e à política.

Creio que a mais evidente forma de manifestação de brandos costumes nos é dada pela caricatura. O seu autor foi Bordalo Pinheiro ao criar a figura de O Zé Povinho.

Um campónio, com ar alarve, robusto, pachorrento, capaz de suportar todas as albardas que lhe quisessem lançar por cima. Esse mesmo , cuja única revolta se traduz no manguito feito a preceito, mostra os brandos costumes face às tropelias da Monarquia e dos seus políticos. Ele continuou a ser brando através do crítico lápis de José Vilhena, na ditadura e, ainda, nos primeiros anos da democracia.

É no Zé Povinho, na minha opinião, que está a verdade dos tais brandos costumes e só nele, porque, com efeito, nós, tal como outros povos, numa análise de colectivos, somos tão agressivos, na disputa individual ou conjunta, como os demais. Na política, somos apáticos em vez de brandos.

E vamos à História buscar um exemplo vivo para provar o que afirmo.

Em 1834, a 26 de Maio, foi assinada, em Évora Monte, uma convenção que punha fim à guerra civil entre liberais e absolutistas, obrigando o, ainda infante, D. Miguel ‒ que se havia feito proclamar rei ‒ a exilar-se para sempre no estrangeiro, longe da Península Ibérica. Foi para Génova onde, ao desembarcar, reafirmou a sua condição de rei, facto que lhe coarctou, de imediato, a recepção da pensão pecuniária estabelecida no tratado, a perda da condição de infante e o regresso dele ou dos seus descendentes a Portugal, ficando banido da sucessão ao trono. D. Maria II viria, em Dezembro, a confirmar, com diploma legal, o banimento de D. Miguel e da sua descendência.

A Constituição de 1838 era explícita, no artigo 90.º, pois confirmava o banimento daquele ramo dos Braganças do reino. Porém, em 1842, a Constituição foi revogada (substituída pela de 1826) e não contemplando o artigo relativo ao banimento, assumiu-se que, deste modo, perdera legalidade. Contudo, D. Miguel e os seus descendentes mantiveram-se no exílio, aceitando a existência da proibição de residência no país.

Em 15 de Outubro de 1910, com a República proclamada em Portugal, foi decretada a “Lei da Proscrição” que obrigava ao exílio todos os membros de todos os ramos da família real portuguesa. Assim, estava reactivada a Lei do Banimento, de 1834, no que se referia a D. Miguel e toda a sua descendência.

E os brandos costumes onde andam no meio de tudo isto?

Vão surgir, com Salazar, com o fascismo português, com a ditadura capaz de tudo, até de reverter o que não devia reverter!

Em 27 de Maio (curiosa data!) de 1950, a Assembleia Nacional decretou o fim da Lei do Banimento, permitindo que os descendentes de D. Miguel ‒ todos nascidos no estrangeiro ‒ regressassem a Portugal, para, pelo menos tacitamente, se assumirem como pretendentes ao trono de uma monarquia extinta havia quarenta anos!

Os brandos costumes alçam-se à condição de mansos quando entrou no país o tal Duarte Nuno de Bragança, pai do tal Duarte Pio de Bragança: ninguém se revoltou, mesmo que só com ligeiros trejeitos admitidos pela soberana censura nacional. Nada! Tudo ficou manso como o Zé Povinho do Bordalo Pinheiro.

A desculpa ainda vagamente possível, seria:

‒ Era a ditadura, a ditadura e o fascismo!

Pois era, mas veio a democracia, a liberdade, a pluralidade e não se acautelaram os poderes ‒ dos comunistas aos democratas republicanos de direita ‒ exigindo que a “Lei da Proscrição”, bem republicana, fosse reclamada como lei desta República antifascista. Ficou tudo quedo e mudo com cara de bronco como são as fuças do pachorrento Zé Povinho. E ficaram assim estes cidadãos mesmo depois de ter sido discutida e aprovada, há poucos anos, a lista do protocolo nacional na qual é atribuído lugar a esse Duarte Pio descendente do D. Miguel, filho de D. Carlota Joaquina, mas, quase certo, filho de um amante de ocasião ‒ ou não ‒ dessa princesa espanhola, porque do putativo pai, o D. João VI, não era!

E aqui estão os brandos costumes portugueses que, a par de muita ignorância, muita lascívia, admitem que qualquer filho de uma mulher de comportamento duvidoso tenha lugar na lista do protocolo nacional.

Haja paciência…

26.12.20

Natal


Luís Alves de Fraga

Não é um lugar comum, dizer-se que o Natal é a festa mais cristã de todas as festas da humanidade.

Hoje vou reflectir sobre essa questão, não só por estarmos em plena época natalícia, mas porque, realmente, não é comum (pelo menos não tenho topado com escritos focando esta questão) interrogarmo-nos sobre as épocas festivas nas igrejas cristãs e as datas das mesmas.

 

Natal, natalício, natividade são vocábulos com a mesma raiz e que se referem ao nascimento e, por tradição, ao nascimento de Jesus.

Para se perceber onde quero chegar, temos de recuar aos tempos de implantação da doutrina cristã na Europa pagã.

Sem procurar tornar exaustiva a explicação, poderei dizer, sem grande margem de erro, que as ditas religiões pagãs assentaram os seus principais pilares, desde sempre, em fenómenos da Natureza nessas épocas ainda inexplicáveis e inexplicados: o sol, a chuva, o vento, o frio e o fogo; numa fase mais “evoluída”, embora ainda telúrica, houve festejos relacionados com a sucessão das estações do ano e, depois, em fenómenos mais humanos: a morte, o nascimento, o amor, a guerra, o ódio, a inveja, a “virtude”, a traição, as relações incestuosas e muitos outros dos quais as mitologias gregas e romanas nos dão os mais amplos exemplos. Não tendo forma de explicar aquilo que amedrontava a sua existência, o Homem empurrou esses desconhecidos para o plano do insondável, atribuindo-lhes qualidades teológicas. Os deuses ou um só deus desresponsabilizavam o Homem.

 

O cristianismo, uma heresia do judaísmo, para se expandir na Europa e no Norte de África, na fase mais primitiva, ainda apoiado nos princípios ditados pela patrística, teve a perspicácia de aproveitar tanto os locais de peregrinação pagã como os dias festivos em que os “bárbaros” se reuniam para conviver. Foi uma excelente iniciativa para favorecer as conversões: o mesmo sítio ou a mesma data não variavam, mas mudava a razão do festejo. Essa alteração terá sido sentida pelas primeiras gerações ainda recordadas das explicações primitivas mas, com o rodar dos tempos, perdeu-se na memória colectiva a motivação inicial para ficar somente a que os propagadores da nova religião traziam e praticavam.

E repare-se no caso, para mim, mais evidente: o da Páscoa.

Esta época coincide, mais ou menos, com o começo da Primavera ‒ equinócio, no hemisfério Norte ‒ momento em que se festeja o renascimento da vida na Terra: são os gelos que se derretem e brotam as plantas, as flores alegram os campos e, até, algumas espécies animais ganham vida ou surgem de migrações de locais mais quentes e distantes. A Primavera é um hino à vida, contudo, estranhamente, a Páscoa dos cristãos ‒ relacionada ou não com a judaica ‒ é um momento de morte e sacrifício ‒ para os judeus, o do cordeiro e, para os cristãos, o do “cordeiro de Deus”, Jesus ‒, embora, simbolicamente, represente um tempo de “passagem”, que os cristãos “aproveitaram” para ressuscitar aquele que, para eles, é o filho de Deus. Há, assim, na Páscoa, uma ambiguidade: a celebração de uma morte e a de um “renascimento”. E, para a confusão não ser maior, tal como entre os judeus varia o dia de Páscoa, também entre os cristãos tal acontece… Um outro aproveitamento!

 

‒ Mas, e o Natal, quando não há certezas históricas sobre a data do nascimento de Jesus (há, até, quem negue esse dado com base na falta de referências entre os historiadores romanos)?

Pois, parece, o Natal devia ser na Páscoa, por ser o tempo de mudança e de ressurgimento para a vida, o tempo do equinócio!

Mas o Natal acontece em Dezembro, na minha opinião, para se cumprir mais um aproveitamento da herança pagã: o solstício do Inverno, que ocorre poucos dias antes de 25.

Começa o frio e o recolhimento em casa, a adoração dos deuses domésticos com os sacrifícios que a eles são devidos na esperança de uma Primavera que traga, de novo, a fartura, a abundância do que a terra dará para comer e sobreviver.

 

Estarei errado? Muito, pouco ou só alguma coisa?

Nil novi sub sole (nada é novo sob o Sol)…

23.12.20

Democracia e Cristianismo


Luís Alves de Fraga

 

Não, não vou cair na tentação fácil e ignorante de dizer que Jesus, o cristo, foi o primeiro comunista!

Ensinou, ao que parece, comportamentos sociais e individuais dignos de nota, mas jamais foi comunista.

Terá dito algo como: «Quem nunca pecou, que atire a primeira pedra» e terá dado o exemplo de despretensão quando chamou a atenção para a viúva que, não tendo posses, deu tudo o que tinha como esmola ao contrário do rico que só deu o que não lhe fazia falta.

E ensinou muitas mais coisas, mas, agora, quero só pegar na "da primeira pedra" e "na da viúva".

 

Quem nunca pecou que atire a primeira pedra!

Isto é um hino à tolerância; talvez, também, ao perdão, mas este só poderá existir se houver antes a capacidade de tolerar.

Tolerar é saber coexistir mansamente (e de mansidão falou também o cristo) com aquilo que nos é contrário, que nos é incómodo, de que não gostamos. Assim, Jesus - o tal cristo -, que terá dito para quem for esbofeteado oferecer a outra face, ensinou o oposto à ira, à cólera, ao castigo, à vingança. Jesus, sendo - porque foi, no seu tempo e entre as gentes onde nasceu e cresceu - um revolucionário, tê-lo-á sido pela forma mais pacífica que se possa imaginar. A prova desse pacifismo está no ensinamento «A César o que é de César e a Deus o que é de Deus». Com isto ele separou as águas entre a violência e a mansidão dos pacíficos. E só um pacífico pode ser tolerante, porque a intolerância comporta em si a revolta, a necessidade de ganhar a todo o custo e Jesus, o cristo ou o ungido, se quisesse a revolta teria confundido a luta contra César como uma luta de Deus.

 

E a viúva, onde entra aqui?

Esse é o outro grande ensinamento de Jesus, tão ligado ao da tolerância que nem se dá por isso, se não for olhado com profunda atenção.

Na verdade, ao acto de dar está intimamente ligado o sentimento de posse. Só dá, verdadeiramente, aquele que se desapossa! Aquele que, precisando, oferece, pois quem dá o que não precisa, realmente não dá... deita fora!

Ora, para se dar aquilo de que se carece é preciso ter dentro de si o sentimento da tolerância; uma imensa tolerância para com a adversidade. É preciso aceitar que haverá sempre alguém que está em piores circunstâncias, e isso é tolerar o peso que se carrega.

 

Chegar à democracia depois do que expus é a parte mais fácil deste exercício de lógica, pois só há verdadeira democracia, ou seja, capacidade para aceitar a vontade da maioria quando se está em minoria, quando se consegue ser tolerante, passando por não inventar, deturpar ou distorcer razões para se ter razão.

É por isso que todos os ditadores carecem de moral, de tolerância e de capacidade de dádiva. Os ditadores jamais dizem “tens razão” ou, até somente, “não concordo, mas aceito”. Isso só o dizem os democratas capazes de viver a democracia como exercício puro de tolerância. Mas, por definição, a intolerância jamais será capaz de ser tolerante!

 

Jesus, o cristo ou o ungido, não foi o primeiro comunista, mas foi, sem sombra de dúvida, um democrata exemplar!

20.12.20

Páginas do Meu Diário - 16


Luís Alves de Fraga

26 de Fevereiro de 2019

Fazendo contas por alto, vivi cinquenta anos da minha vida em regime de Guerra-fria ou seja, de confronto militar sem combate directo, entre o chamado Mundo Ocidental e a URSS ou Bloco de Leste.

Há muitas explicações para a queda da URSS e do regime comunista e eu também tenho a minha ‒ assumo a vaidade que se pode deduzir desta afirmação ‒ que ando a vender desde, talvez, 1992 ou 1993.

Preferem-se explicações dentro da caixa, o mesmo é dizer explicações que passam em exclusivo pelo teatro soviético. Eu vou mais longe e tento integrar a relação capitalismo-socialismo no âmbito da Guerra-fria.

Começo por explicações simples.

O princípio regente do capitalismo é o da sujeição da produção à procura definida pelo mercado: produz-se porque há procura; a procura é determinada pela satisfação de necessidades.

É esta relação uma das razões das sucessivas e periódicas crises do capitalismo: a sobreprodução faz baixar o preço e, por arrasto, conduz ao desemprego e à falência empresarial, gerando uma espiral de retracção económica.

O princípio regente do socialismo comunista (designação pouco ortodoxa que uso para facilidade de exposição) é o da planificação da produção, através da hierarquização das necessidades, anulando a acção do mercado.

É esta anulação que mina o sistema de economia planificada, porque as necessidades raramente são satisfeitas a contento de todos e, não sendo, induzem discordância dentro do aparelho político.

Teoricamente os dois princípios dão origem a dois tipos distintos de democracia e de liberdade: o primeiro, define a livre concorrência e a livre satisfação da vontade individual; o segundo, define uma democracia delegada, que se hierarquiza em escalões representativos de cujas resoluções não pode haver recurso individual. Em duas palavras, no capitalismo, o indivíduo sobrepõe-se à sociedade; no comunismo, a sociedade sobrepõe-se ao indivíduo.

Vejamos, agora, tudo isto em funcionamento.

Estando os dois blocos em oposição e em confronto potencial, do lado capitalista, por causa da liberdade de produção, a indústria de armamento, para satisfação da necessidade de defesa do seu sistema oferece aos governos das potências mais ricas e que mais têm a perder boas oportunidades de arsenais capazes de superar os do Bloco de Leste.

Ameaçados, os soviéticos, têm de dar resposta à concorrência do mercado e, fazendo-o, nos termos impostos pelo Bloco Ocidental, porque os recursos produtivos são escassos, reduzem a satisfação das necessidades dos cidadãos, limitando-as, cada vez mais, ao essencial. Novamente, em duas palavras: no Ocidente, não olhando a consequências, o objectivo é a produção concorrencial e, no Leste, é concorrer no plano armamentista e planificar no plano interno, ou seja, manter dois sistemas económicos antagónicos.

Se pensarmos que esta disputa durou cerca de trinta e cinco anos, percebemos que o elo mais fraco da cadeia era o soviético, pelo esforço imposto pela corrida ao armamento (que não se consumia) e pela incapacidade de satisfazer aspirações sociais que, naturalmente, com o decorrer dos anos, aumentavam mesmo quando sujeitas à desinformação imposta pela censura e pelo aparelho policial.

Se pensarmos um pouco mais, percebemos, também, que, afinal, a Guerra-fria não foi um conflito de políticas e de arsenais de armamento, mas resumiu-se a um único aspecto: através de fazer prosperar um país com o desenvolvimento da indústria de guerra, destruir a economia de outro, privando-o de planificar a produção de bens tão necessários à sua miserável população campesina e escravizada por uma política que lhe tirava a liberdade de expressão, bem superior de todas as liberdades. A isto e só a isto se resumiu a Guerra-fria.

19.12.20

Páginas do Meu Diário - 15


Luís Alves de Fraga

25 de Fevereiro de 2019

Reli as páginas já escritas. Não tenho de gostar ou desgostar. Escrevi o que me apeteceu. E a verdade é que escrevi muito sobre História, tal como se estivesse a dar uma aula, quando é suposto estes textos serem meus e destinados a mim. Mas esta é a minha natureza! Para além de ensinar, gosto de reflectir sobre o passado.

É bom que se diga, a reflexão não tem necessariamente de ter o rigor usado quando se faz História; a reflexão é um juntar de informação que vai tomando a forma desejada por quem a faz. Mas, a reflexão não é o caos, nem a balbúrdia anárquica, nem o quero, posso e mando. Tem de ser coerente, lógica e verosímil, caso contrário é um puro gasto de tempo, é uma inutilidade.

Na maior parte das vezes, nas minhas reflexões históricas, procuro dar consistência, através de explicações plausíveis, a aspectos que me foram ensinados, ou por mim estudados, cujos contornos se mostram obscuros.

Poderei chamar História a isto que faço?

Isto não é História, mas é um contributo para preenchê-la, para lhe dar uma face mais lógica ou mais aceitável, não a adulterando. Esse é aspecto mais importante! Não adulterar o passado.

Talvez o melhor exemplo que encontrei, nos meus trinta e tal anos de ensino, para se perceber o que era uma História adulterada é o da presença islâmica no espaço geográfico a que chamamos hoje Portugal.

Mais uma vez, aqui vou dissertar para mim mesmo. Paciência! Talvez um dia resolva dar publicidade ‒ necessariamente relativa ‒ a este diário.

Vejamos a questão em aberto.

Em 711 a Península foi invadida por forças islâmicas vindas do Norte de África. No ano de 732 todos os focos de resistência estavam resolvidos à excepção das montanhas das Astúrias onde se refugiaram os visigodos resistentes, já cristianizados havia muito tempo, formando um reino, em 718, com o célebre Pelágio frente. É conveniente não esquecer que as tropas islâmicas penetraram na Gália até chegarem a Poitiers (a cerca de trezentos quilómetros de Paris).

A conquista definitiva do castelo do Porto, conseguida por Vímara Peres, ocorreu em 868 ou seja, 136 anos depois da derrota islâmica em Poitiers. A conquista de Mértola, no Alentejo, foi feita em 1238, portanto, 370 anos depois da conquista do Porto e só dez anos mais tarde (1248) D. Afonso III juntou, para sempre, ao título de rei de Portugal o de rei do Algarve. Percebe-se que entre 711 e 1248 decorreram 537 anos; qualquer coisa como a data da chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil e a actualidade!

Ora, quando lemos os manuais de História de Portugal ‒ embora lá estejam as datas acima referidas ‒ temos a sensação de que a presença islâmica neste território durou o tempo de arder um pau de fósforo, porque não lhe é dada relevância especial. No entanto, para a perceber, basta pensar no que ocorreu no mundo desde a chagada de Cabral ao Brasil até aos nossos dias.

Assim, parece impor-se a pergunta:

‒ O que justifica este apagamento ou esta rapidez de análise de quinhentos anos de islamismo por terras que vieram a ser portuguesas?

É aqui que começa a minha reflexão.

A ideia de reconquista supõe que se vai conquistar, outra vez, algo que já foi nosso. Pois bem, o problema está neste nosso.

Com efeito, a península Ibérica conquistada pelos islâmicos estava ocupada pelos povos autóctones e pelos invasores visigodos, que dominavam. Estes converteram-se ao cristianismo, mas um cristianismo bem diferente, porque estávamos no século VIII, do que o cristianismo dos séculos IX e, acima de tudo, daquele que se vivia nos séculos XII e XIII. O cristianismo sofreu alterações durante séculos, tornando-se radical e declarando como manifestações heréticas todos os desvios doutrinários discordantes dos ditados pela Santa Sé.

Sabendo-se que na península Ibérica os islâmicos consentiram a continuidade da prática cristã herdada dos Visigodos, que, com o rodar dos séculos, se confundiu, somente na aparência, com a cultura do Islão, denominando-se por moçárabe ‒ pareciam árabes, mas eram cristãos ‒ não é de estranhar que Roma considerasse estes cristãos como uma forma de heresia (razão quase provável da morte violenta do bispo moçárabe de Lisboa aquando da conquista da cidade).

Posto isto, não me repugna aceitar que a Igreja Católica Romana tenha determinado, ao longo dos anos, dos séculos se quisermos, a centenária presença dos muçulmanos na Península a algo que quase se poderia reduzir a semanas, meses ou poucos anos. Não é de estranhar, também, que esta a conquista se tenha chamado Reconquista, o que resulta numa profunda adulteração da verdade, pois, cinco séculos são metade de um milénio!

Foi esta a adulteração da História. Chamo-lhe adulteração, porque, não sendo uma falsificação, é um método de parecer correcto, para ser, de facto, incorrecto.

Infelizmente, este método está a tornar-se natural na História da Actualidade.

16.12.20

O que me dita a consciência


Luís Alves de Fraga

 

Propositadamente, tenho-me abstido de comentar a morte de um cidadão estrangeiro no aeroporto de Lisboa, segundo parece, às mãos de agentes do SEF. Não tenho elementos que me permitam fazer um juízo sobre o que realmente se passou por lá. Há suspeitas de que tenha sido exercida violência física sobre o referido cidadão. Suspeitas.

De quem se suspeita? Dos agentes?

Muito bem.

O apuramento de responsabilidades tem uma hierarquia que começa na base, ou seja, nos agentes suspeitos e acaba algures num chefe responsável pelas equipas a quem reportam os agentes. Devem todos ser, de imediato, suspensos de funções e deve-se iniciar o processo de investigação.

 

Se se desconfiar, ao longo do desenrolar do processo, que houve encobrimento de toda a cadeia de suspeitos por parte de instâncias superiores, devem alargar-se as suspensões de serviço até abrangerem essas instâncias. E assim se desenrolará a rede de responsabilidades, de acordo com a tradição da justiça militar, que aprendi há muitos anos, e continua válida, segundo creio.

A Direcção do SEF e o ministro responsável pela tutela só deverão ser incomodados se houver claras suspeitas de que colaboraram no encobrimento ou no desenrolar das investigações.

 

Mal vai um país, um aparelho do Estado, a gerência de grandes e médias empresas se não tiver muito clara a noção de que a direcção de topo dos ministérios e dos órgãos de funcionamento de qualquer actividade se limita a liderar a equipa que apoia essa mesma direcção. Para ser mais claro, o ministro, seja ele qual for, lidera meia dúzia de colaboradores directos, que têm por obrigação difundir, pôr em execução e fiscalizar a execução política até ao nível hierárquico imediatamente a seguir, recebendo as informações que vêm de baixo para cima, fazendo-as chegar ao ministro devidamente tratadas. Assim, há patamares hierárquicos de responsabilidade com a respectiva autoridade. De algo que aconteça de errado na base da pirâmide não pode ser imediatamente responsável o vértice do topo, porque há escalões intermédios. Só haverá responsabilidade directa se o acontecimento anormal envolver alguém que dependa imediatamente desse vértice.

 

Na minha opinião, tudo o que vá ao arrepio do que expus, não passa de guerrilha política para gerar mau estar e instabilidade social.

Analisem-se assim os acontecimentos e, depois, com provas sustentáveis, peça-se responsabilidade aos escalões que devem ser responsabilizados e não a outros que podem nada ter a ver com as ocorrências.

14.12.20

Páginas do Meu Diário - 14


Luís Alves de Fraga

24 de Fevereiro de 2019

Há dias deixei aqui uma reflexão histórica sobre a perda da independência de Portugal, em 1580. Ao acordar hoje, apeteceu-me desabafar sobre a Restauração, em Dezembro de 1640. Essa restauração tão enaltecida primeiro pelas forças de direita fascista, no tempo de Salazar, depois, já em democracia, pelos saudosistas desse tempo e, agora, por democratas e nacionalistas, merece ser explicada, porque à volta desta data crescem mitos para servirem ideologias políticas. Mitos que, sem escrúpulos nem rebuço de quem os usa, mudam de sentido como o cata-vento da torre da igreja.

Curiosamente, esta maleita está, de certa forma, associada ao próprio acontecimento que, por nos ser querido, nos leva a não procurarmos a lógica que o justifica. Vou deixar aqui um apontamento que ajudará a manter-me lembrado destas coisas.

Em 1581, nas cortes de Tomar, com o peso e representatividade que essas assembleias tinham, gerando uma ténue película de democraticidade nas decisões tomadas pelo colectivo ‒ clero, nobreza e povo ‒, Portugal aceitou como legítimo rei o rei de Espanha, Filipe II, passando a ser primeiro entre nós, pois, como já havia sido destinado aquando do nascimento do Príncipe da Paz, filho de D. Manuel I e da sua esposa castelhana, não se perdeu a autonomia ‒ o reino continuava a ser o de Portugal ‒ já que haveria duas coroas numa só cabeça. E cabe aqui levantar mais uma ponta sobre estas curiosidades da História.

Se o rei de Portugal era também rei do Algarve, desde D. Dinis, é porque havia um reino distinto daquele que teria de acabar nas serranias que demarcam o Alentejo do resto do território a Sul. E havia, realmente. Mas não era independente. Então, por semelhança, também Portugal, em 1581, perdera a independência embora, em consonância com as decisões das cortes, continuasse autónomo. Uma autonomia que, com os anos, tendeu a diminuir. Mas não foi esta redução a ditar a revolta! Foram, mais uma vez, outras as razões que ditaram a revolta contra a Espanha.

De facto, sessenta anos depois do início da Monarquia dual ‒ mais quinze anos por cima do que o tempo que nos separa do 25 de Abril ‒ chegou-se à conclusão de que, afinal, os Filipes não eram reis legítimos! Simplesmente, espantoso…

‒ Mas sê-lo-á, assim? Não se tratará de mais uma forma de dar a volta a interesses novos e muito distantes daquilo que se divulga e, até, se ensina?

Vamos ver.

Por volta de 1620, como nos recorda um já esquecido historiador português ‒ Lúcio de Azevedo, Épocas de Portugal Económico ‒ começava a ganhar importância a produção de açúcar que trazia duas vantagens económicas: a compra e venda de escravos na costa ocidental de África e a exportação do apreciado produto para a Europa.

Um pouco mais à frente no tempo, já as especiarias do Oriente não rendiam grande coisa à coroa, nem a quem as comerciava, como havia acontecido cem anos antes. Também isto tinha explicação. A Inglaterra, a Holanda e a França espalharam a sua acção comercial para fora da Europa e praticavam-na no Oriente. Portugal, que tivera capacidade naval para derrotar e afastar a concorrência islâmica do Índico e da entrada do Pacífico, não possuía força, nem gente, nem dinheiro para concorrer com os Estados europeus que lhe roubavam mercados. Afinal, a união com a Espanha, tão desejada e bem aceite pelos burgueses comerciantes, rendera pouco durante poucos anos.

Do Brasil, aproveitando a inoperacionalidade do meridiano de Tordesilhas ‒ porque, agora, de nada valia por o soberano ser o mesmo ‒, chegavam notícias da exploração do interior e alargamento das fronteiras, ao mesmo tempo que o açúcar se mostrava uma mercadoria altamente rentável, mesmo tomando em conta a concorrência feita pela Holanda, França e Inglaterra todos eles em fase de instalação na América Central.

Começava a delinear-se a mais-valia de uma nova independência ou, melhor dito, da recolocação da coroa portuguesa na cabeça de um nobre que, por qualquer via, pudesse oferecer a legitimidade possível por descender de um rei português. Chamar-se-lhe-ia restauração.

Os benefícios cairiam, se os houvesse, na burguesia e na pequena nobreza resistente, que ficara confinada aos seus diminutos domínios, nas províncias de Portugal. Mas não era só por cá que haveria benefício; da restauração ganhavam os Estados em guerra ‒ a Guerra dos Trinta Anos ‒, particularmente a Holanda e a França, pois a abertura de novas frentes de combate ‒ Portugal e Catalunha ‒ iria aliviar a pressão espanhola no centro da Europa. Daí resultaram os apoios da França à causa portuguesa.

Por seu turno, em Lisboa, por troca do conflito com Madrid, pretendia-se que Paris fizesse incluir Portugal na guerra existente, de modo a que, ao ser negociada a paz com a Espanha o rei português ficasse, de imediato, liberto de combates, então mais fortes, com as tropas do Estado vizinho. Para satisfazer este desiderato era necessário arrastar, também, a Holanda para aderir a esta trama, mas interesses económicos específicos da finança holandesa opunham-se à jogada diplomática na medida em que preferiam manter uma guerra com Portugal, fora da Europa, de modo a poder espoliá-lo das possessões orientais, americanas (Brasil) e africanas (Luanda e São Tomé). É aqui, nesta difícil negociação, que entra o padre António Vieira, vindo do Brasil e que se destingiu pela habilidade discursiva e negocial, bem como por combater a acção do Tribunal do Santo Ofício perseguidor dos judeus-novos que tanta falta faziam a Portugal e às suas finanças, quer por poderem ajudar directamente quer por poderem auxiliar através das suas relações pessoais e familiares com o judeus radicados nos Países Baixos. E note-se, este jesuíta, fez renascer o mito sebastianista de modo a criar a ambiência necessária à aceitação de D. João IV entre os Portugueses pois, segundo dizia, ele seria uma reincarnação ou, melhor, uma reinvenção de D. Sebastião. Alimentou, também, o mito de um novo império português na obra História do Futuro, sendo tudo isto modos de encontrar legitimidades onde eram difíceis de existir.

Na teia das negociações diplomáticas falhou a França, pois estabeleceu uma paz separada com a Espanha e, embora, prestando auxílios secretos a Portugal, não fez incluir este nas cláusulas do tratado com Madrid.

A Inglaterra só aceitou honrar a velha aliança depois de por lá se ter restaurado a Monarquia, com Carlos II, após o período revolucionário de Cromwell. E foi por interferência e intermediação de Londres que Madrid estabeleceu uma paz perpétua com Portugal, selada pelo casamento do monarca inglês com D. Catarina de Bragança, filha do novo rei, D. João IV, duque de Bragança.

Perante este quadro ocorre-me reflectir sobre a decisão da Santa Sé, última potência a reconhecer o novo rei e a nova situação na península Ibérica.

Realmente, para além de se ter usado um documento falso de umas falsas cortes de Lamego, onde teria sido eleito D. Afonso Henriques como soberano de Portugal, estipulando a possibilidade de filha de rei vir a ser rainha, mas, não podendo casar com estrangeiro, menos ainda poderia fazer do seu marido, se estrangeiro, rei de Portugal.

Foi este documento falso que deu legitimidade a, sessenta anos depois, reivindicar a reposição de um erro!

A Santa Sé e a sua cúria podem ser acusadas de muita coisa, mas de estarem mal-informadas é que não. Assim, justifica-se que, só depois de Madrid ter reconhecido, de facto e de jure, Portugal como Estado independente, o Papa haja concordado com a restauração.

Custaria muito explicar isto em cada 1.º de Dezembro, deixando de fazer da data bandeira para arregimentar partidários seja do que for?

08.12.20

Páginas do Meu Diário - 13


Luís Alves de Fraga

23 de Fevereiro de 2019

Quando António Costa conseguiu estabelecer um acordo de incidência parlamentar com o Partido Comunista (PCP) e com o Bloco de Esquerda (BE) exultei com o facto. Era uma solução verdadeiramente histórica, porque única, em Portugal e jamais imaginada há trinta e tal anos. Correspondeu a uma situação que há muito se desenhava no nosso país: dos eleitores votantes a escolha apontava sempre para a maioria escolher a esquerda como refúgio, tendo em vista encontrar soluções para os graves problemas nacionais. Claro que, isoladamente, do Partido Socialista (PS) ao BE há abismais diferenças ideológicas, mas há ‒ para quem as quiser encontrar ‒ imensas pontes passíveis para, através delas, se conseguir um diálogo benéfico para os Portugueses. E António Costa arriscou dar esse passo, envolvendo os partidos estigmatizados desde o tempo do fascismo. Temo ‒ e os sinais estão à vista ‒ que todo o edifício se desmorone em função de um esticar de corda por parte do BE, porque, acho, o PCP tem tendência a ser mais realista e contido nas suas exigências.

Estas questões, que são do nosso tempo, só vêm para aqui por causa da tal estigmatização dos comunistas no tempo do fascismo.

Realmente, para quem viveu, como eu, trinta e três anos, dos quarenta e oito da ditadura, é fácil de perceber a perseguição, o ódio e a injúria lançados sobre os comunistas. A propaganda fez deles seres absolutamente hediondos, perigosos e anti-sociais. Eram a verdadeira ameaça para o Estado e para todos nós, segundo o que nos era ensinado.

Para se perceber este tipo de manipulação é preciso levar em conta alguns factores caracterizadores da sociedade portuguesa da época.

Comecemos por aquele que esteve mais próximo dos Portugueses e, por isso, constatável.

A 1.ª República, pelos objectivos que tinha, gerou um clima e corte social no país, situando-os em três pólos: as sucessivas revoltas de monárquicos entre 1911 e 1919, o confronto com o clero católico entre 1911 e 1926 e, por fim, a instabilidade partidária desde 1912 a 1926. Todos, em conjunto ou em separado, deram uma ideia bastante falseada do regime republicano, que a propaganda salazarista rapidamente se encarregou de ampliar.

A perseguição feita pelos republicanos ao clero reaccionário criou o ambiente necessário à aceitação de um possível ou admissível milagre na Cova da Iria, ao qual foi, de imediato, associada a necessidade de orar pela conversão da Rússia onde tinha acontecido a revolução soviética. Desta forma, foi espoletada a bomba fundamental de todos os fascismos e, evidentemente, por maioria de razão, a do fascismo português: a luta contra o comunismo.

Claro, depois de Lenine, Stalin deu uma preciosa ajuda para tornar o sistema soviético numa odiosa ditadura de partido único acobertada pela ideia de justiça social e de liberdade individual, ambas irrealizáveis seguindo os métodos da URSS. As duas doutrinas ‒ a soviética e a fascista ‒ tinham amplos pontos de contacto ‒ quase diria de identidade ‒ pois ambas eram concebidas a partir da ideia de liberdade colectiva com anulação da liberdade individual. Assim, a democracia representava uma forma orgânica de limitar a liberdade do indivíduo em nome da liberdade do todo. Deste modo se justificavam os atentados contra a revolução e o povo e os atentados contra a pátria e a nação.

Contribuiu, também, para o agigantar do ódio e do medo do comunismo o facto de, depois da ditadura militar (1926 a 1928) se seguir o salazarismo ‒ a variante do fascismo português ‒ cujas raízes se enterravam no obscurantismo católico, na ilusória moral dos bons costumes provincianos, no anti-modernismo de uma sociedade que se desejava tradicional e preferencialmente parada no tempo.

Por essa altura, também ‒ como se o já relatado não chegasse ‒ na vizinha Espanha eclodiu a guerra civil, pondo a nu, através de uma censura bem orquestrada, os crimes dos vermelhos e escondendo os horríveis massacres dos nacionalistas do general Franco.

Tudo caldeado em proporções certas e continuamente batido nos jornais, na igreja, na escola, na rádio, nos quartéis, nas prisões, nos tribunais, nos discursos a propósitos disto e daquilo fez crescer em todos nós ‒ em uns, de maneira desconfiada, em outros, com total e ingénua aceitação ‒ o anticomunismo que continua a existir nos mais velhos, porque a juventude está desligada da política, prestando-se a ser, se e quando devidamente estimulada, o chão onde florirá o populismo, pai e mãe, dos fascismos modernos.

07.12.20

Páginas do Meu Diário - 12


Luís Alves de Fraga

22 de Fevereiro de 2019

Há dois dias, estive a reler, sem grande preocupação, a História de Portugal do professor A. H. de Oliveira Marques ‒ conheci-o pessoalmente e colaborei, muito vagamente, com ele num projecto sobre a Guerra Colonial, era uma simpatia e um verdadeiro senhor ‒ e, hoje, antes de me sentar em frente do computador, rememorei um pouco do que li.

Ao contrário do que fez o consagrado historiador, é curioso o facto de, quase todos os manuais de História de Portugal para consumo de estudantes e da grande massa de leitores não especializados nestes assuntos, colocarem a tónica da perda da independência na questão sucessória (morte ou desaparecimento de D. Sebastião sem deixar descendência directa) sem cuidarem de fazer uma análise, mesmo que breve, ao panorama social e económico de Portugal na época, pois, para além do problema da sucessão ‒ facto indiscutível e origem de tudo o mais ‒, havia condições para se desejar, em certos meios, a transferência da soberania portuguesa para o soberano de Espanha. São estas coisas que os divulgadores da História fazem, escondendo ou omitindo aspectos que, se contados, completam os quadros explicativos dos acontecimentos. Nem toda a gente tem paciência ou possibilidades de ler Oliveira Marques ou mesmo Vitorino Magalhães Godinho, mas quase toda a gente leu os mais que precários manuais de História que se usam nas nossas escolas. São vaguíssimas as explicações complementares para justificar a união ibérica.

Na verdade, tudo começa, na melhor das perspectivas, pela influência cultural de Espanha ‒ Castela ‒ na corte portuguesa e em certos meios tidos por eruditos, pois, desde o reinado de D. Manuel I (1495-1521) até ao fim da vida de D. Sebastião, falava-se correntemente castelhano e aceitavam-se como boas as modas trazidas pelas rainhas provenientes do reino vizinho. Contudo, nas ruas das cidades, vilas, aldeias e campos deste país, continuava-se a construir a língua nacional e a manter e fazer crescer os hábitos e a maneira de estar e ser português. Havia, por conseguinte, um contraste entre a gente dita culta e os populares.

Mas, nesta análise, o mais poderoso elemento de aproximação a Espanha, foi o comércio desenvolvido pela coroa e os grandes financiadores das explorações mercantis do Oriente. A explicação é fácil e rápida.

O comércio que se fez, durante o século XV, com os povos das costas africanas carecia de muito pouco e pequeno financiamento em metais preciosos, mas, ao chegar à Índia e, logo depois, a Malaca, à China, às Molucas, porque, para além de serem regiões com culturas antiquíssimas, que já participavam na rede comercial do Índico, através dos Islâmicos, os negócios passaram a fazer-se contra pagamentos em prata e ouro, que faltavam em Portugal. Todavia, esses metais existiam em grande quantidade em Espanha, vindos das Américas. Sevilha era o grande centro de negócios, enquanto Lisboa definhava a olhos vistos.

A grande nobreza cheia de rendimentos provenientes da posse da terra, cujas origens se firmaram nos reinados de D. João I, D. Duarte, D. Afonso V e D. João II, com a chegada à Índia e ao Oriente, só os poderia ver aumentados, no século XVI, se se empenhasse na demanda do comércio das especiarias ou, em alternativa, aceitasse servir o rei de Espanha onde havia condições para ser ainda maior.

Não foi, por conseguinte, a falta de um herdeiro de D. Sebastião ou do cardeal-infante D. Henrique que atirou a coroa de Portugal para a cabeça de Filipe II; foi o somatório das três anteriores razões, que não deu sustentáculo à luta humilde e descabelada do povo miúdo capitaneada pelo infante bastardo D. António, prior do Crato, ambicioso e sem grandes créditos em Espanha.

Lisboa, depois da retirada de Filipe II, ganhou a dimensão daquilo que poderia ser em todo o tempo: uma cidade de província, sem corte, sem poder e sem grandeza. As pequenas cortes ganharam lugar nas quintas e domínios da pequena nobreza fugida para onde ela podia ser grande. É ler, de Francisco Rodrigues Lobo, A Corte na Aldeia, obra na qual se pressente a nostalgia de um tempo onde, por ser independente e ter rei soberano, Portugal tinha lugar como Estado na Península e na Europa.

E foi assim que dei por mim a repensar este Portugal de agora, cada vez mais litoral de Espanha e cada vez mais governado por Bruxelas, sendo o nosso Parlamento, o nosso Governo, as nossas disputas e os nossos partidos políticos o enredo de uma vida de aldeia numa aldeia global, da qual a Europa não é a parte de leão.

Porque amanhã é sábado, talvez esteja de melhor humor…

Pág. 1/2