Da guerra à paz
Há coisa de dois meses o novo vírus havia declarado guerra à humanidade e foram tomadas medidas apropriadas ao estado de guerra nos diferentes países.
Ora bem, eu passei mais de duas dezenas de anos a estudar a Grande Guerra e o papel de Portugal nesse conflito, para além das consequência do mesmo nosso país; estudei durante vários anos a 2.ª Guerra Mundial e como Portugal sofreu os efeitos de uma guerra onde não foi combatente; o mais evidente nestes estudos foi o tempo de duração dos conflitos e, logo de seguida, o descalabro económico e social subsequente.
Ambos duraram anos a resolver-se e anos a reencontrar sentido para as economias nacionais. As perdas humanas foram brutais.
Discordo ‒ já o escrevi ‒ que se chame à pandemia uma guerra, mas se os poderes políticos assim a querem qualificar, têm de ser coerentes e assumi-la na íntegra. E se o fizerem, estamos a viver, com toda a propriedade, a 3.ª Guerra Mundial.
Pela dimensão global desta guerra, pela forma como o inimigo se comporta, pela falta de armamento apropriado para o derrotar, esta guerra não é um conflito de curta duração nem é, falando a linguagem militar que querem adoptar, um conflito clássico simétrico; pelo contrário é completamente assimétrico. Foi assim tratado em todos os territórios por onde tem aberto frentes de combate: resguardar a retaguarda e combater na linha da frente com os meios humanos possíveis e usando o arsenal mais provável para minimizar os danos directos.
Mas, ao fim de uns poucos meses, inicia-se a dança dos números da economia e da finança.
O combate assimétrico começa a perder importância face aos danos colaterais e a estratégia tem de mudar, passando, agora, a serem danos paralelos a infecção, as mortes e o esforço da primeira linha de combate, assumindo-se como campo de batalha privilegiado a reafirmação da economia!
Ao retomar a economia ‒ com todos os avisos contra o inimigo deste conflito assimétrico ‒ escancaram-se as portas a todos os desleixos dos combatentes ‒ somos nós, evidentemente ‒ que, por não verem o inimigo, por não sentirem a ameaça, ficam entregues a si mesmos, podendo deixar-se dormir no seu posto na trincheira.
Olhando desta forma para a actual guerra, comparando-a com os dois conflitos mundiais passados, não sou capaz de compreender nem os políticos nem os generais! Não os compreendo, porque mudaram tudo do avesso! Ou, talvez, não tenham mudado…
Realmente, em ambas as guerras mundiais, as vidas humanas passaram a valer zero! Morria-se tanto nas trincheiras como nos campos de batalha, como nas cidades bombardeadas sem se levar mais em conta as baixas entre civis e militares; importante era, foi, derrotar o poder económico do opositor para, deste modo, levá-lo à derrota!
Pensemos na tal mudança de estratégia ‒ evidente com a abertura das actividades comerciais e industriais menos essenciais ‒ e comparemos: o inimigo não é o vírus e não interessam, de facto, as baixas que ele faz; o inimigo, nos diferentes países em luta, é a falência das economias, a dívida e o deficit orçamental.
Não tenhamos dúvidas: os poderes políticos, em todos os Estados, estão a seguir a mesma estratégia! O que varia é o modo como a anunciam: uns, abertamente, declaram qual é o objectivo principal e outros, criticando aqueles, dissimulam, lamentam as perdas de vidas humanas, ensinam meios de luta, mas querem salvar a economia e a finança, porque sabem que os generais, mesmo em guerras assimétricas, estão mais salvaguardados do que o resto da tropa.
Que venha a paz!