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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

29.11.19

28 de Maio ‒ “A Revolução de Maio”: Um filme


Luís Alves de Fraga

 

Em texto anterior, referi-me ao golpe militar contra a ditadura acontecido em Fevereiro de 1927, no Porto e em Lisboa em dias sequenciais. Pela dimensão dos meios castrenses envolvidos, bem como pelo elevado número de combatentes empenhados, em ambos os lados, e, ainda, pelo grande quantidade de vítimas feitas nos combates e na repressão que se lhe seguiu, a revolução de Fevereiro foi, sem dúvidas, emblemática para a consolidação do regime ditatorial.

 

Dez anos depois de implantada a ditadura, em 1936, a cidade de Braga recebeu, em folguedo, os mais altos representantes da nova situação política, incluindo Oliveira Salazar já consagrado como salvador da Pátria, para comemorarem a revolução. Foi uma festa, evidentemente, preparada e montada para mostrar a satisfação popular e as vitórias alcançadas graças ao saneamento das finanças e ao manifesto desenvolvimento da economia.

Era o momento oportuno para fazer uma longa metragem cinematográfica de marcada propaganda política da nova situação nacional. António Ferro ‒ o jornalista irrequieto, intelectualmente cheio de qualidades estéticas, vindo da República para o sidonismo e deste para o fascismo, que admirava, era, havia poucos anos, o homem forte da publicidade política, nomeado por Salazar, para dirigir o Secretariado Nacional da Propaganda (extinto, com este nome, no final da 2.ª Guerra Mundial) ‒ foi, com António Lopes Ribeiro, o autor do filme mais emblemático do Estado Novo e da ditadura. Chamou-se Revolução de Maio e ainda hoje se vende ‒ a preço elevado ‒ nos locais próprios. É um documento extraordinário, evidenciando o que foram as raízes do regime corporativo português e da imagem que dele se pretendia vender interna e externamente. Às vezes, quase nos faz ter vergonha do nosso fascismo e, noutras, quase nos arranca gargalhadas em face da mentira mal montada. Tudo, no filme, é falso, para além da boa realização cinematográfica e dos trechos de documentários cinematográficos nele introduzidos. Há, na fita, uma ingenuidade que nos convida a assumir o papel de idiotas, porque toda a mensagem, resultante da narrativa, ultrapassa o real e, com algum exagero, está, do ponto de vista onírico, ao nível de qualquer filme da Walt Disney Company.

 

O argumento, de uma simplicidade extrema, roda à volta da lembrança da revolução de Fevereiro de 1927, de um revolucionário ‒ subjectivamente identificado com o comunismo ‒ de uma jovem enfermeira da maternidade Alfredo da Costa (que, não é dito, estava, por lei, proibida de casar), de um chefe da polícia política (que não é assim mencionada), de uma tipografia, que fazia trabalhos clandestinos e de uma revolução a ser desencadeada, pelos conspiradores, no dia 28 de Maio de 1936, exactamente no décimo aniversário da Revolução Nacional.

 

No filme não há gente má! Nem polícias, nem conspiradores, nem trabalhadores, nem ninguém. Se alguma maldade existe ela é tão disfarçada, tão subtilmente escondida, que só faltam os maus e os bons ‒ sejam eles quem forem ‒ terem asas nas costas e um halo de santo à volta da cabeça!

 

Mas, por estranho que pareça, é, exactamente, essa a mensagem que se pretende passar! Não estamos perante um fascismo agressivo, mas diante de um não fascismo, de gente de brandos costumes! E, de todo, nada disso foi verdade nem nos primeiros anos da ditadura nem nos que se lhe seguiram até 25 de Abril de 1974.

A ditadura, antes da implantação do nazismo, na Alemanha, tinha uma polícia política onde o uso dos meios mais violentos e ultrajantes raiavam a brutalidade; depois, com a aprendizagem na Gestapo, mudaram-se os métodos para processos mais sofisticados. Mas, mesmo no final dos anos trinta e durante a década de quarenta do século XX, a ditadura ‒ a que poderei com as necessárias reticências ‒ chamar fascismo português, fez questão de dar de si mesma uma imagem contrastante com os regimes antidemocráticos existentes na Europa e noutras partes do mundo. Era, como veremos mais à frente, uma ditadura conservadora de matriz católica com todos os tiques e limitações à modernidade que lhe eram inerentes.

Portugal ia atravessar um longo deserto, em muitos e variados aspectos, só vagamente atenuado mais de uma dezena de anos depois do final da guerra.

28.11.19

28 de Maio ‒ Os Governos da Ditadura Militar


Luís Alves de Fraga

 

Como deixei referido antes, logo à nascença, a ditadura surgida a 28 de Maio de 1926, enfermou do mesmo mal que se apontava à República: governos instáveis, logo nos primeiros dias. Quando assentou com o golpe do general Carmona, estabilizando nos governantes ‒ antes já Oliveira Salazar tinha ficado somente dois dias como ministro das Finanças ‒ verificou-se uma aparente tranquilidade que, como vamos ver, não foi tão notável como se procurou, mais tarde, fazer crer. Só depois Carmona optou por se candidatar à Presidência da República, em 18 de Abril de 1928, por ter achado conveniente ser legitimado pelo voto popular. Tal decisão impunha separar a Chefia do Estado da Presidência do Ministério. Era uma forma de alargar o laço da ditadura, avançando para uma hierarquização que se tornava necessária, até para acabar com as imposições dos tenentes cada vez menos ruidosas e menos agressivas.

 

Mas a aceitação de Carmona e da ditadura equilibrada foi logo contestada por militares saudosos do constitucionalismo republicano e da democracia. O primeiro golpe ou tentativa de tal foi em 11 de Setembro de 1926, no Regimento de Infantaria de Chaves. Nada aconteceu de especial, mas foi a prova de que não ia ser pacífica a imposição da ditadura.

Não foi, pois, para além de os militares, simultaneamente democratas e republicanos, estarem a dar sinais de descontentamento, os representantes dos partidos políticos republicanos, antes adversários entre si, juntaram-se e enviaram uma declaração conjunta às embaixadas da França, dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, desresponsabilizando-se de qualquer acto financeiro praticado pelo Governo da ditadura sem que tivesse tido antes o aval do Congresso da República, facto que contrariava, frontalmente, o conceito de ditadura adoptado pelos militares, que haviam encerrado o Parlamento. Foi a machadada decisiva na legitimidade internacional dos governos saídos do golpe de 28 de Maio.

 

Em Janeiro de 1927, o general Carmona foi visitar o Porto, por se saber existir mal-estar entre a oficialidade da guarnição. Havia que acalmá-la. Contudo, foi em vão que se deslocou, pois, havia que contar com a associação dos sindicalistas aos militares, facto que tornava mais viável a propensão para a revolta.

Em 3 de Fevereiro, na cidade do Porto, tendo à frente do golpe o general Sousa Dias rodeado de democratas nortenhos, fez sair para a rua uma revolução com a certeza de que a revolta iria ter continuidade na capital. Mas, o inesperado, aconteceu: a adesão à ditadura era já bastante significativa entre os republicanos moderados, que acreditavam na temporalidade de Fragoso Carmona como elemento apaziguador dos tradicionais desentendimentos políticos em Portugal. Todos continuavam a olhar as desinteligências nacionais como se a sua origem estivesse somente entre portas e em nada o estrangeiro tivesse influência.

 

No Porto, a rebelião de Fevereiro ganhou uma dimensão notável. Os combates foram renhidos. O golpe falhou não só porque houve uma clara adesão de várias unidades do Exército à ditadura como, também, porque em Lisboa tardou a estalar a revolta, de tal forma que, estavam a render-se os revoltosos do Porto quando, na capital, tiveram lugar as incipientes acções militares contra a ditadura.

Entre Lisboa e Porto, o número de mortos rondou as duas centenas e o de feridos ultrapassou a seis centenas. Em Lisboa, de acordo com instruções do ministro da Guerra, general Passos e Sousa, foram fuzilados, no Largo do Rato, vários civis e marinheiros encontrados, depois de cessadas as operações militares, com armas na mão.

 

Se o Governo da ditadura não foi capaz de encontrar solução para a situação económica aflitiva em que estava o país, depois da revolta de Fevereiro de 1927, montou, de imediato, um sistema repressivo no qual se fundamentou o que se lhe seguiu, no tempo de Salazar. Os decretos de extinção das unidades militares revoltadas e de expulsão da função pública dos funcionários implicados nos acontecimentos foram imediatos, tal como imediata foi a criação de um corpo de polícia designado Especial de Informações, o encerramento e proibição de actividade da União Geral do Trabalho (UGT) e do Partido Comunista Português (PCP), a proibição de publicação do jornal anarquista A Batalha e a expulsão do país de destacados republicanos, como, por exemplo, Bernardino Machado.

 

O então coronel Vicente de Freitas, um indefectível defensor da ditadura, proporcionou a criação da Confederação Académica da União Nacional, agremiação de matriz conservadora de direita, que colheu imediato apoio da imprensa católica. Surgiu, também, a designada Milícia Lusitana. As forças políticas de reacção à modernidade desejada pela República estavam a despontar em pleno, por encontrarem campo propício ao seu desenvolvimento.

O Governo não resolvia problemas sociais e económicos, mas impunha uma ordem com paralelo no exemplo espanhol, de então.

 

Contudo, os democratas não desistiram, embora não tenham ganho nada de positivo com a sua teimosa posição, daí que, logo em 12 de Agosto desse ano de 1927, se tenha preparado uma outra intentona revolucionária, agora comandada, no plano militar, pelo capitão-de-fragata Filomeno da Câmara de Melo Cabral e, no plano civil, pelo Dr. Fidelino de Sousa Figueiredo (daí ter passado à História pela caricata designação de A revolta dos Fi-Fi). Por essa altura, também, e como forma de reacção ao regime vigente em Portugal, os exilados em França, criaram a chamada Liga de Paris, cuja finalidade consistia no desenvolvimento de acções tendentes a desacreditar o Governo da ditadura.

Mas, em contraponto à criação de organizações apoiantes da ditadura, teve lugar, no dia 1 de Dezembro de 1927 ‒ pesem embora todos mecanismos de repressão já existentes ‒ uma manifestação de estudantes de Lisboa contra os militares e o seu regime.

Nesse final de ano, antecedendo o que se previa já em termos de desenvolvimento da cultura e da educação popular, o Governo decretou a redução da duração do ensino primário de seis para quatro anos. Lá se ia uma das grandes apostas da República: a instrução do Povo.

24.11.19

28 de Maio ‒ Os sovietes de tenentes


Luís Alves de Fraga

 

Já pouca gente sabe que, por trás dos generais golpista, de 28 de Maio de 1926, estava uma turba imensa de tenentes do Exército a incitá-los e a apoiá-los para a revolta. A ditadura partiu, efectivamente, do descontentamento dos tenentes, que conspiravam sob a forma de juntas militares. O maior núcleo situava-se no Norte.

 

Perguntar-nos-emos, nos tempos que correm, qual a razão profunda deste descontentamento entre oficiais jovens.

A resposta vai-se encaixar num acontecimento relativamente recente, na época: a participação de Portugal na Grande Guerra e o consolado de Sidónio Pais. Vejamos, para compreendermos.

 

Quando Portugal entrou na guerra, em 1916, teve de acelerar a formação de oficiais na Escola do Exército e, ao mesmo tempo, incorporar oficiais milicianos ‒ novidade entre nós ‒ para suprir as faltas de subalternos (alferes e tenentes), especialmente de infantaria, engenharia e médicos. Mas, a entrada na guerra não foi, de todo, bem aceite aos diferentes níveis e estratos sociais, incluindo as fileiras do Exército. Essa foi a razão pela qual, por exemplo, Sidónio Pais, aquando da preparação do golpe que o levou ao poder, contou com o integral apoio dos cadetes da Escola do Exército. Na época, havia uma alienação política, que levava a acreditar no auxílio desinteressado da Grã-Bretanha e nas boas intenções da sua política externa. Era um mero engano, era um querer acreditar naquilo que se não devia acreditar. Assim, desde os oficiais aos soldados, a ida para França foi uma imposição não compreendida.

Mas o pior veio depois do fim da guerra. Os quadros permanentes do Exército ficaram cheios de oficiais e a progressão na carreira tornou-se impossível. Os tenentes só iriam passar desse posto ao cabo de muitos anos, assim como os capitães. Beneficiados com a guerra foram os oficiais com graduações iguais ou superiores a capitão; desses, a quase maioria chegou a coronel e bastantes a general.

 

Os tenentes queriam uma mudança da situação política e, porque também a desejavam largos sectores da população urbana, o golpe de 28 de Maio de 1926 teve sucesso. O grave, no meio de tudo isto, é que, na realidade, não eram os generais quem, na prática, tomava as decisões políticas mais importantes, mas sim os sovietes de tenentes, que se reuniam nos quartéis ‒ em Lisboa, no Regimento de Caçadores n.º 5 ‒ e em certos cafés da Baixa lisboeta. Era aos gritos que propunham soluções ou inviáveis ou inapropriadas. Todas elas apontavam para a imposição de um regime conservador e, naturalmente, autoritário, desde que a autoridade fosse imposta pelo Exército.

 

Esta situação só conseguiu ser revertida e modificada ao cabo de dois anos e tal, quando Salazar foi chamado para ficar à frente do Ministério das Finanças e aceitou, em Abril de 1928. Todavia, persistiram ainda fortes influências dos tenentes até que foi indigitado para formar governo. Nessa altura, os tenentes já estavam dominados.

21.11.19

28 de Maio ‒ Os militares e a nova situação


Luís Alves de Fraga

 

Quando o golpe de 28 de Maio de 1926 saiu para a rua, em Braga, comandado pelo general Gomes da Costa, a população em geral e muitos militares não faziam a mínima ideia de qual o pendor político ou ideológico do movimento. O mais que se sabia é que Gomes da Costa tinha sido o comandante da 2.ª Divisão do CEP, em França, e tinha sido sobre essa unidade que caíra a parte mais devastadora do ataque alemão de 9 de Abril de 1918, em La Lys.

Gomes da Costa foi a segunda escolha do general Sinel de Cordes, verdadeira alma da conspiração, um monárquico convicto e também combatente no CEP, pois o general Alves Roçadas, o primeiro escolhido, ficou impedido, por razões de saúde, de assumir o comando, vindo a falecer em Junho seguinte.

 

Gomes da Costa era um militar ambicioso e vaidoso, embora corajoso, com uma longa carreira de serviço na Índia e em Moçambique. Oficial de cavalaria, adoptou, para modelo comportamental, a figura de Mouzinho de Albuquerque, que conheceu, tendo servido sob as suas ordens.

Foi durante a permanência em França que mais se fez notar a sua ambição política, de tal modo que o general Tamagnini de Abreu e Silva, primeiro comandante do CEP, deixou escritas as desconfianças que nutria sobre a lealdade de Gomes da Costa. Todavia, a verdade é que, embora tendo aderido a um partido republicano conservador e nacionalista, nada percebia de política, por não ter nem cultura nesse domínio e, muito menos, habilidade para contornar, com cinismo e malícia, os jogos sujos dos políticos. Antes de explicar o percurso de Gomes de Costa no comando do golpe, vale a pena tentar perceber a orientação ideológica desta acção revolucionária.

 

Sendo que a alma conspirativa era o general Sinel de Cordes, trabalhando na sombra, a verdade é que o golpe estava combinado para eclodir em Braga, sendo logo secundado em Lisboa pelo capitão-de-fragata Mendes Cabeçadas, um republicano, apoiante da linha mais moderada, cujo descontentamento se centrava no papel desempenhado pelo partido democrático ‒ o mais radical do espectro republicano ‒, facto que não deixava de fazer dele um adepto do regime. Foi a ele que Bernardino Machado, Presidente da República, em 30 de Maio, nomeou Presidente do Ministério e ministro de várias pastas, quando o golpe foi dado como vitorioso. Assumiu a Presidência da República quando Bernardino Machado, no dia seguinte, apresentou a exoneração do cargo, retirando-se para a sua casa na Cruz Quebrada.

 

Já estava instalado em Sacavém o quartel-general de Gomes da Costa, quando, em 16 de Junho, consequência de um golpe dentro do próprio golpe, Gomes da Costa afastou Mendes Cabeçadas, assumindo a Presidência da República e a Presidência do Ministério.

Foi sol de pouca dura. Sinel de Cordes e o general Óscar Fragoso Carmona, em 9 de Julho, deram mais outro golpe e afastaram Gomes da Costa, exilando-o para os Açores, promovendo-o a marechal. O velho general não tinha elasticidade para suportar a governação confusa da política nacional.

 

Se é certo que, na sombra, sempre esteve um monárquico a conduzir a conspiração, também é certo que nenhum dos oficiais que pululavam à volta de Sinel de Cordes ou de Carmona ‒ que havia sido colocado no cargo de Presidente da República ‒ sabia, ao certo, qual o rumo a seguir em termos de regime. E havia razões para tal!

Lançar mão de uma ditadura, naquele momento da vida nacional, colhia consenso junto de bastantes republicanos, mas impor uma monarquia, quase pela certa, iria pôr a rua contra os militares conspiradores. A prudência aconselhava a adiar a aclamação de um rei.

 

Seria só a prudência a aconselhar tais cuidados?

Julgo que não. Havia que levar em conta uma outra vertente de que hoje ‒ e durante o Estado Novo ‒ se fala e falou muito pouco para não retirar glória aos cabecilhas do golpe.

Disso me ocuparei mais à frente.

20.11.19

28 de Maio ‒ Salazar e o jornalismo


Luís Alves de Fraga

 

Creio que não é, hoje, muito conhecido o facto de António de Oliveira Salazar, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra ‒ tido como catedrático, mas sem para tal possuir habilitações semelhantes às que hoje são exigidas ‒, ter escrito, nos primeiros anos da década de vinte, muito antes de ser ministro das Finanças, vários artigos para o jornal Novidades, órgão da diocese de Lisboa, afecto, por conseguinte, à Igreja Católica. Mas não assinava com o seu nome, antes com um pseudónimo, escondendo-se atrás de uma certa forma de anonimato. Era, tão somente, o Alves da Silva.

 

Nunca se esclareceu a razão do pseudónimo, mas, na minha opinião não suficientemente fundamentada, contudo, aparentemente lógica, ele terá optado por não se expor, visto, em 1919, após o assassinato de Sidónio Pais, ter sido acusado de, nas aulas, fazer a defesa do regime monárquico, atacando a República. Por tal facto, foi suspenso, vindo a ser readmitido, depois de se ter explicado, por escrito, e assumido como defensor da democracia e da liberdade de expressão.

De acordo com o uso e costume de então, ele foi jornalista.

 

Por força das matérias publicadas, nos dias de hoje, ele seria um comentador, com algum crédito, de assuntos financeiros, pois, leccionando Finanças Públicas, julgava-se autorizado a ter opinião sobre a forma como decorriam os negócios do Estado sob a batuta dos diferentes ministros.

Tiveram boa aceitação, junto de um público conservador, os seus pareceres e as suas apostas políticas. Todavia, estas, parecendo de grande correcção, pecavam por carecerem de uma conjuntura internacional, que não era a existente no momento, e de um clima nacional, que estava longe de oferecer condições suficientes para aceitar as propostas de Salazar.

 

Mas, lendo com cautela os artigos de Alves da Silva, percebe-se que havia neles uma vaga sugestão de providencialismo emanado de um potencial salvador da pátria. Isso era bastante para Salazar, que semeava com tempo para colher na altura certa. Só tinha de deixar degradar, mais ainda, a situação interna e internacional para ser olhado como o homem capaz. Para tanto, tornava-se necessário levantar um pouco o véu do pseudónimo, permitindo que, à boca pequena, se suspeitasse da verdadeira autoria dos artigos.

 

Salazar, católico conservador, ao contrário de outros ditadores, cujas ideologias provinham de doutrinas revolucionárias, sonhava com a possibilidade de aplicar a doutrina social da Igreja, de Leão XIII, mas, em simultâneo, ter as possibilidades de um príncipe renascentista poderoso e incontestado, como nos dá notícia Franco Nogueira ao descrever as longas conversas do professor com Manuel Cerejeira, no antigo convento de os Grilos, residência de ambos, em Coimbra.

Implantada a ditadura, em Maio de 1926, os militares, induzidos pelos artigos de Alves da Silva e as receitas neles sugeridas, chamaram Oliveira Salazar para sobraçar a pasta das Finanças. O matreiro professor, impôs condições. A situação ainda não tinha amadurecido o suficiente para os militares darem de mão-beijada um poder que, julgavam, lhes devia ser preciso para salvarem a pátria. Enganavam-se. Salazar ia continuar, em Coimbra, a ver deteriorar a situação nacional e internacional e, então, e só então, cair-lhe-ia nos braços o poder tão desejado e teoricamente ensaiado nos serões conimbricenses com o seu colega e amigo Cerejeira.

 

Das imposições de Salazar tratarei mais à frente.

19.11.19

28 de Maio – A legitimidade do golpe


Luís Alves de Fraga

 

É comum aceitar-se e divulgar-se a ideia de que toda a ditadura é ilegítima. Ora, tal não passa de uma impressão pouco trabalhada, por se tomar o fim como início. Vejamos.

 

As ditaduras, por regra, são impostas aos povos por uma de duas vias: o golpe revolucionário ou, como sequência de um acto eleitoral, o ditador e o seu partido ganham a maioria. Se a tomada do poder resultar da segunda hipótese ela é, incontestavelmente, legítima, pois a sua origem é democrática ainda que, sobre a honestidade do acto, se possam colocar dúvidas, mas, se nos deixarmos enredar em tais argumentos, então estaremos prontos para duvidar de tudo. Mas, se a conquista do poder for alcançada por um golpe, é aqui que se pode colocar a legitimidade da acção, merecendo, assim, um estudo mais em pormenor.

 

Por regra, os golpes para tomada do poder, ou são conduzidos pelas forças armadas ou têm a sua aprovação explícita ou implícita. Será assim, porque, sendo as forças armadas as detentoras da máxima violência do Estado, nada, em termos de gestão de violência, lhes pode ser superior.

A conclusão a tirar do que afirmei anteriormente é de que, não havendo oposição das forças armadas ou havendo, até, colaboração delas, o golpe é sempre legítimo, pois, naquele exacto momento representam a nação. Mas este facto, por si só, será suficiente para dar legitimidade a um golpe? Em consciência, e de acordo com o pensamento de Adriano Moreira, não é. Há necessidade de verificar se os cidadãos sentem como legítima a mudança política. Ora, esta só tem sentido se o poder político detentor da legalidade for vulgarmente referido na terceira pessoa do plural: eles. Quando o governo não é identificado, na linguagem comum, com a dignidade que deve merecer é porque perdeu a legitimidade. Quando, nas conversas informais e, por vezes, nos órgãos de comunicação social, deixam de ser ministros, deputados e presidentes para passarem a ser eles, então já não conseguem conquistar o respeito dos governados; então, estes já aceitam a mudança, seja qual for o preço a pagar. E a mudança pode ser orientada para uma solução extrema, desde que prometa gerar e impor respeito, segurança e tranquilidade. Prova de ser verdade aquilo que explico encontra-se, em qualquer golpe, de qualquer natureza ou orientação política, no facto de os vencedores se sentirem e se proclamarem legitimados pelo apoio popular no dia em que ocorre. São os aplausos da turba exaltada, os vivas, os abraços e os beijos que legitimam o golpe e os golpistas. Sempre foi assim e sempre continuará a ser. Foi assim na Roma dos Césares como em Berlim, em Paris, em Madrid, em Lisboa, no Rio de Janeiro ou em Santiago do Chile; em qualquer tempo e em qualquer golpe vitorioso.

 

A legitimidade do golpe militar de 28 de Maio de 1926, em Braga, em Lisboa e em todas as outras cidades do país, foi conseguida, nas ruas, nas aclamações que rodearam o general Gomes de Costa, os outros oficiais e os soldados que impunham a nova ordem, porque uma grande massa popular estava cansada e desesperada com toda a situação anterior, com as promessas feitas e não cumpridas.

Essa massa popular dividia-se desigualmente entre os mais miseráveis trabalhadores das cidades e dos campos, as donas de casa, os burgueses endinheirados e remediados, os militares e os funcionários públicos, os profissionais liberais e os empregados do comércio. O desagrado era transversal a todos, por isso transversal a todos também era o desejo de mudança. Poucos eram aqueles que tinham capacidade para entender que as razões de desagrado não residiam só em Portugal, porque provinham do estrangeiro e eram consequência desse mesmo estrangeiro. Poucos eram os que tinham a percepção de que prosseguindo e aprofundando a democracia e a liberdade se podia ver melhorada a condição de vida. Esses poucos silenciaram-se nos dias seguintes ao golpe. Silenciaram-se até que os manifestantes começassem a perceber o logro onde haviam caído. Silenciaram-se, porque não colhiam qualquer tipo de legitimidade… Haveriam de obtê-la mais tarde, muito mais tarde, quando os novos senhores do poder passassem a ser designados na terceira pessoa do plural: eles.

 

Assim, toda ditadura é legítima, pelo menos no dia em que se proclama, até que, devido aos seus efeitos, se transforma em ilegítima como o foi, também, o poder que antes derrubou.

18.11.19

Do 28 de Maio às Finanças ‒ Antecedentes


Luís Alves de Fraga

 

A situação política e financeira de Portugal nos anos que se seguiram à Grande Guerra tornou-se caótica. Ninguém conseguia pôr fim à inflação, ao consequente aumento do custo de vida, à falta de trabalho, às carências de víveres e matérias-primas importadas, à instabilidade dos governos, que se sucediam uns após outros, à insegurança social causada pelas manifestações bombistas levadas a efeito pelos anarco-sindicalistas, à falta de apoio sanitário para estancar a mortalidade infantil ou tratar dos doentes, que morriam sem assistência decente. Portugal era um lodaçal onde todos chafurdavam sem encontrar soluções.

 

Haveria quem atinasse com a razão do descalabro, mas não tinha processo de lhe modificar o rumo. O Estado Novo, com a influência de Oliveira Salazar e dos seus próceres mais chegados, escondeu esse caminho para somente enaltecer as incapacidades internas. Ora, o que todos sabiam, mas pareciam querer esquecer, é que a desordem interna era essencialmente uma consequência da desordem externa.

Na verdade, Portugal foi sempre deficitário em determinados produtos essenciais à vida, porque não os produz em abundância. Se é certo que nos mares da costa nacional sobejavam as espécies mais vulgares e que, por via da quantidade de peixe pescado, não havia carências no litoral, também é verdade que sempre faltou trigo necessário para fabrico de pão, elemento básico da dieta alimentar das famílias. Se abundava o vinho e a fruta faltava a lã, mas, acima de tudo, nos séculos XIX e XX, faltavam o ferro e o carvão elementos primários para acompanhar o desenvolvimento resultante da Revolução Industrial. Atrás destas faltas vinham quase todas as indústrias da modernidade. No nosso país, já depois de dobrados os primeiros anos do século passado, continuava-se a apostar mais na agricultura que na industrialização. Mas esta aposta não era só de natureza económica, mas, principalmente, de âmbito social, pois, até muito tarde, no século XX, o grande sinal exterior de riqueza era a posse da terra, fosse na área do minifúndio ou na do latifúndio. Ter propriedade agrícola era ter poder e ser rico. Percebe-se a razão: a mão-de-obra, por tão barata e carente de dinheiro, vendia-se por preço que quase se assemelhavam ao valor de uma parca esmola. Possuir terra era dominar populações, que lutavam pelo trabalho.

 

No imediato pós-guerra, em 1918/1919 os circuitos comerciais, já desarticulados por causa da acção dos submarinos alemães e mais ainda pela necessidade de converter alguns sectores da indústria mecânica em fábricas de armamento ou de componentes a ele necessários, mantiveram-se, por muitos anos, incapazes de se recomporem porque o mercado de consumo não tinha capacidade de compra. E este efeito ganhou movimento ondulatório: não se fabrica, porque não há mercado de compra; não se compra, porque não há quem fabrique. A Europa de 1919 não teve o Plano Marshall de 1948, por isso a sua reconstrução e a reconstrução dos circuitos produtivos e comerciais demorou mais tempo, agravada pela imposição de pesadas indemnizações à Alemanha, que, tendo sido uma potência industrial e comercial antes da guerra, se viu reduzida a uma economia pouco mais significativa do que de mera subsistência. A Grã-Bretanha, que tinha tido pleno emprego durante a guerra, caiu numa crise, verificando-se uma taxa de desemprego de 10%, e uma quebra do poder de compra da sua moeda, que voltou ao padrão ouro supervalorizando-se em face ao dólar; do ponto de vista político houve fortes desequilíbrios com a independência de parte da Irlanda, revoltas populares na Índia e grande confusão por causa da declaração Balfour sobre a Palestina. Por lá aconteceu o que não era de todo comum: três governos em três anos.

A França saiu da guerra também com uma economia em recomposição e esperou muito das indemnizações alemãs, que, quando deixaram de ser pagas em dinheiro, deram origem à ocupação da Renânia e da confiscação de toda a produção de carvão e ferro. Mas nem isso alterou demasiado o panorama económico e financeiro daquele país supostamente vencedor.

Na Alemanha, como já referi, a República foi incapaz de reequilibrar a política e a economia; pelo contrário, aumentou desmesuradamente a inflação para valores jamais imaginados.

 

Sendo que Portugal, antes da guerra, tinha como seu primeiro fornecedor a Grã-Bretanha, que era, também, o primeiro comprador dos produtos nacionais, e segundo fornecedor a Alemanha ao mesmo tempo que era o terceiro comprador, tendo em consideração que também a Espanha atravessava uma crise económica, facto que a afastava da situação privilegiada de comprador e fornecedor de Portugal, o nosso país, cada vez que importava matérias-primas ou produtos essenciais à vida interna importava, também, a inflação externa, agravando em muito a precária vida nacional.

Muito embora com alguns momentos de melhoria e prosperidade, foi este quadro económico que determinou grande parte da instabilidade política portuguesa nos anos que vão de 1918 a 1926. Só quando os nossos principais parceiros comerciais voltassem à prosperidade é que seria possível reequilibrar a economia nacional ou, a alternativa, teria de passar por uma outra solução: encolher a dependência do estrangeiro e tentar a quase impossível autarcia portuguesa. Esta medida conduziria, pela certa, as populações a sérias e rigorosas restrições jamais imaginadas.

Ora, a solução para atingir a paz social necessária ao saneamento das finanças e da economia estava, segundo se cria, na suspensão da democracia liberal republicana e impor uma ditadura militar.

 

Não foi inédita esta atitude na Europa do após guerra, pois, logo no começo da década de vinte, em Itália, foi imposta a ditadura fascista e, bem mais próximo da nossa fronteira, em Espanha, aconteceu o mesmo através da acção do general Primo de Rivera, de 1923 a 1930.

 

No dia 18 de Abril de 1925, na rotunda do Parque Eduardo VII, concentraram-se forças do Exército revoltosas, chefiadas pelo general Sinel de Cordes, Raul Esteves, Freire de Andrade, Pedro José da Cunha e Jaime Baptista. Foram mais de sessenta os oficiais envolvidos. Foi uma tentativa de implantação de uma ditadura militar, que saiu derrotada graças à acção do ministro da Marinha, Pereira da Silva. Este golpe teve por inspiração o de Espanha, que havia levado Primo de Rivera ao poder. Não nasceu exclusivamente da vontade dos militares; tinha por trás uma corrente política que se apoiava na Cruzada Nun’Álvares, um movimento nacionalista nascido em 1918 e desaparecido em 1938.

Esta primeira tentativa nacionalista foi logo seguida de uma outra, a 19 de Julho, a qual, depois de decretado o estado de sítio, foi derrotada com bastante dificuldade.

Os implicados em ambas os golpes acabaram julgados em tribunal militar e declarados inocentes. Estava aberta a porta à nova e derradeira tentativa, a de 28 de Maio de 1926, que eclodiu em Braga, comandada pelo general Gomes da Costa, e, em marcha mais ou menos forçada, se dirigiu para Lisboa onde já havia a certeza de uma adesão completa.

 

A ditadura era uma realidade e os novos poderes ‒ os militares ‒ suspenderam a Constituição Política da República. Tudo aconteceu porque havia um clima e uma aceitação prévia da alteração que, julgava-se, iria curar miraculosamente o estado em que se encontravam as finanças, a economia e a ordem social. Nada seria mais falso.

15.11.19

Passagens administrativas versus mudança de paradigma


Luís Alves de Fraga

 

Discute-se a passagem, ou melhor dito, a não retenção dos alunos até ao 9.º ano de escolaridade, em Portugal. Há quem lhe chame “passagem administrativa”; julgo, não é essa a intenção do Ministério. Este esconde-se atrás da adequação do ensino a cada aluno, através de definir os objectivos mínimos a serem atingidos no final do 9.º ano. Simplesmente, no estado actual, isto é uma solução utópica; não há professores em número suficiente para um acompanhamento individual e personalizado; não há docentes com prática deste método; não há alunos com hábitos de trabalho individual; não há famílias e encarregados de educação dispostos a vigiar as crianças nesta fase de viragem. Tudo isto é uma utopia!

 

Mas, supondo que não era uma utopia, por estarem reunidas as condições exigidas para pôr em andamento o novo processo de ensino, o que iria mudar com uma alteração tão drástica?

É simples, a resposta.

 

O “output” corresponde à definição de um novo paradigma de ensino e, até, de sociedade, pois ele, por si mesmo, tem como objectivo colocar cada aluno perante as suas incapacidades, limitando-lhe aspirações futuras, porque cada discente é convidado, desde a mais tenra idade, a mostrar a sua capacidade de aprender e não a capacidade de ultrapassar uns teste e uns exames, apontando, de novo, para uma estratificação cultural e socioprofissional desaparecida nos anos que se seguiram à mudança de regime.

Na verdade, a “democratização” do ensino correspondeu a um corte radical na formação profissional intermédia, deixando somente aberta a via para o ensino superior. E, o certo foi que cresceram desmesuradamente as ofertas nesse domínio, de tal modo que “todo o mundo”, de repente, passou a ser Dr. (temos, para dez milhões de habitantes, DOZE universidade públicas ‒ não me vou dar ao trabalho de contar as privadas ‒ para além de institutos politécnicos em todas as capitais de distrito, lançando “pazadas” de licenciados em cada ano para um exíguo mercado de trabalho precisado de técnicos bem preparados com formação intermédia).

Cursos que, no passado, eram profissionalizantes por serem técnicos ou por não carecerem de habilitação universitária ‒ recordo o caso dos oficiais das Forças Armadas, dos enfermeiros, dos fisioterapeutas, dos operadores de meios auxiliares de diagnóstico sanitário, dos professores de educação física, dos professores primários, dos educadores de infância, dos informáticos e de tantos mais ‒ passaram a tornar-se de âmbito superior. Ora, quando tudo é superior, nada é superior! E, assim, entrámos na CEE e na UE, sem quadros intermédios, os quais conseguem formação através do desempenho prático de uma profissão. Para colmatar este tremendo desvio deu-se livre trânsito aos cursos de formação, com durações curtas, onde se aprende aquilo que se pode designar por “pontualidades técnicas”.

 

Se formos olhar para países como a Alemanha, a França, a Itália, para citar os mais próximos, tanto geográfica como culturalmente, chegamos à conclusão de que, após os anos de escolaridade obrigatória, há escolas profissionais que habilitam para o desempenho de cargos intermédios, com uma formação teórica e prática apropriada.

Quer parecer-me, é para conseguir fazer uma reviravolta no modelo educativo português, corrigindo um rumo há muito distorcido, que se está a ensaiar o modelo de ensino que coloca o aluno no centro do processo cognitivo e o professor como mero orientador de trabalho e juiz de capacidades.

 

Se eu não estou enganado, isto devia ser explicado tal e qual o fiz aqui ou com muita mais clareza ainda, pois estamos perante uma mudança radical. Mudança para a qual, como já disse, ninguém está preparado. Assim, o que, de facto, vamos ter são passagens administrativas sem a certeza de que o futuro seja diferente.

14.11.19

Uma questão de sobrevivência?


Luís Alves de Fraga

 

O PCP, há quatro anos, alinhou com o PS na formação da dita “Geringonça”, mas, agora, recusa-se a estabelecer entendimentos com o Governo.

Vale a pena tentar perceber a razão deste “bloqueio”.

 

Em primeiro lugar, vejamos a posição perante os sindicatos.

O dos professores, com Mário Nogueira, quase entrou em ruptura com o PCP por causa de ter havido divergências na fase final do anterior mandato.

Depois, vem a CGTP, com Arménio Carlos, que se mantém intransigente perante uma política “branda” levada a cabo pelos socialistas.

Em seguida, vem a queda do eleitorado do partido, a qual pode ou não atribuir-se a uma chamada de atenção para a prática de uma política de “direita”.

 

Admito que os órgãos decisores do Partido Comunista estão a tentar, a todo o custo, evitar o desaparecimento daquela força política do panorama eleitoral português. E, segundo creio, julgam eles, só há uma forma de evitar a “derrocada”: manter a posição “revolucionária” de sempre, pois, uma vez mais, estão a ser ultrapassados pela extrema-esquerda na figura do Bloco (que ninguém tenha dúvidas, trata-se de um movimento que agrupa múltiplas tendências de esquerda radical). A táctica dos comunistas vai ser a do crocodilo: deixar que todos lhe batam na dura carapaça para, depois, quando os outros já não tiverem força, se erguer possante e capaz de prosseguir caminho. Foi o que fizeram na sequência do PREC, quando tiveram de ir a reboque da extrema esquerda e dela se desligaram logo a seguir ao 25 de Novembro de 1975.

 

Está certo ou está errado o PCP?

Na minha opinião, está certo, desde que evite, tanto quanto possível, fazer afirmações de compreensão e, até, apoio a governos de certos países onde, nominalmente, estão no poder forças comunistas, mas, na prática, tirânicas e ditatoriais. Essa “solidariedade”, só compreensível por certas áreas da “linha dura”, identifica-o com a memória do estalinismo soviético, num tempo em que havia que manter “alinhamento” com Moscovo, dentro da internacional comunista. Isso acabou e o PCP já só conta consigo mesmo e com a sua capacidade de sobrevivência. E esta passa, também, por, nacionalmente, manter o respeito de todos os que se lembram dele como única força política organizada capaz de combater a ditadura com galhardia e infinita teimosia.

 

O PCP faz falta à nossa democracia, porque a alternativa é perigosa, pois virá sempre de uma extrema esquerda inconsequente, pragmática e, por isso, difícil de lhe detectar rumos e objectivos.

12.11.19

Razões de Estado e do coração


Luís Alves de Fraga

 

Não me vou embrenhar no labirinto da política espanhola, mas pretendo tecer algumas considerações para despertar em quem me lê a atenção para duas diferenças essenciais: a política feita com o coração e feita com a razão.

 

A unidade espanhola foi alcançada quase dois séculos e meio depois da portuguesa. Façamos contas.

Em 1249, D. Afonso III, depois de conquistado o Algarve, concluiu a unificação do território que, na prática, ainda é o que hoje forma Portugal, mas só em 1492, com o casamento de Isabel de Castela com Fernando de Aragão e depois de conquistado o reino de Granada, é que ficaram criadas as condições para se falar do reino de Espanha. E, como Espanha, ficou cinco séculos por diante.

Dito isto, passemos a outro ângulo da questão.

 

Não tenho escondido que sempre fui um eurocéptico por causa das nacionalidades e das diferenças culturais que impedem a existência de uma União Europeia como um todo político homogéneo. Pode viver-se em comunidade económica ‒ julgo mesmo ser conveniente viver assim ‒, mas não se deve ir além, porque os nacionalismos não se apagam numa Europa que lutou séculos para os definir.

Partindo da premissa anterior, ocorre-me entrar em contradição comigo, embora pareça um contra-senso. Na verdade, tal como hoje está, com uma fortíssima afirmação nacionalista com tendências fascizantes, a Europa e os políticos europeus têm de manter o projecto de pé sob risco de uma guinada à direita nos colocar no rumo de novos fascismos. Ora, como mal que é ‒ do meu ponto de vista ‒, a União Europeia, agora, tem de se resolver, evitando cisões, que podem vir por arrasto após a saída da Grã-Bretanha e a ascensão das direitas fraccionistas.

No contexto referido, não compreendo a necessidade de independência da Catalunha na medida em que é conveniente a Portugal e à União Europeia a unidade da Espanha, aliás, só vagamente contestada no século XX pelo País Basco e, agora, por alguns catalães.

 

Assim, julgo, a problemática espanhola, podendo ser vista pelas “razões do coração”, tem de ser olhada segundo as razões de Estado, o mesmo é dizer, com cálculo, ponderação e, até algum cinismo. E vejamos o motivo.

 

Uma Espanha dividida entre a “herança franquista”, o nacionalismo catalão e o calor de uma refrega social, como resultado de uma economia em desequilíbrio, vai, certamente, querer procurar “equilíbrio”, de alguma forma, em especial se o independentismo da Catalunha vencer. E tal “compensação” pode virar-se para Portugal.

Se é certo que, penso, já não será de admitir a acção bélica conquistadora, que ainda nos anos 40 do século passado se afirmou activa, podemos admitir a “conquista” mais “suave” e “doce”, através de acções estratégicas de natureza geopolítica e geoeconómica capazes de, aparentemente independentes e autónomos, nos colocar na dependência das decisões de Madrid, e tudo isto já sem a “capa protectora” da Grã-Bretanha e sujeitos à liberdade de circulação de pessoas e bens imposta no espaço europeu. Dito de outra maneira, a Espanha ainda é capaz de movimentar capitais, pessoas e interesses que, com toda a impunidade, nos fazem “dançar” de acordo com a “música” tocada em Castela (atente-se no que se passa nas terras irrigadas pela barragem do Alqueva).

 

Apoiar os independentistas catalães até pode ser um desejo do coração, mas devemos deixar impor a lógica das razões de Estado, e essas apontam para a “um assobiar para o lado” da nossa parte.

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