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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

26.09.19

Somos parvos?


Luís Alves de Fraga

 

Estou farto de Tancos!

A intoxicação feita pelos meios de comunicação social, orquestrados pelo Ministério Público, por sua vez orquestrado não sei bem por quem, só aponta para um "crime": a "encenação" da recuperação do armamento ROUBADO.

 

É aqui que bate o ponto!

Crime foi recuperar o armamento! Depois bastou colocar-lhe a palavra "encenação" e, temos logo de seguida, um "criminoso": a polícia judiciária militar!

 

Ou querem fazer de mim e de todos os portugueses uns tolos ou estão todos bêbados e o olham as coisas com um olho vesgo!

 

Então, CRIME não foi roubar as armas? E, em face da quantidade, não há que descobrir quem colaborou no roubo? E, porque um roubo desta natureza não é o mesmo que assaltar a caixa de multibanco, não há que saber QUEM MANDOU assaltar o paiol das armas? Não há que descobrir por que é que foi tão bem escolhida a data para o roubo? Não interessa saber por que é esta data de agora - campanha eleitoral - a escolhida para trazer de novo à baila este assunto, de modo a ficar em xeque o Governo?

 

Senhores jornalistas, não me lixem, se fazem favor! Senhores magistrados do Ministério Público, será que V. Exas. são todos anjinhos ou querem fazer de nós todos uma cambada de lorpas?

Palavra de honra, estou farto de viver num país assim!

25.09.19

Conhecer, saber e dar opinião


Luís Alves de Fraga

 

Não há dúvida que vivemos, cada vez mais e com possibilidades de se expandir de maneira exponencial, na sociedade do conhecimento.

Notem que digo do conhecimento!

É que conhecer é diferente de saber.

Para se saber tem de se conhecer, porque saber é a capacidade de relacionar o conhecimento.

 

Relacionar o conhecimento com vista a aumentá-lo, a extrair conclusões, a orientar o próprio conhecimento e, acima de tudo, explicar o conhecimento.

Passemos a um exemplo.

 

Posso saber os nomes de todos os réis de Portugal, as datas do seu nascimento e morte, mas se não souber relacionar os acontecimentos ocorridos durante a vida deles, procurando as causas e os efeitos, de facto, só conheço alguma coisa da História de Portugal, mas não sei História de Portugal.

Quem fala de História também pode falar de Matemática ou de outro conhecimento qualquer.

A sabedoria está na capacidade de relacionar conhecimentos.

 

Dar opinião é alguém ser capaz de emitir parecer sobre um saber ou um conhecimento, porque tanto dá opinião o sabedor como o ignorante! A grande diferença é que a opinião do sabedor acrescenta valor ao conhecimento e ao saber e a do ignorante só introduz ruído no conhecimento.

 

Meditemos nisto e verifiquemos que, quanto mais se expande o conhecimento sem haver quem ensine a ordená-lo, mais se amplia a sociedade dos opinadores ignorantes.

E, pior do que tudo, pode ser esse o plano oculto da "evolução": criar aparências de sabedores com base na ampliação do acesso ao conhecimento e redução da capacidade de saber.

A destruição da escola e da aprendizagem na escola pode ser a via para se chegar à sociedade dos medíocres.

24.09.19

O Debate


Luís Alves de Fraga

 

Vi e ouvi, ontem, pela primeira vez nesta campanha eleitoral, o debate dos seis "magníficos".

Não me adiantou nada, porque já sei em quem vou votar, mas isso não me impede de fazer um juízo sintético daquele "encontro".

 

Primeiro que tudo, foram cinco contra um. Esse sofreu todos os ataques, porque toda a gente sabe que António Costa já ganhou as eleições... Mas não as pode ganhar nem por maioria absoluta nem por larga maioria. Foi nisso que todos porfiaram.

 

Foi notório que Catarina Martins, embora dando uma impressão de frontalidade e transparência, lançou aos pés de Costa a "passadeira vermelha" por onde espera poder passar para, no mínimo, continuar a "geringonça" a dois.

 

Costa, igual a si mesmo, fez-me lembrar os versos de uma velha canção brasileira «Eu tenho o destino da Lua, a todos encanto e não sou de ninguém». Contudo, foi tecendo elogios à solução encontrada na legislatura, que agora acaba. Mas, como outra canção, parece-me, são só «Parole, parole, parole».

 

O homem do PAN deu a mais completa prova do que é um partido político sem projecto nacional, sem visão de Estado e, muito menos, vocação de poder. É o arauto de utopias que custam tanto dinheiro que é preciso não ter fundo a "cartola" de onde o espera tirar. Enfim, uma "carta" que nem merece "franquia postal".

 

Jerónimo de Sousa falou pouco e não se comprometeu. Está condicionado pelo comité central e pelas divisões internas de simpatia pela solução acabada agora e pela oposição a tais "misturas". Continua fiel a uma rigidez que levará o PCP ao desaparecimento do quadro político nacional. Claro que, a mudança, a verificar-se, iria puxá-lo para o centro, e aí perdia-se na mesma.

 

Rui Rio foi o retrato acabado de um partido esfrangalhado pelo seu antecessor, o célebre Passos Coelho. Um partido que tende, também, para o desaparecimento. Rui Rio não vai ser o coveiro, mas é, quase pela certa, o cangalheiro, que está a tirar as medidas. O PSD só existiu enquanto foi uma alternativa ao PS - um PS a jogar para o "centro-direita" - porque, cada um deles, era o contraponto do outro. Passos Coelho rebentou com esse "jogo" ao puxar o partido todo para a direita, colocando, por arrasto, o PS a ter de jogar para o "centro-esquerda". 

 

Assunção Cristas, sem grandes possibilidades de conquista de votos nestas eleições, atacou em todos os sentidos à esquerda, poupando, sem justificação, o PAN e, justificadamente, embora com cinismo, o PSD. Ela sabe que a direita "clássica" se vai acoitar no seu partido e num rival que se ergue, inseguro, no panorama nacional: o partido da Aliança. Santana Lopes vai ser o "porto de abrigo" das direitas não titubeantes.

 

Agora, depois disto - se "isto" tiver algum valor entre os meus leitores - cada um pode escolher, para me dar razão ou negar-ma.

18.09.19

A gola


Luís Alves de Fraga

 

É só uma gola tapa-fumos! São uns milhares de euros... em contos de réis, qualquer coisa que dá para comprar um apartamento sem ser de luxo!

Quando a gola arder, se exposta ao fogo, mal vai a cara do cidadão que a usar, por isso, que arda ou não arda, tanto faz!

Mas, o que nem tanto faz é a desonestidade. É alguém sujar a sua honra para favorecer um outro alguém num negócio sujo; um negócio de favorecimento!

Isto tem de acabar!

Calabouço com eles... e rápido, porque já se faz tarde!

Faz-se tarde para estes, tal como já passaram de todas as marcas temporais os tais Salgados e quejandos!

18.09.19

Leituras


Luís Alves de Fraga

 

Creio que já disse aqui, sou um leitor de vários livros ao mesmo tempo. Ou seja, tenho espalhados pela casa livros, que vou lendo em momentos diferentes, tendo a facilidade de não me perder nos enredos, sabendo o que está para trás em cada um deles.

Na juventude ‒ até quase aos trinta anos ‒ fui muito dado a devorar romances; depois, quando me dediquei ao estudo voluntário na universidade, descobri os ensaios e lei-os com a mesma avidez que tinha pela ficção. Romances, agora, só de quando em vez.

 

De momento, estou a chegar ao meio de um vasto e bem concebido livro de História onde se discute a questão da vida de Cristóvão Colombo (ou Colon, como prefere o autor), da sua nacionalidade e do descobrimento da Índia, navegando para Ocidente.

O autor, investigador, é um açoriano, da ilha do Pico, radicado nos EUA, doutorado pela Universidade dos Açores, e chama-se Manuel da Silva Rosa. Nasceu em 1961 e emigrou para Boston no ano de 1973. Fez da controversa figura de Cristóvão Colombo o centro da sua vida intelectual, empenhando-se na desmontagem dos mistérios tecidos à volta deste suposto genovês.

 

O livro (Portugal e o Segredo de Colombo) peca por, às vezes, parecer a colagem de vários artigos já publicados, porque se repetem, ditos de maneira diferente, os mesmos argumentos. Mas isto é só e somente um defeito de forma. Nestas coisas da História, o que interessa, de facto, é o conteúdo e o método da investigação; depois, o dizer, depende bastante da experiência e da arte de cada um.

Ora, acontece que Manuel da Silva Rosa fez uma extraordinária investigação ‒ extraordinária, porque exaustiva e cuidadosa ‒ e demonstra três teses: primeira, Colombo não era genovês, nem tecelão, nem ignorante nas coisas do mar; segunda, Colombo era originário de uma família nobre, com vasta e boa educação, aparentado, por via de casamento, com famílias da nobreza portuguesa e era um experiente navegador; terceira, foi um agente secreto de D. João II, que escondeu sua identidade para desviar a atenção dos Reis Católicos da verdadeira Índia, propondo-se chegar lá (à Índia), navegando para Oeste.

 

Como disse, vou a meio do livro, deleitando-me com cada página que leio ‒ por isso, leio lentamente para meditar cada novo argumento, cada nova intriga ‒ e, parece-me, o autor ainda não chegou ao momento mais interessante, que é o de colocar a hipótese de Colombo ser português. Genovês, não era, e disso já estou convencido!

 

Quem gostar do género, quem tiver paciência para atacar um grosso volume de História bem fundamentada, leia este livro, porque vai sair mais rico, mais sabedor e mais ciente de que o passado precisa de ser explicado, mais do que contado, e que, para se chegar à explicação, tem de se ter uma vasta erudição e abertura de espírito com uma amplitude de 360º.

15.09.19

A guerra em África: A descolonização


Luís Alves de Fraga

 

Vulgarmente designamos por “descolonização” a saída em massa dos europeus que habitavam nos territórios portugueses do continente africano, antes das respectivas independências.

Julgo, há várias maneiras de abordar a “descolonização”: pelo lado da “fuga” dos territórios, pelo lado da integração dos “retornados”, pelas consequências prejudiciais e benéficas relativamente aos “retornados”, pelo lado dos dramas individuais e, talvez, por fim, pela capacidade de organização nacional para resolver a “descolonização”. Tentarei focar todas as perspectivas anteriores, individualizando-as por colónias, para, depois, extrair uma conclusão provisória, contudo plausível.

 

Olhando para o período anterior à retirada do dispositivo militar português da Guiné, quase não se dá pela existência de retorno de colonos daquele território, contudo, não tendo nenhuma publicidade, houve “retornados”, ou melhor, “retirados” da colónia: foram todos os naturais que optaram por se colocar à sombra da bandeira portuguesa, foi gente que não tendo nada que os ligasse a Portugal também não tinham para onde “retornar”. Gente que temia o furor “justiceiro” do PAIGC, a vingança política traduzida pela morte inevitável.

Vale a pena parar um pouco por aqui.

 

Estes portugueses guineenses não eram só os militares mais ou menos destacados que se comprometeram nos combates contra a guerrilha; foram também as suas famílias e foram os funcionários do aparelho administrativo colonial ‒ e não me refiro a agentes recrutados pela PIDE/DGS. Todos eles se viram obrigados a enfrentar o desconhecido, num clima, numa latitude e numa sociedade novos. E desta população pouco ou nada se fala e se falou. Foram seres humanos, famílias, que tiveram de fazer a sua integração de formas estranhas com pequenos apoios financeiros. Provavelmente, foi com eles ‒ mas não só ‒ que explodiram certos bairros clandestinos à volta da cidade de Lisboa. Bairros de negros, desenraizados e desesperados entre um país que julgaram seu e um país onde, se voltassem, seriam mortos. Ainda se encontram, de quando em vez, no Hospital das Forças Armadas, velhos combatentes guineenses, procurando apoio clínico. É o pouco que sei dessas pessoas. Nada conheço sobre as suas famílias. Pouco ou nada se investigou para sabermos quando e como vieram para Portugal e, acima de tudo, como se integraram e como foi feita a sua adaptação a uma nova vida.

 

Olhando para Angola, creio poder dividir por fases o processo de “retorno” e de “descolonização”: o tempo imediatamente a seguir aos acordos de Alvor (Janeiro de 1975), a fuga para a África do Sul (1975 até ao Verão), a fuga para Portugal ‒ ponte aérea ‒ (depois do Verão de 1975) e os restos, depois de 11 de Novembro de 1975.

 

Em Luanda, quando se percebeu que a independência era inevitável e que o controlo absoluto da governação ia ficar nas mãos de elites ‒ quais não se sabia ‒ da maioria negra, os europeus mais endinheirados e politicamente mais conscientes, procuraram negociar o património possível e marcharam rumo à África do Sul, uns, para ali se fixarem, outros, para usarem aquele território como trampolim para o salto direito ao Brasil. Esta foi a primeira leva de “refugiados” ‒ não estavam a retornar a Portugal ‒ com larga margem para recomeçar a vida onde se quisessem instalar. Também vieram para Portugal, mas, por serem poucos e dado o seu cosmopolitismo, não se sentiu a sua presença.

Com a agudização dos conflitos entre as facções dos partidos africanos, em Agosto de 1975, começou a debandada daqueles que constituíam a média classe média dos colonos. Conseguiram encaixotar pertences, reduziram a dinheiro com circulação em Portugal os bens mais difíceis de meter entre tábuas, embarcaram em navios das carreiras normais e voltaram costas à terra onde haviam feito vida, sendo que muitos até eram de lá naturais, quase sem raízes em Portugal. Para este naipe de refugiados já foi difícil a integração, mas acomodaram-se nas terras de onde eram originários ou onde ainda tinham família e, a golpes de sorte e trabalho árduo, encontraram formas de sobreviver, sendo úteis às comunidades de acolhimento, até porque não constituíram a grande avalanche desordenada de “retornados”.

Com a aproximação da data da independência e a, cada vez maior, certeza de que Angola ia ficar imersa numa tremenda guerra civil bem pior do que aquela que havia acabado, começou a debandada geral. Era uma debandada de quem simplesmente não tinha nada para trazer para além de parca bagagem de mão e de imenso medo do futuro. Foi a fuga das baixas camadas sociais brancas, dos negros e mestiços que temiam toda a espécie de represálias vindas de todos os lados. Foram os meses de ponte aérea contínua e dos dramas de alojamento de toda aquela gente. Foi o tempo em que os donos de barcos de pesca de Moçâmedes se fizeram ao mar rumo ao Algarve, com grande risco de vida. Foi o aluguer de hotéis e pensões para dar guarida a quem não a tinha. Foi o tempo de criação do IARN, em Setembro, e da sua máxima actividade. Na zona da Junqueira, em Lisboa, trabalhava-se afanosamente para responder às mais díspares situações humanas. Foram rios de dinheiro gastos para remediar o que, na aparência, era quase irremediável.

 

Em Moçambique, fruto de uma cultura diferente entre os colonos, começou a fuga para a África do Sul, dali para o Brasil e para outras partes. Mas estes foram os que podiam ir para onde os negros e mestiços eram escorraçados. Depois, foi a fuga dos descendentes de goeses, de paquistaneses, de chineses com economias feitas à custa de trabalho árduo e alguma exploração indígena. Seguiram-se os cantineiros. E tudo procurou Portugal como terra de destino. E, já no fim, os agricultores pobres que exploravam as suas quintas no mato, longe dos grandes centros urbanos. E ficaram alguns que acreditaram na FRELIMO, em Samora Machel, nas promessas; um ano depois da independência estavam a regressar desiludidos.

 

A “descolonização” foi, como disse, a “fuga”. A fuga de muitos que nem tinham familiares na terra de abrigo nem a conheciam e eram brancos nascidos nas colónias e negros desconfiados das novas autoridades, mas crentes na bondade daqueles que lhes disseram que eram tão portugueses como os do Minho, Alentejo ou Algarve.

Por cá, muitos, pouco instruídos e outros com instrução suficiente, viram nos retornados o perigo para a sua rotina segura e hostilizaram esta gente, que, cheia de medo, deixou para trás sonhos em que haviam acreditado, sonhos gerados por uma propaganda enganadora, sonhos construídos à sombra de uma bandeira, que julgavam enorme e forte e segura. De repente os empregados na função pública aumentaram exponencialmente por causa da criação do quadro geral de adidos ‒ onde encontravam abrigos os funcionários ultramarinos, por metade do salário, e esperavam uma nova colocação ‒ e, quem tinha emprego olhava para essa gente estranha, habituada a andar de calções, no tempo quente, a fazer uma vida de ar livre, praia e campo sem vaidades balofas e arcaicas; elas de mini saia e eles em camisa sem gravata. Gente que também foi viver para tendas de campismo na Costa da Caparica e no parque de Monsanto. Mas, quase todos, não tinham medo ao trabalho e punham em causa o ramerrame dos metropolitanos, que não arriscavam um centavo sem a certeza de obter escudos de retorno. Gente que deu lições aos portugueses de cá e lhes trouxe novas perspectivas.

 

Na urbanização da Portela de Sacavém o senhor Marçal, que em Angola percebia de cafés, abriu um pequeno espaço, muito pequeno, onde, num balcão exíguo, servia o melhor café de Lisboa. Chamou-lhe “Casa dos Cafés Portela”. Hoje tem lojas por todo o lado e continua a servir excelentes cafés. E, como ele, houve os que abriram restaurantes, cervejarias, papelarias, livrarias, e fábricas e, e, e tudo a perder de vista. Souberam começar e impuseram-se e foram aceites e tornaram-se exemplos.

 

Dos negros e mestiços, muitos ganharam a vida na construção civil e nas limpezas domésticas e na lavoura, um pouco pelo país. Mas, para esses, a vida foi-lhes madrasta. O Estado deu uma protecção exígua que eles não souberam ampliar. Alguns venceram, formaram famílias estáveis, os filhos estudaram e saíram da mediocridade.

Os orientais e asiáticos rapidamente reconstruíram a vida com apoios obtidos do Estado e de familiares, conhecidos e amigos.

 

Portugal, independentemente de todos os dramas individuais, soube resistir à avalanche de “retornados”, soube integrá-los e eles deixaram-se integrar, integrando-se.

Hoje, quarenta e cinco anos depois, não há sequelas visíveis desse drama que foi a “descolonização”; há saudosismos de África, há saudosismos da ditadura ‒ mais por a desconhecerem do que pelo que ela lhes fez de bem ‒, há uma memória idealizada do que era a vida nas colónias, mas tudo isso faz parte de lendas, que, como lendas, vão passar de geração em geração até não serem mais do que histórias fantasiosas.

 

Pode-se, ainda hoje, procurar diminuir o esforço estatal e individual envolvido na “descolonização”, mas, comparado como que aconteceu noutros Estados coloniais da Europa, a nossa, foi exemplar.

12.09.19

A guerra em África: As negociações para as independências


Luís Alves de Fraga

 

É sabida a resistência que o general António de Spínola desenvolveu, quando ainda Presidente da República, contra a independência das colónias. Discutiu-se muito, nessa altura, a diferença entre autonomia, autodeterminação e independência.

É claro que o general tinha os seus receios bem fundamentados na História. Ele sabia que a sobrevivência independente e soberana de Portugal passou, e poderia passar num futuro muito próximo, pela posse de colónias, então, já só em África. Por via de uma política externa bem arquitectada, no mínimo, desde 1640, a afirmação peninsular de Portugal encontrava esteio na aliança com a Grã-Bretanha e no comércio marítimo com os territórios de além-mar. Mas isto era continuar a ver a evolução da política internacional através dos “óculos” de Oliveira Salazar, ou seja, não querer perceber que a Grã-Bretanha havia perdido todo o poder, enquanto potência económica marítima e militar, a favor dos EUA.

 

Nos anos 70 do século passado, embora parecendo em alta, a afirmação da CEE e da Europa, a verdade é que o equilíbrio estratégico mundial passava pela correcta gestão do conflito entre os EUA e a URSS.

A Europa era um grande “peão” entre as duas superpotências e jamais seria, em quaisquer circunstâncias, discutido o lado para o qual havia de pender naquele quadro do conflito.

Assim, Moscovo não tinha interesse nenhum na existência de pólos de desacordo na Europa ‒ como se fez crer que, Portugal poderia vir a ser, como consequência da sua “revolução”. O que verdadeiramente interessava a Moscovo era a garantia da independência das colónias portuguesas de África dentro do quadro ideológico definido pelos principais partidos de libertação, ou seja, dentro das doutrinas marxistas-leninistas, porque, sendo assim, ficavam adentro do “plano” de divisão de esferas de influência, não interessando nem a Washington nem a Moscovo, a existência de uma intermediação de Lisboa; as duas grandes capitais haviam de decidir, face ao desenrolar dos acontecimentos ‒ entenda-se, independências das colónias africanas ‒, qual ou quais fariam parte da influência soviética ou dos interesses capitalistas americanos.

Isto não o percebeu nem Spínola, nem talvez a maioria dos oficiais do MFA mais destacadamente envolvidos no processo de negociação das independências.

 

Quem terá compreendido, com largos traços de realismo, esta situação foi o almirante Rosa Coutinho e, quiçá, o major Ernesto Melo Antunes, por saberem que a melhor opção dentro das ideologias insurgentes era a que recaía nas de matriz marxista, porque não tinha como inimigo objectivo nem o branco nem o colono trabalhador e dependente.

 

Depois de afastado o Presidente Spínola o caminho ficou aberto para as negociações que tinham de ser feitas, porque havia a Guiné onde nada existia para negociar em termos de independência, a não ser a data de saída dos militares e dos últimos representantes da administração colonial.

 

Moçambique não constituiu problema: a negociação era feita com a FRELIMO. Tinha de se acertar o modo de efectuar a transição de poderes e a entrega do património infra-estrutural, bem como estabelecer as obrigações de parte a parte no tocante aos interesses de ambos os Estados.

Os acontecimentos de Setembro de 1974, na cidade de Lourenço Marques, tiveram, ao que parece, incentivo e apoio de Lisboa, por parte de certos políticos e gente das finanças colada a Spínola, traduzindo-se na exploração dos sentimentos de ódio racial e do muito medo de perda de privilégios adquiridos ao longo dos anos, pela prática de maus hábitos. O centro de exaltação dos ânimos foi estabelecido nas instalações da Emissora do Rádio Clube de Moçambique, muito perto da zona baixa da cidade. Foram horas de grande desorientação, com a clara tentativa de gerar a divisão dos povos moçambicanos e de dar voz a movimentos colaboracionistas com a política do regime ditatorial.

Pôs fim às desordens uma companhia de pára-quedistas embarcada na cidade da Beira, cujo avião conseguiu aterrar no aeroporto e base da Força Aérea graças à intervenção dos oficiais daquele ramo, que prestavam serviço no aeródromo militar. A partir desta data instalou-se a descrença no futuro de Moçambique. A colónia ia avançar para a independência.

 

Em Angola, pouco depois do dia 25 de Abril de 1974, já em Luanda se estabelecia um clima de guerra civil. As conversações, fosse para o que fosse, iam ser difíceis, porque três movimentos ou partidos se perfilavam na linha dos direitos: um ‒ a FNLA ‒, recebia apoios do Presidente Mobutu, do Zaire, e dos EUA; outro ‒ o MPLA ‒, recebia apoio da URSS e de Cuba; e, por fim, o terceiro ‒ a UNITA ‒, reivindicava a importância dos povos do Sul de Angola, não tendo, por esta altura, apoios notáveis, mas veio a recebê-los da África do Sul.

Devo esclarecer que para além desta situação tripartida, dentro do MPLA havia, também, “tendências” que se opunham, tornando-se necessário o entendimento prévio para encontrar uma base para o diálogo. Esse passo foi dado e avançou-se, em Janeiro de 1975, em Alvor, no Algarve, rumo a um aparente apaziguamento entre os dirigentes angolanos.

 

Mesmo para quem negociou os termos do acordo, do lado português, houve a certeza de se estar a abrir a oportunidade para um conflito interno em Angola. E, na verdade, assim aconteceu.

Logo na altura ‒ e hoje por maioria de razão ‒ achei a tentativa de valorizar de igual forma os três movimentos insurgentes um erro histórico com graves resultados para os angolanos e, em particular, para o futuro das relações diplomáticas entre os dois Estados.

 

Realmente, para ser possível compreender erros, temos de os colocar no tempo e verificar a existência ou não de condições de acção diversa daquela que efectivamente aconteceu.

Portugal, no imediato pós-25 de Abril, entrou em convulsão social e política dado o confronto de ideologias em presença, ainda que todos falassem em adoptar e seguir o “socialismo”. Os militares pouco ou nada sabiam de política e os civis, que lideravam partidos, pouco ou nenhuma experiência tinham da condução real da vida pública de um Estado. Faltava a todos a visão, compreensão e interiorização de um elemento que, em abono da justiça, foi realçado e evidenciado, cinco ou seis anos depois da data do golpe libertador, por um professor, vindo da direita, mas largo conhecedor dos mecanismos de condução política dos Estados, refiro-me a Adriano Moreira. Foi ele quem ousou enunciar a necessidade, no começo dos anos 80, de se definir o conceito estratégico nacional.

 

De Álvaro Cunhal a Freitas do Amaral, passando por Sá Carneiro, Mário Soares e José Manuel Tengarrinha, ninguém se interessou pela necessidade de definir, em concreto, as linhas de força explicativas da sobrevivência nacional, ou seja, como é que se interligou, ao longo de séculos, a geografia portuguesa com a condução político-diplomática deste país. Cada um trazia o seu projecto político, concebido, em abstracto, segundo a ideologia defendida, para “aplicar” a Portugal. Ora, o que deu perenidade ao nosso país, depois de “arrumados” os conflitos peninsulares, foi, como já disse no início, o comércio marítimo com o ultramar e a aliança com a potência marítima prevalecente.

 

Era essa a linha condutora que deveria ter sido traçada quando se negociaram as independências das colónias: manter excelentes relações diplomáticas, políticas e comerciais com os governos emergentes, independentemente da ideologia prosseguida por eles, de modo a conservar intactas as vias de colaboração, apoio e cooperação de todo o tipo.

Não foi possível seguir este rumo, porque, internamente, a luta política e ideológica, com larga margem de mesquinhez, subvalorizou os interesses permanentes nacionais. Faltou estudo, faltou visão de Estado, faltou grandeza de alma.

 

A nossa maneira própria de estar na vida interna e externa atrapalhou e cegou as escolhas mais certas de quem negociou as independências e de quem governou depois da estabilização política.

11.09.19

A guerra em África: Os comissários políticos da FRELIMO


Luís Alves de Fraga

 

Para mim, tal como para muita gente, a figura do “comissário político” obedeceu/obedece a um estereótipo traçado a partir das figuras sinistras, autoritárias e todas poderosas criadas na URSS, com o marxismo-leninismo e agravadas com o stalinismo. Esses, por representarem a autoridade do partido, estavam acima de todos os poderes, dependendo dos órgãos máximos da estrutura política.

Os meus primeiros contactos com gente da FRELIMO foram com comissários políticos e, embora receoso, percebi que, pelo menos naquele momento e com aqueles dirigentes, eu estava perfeitamente condicionado por um preconceito e por uma propaganda anticomunista feroz.

Por achar que merece ser contada esta minha experiência, passo a relatá-la.

 

Não tenho a certeza das datas, mas creio que depois do cessar-fogo alcançado na zona centro ‒ especial incidência na Gorongosa ‒ os primeiros elementos da FRELIMO a chegarem à cidade da Beira foram uns quantos comissários políticos com o objectivo de estabelecer relações com a estrutura orgânica do MFA. Em consequência das funções que eu desempenhava ‒ comissão de esclarecimento ‒ tinha, necessariamente, de perceber o que “ia na cabeça” dos responsáveis pela guerrilha, relativamente ao presente de então e ao futuro mais próximo.

Devo elucidar que o golpe militar de 25 de Abril de 1974 apanhou mais de surpresa a FRELIMO do que qualquer oficial do quadro permanente da guarnição de Moçambique. Assim, não tenho dúvidas em garantir, tudo o que me foi dito pelos comissários políticos não foi “encenado” no momento, mas constituía o pensamento já firmado há muito nas fileiras da guerrilha.

 

Quis começar por perceber o que representava, na prática, um comissário político, naquela altura, para os guerrilheiros. De imediato, compreendi que não eram figuras sinistras, antes pelo contrário, quase lhes atribui um papel ‒ salvas as devidas distâncias ‒ entre o dos nossos capelães militares e o dos professores nas nossas aldeias longínquas de Portugal. De guerra, pouco ou nada percebiam. Todavia sabiam explicar com clareza linear as razões motivadoras do conflito e contra quem deviam os soldados combater.

O inimigo não era o homem branco; era, de acordo com a sua terminologia, o colonial-fascismo, conduzido pelo governo ditatorial, que tanto oprimia os brancos como os negros. O inimigo não era os colonos fazendeiros; era as grandes companhias exploradoras que, segundo os comissários políticos, tanto exploravam o trabalhador negro como os capatazes e os fazendeiros; uns, obrigando-os a trabalhar por valores ridículos por irrisórios e, outros, por lhes incutir uma falsa ideia de superioridade que lhes tranquilizava a consciência.

Do primeiro ao último dia que com eles conversei, sempre me garantiram, com humildade, o quanto precisavam dos colonos e do saber dos colonos para poderem encontrar quem ajudasse a levar o novo país no rumo certo sem sobressaltos. A única condição que colocavam era a de que todos os europeus, asiáticos ou africanos aceitassem as mudanças de autoridade e as mudanças de regime, saindo-se de um sistema de exploração do homem para um sistema de distribuição equitativa e relativa da riqueza.

 

Era, sem dúvida, uma alteração do paradigma político e económico, gerando uma mudança no modelo social existente, mas era, também, um desafio no sentido de “conquistar” a utopia.

Nas longas conversas que tive com vários comissários políticos colhi sempre a sensação de orfandade que lhes adviria com a saída em massa da população branca.

Para não esconder nada à História, devo esclarecer que, após a entrada de Samora Machel no Norte de Moçambique e conforme foi discursando no seu avanço para Sul, rumo a Lourenço Marques, as suas palavras atearam o medo nos colonos europeus e, até, nos africanos vagamente comprometidos com o sistema colonial vigente. Dia após dia, os comissários políticos foram emudecendo e deixaram de ter argumentos para me responder às dúvidas, cada vez mais angustiantes, que lhes colocava. Todavia, insistiam na necessidade de evitar a debandada geral.

 

Na “entrada” de Samora Machel, comparada com a “permanência” de Joaquim Chissano durante o governo de transição, houve uma significativa mudança de discurso e, perante tão radical alteração, nos contactos por mim mantidos com europeus e africanos receosos do futuro, tive de ser franco e, antes do mais, honesto, manifestando a minha apreensão perante a transformação da exposição dos comissários políticos, meses antes tão conciliadores e, depois, tão silenciosos.

10.09.19

A guerra em África: Cessar-fogo


Luís Alves de Fraga

 

Independentemente daquilo que diz o Programa do MFA, a realidade nos três teatros de guerra foi outra coisa.

Sempre se tornou difícil, para os colonos em geral e para a população civil portuguesa, compreender como se chegou, em África, àquilo que foi o curto tempo a seguir ao 25 de Abril de 1974. Só quem lá esteve, num dos três teatros de operações, pode explicar como tudo se passou, como tudo se processou. Eu vivi uma realidade: a de Moçambique. Conheço, mais ou menos de perto os acontecimentos da Guiné.

Neste breve apontamento, julgo, conseguirei, em síntese, colocar os leitores na ambiência das duas colónias; quanto a Angola, serei bastante genérico, porque as ocorrências foram muito complexas e não cabem em meia dúzia de linhas.

 

Comecemos pelos dias imediatos a 25 de Abril.

Embora sem surpresa ‒ e aqui vai um paradoxo ‒ o golpe militar e o que aconteceu logo de seguida em Portugal, apanhou-nos de surpresa. O que é que nós, os que estávamos em África, teríamos de fazer de imediato? O que fazer da PIDE/DGS? O que fazer dos generais? E da restante cadeia de comando? E da guerra?

Na cidade da Beira, de certa forma, ficámos à espera. Uma semana depois chegou de Lisboa um major ‒ se a memória não me atraiçoa, o Hugo dos Santos ‒ com instruções para se estruturar e institucionalizar, de imediato, a cadeia do MFA; uma cadeia que funcionaria, em paralelo, com a cadeia de comando, ganhando a dinâmica que fosse necessária.

 

Um coronel ‒ muito nosso conhecido, dos oficiais que frequentaram a Academia Militar (AM) ‒ “deitou mão” ao vértice da estrutura do MFA e “comandou-a”. Foi o coronel Pinto Ferreira, o “Pinto Peneiras” da educação física da AM. Formaram-se comissões com diversas finalidades. Eu, porque já eleito pelo corpo de oficiais do BCP-31, como porta-voz da minha unidade, integrei-me na comissão de esclarecimento: tinha ligações à rádio e aos jornais e podia responder às perguntas da população civil. Responder a tudo o que sabia; somente isso.

 

Mas o tempo, as semanas, passava e havia que tomar medidas sobre as operações militares.

Tínhamos notícia de unidades sediadas em zonas não afectadas pela acção da guerrilha, mas compostas fundamentalmente por tropas negras de recrutamento local, que se recusavam a pegar em armas, mesmo que fosse para fazer um simples serviço de sentinela. Para eles a guerra acabara, quando nem, muitas vezes, chegara a começar.

Ao mesmo tempo ‒ mais semana menos semana ‒, chegou de Lisboa, uma delegação ‒ agora com uma composição “cheia de estrelas” ‒ chefiada pelo general Costa Gomes e integrando o general Diogo Neto (foi quando deu as ordens, já referidas, sobre a família Jardim).

 

Costa Gomes trazia uma mensagem muito clara: estavam criadas as condições para a FRELIMO cessar-fogo e passar à fase de negociações, entretanto, dever-se-ia manter o dispositivo de combate!

Mas, meu Deus, qual dispositivo?

As únicas tropas que estavam em condições de intervir onde fosse necessário eram os pára-quedistas, os comandos e, provavelmente ‒ por se sediarem lá a Norte, no lago Niassa ‒ os fuzileiros. Recordo-me que teve de embarcar à pressa uma fracção de pára-quedistas para uma zona da Zambézia onde um furriel europeu, sozinho, tentava manter a pouca disciplina possível numa companhia de soldados negros.

As ordens do general Costa Gomes eram inexequíveis fosse como fosse. Os acontecimentos ultrapassavam o espectável.

 

Rapidamente se teve de passar para uma outra fase: a do cessar-fogo pontual, feito unidade a unidade, circunstância a circunstância. Foi assim que se aproximaram as unidades combatentes de ambos os lados.

Recordo que, entre os oficiais do BCP-31, reinavam sentimentos contraditórios ditados, em especial, pela forma como haviam sido vividos todos os anos de guerra. Nem sempre ‒ diria que nunca ‒ a guerra dá prazer. Curioso foi ver como as feridas de campanha se adormeceram de lado a lado, embora se pudessem reacender a qualquer momento com forte intensidade.

 

Quando finalmente chegou a Moçambique a ordem de estabelecer o cessar-fogo ele já havia sido alcançado por quase todas as unidades.

Pela primeira vez, na minha vida de oficial, e já dela levava quase dez anos, senti que os acontecimentos podiam ultrapassar, sem quaisquer barreiras, as ordens e os cálculos dos estados-maiores. Pela primeira vez, percebi que a política tem de ser, em certas alturas, a arte de conseguir o possível. A falência militar ‒ uma falência minada pela prática de uma má política ‒ não criou condições para que os políticos e, consequentemente, os diplomatas pudessem fazer diferente do que fizeram. E a culpa não foi dos militares; foi de quem os mandou fazer a guerra até ao ponto de não retorno.

 

Na Guiné, tanto quanto julgo saber, passou-se algo de muito semelhante ao que descrevi para Moçambique. Foram os comandos militares das unidades que fizeram os movimentos necessários para ditar o cessar-fogo. E, parece, em algumas circunstâncias, chegou a assumir a proporção de encontros de camaradas em luta em campos opostos, mas camaradas.

Este é um sentimento muito difícil de explicar a quem nunca foi militar ou a quem fez a guerra com ódio e raiva, porque a guerra, quando levada a cabo por profissionais, é um acontecimento que se detesta, que se não quer fazer, mas que tem de ser feito e, quando cessa, há, repito, entre os profissionais, uma descarga de consciência e um fim de sacrifício.

 

Em Angola, na prática, não houve cessar-fogo, porque, todas as forças em confronto, tinham motivos para continuar o combate. Foi possível, por razões que não vêm ao caso, estabelecer um mínimo entendimento entre as forças armadas portuguesas e o MPLA, mas sempre muito precário.

 

Diga-se o que se disser, tudo o que aconteceu foi o resultado de uma teimosia política levada ao limite, que careceu de um golpe militar para acabar; e, tal golpe, deixou aqueles que o fizeram dentro de uma contradição: ou continuavam a guerra e a ditadura só mudava de nome ou faziam a paz possível para conseguirem construir a democracia. Optou-se, e, na minha opinião, bem, por fazer a paz para se gozar dos valores da democracia.

06.09.19

A guerra em África: O libertador 25 de Abril


Luís Alves de Fraga

 

Ao longo deste “meditar” sobre a questão ultramarina não procurei escrever textos com uma sequência cronológica bem definida, contudo, não desejando alargar-me muito mais neste “mergulho”, por me parecer já suficiente nas linhas gerais idealizadas, julgo chegado o momento de me debruçar sobre acontecimentos que puseram fim à guerra colonial e, de todos, o mais destacado foi o golpe militar contra a ditadura, em 25 de Abril de 1974.

 

É sabido que, do ponto de vista da opinião pública, a “conspiração” dos capitães começou por ser ditada por um imperativo de ordem corporativa: a integração dos capitães milicianos no quadro permanente com as antiguidades das suas promoções, passando à frente de muitos dos que haviam frequentado a Academia Militar durante três anos. Todavia, já está demonstrado em várias obras memorialistas que essa “razão” foi o “rastilho” agregador para dar início à conspiração. Ou seja, muitos de nós com várias comissões em África, nos teatros de operações, começávamos a dar mostras de cansaço e, mais do que isso, de falta de “fé” na “vitória” e, mais ainda, por mais forte, grande tomada de consciência de que estavam a lutar por uma causa errada (eu, na Força Aérea, numa especialidade não combatente, ao ser nomeado a segunda vez, em Março de 1973, para Moçambique, ponderei a hipótese de desertar, consciente de estar colaborar numa guerra sem sentido e, acima de tudo, perdida). Assim, temos, para colocar a verdade à frente da emoção, de reconhecer que uma grande parte dos capitães do quadro permanente do Exército ‒ e estes, porque comandavam companhias operacionais ou estavam destacados em comandos directamente envolvidos no combate ‒ havia adquirido consciência política do erro da guerra com a própria guerra.

 

Se assim foi ‒ e tudo me leva a crer que foi ‒, a conspiração dos capitães, génese do Movimento das Forças Armadas (MFA), visou conseguir o fim da guerra colonial com a consciência de que só com derrube do regime ditatorial tal objectivo se alcançava. Provas de que assim foi vêm-nos de todos os lados: de Melo Antunes, de Vasco Lourenço, de Otelo Saraiva de Carvalho, mas, com muito maior evidência, por muito espontânea, simples e clara, de Salgueiro Maia, através da frase de concitação à revolta dos soldados sob o seu comando: «Há diversas modalidades de Estado: os estados socialistas, os estados corporativos e o estado a que isto chegou! Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos. De maneira que quem quiser, vem comigo para Lisboa e acabamos com isto. Quem é voluntário sai e forma. Quem não quiser vir não é obrigado e fica aqui».

 

Mas tudo terá sido assim tão simples como parece? Não. A verdade só será compreensível se analisarmos o Programa do MFA, o mesmo é dizer, o pensamento dos mentores políticos do golpe, que eram, também, militares.

O Programa, sendo curto, estabelece balizas de actuação quer em relação à mudança política que se devia operar, a quem e como a devia conduzir. Ele é claro no derrube do regime ditatorial e dos traços fascistas de que se rodeava, nomeadamente, no controlo laboral (corporativo) e no da liberdade de expressão; e porque quer uma ruptura absoluta com o passado, o Programa prevê a eleição de uma assembleia constituinte para elaboração de uma constituição. Daqui posso concluir que o golpe visava o derrube do regime, mas, com ele viria o fim da guerra colonial? Para não haver falha interpretativa, nada melhor do que transcrever as partes que interessam do Programa.

 

Sobre a acção da polícia política nas colónias diz-se taxativamente:

«No ultramar a DGS será reestruturada e saneada, organizando-se como Polícia de Informação Militar enquanto as operações militares o exigirem;».

 

Note-se a cautela posta na parte final: “enquanto as operações militares o exigirem” ou seja, parece que o fim da guerra não era nem imediato nem era um objectivo ponderado. E parece não ser, porque, mais à frente se diz:

«A política ultramarina do Governo Provisório, tendo em atenção que a sua definição competirá à Nação, orientar-se-á pelos seguintes princípios:

  1. a) Reconhecimento de que a solução das guerras no ultramar é política e não militar;
  2. b) Criação de condições para um debate franco e aberto, a nível nacional, do problema ultramarino;
  3. c) Lançamento dos fundamentos de uma política ultramarina que conduza à paz».

 

Estamos, por conseguinte, perante uma posição em que as Forças Armadas se colocam inteiramente nas mãos da Nação, isto é, nas mãos do Povo e da sua vontade política expressa segundo a liberdade definida por um “debate franco e aberto”, ainda que tendo como objectivo, depois de ele ‒ o debate ‒ ter acontecido, chegar “à paz”.

 

Parece ser, à luz da História, imensamente injusto afirmar-se que os militares fizeram o 25 de Abril ‒ o golpe que derrubou a ditadura e a sua política colonial ‒ só para acabar com a guerra. Parece porque eles deixaram nas mãos da Nação a decisão de a continuarem ou finalizá-la. Assim, sendo extremamente redutor, posso concluir que os militares quiseram, sem equívocos, o fim do regime político, tal como o queriam todos os desertores da guerra colonial, mas, tal como no passado recente o PCP preconizava para os seus simpatizantes e filiados, estavam também dispostos a continuá-la desde que fosse essa a vontade nacional. Claro que, como ficou demonstrado logo no dia 25 através da adesão popular, a Nação nem queria o regime ditatorial nem a guerra, da qual estava cansada, exausta e desistente. Mas, também, para ser completamente imparcial na análise da vontade expressa dos militares do MFA, não posso deixar de levar em conta duas das três alíneas (a, c) orientadoras da acção do Governo Provisório: “a solução das guerras no ultramar é política e não militar”; “uma política ultramarina que conduza à paz”. E, face a isto, a dúvida anterior cai pela base, porque a interpretação da letra do Programa nos leva a dizer que o redactor do documento soube apontar para um lado e disparar para outro: a Nação decide em “debate franco e aberto”, mas tem de decidir por uma solução “não militar” e, para que não haja dúvidas, “que conduza à paz”.

 

Como muitas vezes afirmo, a História não se limita a contar, porque tem, também, de explicar. Deste modo, resta uma só pergunta: poderia ter sido de maneira diferente? Não. A solução da guerra colonial tinha de passar pelo derrube da ditadura, pela paz, acabando nas independências. As forças armadas, os capitães e o MFA chegaram tardiamente às razões determinantes das deserções individuais. Tardiamente compreenderam que os oponentes do regime estavam dentro da razão ditada pela natural evolução da política internacional. Tardiamente, porque tiveram de aprender e compreender o erro onde estavam metidos e a aprendizagem passou pela mata, pelas minas, pelas emboscadas, pelos golpes de mão, pela morte, pela mutilação, pelo medo e pelos sacrifícios pessoais e familiares. Tudo isso explica a redacção do Programa das Forças Armadas e o jogo de palavras que teve de utilizar para parecer uma coisa e, afinal, ser outra.

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