A guerra em África: Desenvolvimento urbano
Há quarenta e quatro anos (1975) quando as últimas tropas portuguesas deixaram a última colónia entregue a si própria (Angola) dizia-se ‒ quem sabia e conhecia ‒ e eu aceitei como verdade, que, nas antigas colónias africanas da Bélgica, da França, da Grã-Bretanha e de Portugal, aquelas que tinham ficado com melhores infra-estruturas ‒ estradas, cidades, aeroportos, portos marítimos, saneamento básico e electricidade ‒ eram as portuguesas, em especial a de Angola e de Moçambique.
Eu sei o que vi, em certos casos meramente de passagem e, noutros, com permanência prolongada. As cidades e o resto podiam emparceirar com o que de bom existiam em Portugal.
Segundo informações colhidas nesses anos já distantes, o grande desenvolvimento começou ‒ como referido anteriormente ‒ nos anos da guerra, o que pode, se não se explicar, parecer confuso e, até mesmo, contraditório.
Realmente, foi entre 1961 e 1974 que se verificou uma explosão de investimento privado na construção civil em todas as cidades de Angola e Moçambique. Não se tratou de grandes capitais colonialistas, mas de médias e pequenas poupanças provenientes de gente que descobriu a possibilidade de por lá se radicar e fazer uma vida melhor e mais abundante do que aquela que tinha em Portugal. Claro que, por trás de tudo, estava a propaganda fascista, dando garantias de uma perenidade indefinida; as forças armadas estavam nas colónias para garantir a paz, uma paz que, segundo o dizer oficial, já existia, porque, realmente, o que os militares faziam no mato, longe das grandes cidades, eram “operações de polícia”!
Quem não quereria ficar num paraíso assim?
Naturalmente, os governos de cada uma das colónias, até para dar a aparência de realidade à “verdade oficial”, também investiam em infra-estruturas essenciais à movimentação das tropas, à defesa do território, embora tudo isto surgisse como sendo pensado para benefício das populações. E era-o, mas só lateralmente.
Julgo, há duas grandes perguntas que têm de ser feitas para se compreender a frustração dos colonos quando, após 25 de Abril de 1974, começaram a perceber que todo o seu “edifício de sonhos” estava prestes a ruir: uma, qual o motivo de todo o investimento estatal nas colónias, dando-lhes uma feição de comodidade e modernidade? E, outra, qual a razão de não se ter procedido com as colónias como os Belgas, Franceses e Ingleses?
Comecemos pela primeira.
Era preciso que o “mundo” acreditasse na mentira oficial: as colónias não o eram como tal, porque constituíam, de modo descontínuo, uma “continuidade” territorial da metrópole, ainda que habitadas por povos com grandes diferenças culturais, tendo cidades, embora pequenas, à altura de qualquer urbe europeia.
Era pouco inteligente este argumento? Parece, mas não era! E não, porque se pretendia “igualar” Portugal e colónias ao que acontecia na África do Sul com os Bóers, ou seja, historicamente, os brancos europeus portugueses tinham tantos direitos àquelas terras, por longínqua ocupação, como os negros nelas nascidos, ainda que, com a “virtude” de, por lá, não se praticar nem separação nem discriminação raciais.
Passemos à segunda pergunta.
Os Belgas, Franceses e Britânicos assumiram, a partir do século XIX, as colónias africanas como territórios destinados a serem explorados como fontes de matérias-primas e local de “civilização” dos povos indígenas. Ora, historicamente, a acção “civilizadora” praticada pelos Portugueses já tinha sido levada a cabo nos séculos XV e XVI, aquando da chegada àquelas terras, porque, uma das razões da Expansão ‒ e provam-na as bulas papais ‒ foi levar o cristianismo aos povos que por lá habitavam; até a prática do esclavagismo estava intimamente ligada à “conquista” de almas para engrossar o cristianismo; o comércio foi uma consequência da própria Expansão, pois a angariação de lucros visava a continuação da acção civilizadora.
Note-se que, não tendo sido enunciadas exactamente deste modo as teses justificativas da manutenção da luta pela posse dos territórios africanos, a argumentação usada girava à volta do que acabei de dizer.
Assim, quanto mais desenvolvidas estivessem as urbes coloniais e as infra-estruturas, mais seguros estavam os europeus brancos de que aquelas eram terras tão suas como dos negros lá nascidos e de que se estava a praticar uma política de multiculturalidade verificável por estrangeiros que fossem visitar os territórios.
Era preciso que tivesse havido liberdade de expressão para poder desmontar, na altura, tal como julgo tê-lo feito agora, esta política cheia de manhosices, de artifícios e falácias. Não se deixaram enganar os líderes dos países que condenavam o colonialismo, nem os que chefiavam os movimentos de libertação, mas foram enganados, e muito, todos os colonos que acreditaram que a prosperidade urbana e infra-estrutural era um sinal de segurança e perpetuidade nas terras onde se haviam radicado eles ou os seus antepassados. Também eles foram vítimas da guerra em África, que só tinha como finalidade manter, até ao limite do possível, uma mentira, que cairia perante uma subida estratégica do patamar do conflito.