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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

27.05.19

Cá e lá: eleitores e abstencionistas


Luís Alves de Fraga

 

Mais uma vez, em Portugal, o eleitorado demonstrou, de modo inequívoco, que se está nas tintas para a Europa e para a União Europeia. O aumento do nível de abstenção prova-o. Claro, também se pode dizer ser este acréscimo de não votantes uma resposta à política levada a cabo pelo Governo, mas quando grande parte da campanha foi “nacionalizada”, girando menos à volta da Europa e mais em torno da política portuguesa, a justificação aponta para o desinteresse pelas questões da União. A oportunidade para “castigar” o governo existia, votando nos partidos da direita (PSD e CDS) ou dispersando o voto pelos pequenos agrupamentos. Mas não foi isso que aconteceu.

 

O maior dos espantos foi a votação no PAN, segundo as televisões e os comentadores de serviço. Julgo, contudo, esse resultado deve-se exclusivamente ao voto de descontentamento nos restantes agrupamentos políticos, já que o PAN se apresenta sem um verdadeiro plano político nacional.

 

Outra surpresa foi a descida considerável do PCP, mas tenho, para mim, uma explicação: a falta de “plasticidade” daquele partido. Com efeito, a sua ortodoxia ideológica não lhe tem favorecido o discurso. Por mais que alguns teóricos marxistas digam o contrário, o tempo do “comunismo”, traçado segundo o modelo soviético, já passou e o PCP não se actualizou, não se desligou do velho modelo. Não o fez para não perder eleitorado, mas, não o fazendo não renova, substancialmente, o número de simpatizantes e de aderentes, restando-lhe os “velhos fiéis” de outros tempos, gente já no fim da vida. Parece-me, o PCP tem de se repensar, pois quanto mais próximo se mantiver do PS em rivalidade com o BE – marxista, também, mas sem apregoar ortodoxia – mais tenderá a perder adeptos, os quais se deslocarão para os bloquistas por simpatia ideológica ou por concordância com uma metodologia muito mais “plástica” e “elástica”. O PCP, tal como o BE já está a fazer, terá, julgo, de se demarcar da imagem antieuropeia, pois uma coisa é condenar a forma como Portugal entrou na CEE e outra é, aceitando o irreversível, tentar atenuar as tendências capitalistas no seio da União, nomeadamente a globalização.

 

Nas eleições de Outubro, o CDS e o PSD estarão – se até lá o Governo não fizer grandes asneiras – na sua fase mais baixa. O PSD cairá naquilo que sempre foi: uma ambiguidade de direita; o CDS ou caminha para um descarado populismo muito contrário à sua matriz ideológica democrata-cristã ou reduzir-se-á a uma afirmação de direita descontextualizada.

 

O PS obteve uma vitória, mas sem dúvidas, não vai aproximar-se, em Outubro, da maioria absoluta. Isso será bom e poderá ser mau. Bom se, de novo, optar por fazer entendimentos à sua esquerda; mau se der a mão ao PSD ou, em alternativa, por estar próximo da maioria, estabelecer a possibilidade de aliança parlamentar com um pequeno partido sem projecto nacional, como o PAN, se os eleitores persistirem na teimosa eleição de deputados dessa área política.

 

Parecendo que estas eleições clarificaram a conjuntura política nacional, o que, em meu entender, elas fizeram foi mostrar a imensa fragilidade da democracia portuguesa e a perda de “aceleração” dos partidos do designado “arco do poder”.

Veremos se o tempo me dá razão.

24.05.19

Natureza humana: uma história triste


Luís Alves de Fraga

 

Contou-me um Amigo meu (respeito-lhe o anonimato, pois não gosta de se saber alvo de publicidade), em jeito de desabafo, que o filho – chamemos-lhe Fernando – casado havia sete ou oito anos, pai de dois meninos pequenos, se divorciou da – chamemos-lhe – Anabela –, depois de um complicado processo de separação por causa da tutela dos filhos.

A Anabela quis privá-lo da guarda partilhada, como é usual agora, e, com fundamento verdadeiro de falta de condições, por parte do Fernando, para ter os meninos em semanas alternadas, ficou ela com eles. Mas não cumpriu, nem cumpre, a decisão do tribunal: autorizar a visita dominical dos filhos ao pai. Resultado: já vai para mais de um ano que o Fernando não vê as crianças, porque não tem recursos para interpor uma acção contra a Anabela ou talvez nem queira.

Inconsolado, dizia-me o meu Amigo, avô dos meninos:

⸺ Nem uma fotografia actual dos filhos ela lhe manda!

Olhei-o e, para o consolar, porque não soube que mais dizer, retorqui:

⸺ Meu Caro, é a natureza humana!

Será?

18.05.19

Desilusão


Luís Alves de Fraga

 

Tenho estado, como é meu hábito, atento às notícias nacionais e internacionais, mas mais do isso, atento aos debates feitos nas várias estações de televisão. E é aí, por causa dos noticiários, que hoje me vou focar.

 

Por certo, muitos dos meus leitores e amigos, têm percebido que, de há anos a esta parte, aumentaram exponencialmente as averiguações jornalísticas e judiciais sobre casos de corrupção, fraude e outros crimes praticados por agentes do Estado ou por indivíduos particulares cujo intuito é lesar o património financeiro de todos nós. Rebentaram-se empresas de renome e com valor estratégico simplesmente para beneficiar, em milhões, uns quantos e, em milhares, outros, que servilmente entraram em jogadas escuras e duvidosas.

Quando se “espremem” as notícias e as disputas televisivas a sensação obtida é a de que toda a gente – com ou sem capacidade para tal – anda a tentar enriquecer por qualquer preço e à custa do que for necessário. E disto nem escapam figuras populares com grandes ou médios rendimentos; estou a lembrar-me de Cristiano Ronaldo – a defraudar o fisco espanhol – e de Tony Carreira – a plagiar músicas de canções.

 

Ainda tento, cheio de boa vontade, arranjar desculpas para tal intoxicação da opinião pública: estamos em tempo de campanha eleitoral e é preciso denegrir o Governo ou é imperioso desacreditar a solução governativa conseguida por acordo à esquerda. Mas poderemos e deveremos estribar a explicação em argumentos desta natureza? Julgo, será forçar em excesso a guerrilha política e eleitoral, gerando teorias da conspiração, para justificar o papel quase maquiavélico dos órgãos judiciais e dos meios de comunicação social. A alternativa passa por olhar bem de frente o caminho percorrido pela democracia nacional, integrando-a no fenómeno global capitalista.

 

Há cem ou cento e cinquenta anos, a política, na Europa, ainda não tinha sido conspurcada por uma íntima relação com o capital: giravam em círculos diferentes, mesmo quando se verificava uma aproximação tendencial; os interesses financeiros procuravam a melhor forma de se impor às governações, mas a ideologia política ainda comandava a atitude tanto na conquista do poder como na condução da gestão pública. Recordemos, para fazer prova do que disse, a luta gerada pelos chamados partidos de massas e os partidos de quadros (classificação devida a Maurice Duverger, no começo da segunda metade do século XX); aqueles recebiam o poder vindo das suas bases de apoio e estes impunham o poder partindo do topo. Os primeiros estavam mais próximos do projecto socialista/comunista e os segundos mais chegados à tradição liberal capitalista. Em ambos dos casos o limite de actuação partidária visava conquistar o apoio e a aprovação do eleitorado e, assim, caminhava-se para a conquista possível do bem-comum.

Esta foi a realidade estudada, até há muito poucos anos, nas universidades.

 

Só na aparência as coisas acontecem hoje como as estudou o politólogo francês e, menos ainda, como as tinha enunciado Robert Michels, em 1911. Actualmente, julgo, consequência do fim da bipolaridade da vida internacional e da globalização a par da desnacionalização do capitalismo, passou a haver, como se refere amiúde, uma intimidade promíscua entre o grande capital e os políticos, reduzindo-lhes a quase nada a noção de serviço social, assumida no passado pelos governantes nos séculos XIX e XX.

 

Em Portugal, essa promiscuidade gerou uma ânsia de enriquecimento a qualquer preço, sem olhar a meios nem a condições cívicas e morais. Dá-nos a sensação de que todo o mal-estar transmitido pelos meios de comunicação social indicia a necessidade de pôr fim ao regime democrático, levando os menos esclarecidos a reavivar o sonho do “salvador da pátria”, de um endurecimento da política para conseguir honestidade na vida privada e pública.

Para mim, vindo do tempo da ditadura, tudo isto representa uma desilusão.

16.05.19

Resposta a Cristina Miranda


Luís Alves de Fraga

 

Pois é, às vezes, acontecem coisas para nos ensinarem a estarmos calados!

A “aliancista” Cristina Miranda, escreveu a página do seu partido – o do Pedro Santana Lopes – o seguinte, entre outras bacoradas, comparando a assistência sanitária do tempo do Estado Novo e o da nossa democracia de hoje:

«A verdade que ninguém ousa dizer é que o SNS está a morrer por via da “sovietização” do mesmo, que cria uma dependência total e absoluta no Estado. Um sistema que dá a ilusão do “direito universalista” à saúde, mas não garante nem qualidade nem acesso a tratamentos, porque o Estado, sempre que não tem dinheiro para todos os seus desvarios com as elites, corta no essencial às populações, deixando-as sem qualquer outra alternativa. É a pura ideologia demagoga socialista posta em prática no SNS que conduz a estes resultados. Exactamente como acontece em Cuba e na Venezuela.»

 

Exactamente como acontece em Cuba e na Venezuela! O presidente do partido dela e o cabeça de lista à candidatura europeia foram tratados, após o acidente automóvel, como não é usual tratar outros acidentados graves: TRANSPORTE DE HELICÓPTERO para o hospital da Universidade de Coimbra, o qual era e, creio, continua a ser uma unidade de referência nacional!

 

Teria sido muito mais sensato a Cristina Miranda ter ficado calada, quando escreveu sobre o SNS. Ou será que se deveria ter tratado o presidente do seu partido tal e qual como se tratavam os sinistrados no tempo de Marcelo Caetano, que ela tanto aprecia?

É que esta senhora já escreveu o seguinte: «A verdadeira Direita é tudo aquilo que os pais e avós, noutros tempos, ensinavam a ser na educação que transmitiam. E essa Direita ainda não governou em Portugal.

Há quem lhe chame agora de “direita musculada”. Eu não diria melhor.»

 

Era esta “direita musculada”, a viver da medicina privada, que lhe iria salvar o presidente?

Meus Amigos, percebam bem quem são os candidatos e os ideais desse partido nascido das desavenças de Santana Lopes com o PSD. Vejam quem eles são e quem se acoitava – será que ainda não há por lá bastantes iguais a ele? – no PSD.

 

Pela amostra, o partido Aliança não é um agrupamento liberal! É um partido onde se admira a “obra” de Salazar e se reconhece ao sucessor deste a criação de um Estado assistencial digno de encómios! Mas eu tenho memória, eu lembro-me muito bem como era “pago” em silêncio, prisão e censura, essa assistência na saúde.

 

Cuidado com o que escolhemos!

14.05.19

História e corrupção em Portugal


Luís Alves de Fraga

 

Cada dia que passa oiço falar mais em corrupção, tal como se isso fosse assunto descoberto agora e se tratasse de uma novidade entre nós. Não é, não foi e, provavelmente, desde sempre – um sempre com vários séculos – houve corrupção neste país de “brandos costumes”.

 

Olhando para o tempo áureo dos Descobrimentos e dos “fumos” da Índia, lendo as crónicas e relatos deixados, desde Duarte Pacheco Pereira a Gaspar Correia, passando por Fernão Mendes Pinto e Diogo do Couto, apercebemo-nos dos desmandos morais então existentes a par da corrupção. O Português “heróico” era, também, um corrupto sem pejo de se deixar corromper e de corromper aqueles com quem lidava.

 

Por volta de 1580, um italiano, de visita a Lisboa, escreveu sobre a nossa justiça, e foi curioso o seu testemunho: os funcionários dos tribunais demoravam infindamente a resolução dos processos, para que lhes fossem rogar o favor de os despachar, pois, este era o modo de ganharem importância. O autor não diz, mas, provavelmente, haveria lugar a um “pagamento” extra para acelerar o andamento da demanda.

Corrupção, muita corrupção!

 

Mas, saltando mais uns séculos, nos anos de setecentos, autores estrangeiros relatam como se conseguia uma audiência com o rei D. João V: eram precisos favores e cedências junto de quem escolhia os eleitos para serem ouvidos pelo “Magnânimo”… e as damas, que se ajoelhavam entre as pernas abertas do monarca, tinham de mostrar um decote generoso para receberem o saquinho com moedas de ouro capaz de solucionar problemas impensáveis.

Mais corrupção!

 

E no século XIX, por mais próximo do nosso tempo, depois da vitória liberal, começaram as fraudes eleitorais, por acção dos caciques nas aldeias e vilas das províncias. Era a corrupção a fazer a sua entrada triunfal na política, tida como democrática. Contudo, bom seria que a coisa tivesse ficado por aí! E os “empenhos” – hoje chamados “cunhas” – que tinham lugar em troco de votos? Foi por essa via que se instalou – mais ainda – o hábito de ser, como então se dizia, empregado do Estado: «Senhor Dr. os votos da gente da minha aldeia serão seus se arranjar emprego para o meu sobrinho, acabado de ser bacharel em Coimbra!». Deste modo cresceu a polícia, a Guarda Fiscal, o emprego nas finanças, nas secretarias ministeriais, nos consulados e nas embaixadas, nos tribunais. Era uma chusma de gente que ia do mero contínuo aos cargos de grande significado e carreira.

Poderia recordar os adiantamentos feitos à lista civil da Casa Real, sempre às escondidas dos parlamentares e do Zé Povinho, que pagava, quando não arranjava maneira de fugir ao fisco.

Mais corrupção, muita corrupção!

 

Veio a República e quase tudo ficou na mesma, tendo piorado nos anos a seguir à Grande Guerra. Os “novos ricos” feitos à custa do açambarcamento dos géneros alimentícios vendidos a preços impensáveis, exploraram os mais pobres e desfavorecidos, que, cada vez mais, se tornaram miseráveis e alimentaram a revolta popular contra o regime. Deu-se a maior burla de todos os tempos: Alves dos Reis fundou um banco sem capital, mas à custa de forjar uma emissão de notas com curso legal.

A corrupção continuava, como era tradicional.

 

A ditadura militar, primeiro, e o Estado Novo, depois, não modificaram velhos hábitos. A corrupção até aumentou tanto nos altos níveis sociais como entre os de fracos rendimentos. Nas aldeias desconfiava-se de todo e qualquer desconhecido, por lhe atribuir a função de fiscal das finanças. Quem podia, fugia ao pagamento de impostos. Quem podia, durante a 2.ª Guerra Mundial e depois, enquanto durou o racionamento alimentar, nutria a “baixa” corrupção, comprando mais caro os produtos não tabelados – tinha vantagem o comprador e, muito maior, o vendedor.

Durante o nosso fascismo a corrupção foi moeda vulgar.

 

Há quarenta e cinco anos temos, de novo, a democracia e não se fez nada para mudar os hábitos corruptos que florescem em todos nós. Não me enganei! Em todos nós, pois todos, em escalas variáveis, já corrompemos ou nos deixámos corromper, pois corrupto não é só o grande banqueiro ou quem faz grandes falcatruas! Corrupto é todo aquele que, devendo cumprir determinada regra, foge à obrigação, iludindo a vigilância e fazendo-se passar por aquilo que, realmente, não é.

 

Há povos que não praticam qualquer tipo de corrupção, por terem um elevado sentido do dever social e do cumprimento de regras e normas. Nesses, campeia o civismo!

13.05.19

Sentimento contraditório


Luís Alves de Fraga

 

Depois de ter seguido nos noticiários televisivos os excertos, escolhidos, da audição de Joe Berardo na comissão parlamentar, fui ver, no YouTube, o diálogo entre Virgílio Macedo e o comendador. Ao cabo de vinte e quatro minutos estava instalado o sentimento contraditório.

 

O que ouvi e, em especial, vi foi um “velhote” aparentemente bem vestido, com grande dificuldade de expressão oral, com um olhar vivo, um sorriso passeante entre o matreiro e o inocente, incapaz de articular um pensamento complexo e longo, perdido e desamparado no meio de gente hostil, tendo como tábua de salvação um cavalheiro sentado à sua direita, que lhe sussurrava as respostas dificilmente balbuciadas, sem certezas nem excessivas seguranças, com grandes falhas de memória, parecendo não entender as insinuações e armadilhas lançadas pelo deputado.

Isto foi o que ouvi e vi. Este foi o meu primeiro sentimento.

 

Findos os vinte e quatro minutos, acabada a gravação onde estavam, contextualizadas, as frases passadas, fora de contexto, nos noticiários televisivos, parei o tempo suficiente para conseguir compreender se tinha estado perante um farsante, um “vilhão” – como dizem na Madeira, querendo significar o nosso, bem lisboeta, “saloio” – ou um velho já falho de memória das coisas recentes que, outrora e em todos os momentos da sua vida de bem sucedido empresário, simplesmente havia sabido pagar a bons assessores financeiros, advogados e críticos de arte, que, provavelmente, lhe governaram o dinheiro de modo a haver para eles a boa quantidade de euros, dólares ou rands, capaz de os levar a uma confortável situação, enquanto trabalhavam à “sombra daquela boa bananeira”, que ia enriquecendo sem discutir nem salários pagos nem negócios para ganhar mais pecúlio.

 

O sentimento contraditório instalou-se. A audição de grande parte das respostas incapazes de serem geradas pelo interrogado, mas sopradas ao ouvido pelo advogado, geraram a contradição. A postura daquele antigo emigrante, baralhando-se entre vocábulos portugueses e ingleses, nada tinha a ver com um Salgado, um Sócrates ou qualquer outro dos inquiridos em tantos e tão diferentes momentos. Havia sinceridade na afirmação de que ajudara a banca nacional comprando acções do BCP com dinheiro disponibilizado pela CGD; havia a mesma sinceridade quando defendeu que a CGD deveria ter cumprido o que tinha contratado com ele e com as garantias que ele oferecera.

Joe Berardo, o comendador montado em bons e grandes cabedais, nada semelhante em argúcia e capacidade argumentativa ao outro comendador – o João Nabeiro – bem mais velho do que ele, pareceu-me um simples testa-de-ferro de quem à sua sombra, com o seu dinheiro e com o seu nome quis fazer grandes negociatas.

 

Aqui está o sentimento contraditório restante em mim depois de não me deixar conduzir e limitar ao que os órgãos de comunicação me deram para “alimento” da mórbida curiosidade de todos nós. Se me fosse imposto o “julgamento” tinha de arregimentar mais certezas, pois só me ficaram dúvidas sobre o “emigrante” rico e quase nenhumas sobre quem dele se soube servir, servindo-o.

11.05.19

Sondagens


Luís Alves de Fraga

 

Tive notícia que, em sondagens levadas a cabo por agências especializadas, a maioria dos inquiridos – bastante mais de 50% – estava contra as reivindicações dos professores. Lastimo que assim seja, pois confunde a árvore com a floresta.

Realmente, uma coisa é o direito detido pelos professores do ensino básico e secundário, e outra é o pagamento adveniente desse mesmo direito. Se um não tivesse consequências financeiras pesadas – mais ou menos – nos orçamentos de agora e futuros, seria uma tremenda injustiça não reconhecer o outro. Mas têm! E sobre tal assunto não me pronuncio mais. Vou ater-me ao título deste texto: as sondagens.

 

Estamos num tempo em que, com mais matemática, algoritmo, cálculo probabilístico ou mera adivinhação, com ou sem fundamento lógico, desejamos, no momento presente, saber com fidedignidade, o futuro imediato ou próximo. Já pouco resta, na nossa vida colectiva, deixado àquilo que, num tempo ainda não muito longínquo, se dizia ser a vontade de Deus! Agora não há Deus – que procuro cheio de dúvidas –, porque existem máquinas, fórmulas “mágicas” ou comentadores expertos capazes de nos dizerem “como vai ser”, ainda que, muitas vezes, falhem redondamente.

 

Em consequência desses desvios possíveis, assaltam-me dúvidas sobre a utilidade das sondagens. E não são despiciendas, pois qualquer pessoa atenta percebe o valor propagandístico de tais divulgações supostamente obtidas por meios tidos como científicos. Repetir-se à exaustão a vitória de determinado grupo, com valores percentuais muito exactos, sujeito, a posteriori, ao referendo popular, só consegue um efeito de derrota naqueles que discordam da vitória e de vitória nos duvidosos dela. Assim, desmobilizam-se os que se sentem vencidos e mobilizam-se os que têm incertezas no triunfo.

 

Falta-me pouco ou quase nada para aceitar que as sondagens dão fortes “empurrões” na vontade dos indecisos, no espírito de muitos oportunistas desejosos de estarem sempre “ao lado” dos vencedores.

Acredito na respeitabilidade dos responsáveis por tais antecipações do futuro tanto como na dos banqueiros e na dos políticos: quase se convencem daquilo que nos querem convencer. Esta minha certeza cínica fundamento-a na observação da práxis corrente e recorrente de tais grupos sociais. Recorda-me o discurso de um velho merceeiro de bairro lisboeta, na minha infância, que, muito sério, dizia ao meu pai: «Sabe, isto, na vida, há duas honestidades: a que temos por trás do balcão e a que temos quando falamos com amigos, em casa».

Não será assim com muitos – muitos, mesmo – profissionais dependentes da aceitação pública? Não será assim com quase toda a gente, num tempo e num mundo, onde prevalece mais o parecer do que o ser?

 

Com efeito, para além dos professores e dos seus familiares chegados, a sociedade não está interessada na contagem de tempo deles ou nas perdas salariais que os afectam; está preocupada – isso sim – no que eles podem ganhar mais sem benefício para quem os julga por isso!

09.05.19

Eleições europeias


Luís Alves de Fraga

 

Não vou, de certeza absoluta, dizer-vos em que partido votarei nas próximas eleições para o parlamento europeu, mas, não me eximo a criticar este acto de “democracia”.

Vamos ser honestos? Vamos dizer a verdade?

 

Admito que mais de 80% dos portugueses interessados em política, tal como eu, nunca procuraram saber em pormenor – ou mesmo na generalidade – quais foram as matérias discutidas nos últimos cinco anos no parlamento europeu. O que por lá se faz é algo desligado da opinião pública nacional. Saber da nossa política, sem ser em consequência da manipulação levada a cabo pelos órgãos de informação, já é qualquer coisa distante da grande maioria dos cidadãos, quanto mais saber as directrizes aprovadas e discutidas no parlamento da União Europeia! Só este facto retira ao próximo acto eleitoral o seu significado democrático. Democracia é participar conscientemente na vida política. Isso não se passa, entre nós, relativamente ao parlamento europeu.

 

Julgo que não estou enganado, porque os números são explícitos: em 2014, para cerca de nove milhões e setecentos mil inscritos nos cadernos eleitorais, a abstenção foi de 66,15%, ou seja, mais de metade dos eleitores não votou. Em termos práticos, isto representa um “estar-se nas tintas” para a Europa e para o seu parlamento. Mas se recuarmos a 2009, não andamos muito longe dos valores de há cinco anos (63,23% do eleitorado absteve-se).

A grande maioria dos que votaram e vão votar nas próximas eleições, estou quase certo, não o fizeram nem o fazem com os olhos postos na Europa, mas na política doméstica portuguesa. Vão votar para apoiar ou “castigar” o actual Governo. Quereis a confirmação? Então vejamos quem ganhou as eleições em 2009 e em 2014: respectivamente, o PPD/PSD, com 31,71%, e o PS com 31,46% dos votos. São evidências que nos “furam os olhos”! O mesmo vai acontecer nas eleições que estão à porta.

 

Qual é a causa para que tal ocorra? A Europa e todos os seus problemas estão muito longe do eleitorado nacional; porque, nem candidatos, nem partidos, nem órgãos de comunicação social estão interessados em discutir a política europeia. E é pena que assim seja!

Realmente, segundo o que hoje Bernardo de Miguel publica, no jornal espanhol “El País”, as próximas eleições são «um autêntico plebiscito sobre o projecto de integração política do continente» para avaliar do resultado «das turbulências políticas (Brexit), sociais (“coletes amarelos” e deriva autoritária), económicas (uma década de crise que ampliou as desigualdades) e de liderança global desenvolvida por uma elite governante, que se perdeu aquando da viragem do século». Ele afirma que estamos, ao passar dos 62 anos sobre o projecto europeu, numa encruzilhada histórica. Corre-se o risco, ao fim de quarenta anos, de os populares e socialistas não conseguirem atingir 50% de lugares no parlamento.

 

Digo eu, a Europa, tal como alguns a desejaram, pode estar a esboroar-se. Mas isto não se discute em Portugal, porque a cegueira partidária, entre nós, supera tudo e todos e os órgãos de comunicação social fazem de qualquer pequeno acontecimento um “drama” (um guarda-redes com um enfarte, por exemplo, ou uma morte violenta algures) com dimensões capazes de se sobreporem a tudo aquilo que, verdadeiramente, é importante.

 

Que lástima!

07.05.19

Estado ou “Estados”?


Luís Alves de Fraga

 

Tenho por hábito conversar ao telefone, duas ou três vezes por semana, durante uma hora ou mais, com um amigo de há muitos anos. Desses diálogos nascem, ocasionalmente, os temas para os meus apontamentos e reflexões. É o caso deste.

 

O comum dos cidadãos tem uma ideia vaga do que é o Estado: entidade abstracta, distante, representada pelo governo, parlamento e tribunais, chegando, até, a admitir essa “presença” nas forças de segurança. Mas o Estado não é este conjunto; ele reúne os agentes que lhe dão representatividade e agem em seu nome. O Estado é a Nação, somos todos nós, independentes e soberanos.

Todavia, o Estado para ter “forma”, ou seja, para executar os seus objectivos primários ou as suas obrigações essenciais – segurança, defesa e bem-estar colectivos – carece de “empregar” quem assegure a execução de todas as acções conducentes ao seu fim básico: tem de ter médicos, enfermeiros, professores, polícias, soldados, juízes, cobradores de impostos, gestores financeiros, bombeiros, guardas-florestais, marinheiros, governantes, parlamentares e mais outros que enumerar seria fastidioso.

 

Vê-se, creio eu, facilmente, que o Estado tem “subdivisões”: é um pouco “Maria patroa e Maria empregada”. O Estado – ou seja, todos nós através dos políticos nossos representantes – manda, coordena, autoriza, gere e, ao mesmo tempo, é patrão de todos quantos lhe dão forma e o levam à execução correcta da sua obrigação (obrigação, mais uma vez, imposta por todos nós).

Por conseguinte, os governos não são donos do Estado, pois não passam de executantes da vontade do colectivo nacional, contudo, representam o “patrão” Estado no que se reporta às relações de trabalho entre empregados e empregador. Eis como, uma exigência de uma parte dos empregados do Estado pode estar condicionada pelo próprio Estado, ou seja, por todos nós. É deste modo que o direito à greve não é, nem pode ser, ilimitado; tem de levar em conta a vontade colectiva, o mesmo é dizer, uma vez mais, de todos nós. Os governos, quando limitam ou coordenam greves, fazem-no na presunção da defesa do interesse colectivo. Podem estar dentro da razão e da justiça, mas também podem estar fora de ambas. Cabe a cada cidadão, em concordância com opiniões devidamente fundamentadas e esclarecidas, fazer a sua análise e repercuti-la junto dos partidos que melhor defendem o interesse colectivo. Este é o jogo da democracia; uma democracia defensora do colectivo, a partir do individual.

 

Se cada um dos meus leitores for capaz de compreender o Governo como um mero agente do colectivo, que dá forma ao Estado e à soberania, de imediato compreende, também, que o Governo não é um adversário e, nestas circunstâncias, ter-se-ão de perceber as perspectivas governamentais para alcançar como é que ele está a defender o interesse colectivo, o interesse de cada um de nós.

 

Como a soberania reside no Povo, isto é, nos eleitores, pelo menos, em cada ciclo eleitoral, pode “punir-se” aquele mau empregado do Estado, chamado Governo, tudo fazendo para o substituir por outro capaz de dar garantias de servir melhor o Estado e a Nação.

 

Para se ter a ponderação desta análise é preciso ter visão de “estadista”, o mesmo é dizer, uma capacidade panorâmica de trezentos e sessenta graus, pois, só desse modo se vêem todos os benefícios e todos os estragos advenientes da gestão governamental.

06.05.19

Hipóteses para explicar uma crise


Luís Alves de Fraga

 

Dizem, foi de repente que estalou a crise política em Portugal. Pessoalmente, julgo que não. Não tenho fontes privilegiadas para me fundamentar; limito-me a tentar compor hipóteses viáveis, através dos elementos de conhecimento público. Faço o que a maioria dos comentadores políticos faz: arquitecto hipóteses. Simplesmente, assumo-as como hipóteses e não como verdades.

 

Qual a razão da intransigência governamental na aceitação da “resolução” do caso “professores” votada na Assembleia da República?

Aqui vai a minha primeira hipótese.

 

Pergunta: Quais são as carreiras congeladas?

Resposta: «as integradas em corpos especiais».

Pergunta: Quais são os corpos especiais?

Resposta: Os professores do ensino básico e secundário, os magistrados, os militares e as forças de segurança (julgo que não me esqueço de nenhum outro).

Pergunta: De todos os corpos especiais quais são os mais numerosos e os menos numerosos?

Resposta: Respectivamente, os professores e os magistrados.

Pergunta: O que são corpos especiais?

Resposta: Aqueles «em que a progressão e mudança de posição remuneratória dependam do decurso de determinado período de prestação de serviço legalmente estabelecido para o efeito».

 

Chegámos ao cerne de toda a problemática. Vamos continuar com este jogo de hipotético diálogo?

 

Pergunta: Qual é o corpo especial que tem, ou tinha, mais escalões remuneratórios?

Resposta: O dos professores antes referidos (dez escalões)

Pergunta: Então, e os que têm menos?

Resposta: Os de magistrados judiciais e de professores do ensino universitário (Juiz: de 1.ª instância ou de Direito, desembargador e conselheiro; professor universitário: assistente, auxiliar, associado e catedrático).

Pergunta: E os oficiais das Forças Armadas?

Resposta: Têm, na melhor das hipóteses, nove postos e, vulgarmente, só seis.

 

Tiremos, deste diálogo, uma conclusão.

Sendo o número de professores o maior de todos os grupos de corpos especiais e tendo o maior número de escalões e sendo aquele em que, mais de metade dos efectivos, chegava, ao cabo de trinta e seis anos de serviço, ao décimo escalão, há muito tempo os diferentes governos querem fazer actuar duas “alavancas” decisórias: ou reduzir o número de escalões ou reduzir o número de professores que chegam (chegavam) ao topo da carreira.

Tratar-se-á de uma “reforma estrutural” não confessada, mas compreendida pelos partidos do “arco da governação”. Só assim se justifica a resistência oferecida pelo Partido Socialista (PS) à pressão dos grupos políticos à sua esquerda e ao “faz de conta que dá, mas não dá” dos partidos à sua direita.

Mas, a conclusão anterior, por ser politicamente fatal, não pode ser confessada.

Para os partidos com responsabilidades governamentais, por causa dos encargos orçamentais com os professores no activo e com os que se reformarão, a solução passa por, numa primeira fase, levar muitos docentes para a reforma em escalões inferiores ao décimo e, numa segunda fase, reduzir o número de escalões para cinco ou seis, tornando a carreira semelhante às dos outros corpos especiais.

 

Qual a razão para António Costa ter anunciado uma crise política baseada na questão da contagem de tempo dos professores?

 

Segunda hipótese.

 

O PS, em consequência de divergências internas, pretende desfazer a coligação parlamentar à esquerda, descartando-se do Bloco de Esquerda (BE) e, aceitando, no mínimo, o entendimento com o Partido Comunista Português (PCP); ao mesmo tempo quis testar a coerência do CDS e do PSD para, colocando-os perante o seu acto eleitoralista, demagógico e sem efeitos práticos, demonstrar ao eleitorado a falsidade das promessas dos partidos de direita. Foi uma encenação perfeita que deixou mais evidente duas coisas: por um lado, o desnorte entre o grupo parlamentar do PSD e a direcção do partido e, por outro, o populismo de um CDS em corrida errática, sem estratégia nem táctica para o futuro.

 

Se as minhas hipóteses se confirmarem, será necessário que a votação no PS não lhe dê maioria absoluta e que o eleitorado saiba escolher, à esquerda, o partido fiável para um possível entendimento parlamentar com António Costa, garantindo a estabilidade possível.

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