Historiadores e a sua matriz política
Já tenho aqui referido como se deve fazer História e qual o fim da História, mas, se é fácil identificar de imediato quando alguém está a não fazer História, por estar a reflectir sobre ela, é bastante mais difícil detectar quando o Historiador, disfarçadamente, introduz no seu discurso os traços dominantes da sua identidade ideológica.
Se a formação política e ideológica do Historiador é marxista é francamente fácil descobrir isso, porque vai acabar por deixar à vista de todos, com maior ou menor evidência, o relato e/ou a explicação dos acontecimentos como resultado do confronto entre classes sociais. Disso pode ou não resultar anacronismo. Recordo, por exemplo, o tratamento da crise de 1383-1385, por Álvaro Cunhal, tipificando-a como uma “revolução”, tendo o povo lutado contra a nobreza. E chamou-lhe luta de classes! Cunhal estava, claramente, a fazer propaganda política e nada mais!
Mas se o Historiador se formou dentro do regime fascista português e se identificou com ele, mesmo vestindo hoje a “capa” de democrata, em algum lado do seu discurso há-de surgir a simpatia pelo ditador ou pelo estilo de vida dessa época tenebrosa. Por vezes, é muito difícil e tem de se estar bastante atento aos pormenores, para encontrar o traço que o identifica com a sua matriz.
Em Portugal, com formação completa “dentro de portas”, rareiam os Historiadores perfeitamente não “maculados”, pois, não tendo raízes marxistas, fascistas ou antifascistas, ainda são muito jovens aqueles totalmente “formatados” pela ideologia democrata e liberal com capacidade de abstracção das influências dos seus mestres ou da leitura de trabalhos não “tendenciosos”. Esta é a razão fundamental para os investigadores acautelarem muito bem as fontes bibliográficas onde vão beber o conhecimento anterior, porque podem estar a absorver informação inquinada, ainda, pelo relato histórico fascista.
Não se pense, por estar a fazer este julgamento, que eu não me incluo entre os “maculados”. Tanto quanto é dado aperceber-me, situo-me naqueles que, a todo o custo, querem despojar o relato histórico da ganga fascista, por me ter, desde a idade da razão, distanciado das influências nacionalistas do regime deposto em 25 de Abril de 1974. Contudo, estou sempre muito atento à possibilidade de me deixar enredar no discurso anacrónico, até por ser mais fácil escorregar nesse desfiladeiro, quando estudamos e contamos a História contemporânea.