Ainda o “efeito Cavaco Silva”
Na segunda parte da década de 80 do século passado tive sérias discussões com camaradas de armas sobre a adesão à CEE e sobre as primeiras medidas que se desenhavam no horizonte próximo. Era Primeiro-Ministro Cavaco Silva. O dinheiro caía a rodos e parecia que se vivia no país a nova descoberta de minas de ouro num qualquer Brasil.
A quantidade de projectos inúteis foi, de longe, superior aos de declarada utilidade. Havia a possibilidade de beneficiar amigos de longa data ou meros conhecidos de ocasião. Toda a gente quis deitar mão ao dinheiro europeu. Foi um fartar vilanagem.
E quem é que estava mais preparado para beneficiar do dinheiro vindo de Bruxelas? As indústrias mais estruturadas e que não estavam destinadas a serem desmanteladas e, de entre todas, as de construção civil eram as preferidas… mas nem todas! As de construção de auto-estradas foram contempladas com um estatuto de protecção excepcional. Cavaco Silva, Primeiro-Ministro, foi fechando os olhos aos favores que se estabeleceram logo desde a primeira hora. Haja em atenção a megalómana e quase inútil construção do Centro Cultural de Belém, que derrapou várias vezes no custo e na data de conclusão.
Qual a matéria das minhas discordâncias?
A desmedida construção de auto-estradas, privilegiando o transporte rodoviário, as pequenas e médias empresas de camionagem. Claro, não se podia continuar com as velhas estradas nacionais. Era necessário abrir uma nova via rápida para ligar Lisboa ao Norte e ao Sul de Portugal, mas, depois, havia que apoiá-la com estradas de bom piso e com uma ampla rede de caminhos-de-ferro, sem destruir a metalurgia nacional, nem a indústria de fabrico de carruagem – a SOREFAME – canalizando para estas empresas todos os apoios possíveis.
Nada disto se fez. Não se soube proteger a parte da indústria nacional que era estratégica. Pelo contrário, deixou-se que grandes capitais estrangeiros deitassem mão ao que era mais valioso para nós. E foi durante o Governo de Cavaco Silva que se tomaram as decisões mais desastrosas e menos equilibradas para o futuro de Portugal. A actual situação dos caminhos-de-ferro deve-se a essa “bomba” antinacional que foi a adesão à CEE com imperativos que não souberam acautelar os interesses produtivos portugueses, nem orientar os investimentos proporcionados pelo dinheiro de Bruxelas.
Enriqueceram alguns – muitos poucos –, ficara mais remediados muitos pequenos empreendedores, que aproveitaram o financiamento europeu a fundo perdido, e ficaram mais pobres todos os que dependiam e dependem do trabalho e do investimento.
Portugal é um país não de oportunidades, mas de oportunistas acobertados por políticos que não têm uma clara noção do verdadeiro sentido da honestidade e do patriotismo.