Voto de pobreza?
O "caso" Robles, do Bloco de Esquerda, vem levantar, para mim, uma questão, que reputo importante dissertar sobre ela: a coerência dos votantes e políticos de esquerda, à esquerda do PS.
Devem os simpatizantes e militantes do PCP e do BE fazer voto de pobreza?
O mais elementar bom-senso indica que não e que nunca, mas... E é aqui, no "mas", que se levanta o problema. Vejamos.
As ideologias marxistas têm como ponto de partida a chamada "luta de classes", ou seja, o confronto ideológico entre a burguesia endinheirada e capaz de dominar a economia de mercado e o proletariado incapaz de sobreviver com mais do que o salário obtido pelo uso da sua força de trabalho, seja ele braçal ou intelectual (note-se que fiz, por minha conta e risco, uma actualização dos termos essenciais de Marx).
A mudança dos tempos, entre o século XIX e este começo do século XXI, levou-me a ter de considerar que o "proletário" de hoje pode ser um trabalhador bem pago, com salário elevado, capacidade para gastos significativos, proprietário de um bom automóvel e de um apartamento ou vivenda com largueza e espaço social. Tudo isto, ao levá-lo a consumir como se fosse detentor de uma razoável fortuna, não faz dele um capitalista, ainda que lhe possa dar um estatuto de burguês, contudo ele é, de facto, um trabalhador dependente de quem lhe dá trabalho, aqui ou na China!
Então, a questão que se coloca é onde se situa ideologicamente este trabalhador com salário abastado. É que ele pode optar por se identificar com as doutrinas políticas anti-marxistas ou, pelo contrário, reconhecendo a sua condição de mero assalariado, com as doutrinas marxistas.
Se ele se identifica com estas últimas não vai fazer voto de pobreza nem abdicar dos salários elevados, que lhe são pagos, para ser coerente com a ideologia política que aceita. Isso, para além de tudo o mais, seria um acto inútil, estúpido e sem repercussão política ou social.
É isto que os partidos de direita não aceitam, pois consideram que há incoerência política!
A incoerência política surge noutras condições.
Surge quando o indivíduo, na prática, usa os mecanismos capazes de explorar trabalhadores assalariados para conseguir ampliar a sua fortuna destinada ao enriquecimento pessoal para aumento da sua capacidade de exploração e, em oposição, diz colocar-se ideologicamente na área do PCP ou do BE.
É que não se pode estar bem com Deus e com o Diabo!
Viver bem, porque se ganha bem à custa do esforço pessoal, resultado do trabalho braçal ou intelectual, não impede de se escolher simpatizar com um partido da esquerda.
Anda por aí muita gente equivocada, quer à direita quer à esquerda.