Na morte de Fidel Castro, a pergunta: liberdade ou liberdades?
Porque o meu Pai, embora nascido em Monarquia, cresceu na República, a 1.ª, entenda-se, e viveu, até aos dezanove anos de idade, em democracia parlamentar, eu interroguei-o, várias vezes, sobre o que era a liberdade e como é que ela, na prática, se geria. Ficou-me, dessas conversas, uma frase que vejo e oiço repetida por muita gente:
— A nossa liberdade acaba onde começa a liberdade dos outros.
Cresci a pensar assim. Exactamente assim. Depois dos meus estudos de politologia conclui que vivera, até então, numa meia verdade, numa quase falácia. É isso que vou tentar explicar em poucas palavras.
Se a minha liberdade acaba onde começa a liberdade dos outros eu estou a defender o sistema de liberdade mais limitativo da liberdade que se pode imaginar!
Vejamos, quanto maior for a minha liberdade, mais pequena será a dos outros e, aí sim, a minha liberdade é magnífica! Mas os outros pensarão o mesmo e, nesse caso, o sistema terá a figura de uma selva onde se luta por alargar a liberdade individual à custa da redução da de todos.
Como se percebe, esta definição de limites da liberdade só pode existir num regime que privilegie o individual. Esta será a liberdade do liberalismo onde o limite de crescimento é aquele que cada um for capaz de alcançar. Por conseguinte, esta liberdade é a do regime capitalista, onde o bem primeiro da sociedade reside na pessoa e nas suas capacidades. Assim, em capitalismo, teoricamente, eu posso desejar tudo, dizer tudo, fazer tudo, desde que não contunda com os interesses dos outros. E, neste caso, interesses passam a ser direitos.
Vejamos agora o conceito de liberdade num regime que zele pelo bem-comum sem privilegiar o individual, mas tenha como cuidado defender o colectivo.
A liberdade individual, neste caso, deverá ser limitada em função da comunidade. E as regras têm de ser muito bem definidas, pois toda a atitude que extravase os limites estabelecidos vai esmagar o colectivo. Esta é a liberdade dos regimes que falam, legislam ou funcionam em nome da comunidade. Esta era a liberdade do Estado Novo, de Salazar, porque, seguindo o slogan desses tempos — «Tudo pela Nação, nada contra a Nação» —, por cima do indivíduo estava o colectivo nacional.
Como se vê, são liberdades diferentes, que provêm de regimes diferentes e têm objectivos diferentes. As perseguições em Cuba, das quais se acusa Fidel Castro, eram feitas em nome da defesa do colectivo e tiveram, e têm, a legitimidade da revolução socialista, ou seja, colectivista. Quem as critica é porque, necessariamente, está integrado, defende e aceita o sistema individualista da sociedade.
E como se explica o regime de Salazar?
Simples! Tal como o fascismo italiano, teoricamente existia para gerar o bem de todos, mas só beneficiava, efectivamente, uma clique cujos limites eram estabelecidos pelo ditador.
Acho que fui suficientemente claro e sintético para se perceber que há liberdades diferentes, porque há regimes diferentes — os individualistas e os colectivistas — e, consequentemente, há também conceitos diferentes de democracia em cada um deles.
Só percebendo estes particularismos da Política se pode perceber a grandeza de Fidel Castro ou a tirania do Comandante. E grandeza e tirania resultam da aceitação ou recusa do modelo político por ele posto em marcha, depois do derrube de uma ditadura corrupta e completamente enfeudada ao grande capital dos EUA.