2.ª Guerra Mundial
Ainda há dias me perguntaram se eu me lembrava de alguma coisa da 2.ª Guerra Mundial. Não me recordo de nada estranho ao meu meio familiar a não ser do dia em que acabou o conflito, julgo, na Europa, ou seja, quando a Alemanha se rendeu. Já aqui escrevi sobre esse assunto há bastante tempo.
Depois dessa memória distante, só me lembro dos medos da minha Mãe!
Adivinho a interrogativa dos meus leitores. Sim, os medos!
A minha Mãe era uma mulher de coragem, mas tinha medos terríveis. O seu grande pânico era que, de um momento para o outro — não sei bem como — os Alemães chegassem a Lisboa e nos fossem prender — não sei porquê, tanto mais que até nem somos judeus! — e, então, ela já tinha esconderijo para nós! Nada mais nada menos do que no forro da casa. É que, em algumas das divisões, havia clarabóias por onde se podia subir para o forro. Seria lá que a minha saudosa Mãe nos esconderia — a mim, a ela e à minha Irmã, mais velha do que eu sete anos.
Santa inocência! Para não dizer, santa ignorância!
Mas e onde estava o meu Pai? Pois, esse era o outro grande medo da minha Mãe! É que o meu Pai andava embarcado no único navio petroleiro que transportava ramas para a refinaria da Sacor, em Cabo Ruivo. Era um petroleiro da Armada e que nem uma miserável peça de artilharia tinha a bordo — era o S. Brás que acabou como navio "logístico" da Armada — e que se tocasse uma mina explodia em menos de um fósforo se acender! E a minha santa Mãe ensinava-me a rezar orações infantis ao Anjo da Guarda para que fosse a minha protecção e a dos que estavam doentes e a dos que andavam no mar. Os olhos enchiam-se-lhe de água e a voz tremia quando assim me instruía na doutrina católica. Que saudades dessa Mulher doce e lacrimosa que me obrigava, com suavidade, a olhar uma estampa de um Anjo da Guarda, que protegia uma criança, metida numa moldura, e que estava pendurada na parede de um dos quartos de nossa casa!
Depois vem-me à lembrança outra recordação desses tempos. Aí já não era o medo da minha Mãe, mas a sua tenacidade, a sua preocupação em arranjar para nós o que de melhor podia para pôr na mesa, às refeições. Recordo-me de estar nas filas do racionamento para comprar peixe, julgo eu! Não se vendia em todo o lado. Era preciso ir aos postos abastecedores e lá ficava eu, com o meu irrequietismo, preso na mão firme da minha Mãe, enquanto se esperava por ser atendido.
E no dia em que passam setenta e um anos sobre o lançamento da primeira bomba atómica, eis as minhas lembranças da guerra, que foi a grande companheira dos meus tempos de crescimento. Eu não tinha consciência, mas, quando fiz treze anitos só haviam passado nove sobre o fim desse tremendo conflito militar que deixou a Europa de rastos para sempre enquanto potência com comando mundial.