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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

29.08.15

Dez anos


Luís Alves de Fraga

Passam amanhã, dia 30, dez anos sobre o aparecimento deste blogue.

Não vou tecer grandes comentários. Limito-me a assinalar a data e a recordar que, criado primeiro com uma vocação quase exclusiva para nele tratar de assuntos militares, foi, com o rodar do tempo, abandonando-a e orientou-se para questões políticas gerais.

Valeu-me um dissabor com o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea há uns anos, mas não foi isso que directamente determinou a ligeira inflexão de rumo temático. Claro, não deixarei de referir que esse dissabor me levou a um distanciamento maior das questões castrenses... Afinal, sou um coronel reformado da Força Aérea com obra publicada no domínio da História, com todos os graus académicos possíveis de obter, a quem esse ramo das Forças Armadas nunca solicitou uma simples e mera conferência, de há dez anos a esta parte, para ser ouvida por alunos dos estabelecimentos de formação militar mais destacados! Já faço parte dos "descartáveis", por ter caído no esquecimento. Todavia, continuo a ser docente universitário e a ser convidado para conferências, palestras e outras reuniões académicas e científicas por estabelecimentos ou organismos do Exército ou do ensino superior.

Quando ainda estava na efectividade de serviço, um comandante da Academia da Força Aérea mandou que se colocasse em padrão visível, junto à Porta de Armas, uma placa com a frase lapidar, que a Armada adoptou para uso na roda do leme dos seus navios: «A Pátria honrai porque a Pátria vos contempla». Posso dizer que a Pátria, pelos olhos da Força Aérea, não está a contemplar-me! Paciência.

Como cidadão vou continuar, até que as forças e condições físicas mo permitam, a minha actividade docente universitária e a minha intervenção política empenhada na continuidade de um Portugal democrático onde não se privilegiem os poderosos e se negligenciem os fracos.

Será que de hoje a dez anos ainda poderei deixar aqui algumas palavras de esperança no futuro? Se tal não for possível, espero que se não tornem perecíveis as ideias que neste blogue fui deixando.

28.08.15

A corrupção e o medo


Luís Alves de Fraga

 

As semanas vão correndo, umas atrás das outras, e, quando dermos por isso, estamos no dia 4 de Outubro, cujo significado republicano anda quase esquecido, oportunidade única de, organicamente, manifestarmos as nossas opções políticas.

 

Pelo que tenho visto nas diferentes estações de televisão, a corrida à propaganda está a meio gás, embora algumas figuras políticas já tenham mostrado o mote principal das suas campanhas. Numa análise muito simplista, rasteira e sem grandes enredos discursivos, temos mais do mesmo, vindo de todos os quadrantes. As alianças possíveis já estão definidas e só por um “milagre” outras e, até desejáveis, poderiam surgir. Ora, nesta coisa da gestão pública da imagem não há “milagres”! O que há, em grande quantidade, são “fantasias” carnavalescas, que escondem verdadeiras intenções por baixo de brilhos falsos e mentiras. Fazem-me lembrar os disfarces do lobo coberto – mal – com a pele de inocente cordeiro! Recordando João das Regras, o popular defensor da causa do Mestre de Avis, D. João que viria a ser o primeiro de Portugal, os actuais conselheiros políticos cumprem o alvitre do mentor do candidato a rei, que dizia: “Prometei, prometei, Senhor, porque nada é vosso!”. Claro que os de agora sabem que as promessas não são mais do que isso mesmo: promessas! E a prova evidente tivemo-la nas eleições de há quatro anos onde se mentiu descaradamente com a absoluta convicção de não cumprir nada do que se disse! E se não foi mentira, embuste, foi, então, incompetência! Incompetência na avaliação de um quadro político-económico que tinham obrigação de conhecer em pormenor! Presos têm de ser, pois merecem-no, tendo ou não cão!

 

Os que estão ainda no Governo, agora, já não fazem promessas! Preferem uma outra arma que, com excelente sucesso, foi usada durante quarenta e oito anos: o medo!

Assustam o eleitorado com base naquele comezinho e mesquinho pensamento traduzível no aviso: “É pouco, mas está seguro e é nosso”! Ora, esta ideia contém em si uma grossa mentira: é que nem é pouco, nem está seguro, nem é nosso!

E António Costa, porque não quer fazer promessas nunca capazes de cumprir, fica-se pelas meias águas que desaguam mais perto da foz do rio da coligação do que daquilo que poderia ser o contraponto à “prudência” dos que ainda governam.

Qual seria, então, esse contraponto?

 

Antes do mais e bradado a todos os pulmões, com a vontade de levar ao fim o cumprimento da promessa, reformar o que fosse necessário reformar, alterar o que fosse necessário alterar, mas acabar, de uma vez por todas, com a corrupção de alto gabarito que se pratica e se praticou em Portugal. Acelerar os mecanismos da Justiça, pôr a trabalhar, a todo o vapor, os tribunais e agentes judiciários por onde correm os processos já existentes e prometer a imediata abertura de averiguações sobre todos os negócios sujos feitos no passado, a começar pelo da aquisição dos, tão necessários, submarinos. Depois, prometer e cumprir, a revisão de todos os contratos ruinosos para o Estado, entre os quais estão as PPP rodoviárias. Reanalisar a necessidade da carrada de Institutos e Fundações para aí existentes. Reequacionar a distribuição de escolas por esse país fora. Impor obrigações às companhias de transportes públicos de modo a torná-los popularmente mais acessíveis, de maior circulação e de melhor qualidade material. Limitar a quota de assessores provenientes dos aparelhos juvenis das máquinas partidárias. E, por fim, mas não finalmente, reavaliar os termos dos acordos internacionais que, retirando soberania a Portugal, colocam nas mãos de Bruxelas decisões pertencentes ao Governo de Lisboa.

 

Assim seria possível um entendimento político com o PCP e o BE? Tanto melhor, sem comprometer nem hipotecar a liberdade de acção do Governo.

Mas é isto que António Costa quer fazer? Não é! Não é, porque não pode! Não é, porque passaria a “pescar” no eleitorado da esquerda, receando não o conservar durante a governação, e, receando, acima de tudo, perder um eleitorado acomodado a um ramerrame que têm medo – sempre o medo – de ser engolido pela esquerda comunista. Julgo que, acima de tudo, também, António Costa tem medo de “colocar a faca aos peitos” do Partido Comunista, comprometendo-o com um projecto que o faça “sair a terreiro”, abandonando a posição cómoda de crítico permanente.

 

A política nacional está refém dos seus próprios erros, dos seus compadrios, dos seus medos, das suas promessas para não cumprir, ficando-se por propor mais do mesmo ou nada de nada. Chegámos a um ponto em que ou há uma viragem interna ou aceitamos passivamente, bovinamente, a tutela absoluta que nos chega de fora a qual não leva em conta os nossos interesses nacionais, mas os interesses da finança internacional.

25.08.15

Em jeito de balanço


Luís Alves de Fraga

 

Por razões que não vêm ao caso, tenho estado muito mais confinado à vida dentro de casa do que fora, como é meu costume. Assim, leio notícias, vejo e oiço telejornais durante o dia e grande parte da noite.

Para além da situação interna, que vale o que vale e, nós já sabemos, é pouco, somos literalmente bombardeados com duas questões cruciais: a tentativa de entrada massiva de imigrantes na Europa através do Mediterrâneo, vindos do Médio Oriente e do Norte de África, e as destruições bárbaras, de toda a natureza, levadas a efeito pela gente do auto designado Estado Islâmico. No resto as notícias são pontuais e variam com os dias e as ocasiões.

Em face disto, mesmo tendo em conta a actual celeridade da informação, fruto de já ter vivido um significativo número de dezenas de anos, posso dizer que os desequilíbrios no mundo nunca estiveram assim, a não ser no período da 2.º Guerra Mundial. Vale a pena, creio, fazer um balanço das causas dos dois fenómenos mais pungentes a que atrás me referi.

 

Poderia tentar explicar, com base na História e nas migrações do passado associadas à fome e aos desequilíbrios produtivos, as migrações do presente. Mas isso levar-me-ia onde? Julgo que, tão-somente, à conclusão de estarmos a assistir a um novo tipo de movimentos de massas populacionais de um lado para o outro, tentando provar a tendência cíclica da História. Mas haverá, realmente, algum ponto de semelhança para além da própria movimentação? Com toda a certeza, garanto que não! E não, porque os movimentos do passado, ao que se sabe, foram orgânicos, ou seja, trataram-se de deslocações de povos culturalmente identificados entre si e obedientes a uma chefia que os conduzia. Não é isso que acontece nos dias de hoje. Assim, a “semelhança”, como se costuma dizer, “morre na praia”. Ah, mas a semelhança tem de levar em conta o factor atractivo que a “zona rica” exerce sobre os povos das zonas pobres! Pois, até parece que o argumento seria válido. Contudo, os movimentos migratórios do passado histórico desconheciam onde havia “riqueza” e “abundância”; deslocavam-se as massas populacionais até ao local onde pudessem não só sobreviver como, acima de tudo, viver. Este é, por conseguinte, um argumento de dissemelhança e não de semelhança.

Arrumada esta argumentação, passível de ser usada por quem defende as migrações, vejamos, então, algo mais sobre o que se diz destes actuais movimentos populacionais.

 

Há quem, para controlar a entrada de gente miserável na Europa, proponha soluções tão drásticas como as que isolaram o mundo socialista do mundo capitalista depois da 2.ª Guerra Mundial: fechar as fronteiras e fazer muros. No outro extremo, há quem defenda a abertura, mais ou menos descontrolada, da Europa aos povos que aqui querem melhorar a sua condição de vida. Mas onde estão aqueles que preconizam o “ataque” às causas desta necessidade de migrar?

Vamos pensar “lá atrás”! Vamos à origem do problema!

Por onde os políticos e os europeus têm de começar é por fazer acabar os distúrbios sociais e políticos que geram a vontade de fuga! Então, temos de analisar caso a caso; ver onde há fome e desemprego para estabelecer programas de ajuda, que não sirvam para encher os bolsos dos políticos corruptos locais; ver onde há guerra e estancar a origem do conflito; ver onde há instabilidade social e política e encontrar o modo de lhes pôr fim.

Claro que, ao fazer tudo isto, a Europa, em especial os cidadãos europeus, descobririam que, em muitos casos, a sua, a nossa, abundância foi e está a ser construída à custa do depauperamento das riquezas dessas regiões “desequilibradas”; descobririam que somos nós e os nossos políticos e os políticos dos Estados nossos aliados quem gera as guerras e as instabilidades sociais e políticas para alcançar benefícios, lucros e bem-estar.

E o Estado Islâmico não é mais do que um produto do confronto entre esta nossa “civilização” e a de povos que, não encontrando saída para a instabilidade social, política e económica a que foram obrigados por força da satisfação do nosso bem-estar, optam por uma revolta com contornos religiosos, que, bem no fundo, é uma revolta contra um sistema que os condena a viver em submundos do mundo. Então, barbaramente, como sinal de negação de valores, destroem monumentos que recordam a evolução do Homem até este estádio de destruição planetária… porque nós vivemos o bem-estar sentados sobre o explosivo que acabará por destruir a razão de ser e a finalidade desse mesmo bem-estar.

Temos de parar para pensar! Temos de ser capazes de separar a alienação que o sistema nos impõe para sermos hábeis para pôr o próprio sistema em causa! E, creio, nisto não há esquerda nem direita! Há sentido de sobrevivência da Humanidade ou de destruição dela!

13.08.15

Os nacionalismos


Luís Alves de Fraga

 

Por nacionalismo podem entender-se duas coisas: a prática ou exercício do sentimento desenvolvido pela nação, enquanto povo que comunga de um determinado sentido de vida, por identificação com um passado comum e desejo de continuidade no futuro; ou a exacerbação desse sentimento levado ao ponto de gerar repulsa pelas outras nações, povos ou culturas. Assim, em si mesmo, o nacionalismo não é um mal, pelo contrário, é um elemento integrador necessário à vida do Homem em sociedade; só se torna pernicioso quando é levado ao extremo, gerando exageros que, genericamente, dão origem ao xenofobismo, ou seja, à repulsa por todos e tudo o que não é pertença do mesmo grupo social.

 

A Europa, enquanto continente (com fronteiras muito mal definidas), foi desenvolvendo nacionalismos, que deram origem a Estados unos ou a Estados nacionalmente plurais. Tenho consciência que o processo político, que conduziu às separações ditas nacionais, passou, quase sempre, pela guerra, de modo a possibilitar a definição dos Estados, unos ou multi-nacionais, sendo que, nestes casos, uma nação exerceu, ou exerce, acção hegemónica em relação às restantes. Esta foi a História da Europa. Uma História que só teve, um final aparente, depois de 1945, ou seja, há exactamente setenta anos. No plano do estudo dos acontecimentos ao longo do tempo, estes setenta anos são exactamente nada! Por muito que a aceleração tecnológica nos faça sentir em permanente projecção para um futuro só pensável no domínio da ficção científica, a verdade é que as alterações profundas das mentalidades se processam a um ritmo muitíssimo mais lento do que o daquelas. Assim, de uma forma não confirmável por processo científico fiável, direi que poderão haver desfasamentos entre “verdades” sócio-comportamentais e “verdades” políticas e tecnológicas que se medem pela centena de anos, ou mais ainda. Repare-se que, num tempo como o nosso, numa parte do mundo islâmico os não crentes são, pura e simplesmente, “infiéis” tal como o eram há trezentos, quatrocentos ou quinhentos anos! Isto prova à saciedade que a mutação da mentalidade se processa a uma velocidade muitíssimo mais lenta do que a das aparências tecnológicas. O muçulmano, política e religiosamente empenhado no proselitismo da sua religião, sabe usar o telemóvel e os artefactos de guerra mais sofisticados, mas não admite uma centelha de tolerância que o aproxime daquele que não professa a sua fé.

 

Ora, a velocidade de mutação da Europa das pátrias na Europa da União, não levou em consideração o que acabei de dizer. Ou, melhor, se levou, escamoteou essa informação dos cidadãos para poder, pela via política sem consulta popular, proceder a uma alteração que nos confrontou, de chofre, com um facto consumado. A política deixou-se contaminar pela velocidade das mutações tecnológicas, esperando que, por arrasto ou, por via das abundâncias financeiras e comerciais, houvesse a correspondente mudança nas mentalidades. Os políticos foram optimistas e não estudaram multidisciplinarmente os seus desejos, porque não quiseram ver atrasados os seus planos, ou, simplesmente, por mera ignorância. Foi a actual crise, ou seja, o oposto do sonho político de abundância, quem veio provar que as mentalidades dos povos não se haviam mudado ao ritmo da vontade política e, assim, aqui estão à vista os nacionalismos, no mau sentido do termo, a manifestar-se da pior maneira, seja contra o assalto dos povos africanos à Europa da “abundância”, seja na resolução xenófoba dos desvios financeiros dos Estados membros mais fracos e pertencentes ao euro. A crise actual veio provar que gente nascida depois do final da 2.ª Guerra Mundial ainda professa dos nacionalismos que animaram os seus pais ou avós a combaterem-se com base nas diferenças culturais de há mais de setenta anos!

 

O nacionalismo salazarento, que em Portugal durou quase cinco décadas, outras quase cinco décadas de democracia e de modernidade, não foram suficientes para o fazer desaparecer. E a razão é simples: é que o nacionalismo não nasceu com a ditadura do Estado Novo! Ela simplesmente o exacerbou; o nacionalismo, no caso de Portugal, teve a sua primeira manifestação palpável e comprovada entre 1383 e 1385 quando o reino correu o risco de ser absorvido por Castela. Muitos séculos de História nos foram moldando e mais à nossa forma de ser, de pensar colectivamente e de estar na Península, na Europa e no Mundo. Muito mais cedo do que a França, a Itália, a Espanha, o Reino Unido, a Alemanha e quase todos os Estados dessa Europa, Portugal ganhou uma identidade nacional e, por conseguinte, uma mentalidade colectiva sobre a qual um dia escreverei. A imposição de regras de uma construção política recente é, em certos casos, para todos nós, uma violência que os nossos políticos desprezaram, porque deram ao nacionalismo o significado depreciativo sem cuidarem de perceber aquele que enobrece e se herda do e no colectivo onde se nasceu e se vive.

12.08.15

As Austeridades


Luís Alves de Fraga

 

Quando, em 1928, António de Oliveira Salazar tomou conta da pasta das Finanças limitou-se a prometer aos Portugueses uma austeridade férrea desde que as Forças Armadas conseguissem impor a ordem nas ruas e a paz nas consciências; ele faria o papel de qualquer boa dona de casa: não gastar mais do que se tem como receita.

 

Salazar tinha um primeiro objectivo: equilibrar o orçamento. Correlativamente a este “nasciam” outros: fazer parar toda a reivindicação social, reduzir as despesas do Estado ao mínimo essencial, desenvolver, dentro do possível, as fracas exportações portuguesas e impedir a quase total importação de bens do estrangeiro. No fundo, Portugal tinha de viver de si mesmo. Mas Salazar, manhoso como era, (o Manholas assim alcunhado, mais tarde, por Henrique Galvão) sabia que lhe era imprescindível obter o apoio de uma quase mísera classe média nacional. Assim, tinha de ir ao encontro dos seus desejos: acima de tudo, nas cidades e vilas, acabar com a desordem pública e as reivindicações das classes mais desfavorecidas, mas garantir-lhe um salário de subsistência regularmente pago a tempo e horas e na quantia estipulada; sub-repticiamente “fechou os olhos” à redução dos horários de trabalho da função pública e de todos os servidores do Estado, não invocando rentabilidades “aparentes”, de modo a que alguns elementos dessa classe média pudessem acumular outras formas de obter rendimentos. Foi um jogo de equilíbrios, pois, a par desta “jogada” pôs outra em “circulação”: a mãe é o elemento fundamental da educação dos filhos, por isso, terá de ficar em casa cuidando da sua prole e do governo do lar (é evidente que esta perspectiva só tinha aplicação entre a classe média urbana), podendo socorrer-se do auxílio de uma jovem empregada, vinda da província para a cidade, fugindo à fome e à miséria do campo. Assim, havia trabalho para “todos” sem excessiva sobrecarga do Estado que pagava, mas pagava mal, embora a tempo.

O resultado desta prática social e financeira manhosa foi a gestação de uma classe média apoiante do Estado Novo que Salazar criou a partir de 1933. Por outras palavras, o ditador desenvolveu apoios para a prática da austeridade enquanto os desenvolvia para lhe servirem, também, à sua política! A paz nas consciências construiu-se na base de um nacionalismo de fraquíssimas capacidades financeiras que foi encontrar a fonte da sua fertilidade na aposta de Salazar na valorização da moeda corrente, de então, o escudo. Realmente, ele empenhou-se no equilíbrio orçamental e na capacidade de compra do escudo nos mercados de capitais estrangeiros. Isto “falava” ao coração de uma grande fatia de portugueses, que aceitou viver remediadamente contra uma afirmação de “poder” de Portugal dentro e fora de fronteiras.

O nacionalismo português assentou sobre estes dois pilares: condições de apoio de uma fraca classe média desejosa de estabilidade política, financeira e social e vaidade de afirmação internacional, através do apelo a um sentimento de “grandeza” perante a estranja, ao qual a parolice nacional é extremamente sensível.

 

As quatro décadas que decorreram de 1928 a 1968 não sofreram significativas alterações no quadro que acabei de traçar; essas ocorreram com Marcelo Caetano, entre 1969 e 1974, que permitiu uma abertura ao consumo externo e, mais do que isso, à saída de uma total miséria das populações campesinas, através da criação de reformas de velhice, ao mesmo tempo que dava ao Estado um estatuto de providência pela criação da ADSE e de soluções correlativas para as Forças Armadas. No fundo, para além de uma modernização que se impunha, ele, mantendo algumas das estabilidades de Salazar, estava a tentar encontrar apoios políticos entre os rurais, pois a pequena classe média urbana ainda era fiel à memória do antigo ditador.

 

E a austeridade imposta pela Troika? Qual é o sentido dela?

É aqui que nasce toda a instabilidade inicial no pós-2011, porque é uma austeridade sem “sentido”. Não é nem nacionalista, nem defensora da classe média, nem dos trabalhadores menos qualificados. É uma austeridade exógena a Portugal e que não faz sentido na cabeça dos Portugueses. É imposta por causa da crescente dívida externa que, afinal, não pára de crescer; é imposta por causa do défice orçamental que, afinal, não se resolve de forma nenhuma, pois até aceita que exista dentro de certos limites (como, aliás, é de boa prática no sistema actual de produção e consumo). É uma austeridade anti-patriótica, que subordina Portugal aos ditames de Bruxelas e de Berlim. É uma austeridade que se justifica somente a ela. Mas é uma austeridade perigosa, por dois motivos: destrói o Estado, alienando o património produtivo estratégico nacional (coisa que na ditadura salazarista aconteceu exactamente ao contrário: o Estado foi assumindo o papel dos detentores de capitais em companhias estrangeiras implantadas em Portugal) e, pior do que isso, porque alguns, por pequenos que sejam, resultados apresentados no plano económico, leva a fazer crer, em certos sectores menos esclarecidos da população, que se trata de uma austeridade com sentido nacionalista, provocando uma resposta popular semelhante à que, as classes médias do início da ditadura, deram a Salazar.

É este último aspecto que tem de ser bem compreendido. Esta austeridade não se faz em nome de Portugal, mas em nome dos interesses internacionais da alta finança internacional. Esta austeridade é tão anti-patriótica como, noutros tempos, se dizia que era anti-patriótico o Partido Comunista Português por, aparentemente, obedecer á ordens de Moscovo. Isto é que tem de ser desmascarado perante os Portugueses que, embebedados pela propaganda de uns números que nada dizem de verdade palpável, apostam na votação na coligação que está a vender Portugal a preço de retalho!

Esta austeridade é contra a classe média, contra as classes mais desfavorecidas, contra os velhos, as crianças, os doentes, os homens e as mulheres. Contra todos nós. É uma austeridade destrutiva, ainda que a de Salazar não fosse absolutamente construtiva.

Os autores desta austeridade não apostam, como Salazar, no governo da Pátria segundo os princípios da boa dona de casa! Esta austeridade é imposta pelos vendilhões do Portugal de sempre. Eles mentem. Eles falseiam, porque estão dominados pela teia de interesses da União Europeia e, mais do que tudo, pelos interesses da moeda única que só favorecem as grandes potências económicas da Europa.

07.08.15

Centro Cultural de Belém


Luís Alves de Fraga

 

Já "ninguém" se lembra (este ninguém tive de pô-lo entre aspas por razões evidentes, para alguns) como nasceu, logo após a adesão à CEE, a megalomania das obras públicas em Portugal.

Não, dizem alguns dos meus leitores, recordando a construção da auto-estrada de Vila Franca para o Porto, porque a de Lisboa até à primeira localidade referida vinha já do tempo do fascismo nacional e nacionalista!

 

Sim, claro, a auto-estrada... mas essa parecia necessária, independentemente de se ter até podido optar pela melhoria das ferrovias, coisa que não se fez, antes pelo contrário. Nesse tempo, ainda se estavam a instalar as grandes construtoras de interesses "betonescos" (neologismo, por mim criado, oriundo de betão). Contudo a construção civil era, de há muito, a grande "indústria" nacional. Havia que apoiá-la. E o Governo Cavaco Silva não se fez rogado! Avançou para a obra megalómana do Centro Cultural de Belém.

 

Por favor, não me venham, os frequentadores e simpatizantes do actual Centro Cultural de Belém, tecer louvores à iniciativa! Eu sei o que ela vale e para que vale! Contudo, não esqueci a imensa polémica que à sua volta se gerou! Quem tiver dúvidas, consulte os jornais da época. Porque, para além de, então, se colocar em causa a sua necessidade, houve a derrapagem de custos que, para aquele tempo, foi enorme! E alguém ganhou muito com isso!

 

E todos os que contestaram a obra, desde o estilo à localização, desde o custo à dimensão, estavam cheios de boas razões! O Centro Cultural de Belém é um sorvedouro de dinheiro público e a lógica custo-benefício, se não for manipulada, demonstra que noutro local, noutras condições e noutro tamanho, quiçá por mera recuperação de um imóvel clássico já existente, se poderia ter o mesmo com menores custos.

 

Foi a parolice de um Governo impante de balofa vaidade que pariu aquele monstro para concorrer com o que de melhor há lá por fora. Ora, se a concorrência se fizesse a outros níveis, talvez os humanitários, a "fotografia" ficasse melhor!

Que ninguém me julgue contra a cultura! Não é disso que estou a escrever; o que eu condeno é esta mentalidade de fazer ou ter alguma coisa que seja maior e melhor do que o existente na estranja! É a ponte Vasco da Gama, é isto e aquilo e ninguém se preocupa com o sermos os melhores no desenvolvimento de políticas sociais, de cuidados com as nossas crianças e com os nossos velhos, com os bons planeamentos políticos e infra-estruturais do país.

 

Somos tão parolos, tão novos-ricos, tão imbecilmente vaidosos, tão dados à mera aparência e tão pouco profundos nos valores verdadeiramente estruturantes da sociedade e do civismo!

 

O Centro Cultural de Belém está de pé como padrão desta indigência política e desta pobreza de costumes. Não se esqueça quem o quis rapidamente acabado para servir de sede para as reuniões da primeira presidência de Portugal na CEE. Só isso terá feito sorrir cinicamente os políticos das grandes potências europeias de então.