Contradições de um tempo ilógico
Pus-me a reflectir sobre a crise europeia, a crise da Grécia, a de Portugal e todas as muitas outras que não vou enumerar. Detectei contradições profundas neste tempo feito de ilogicidades económicas e financeiras. Quero dar conta de algumas só para se perceber o anormal funcionamento da “máquina” que se nos impõe, a nós, meros cidadãos incautos e impreparados.
Comecemos por um lado para, depois, passarmos a outros. A escolha é indiferente.
Nos últimos vinte e cinco ou trinta anos o salto tecnológico, especialmente no domínio da electrónica, foi espantoso! Há um abismo entre as máquinas de calcular eléctricas, para não falar das manuais, de há cinquenta anos e os actuais telemóveis, tablets, computadores portáteis, que juntam valências de várias maquinarias numa só! Máquinas que já não carecem de ecrã, pois a pele do braço pode fazer essa função. O abismo mantém-se se pensarmos na diferença entre velhos artefactos para medir a tensão arterial, pulsações, desgaste de calorias, medição de peso e simples “relógios” actualíssimos que fazem tudo isso ao mesmo tempo.
Este presente é já um futuro e o futuro de amanhã será o limite da imaginação esboçada há cinquenta anos.
Pois bem, tudo isto está disponível para ser comprado. Tudo isto e muito mais que não é necessário referir. Mas comprado por cada um de nós. Tudo depende é da capacidade financeira de que se dispõe. Contudo, a tendência é para os preços irem baixando de forma a tornar acessível o produto a quase todas as bolsas. Só assim se justificam os avanços tecnológicos, pois se fossem feitos para servir a uma elite não valia a pena, porque o investimento em investigação não era compensado pela produção massiva.
A macro ideia que comanda a inovação é delimitada por duas balizas: 1) fazer que a produção seja acessível ao maior número de gente — teoricamente, a todos os cidadãos do planeta; 2) fazer que, em curto espaço de tempo, a modernidade de um artefacto seja ultrapassada pela modernidade de um outro que traz vantagens e se torna mais apelativo. A sociedade da abundância carece de compradores; se os não tiver morre e a modernidade acaba.
Neste mesmo sentido, nesta mesma linha, seguem os cuidados de saúde para, lutando contra a morte, manter um mercado de “compradores de vida”; e o mesmo se passa com a educação/instrução, pois quanto mais, maior e melhor for a instrução dos cidadãos mais cedo entram, ou fazem entrar os encarregados do crescimento das crianças, no mundo de um certo tipo de consumo sofisticado.
Para que tudo isto seja viável e possível é imprescindível que haja paz e segurança nas sociedades e, por isso, exige-se competência das forças policiais e celeridade na justiça.
Quem é que pode garantir o funcionamento estável das sociedades? O Estado. Somente ele é o garante de todo o equilíbrio. Quanto mais o mercado oferece para consumo tanto mais o Estado tem de crescer para gerar ordem e capacidades aquisitivas, pois, nos países economicamente pobres, a única grande fonte de rendimentos provém do emprego na máquina estatal. E neste caso, para o Estado gerar os equilíbrios necessários à satisfação de um mercado competitivo e sempre em modernização, não tendo como nem quem taxar, para aumento dos rendimentos, tem de endividar-se para conservar as capacidades aquisitivas dos cidadãos. A dívida é o componente essencial á manutenção de uma amplitude sempre crescente do mercado. Sem dívida o mercado “encolhe”. Sem medicamentos e sem meios de diagnóstico precoces e eficazes aumenta a taxa de mortalidade infantil e a de idosos, gerando-se, por conseguinte, uma contracção das potencialidades aquisitivas. Sem dívida o Estado gera desemprego, “matando” potenciais compradores. Sem dívida a receita do Estado não carece de ser tão grande e a cobrança de impostos pode baixar até ao limite mínimo da sustentabilidade do aparelho, ou seja, até ao limite da incapacidade quase total de aquisição dos cidadãos, logo, até à retracção da produção; logo, até à estagnação da investigação e da modernidade.
É aqui que estão as contradições de um tempo ilógico, pois, ou se deseja ampliar o consumo para sustentar a possibilidade de aumento do mercado produtor e vendedor; ou se deseja ganhar margens de lucro financeiro por aumento das taxas de juro nos empréstimos com prejuízo da evolução do mercado e, por conseguinte, da economia, da investigação, do progresso e do bem-estar.
Fui capaz de me fazer compreender?