"Comprar" políticos
As ideologias desapareceram, as doutrinas políticas passaram a ser histórias de outros tempos. Discutir política deixou de ser escolher um caminho que nos conduz a um fim de vida mais justo, mais tranquilo, mais repousante; discutir política deixou de ser uma forma de se pensar que vale a pena viver, que a vida faz sentido, que os homens estão empenhados em servir a sociedade para o bem dela. Discutir política foi deixar de optar por soluções racionais ditadas pelo bom senso de cada um.
Não se discutem mais, em Portugal, ideologias e doutrinas políticas; discutem-se políticos e, vagamente, programas de governo.
Os programas de governo deixaram de reflectir a ideologia política e a doutrina, porque passaram a ser meros enganos, meros slogans para colocar nas cadeiras do Poder este ou aquele político. Os programas de governo são mentiras que se apregoam para criar ilusões temporárias que se consomem durante a campanha eleitoral; são frases que não valem o seu sentido e não querem dizer nada.
O Omo lava mais branco, como branco lava o Ariel, e a pasta Colgate deixa os dentes a brilhar como a brilhar ficam se se usar Sensodine. Tudo isto é mentira; são frases que servem para gerar ilusões e levar o consumidor a comprar o último produto que viu anunciado ou que está melhor exposto nas prateleiras do supermercado. E o mesmo acontece com os partidos políticos, com os candidatos eleitorais. Eles são “produtos” anunciados segundo as mesmas regras que dão cobertura à venda do OLX como processo de obter dinheiro.
Os fabricantes não dizem qual é o agente activo que desenvolve os glutões do Presto, porque ele não existe ou é exactamente igual ao mesmo que dava qualidades ao Tide. Os “fabricantes” dos candidatos não nos dizem qual é diferença real, qual é a ideologia e a doutrina que suporta este político em detrimento daquele, porque, no mundo globalizado não há diferenças: há igualdades. “Compra-se” a cara deste político e não a daquele, porque experimentámos o segundo e verificámos que não “lava mais branco” como tinha sido anunciado! Talvez o outro “lave” melhor e deixe a sociedade mais branca.
E porque é assim, no fim das campanhas eleitorais, os políticos que perdem substituem-se por outros! Não se substitui a doutrina, a ideologia, nem mesmo o programa; substitui-se o político! Não tinha perfil ganhador, não foi “adquirido” pela percentagem de eleitores que fariam dele o novo “campeão das lavagens e da brancura”, que é exactamente igual à do outro que saiu vencedor.
Escapam, por uma unha negra, deste quadro os candidatos do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda. Escapam, mas, mesmo assim, têm de usar de uma linguagem próxima do “marketing”, caso contrário a sua percentagem de representação andaria muito por baixo. Também eles já deixaram de discutir a ideologia e a doutrina para passarem a discutir o programa, a “brancura” do “detergente” e a economia do Fairy.
É o sistema que está errado! E todos nós deixamos que o sistema de imposição de necessidades capitalistas se expanda até à política, obrigando ou condicionando as nossas escolhas! Condicionando-nos entre o Skip e o Omo, entre o Rexina e o Dove e assim por diante. E nós deixamos e não desmontamos este embuste. E não nos impomos aos órgãos de comunicação social que se tornam as caixas de ressonância desta propaganda que já não é, por ter passado a publicidade do tipo mais corriqueiro que pode haver. E nós deixamos, porque não impomos aos comentadores e opinadores políticos que vão ao fundo dos programas e descubram a ideologia e a doutrina política que está escondida, disfarçada por uma publicidade altamente enganosa.
Não nos queixemos! Façamos alguma coisa! Eu, agora, já fiz uma das minhas partes; convém que cada um faça a sua.