Forças Armadas por e para quê?
A existência de Forças Armadas num país em situação de crise financeira e vivendo em paz com toda a gente há quase cem anos – se excluirmos a guerra colonial, que resultou de uma teimosia política e de uma abstrusa forma de compreender o passado e, acima de tudo, o futuro – parece um desperdício em dinheiro e em preocupações. Parece, mas, realmente, não é! E vamos tentar perceber porquê!
A existência de Forças Armadas num Estado independente tem uma finalidade que vem desde a mais distante história da humanidade e que se apoia no provérbio latino, cuja autoria é vulgar atribuir a Plubius Flavius Vegetius Renatus: “Si vis pacem, para bellum”, cuja tradução livre poderá ser: “Se queres a paz, prepara-te para a guerra” ou “prepara a guerra”. Quer, por conseguinte, transmitir a ideia de que a paz se consegue através da dissuasão. E isso é uma verdade tão evidente, que todos nós a praticamos no nosso dia-a-dia, pois não nos dispensamos de usar boas portas blindadas em nossas casas com o melhor tipo de fechaduras que garantam a dificuldade de penetração por parte dos ladrões e, se possível e se justificar, até nos ligamos, com alarmes, a centrais de vigilância e segurança domésticas, porque, no fundo, estamos a dissuadir os ladrões de nos assaltarem. Essa dissuasão pode ir para além das medidas passivas que referi, pois se nos munirmos de uma arma de fogo que esteja em local de fácil e rápido acesso, poderemos, em caso de assalto, fazer disparos intimidatórios ou, em último recurso, balear o assaltante. E, com tudo isto, estamos, antecipadamente, a prepararmo-nos para evitar a penetração de estranhos indesejáveis no nosso espaço familiar, na nossa casa. Estamos a contrariar o provérbio bem português: “Depois de casa roubada, trancas à porta”.
Os Estados mais pacíficos do mundo são aqueles que declaram adoptar, em permanência, o estatuto de neutrais perante todo e qualquer conflito. E, pareceria lógico, deveriam ser aqueles que menos importância atribuiriam às Forças Armadas… são neutrais! Pois, ao contrário, são os que melhor e mais se preocupam com a defesa e segurança, porque sabem que a ausência delas é um incentivo para verem o seu território, o seu espaço soberano e nacional invadido e utilizado pelos contendores, se dele precisarem. Está esquecido que Portugal na 2.ª Guerra Mundial adoptou a neutralidade e que, por isso mesmo, mobilizou numerosas forças militares de reserva para reforçarem as guarnições dos arquipélagos dos Açores e de Cabo Verde, pois estavam sob a mira de ocupação por parte dos Aliados e por parte das potências do Eixo. Seria Portugal capaz de opor-se a um desembarque aliado ou germânico em qualquer dos territórios em causa? Está visto que não! Ofereceria a resistência possível e conveniente para deixar bem claro, na opinião pública internacional, que havia sido vítima de um ataque que não desejava e isso seria suficiente para, nas negociações de paz, fazer valer o seu direito soberano sobre aqueles arquipélagos, para demonstrar que havia lutado para defender a neutralidade previamente proclamada, independentemente de, no plano político ter traçado actuações que favoreceram mais este ou aquele dos contendores.
Claro que levanta-se um problema quando se fala de dissuasão em defesa: a credibilidade. Voltemos ao exemplo da nossa casa que procuramos defender de assaltos de ousados ladrões.
Se, em vez de comprar uma pistola verdadeira e de calibre legalmente consentido, eu me munir de uma pistola que imediatamente qualquer leigo se apercebe tratar-se de uma arma de alarme, eu estou a usar uma falsa medida de dissuasão que me causará mais medo de a mostrar do que me garantirá qualquer segurança. Ou seja, no caso dos Estados, a dissuasão tem uma medida abaixo da qual é preferível que não exista, pois, na verdade, só engana quem julga que está seguro e não dá credibilidade, junto da opinião pública internacional, sobre a verdadeira intenção de efectiva salvaguarda de quem a usa.
Portugal não tem inimigos, dizem alguns; outros resguardam-se atrás da OTAN; outros, escondem-se na paz que a UE conseguiu estabelecer no espaço geográfico da Europa. Assim sendo, para quê necessitamos de Forças Armadas? Um policiamento mais “abrangente” já chega para salvaguardar as nossas fronteiras – e a marítima, em especial, por ser a que realmente existe – das aproximações de indesejáveis traficantes de droga. Pura ilusão de quem nada percebe de defesa nacional!
“Debaixo dos pés se levantam os trabalhos” diz o nosso povo na sua empírica sabedoria e, no caso em análise, tem razão. É que os Estados regem a sua postura na cena internacional com base nos seus interesses… E Portugal tem interesses nacionais que, infelizmente, por falta ou baixa cultura estratégica dos nossos governantes e da nossa comunicação social, a maioria de nós desconhece. Interesses que importa defender da cobiça alheia e, por regra, não constitui maior ameaça aos interesses nacionais de um Estado o chamado “inimigo tradicional”! Normalmente, a maior ameaça vem do “amigo” mais improvável, do “amigo” que maiores provas de “amizade” quer dar. Assim, um Estado tem de estar atento aos seus interesses, identificá-los com muita precisão e segurança e criar o seu sistema defensivo virado, em primeiro lugar, para as ameaças prováveis e, depois, suplementarmente, para as menos evidentes. Isto supõe a identificação dos interesses do Estado, a definição de um conceito de defesa e, depois, o estabelecimento de um sistema militar dissuasor que evite a efectivação das ameaças sobre os interesses identificados.
As Forças Armadas servem para garantir a nossa segurança física, económica e a liberdade de manobra política, diplomática e económica de que carecemos.
Só um Governo formado por ignorantes ou objectivamente traidores aos interesses do Povo pode levar a que as Forças Armadas se tornem num instrumento inútil. E que não nos venham dizer que é sempre possível reduzir a quantidade de Forças Armadas em função da missão que para elas se definir, pois ficamos, relativamente a quem tal opina, com a certeza de que, para além de nada perceber de estratégia, é mero economista de pacotilha.