Seguro e os impostos
Dedico este apontamento à memória do meu saudoso Professor de Economia Política, Dr. Luizélio Saraiva, que me iniciou no conhecimento dos clássicos e descobriu em mim o pendor para a compreensão destes fenómenos sociais.
Conheço António José Seguro pessoalmente. Conheço-o há coisa de doze anos e sei que será honesto e verdadeiro enquanto o puder ser. A prova disso mesmo deu-a ontem quando lhe perguntaram se, sendo Primeiro-Ministro, baixaria os impostos ao que respondeu, sem hesitações: Não!
Nem Seguro nem ninguém pode baixar os impostos que estão lançados sobre os Portugueses! É uma questão de modelo económico. Deixem que tente explicar-vos o meu ponto de vista.
A economia de qualquer Estado carece de empréstimos bancários para aumentar os investimentos produtivos e não produtivos, porque, para se ser concorrente numa economia de mercado, tem de se produzir mais e mais barato e isso exige emprego de capitais que, normalmente, não estão em mãos de particulares. A maquinaria e as matérias-primas estão a preços de tal monta que nenhum capitalista arrisca toda a sua fortuna em um só investimento. Assim, a banca tem de estar por trás de todos os empreendimentos produtivos de vulto. Depois, os salários que se têm de praticar devem permitir ao trabalhador poder usufruir da aquisição dos bens produzidos, caso contrário a produção tende a baixar e a não se tornar rentável o investimento. Assim sendo, o empreendedor deve pagar bem aos empregados e tanto melhor quanto mais complexo for o trabalho executado e mais sofisticada for a maquinaria utilizada. Para tudo isto é necessário dinheiro que o capitalista não tem. A banca está, então, por trás da economia. Mas a banca, como alavanca do desenvolvimento e da produção, tem de viver do juro dos empréstimos. Mas juros não especulativos, caso contrário ela própria inibe a sua função fundamental de motor económico.
Ora, o que acontece é que a banca mundial, em função da chamada dívida soberana, ou seja, a dívida dos Estados, optou por especular com o juro dos empréstimos e, desta forma passou a boicotar a sua real função económica para entrar na atitude usurária obrigando os Estados a, para se financiarem, pagarem cada vez juros mais altos.
A Europa aceitou este tipo de “jogo” ao querer manter a cotação elevada do euro e, ao mesmo tempo, não aceitando impor uma política de resistência à especulação financeira. O mecanismo que defende a desvalorização do euro é o cumprimento do défice orçamental dos Estados dentro de um determinado valor, ou seja, os Estados não se podem endividar mais e, pelo contrário, tem de pagar o que devem à banca, mantendo os níveis de produção. Ora, isto é absolutamente impossível, porque para pagar à banca tem de se cobrar mais impostos e, ao fazê-lo, retira-se capacidade de consumo aos consumidores e, desta maneira, obriga-se a reduzir a produção o que provoca a espiral recessiva.
Vendo a questão deste prisma só há um processo de travar a “descida” aos infernos e à miséria: acabar com a especulação financeira, renegociar a dívida, renegociar os juros, repor a banca no seu lugar dentro da actividade produtiva, ou, dito de outro modo, reconduzir a banca à sua normal função de respaldo da economia de mercado. Mas isto não o pode fazer a Grécia ou Portugal ou a Irlanda sozinhos! Quem tem de liderar este processo tem de ser a União Europeia, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e todas as entidades que, de alguma maneira, tenham influência nos meios financeiros mundiais.
Eis a razão pela qual António José Seguro não pode prometer aos Portugueses uma redução dos impostos! Eis a razão pela qual o Estado tem, realmente, de emagrecer pois não se pode gerar défice estatal para suportar despesas não “rentáveis” do ponto de vista restrito da gestão financeira (claro que a despesas de saúde pública, de educação e de segurança têm um valor “económico”, mas é um valor que para as finanças é marginal). O Estado Social pode e deve existir a partir de uma economia competitiva e saudável que contribua com a carga tributária para o sustentar.
Volto a olhar para o passado: os nossos governantes – todos, mas mesmo todos – não foram capazes de ter uma visão estratégica para, no tempo do crédito fácil e barato, incentivar o tecido produtivo – mas produtivo na óptica da nação e não dos amigalhaços, porque, nem sempre, ou quase nunca, o que é bom para os amigalhaços é bom para o país! – a gerar riqueza que possibilitasse a obtenção de uma carga fiscal que reduzisse a necessidade do Estado se financiar para sustentar todos os que viveram e vivem à sua custa. O Estado não podia nem devia ter continuado a ser o grande empregador em Portugal sem que estivesse respaldado numa economia muito forte e muito saudável. Foi esta falta de visão estratégica e este descuido económico que nos lançou no plano inclinado em que estávamos quando José Sócrates tentou negociar mais um PEC, o IV, que toda a gente política – mais uma vez, com falta de visão estratégica – chumbou e não apoiou. A União Europeia, nessa altura, ainda estava a tentar evitar que Portugal declarasse “falência”, pedindo ajuda externa. Mas aí, também a banca nacional teve culpa e ganância, porque, ao ver-se em risco de falência técnica, exigiu a intervenção do FMI e outros que, naturalmente, sabendo a importância dos bancos para o equilíbrio económico, a iriam defender.
Fui longo, mas estas coisas não se tratam em duas linhas. É minha intenção deixar, tanto quanto o meu engenho e conhecimentos mo permitem, os meus Amigos e Leitores esclarecidos, porque, em economia e finanças, não há milagres!