Controlar a dívida ou pagar?
Há quase trinta e dois anos, comecei a leccionar introdução à macro e micro Economia, numa instituição de ensino superior militar, num curso com a duração de trinta e seis horas. Fi-lo durante cinco anos e, enquanto ensinava, vivíamos a segunda intervenção do FMI em Portugal. Recordo que, no ano lectivo de 1983/84 e no seguinte, durante as aulas, havia acesos debates sobre como sair da crise que, então, atravessávamos. O desequilíbrio orçamental era uma das questões que mais discussão provocava, pois estava ainda bem viva a política salazarenta dos orçamentos com superavit e o mito que à volta desta “necessidade” se havia criado. Foi difícil convencer alguns alunos que a dívida em si mesma não era um mal, que a existência de um défice orçamental não constituía um perigo, que tudo dependia da capacidade de controlo sobre a dívida e o respectivo desequilíbrio.
A dívida, por estranho que pareça, é uma necessidade de uma economia em crescimento. Se um Estado vivesse, teoricamente, sem dívidas, em princípio, a sua economia estaria condenada à estagnação, pois constituiria um sistema fechado onde o investimento não crescia e onde, por conseguinte, os níveis de produção, de venda e de procura seriam sempre os mesmos: ou elevados, ou médios ou baixos. O sistema produtivo, para poder crescer, depende de aumentos de capital orientados para a produção, mas depende, também, de disponibilidade financeira para que haja consumo, de preferência, superior aos níveis produzidos. Ora, só há três formas de fazer crescer o capital financeiro dentro do sistema produtivo: as remessas financeiras dos emigrantes (que alimentam os bancos e fazem crescer os depósitos e, por conseguinte, a capacidade de empréstimo para investimento), a captação de empréstimos nacionais e estrangeiros (para conseguir o mesmo efeito anteriormente descrito) e a criação de mais moeda em circulação (ou seja, um decréscimo do valor do dinheiro o qual, durante escassos momentos, gera a impressão de uma saudável existência de capital… Não podemos esquecer que o real valor da moeda em circulação é proporcional ao valor da economia, já que a moeda, sendo também uma “mercadoria”, constitui o termo de comparação para efectivação de compras e vendas de bens).
Onde quero chegar com este arrazoado?! Somente à conclusão de que, tal como afirmou José Sócrates há uns tempos – e não foi compreendido – as dívidas não são para pagar, são para se ir pagando, ou seja, a dívida negoceia-se porque ninguém empresta a um Estado com a economia falida! Empresta-se dinheiro às economias florescentes e, como acabei de demonstrar anteriormente, o florescimento da economia só se consegue se houver investimento e o investimento só se alcança através de empréstimos orientados para a produção. Claro que há vias alternativas a este ciclo, mas são mais onerosas para o próprio Estado; uma delas é a venda de empresas que são pertença pública, como foi o caso da EDP. Não se trata só de um encaixe de dinheiro para ser canalizado para a supressão do défice, mas a esperança de que os compradores façam investimentos suplementares no país – o que supõe uma mão-de-obra barata – para gerar mais emprego e, por conseguinte, maiores capacidades aquisitivas da produção nacional, ampliando a sustentabilidade da economia do país.
De tudo se pode concluir que a Economia Política é uma ciência susceptível de ser matematizada até certos limites e, ultrapassados estes, transforma-se num jogo de pura lógica onde impera a dialéctica resultante de forças opostas que procuram os melhores resultados. Assim, repito, o caminho preferível em relação à dívida, não é o da sua liquidação, mas o da negociação da mesma, já que, como vimos, a sustentabilidade de uma economia se baseia no aumento da sua capacidade de crescimento, controlando os efeitos colaterais que isso provoca, um dos quais é a desorientação da dívida e outro é o desequilíbrio ambiental.