Que se lixem as eleições!
Não. Não critico a frase de Passos Coelho e julgo que ela foi mal interpretada por muitos jornalistas e comentadores. O Primeiro-ministro disse exactamente o que queria dizer: em primeiro lugar está Portugal, depois vêm as eleições… se as perdermos – sejam elas quais forem – que se lixe, pois cumprimos o nosso dever, o nosso dever de governantes!
Este é o discurso do anti-oportunista ou de quem o deseja parecer. É o discurso, afinal, do maior oportunista que se pode conseguir em democracia. É o discurso de quem parece desinteressado de algo no qual tem muito interesse! É o discurso do “pobre de mim” já muito bem ensaiado por Fernão Mendes Pinto na sua “Peregrinação”. É o herói anti-herói.
Que se lixem as eleições, porque temos um objectivo muito mais alto para defender: Portugal e os Portugueses. Isto cala fundo nos eleitores que, em face de tanto sacrifício, até estão dispostos a votar em Passos Coelho para manterem no Poder o homem que tudo sacrifica em nome dos Portugueses!
A oposição tem de desmascarar este discurso! Tem de provar que Passos Coelho está, afinal, a sacrificar para além de todos os limites, os Portugueses! Que os sacrifícios não são para o bem de Portugal, mas para o bem de uma determinada ideologia que até se preocupa mais com o bem-estar dos ricos do que com o mal passar dos pobres! Que se está nas tintas para o empobrecimento da Nação desde que os mercados financeiros não percam o muito que podem ganhar com Portugal!
Que se lixem as eleições foi um grito de puro cinismo político, de desprezo pelos Portugueses ao mesmo tempo que parecia apelar à sua generosidade. Esta falsa opção está ao nível da outra que Hitler colocou aos Alemães: “canhões ou manteiga?”, Opunha uma falsa dignificação da Alemanha contra o sacrifício continuado dos Alemães – se quiserem canhões temos dignidade internacional, mas carências nacionais – … e tal opção levou-os à guerra, à derrota e ao descalabro. Exactamente como vai acontecer com Portugal: caminhamos para a miséria, para o fim do Estado-social, mas ganhamos o respeito dos “mercados”! Que raio de opção!
Estamos num beco sem saída, mas entre esbarrar contra o muro ao fundo do beco e admitir que se podem arranjar escapatórias “laterais”, que se pode abrir um “buraco” no muro, há muitas alternativas.
Passos Coelho quis ser o “pobre de mim”. Quer ser – ele e o seu partido – o “salvador” da Pátria, jogando o jogo da vitimização. Salazar também fez constar que pagava do seu bolso as despesas de aluguer, água, luz e telefone da sua residência oficial – o palacete em S. Bento – tal como pagava o aluguer da fortaleza onde passava férias junto ao mar. No fundo, gritava aos quatro ventos: “que se lixe o dinheiro”, porque estou disposto a sacrificar tudo pelos Portugueses! E o tudo era aquilo a que a grande maioria das pessoas dá grande importância: o dinheiro! E a quê que dão importância os partidos? Às eleições! E porquê? Porque, tanto Salazar como todos os partidos políticos, o que mais desejaram e desejam é a posse do Poder.
Cuidado com estes “salvadores da Pátria” e mais a sua demagógica abnegação! Levam-nos à ruína e ainda lhes batemos palmas, se não estivermos avisados!