Rotativismo e falência política
Como é sabido, na segunda metade do século XIX, em Portugal, funcionou um sistema de governação que passou à História com a designação de Rotativismo em consequência da alternância sucessiva de dois partidos no Poder. Alternância que poucas ou quase nenhumas alterações trazia à governação. Era sempre, como soe dizer-se, mais do mesmo. Era o liberalismo português no seu máximo esplendor. As oposições eram fracas e com quase nula representatividade no parlamento; a mais poderosa foi, sem dúvida, a oposição republicana, especialmente a partir dos últimos vinte anos da centúria.
O sistema de rotação conseguiu manter-se porque, por força das leis eleitorais, reduzia a capacidade de resposta da oposição republicana, limitando os votos a uma minoria de eleitores que estava longe de representar a população do país; representava, isso sim, os interesses de uma oligarquia bem instalada na vida. Ao Partido Republicano Português (PRP) restavam duas alternativas para se engrossar: arrebanhar para as suas fileiras os intelectuais descontentes com a Monarquia (o analfabetismo era da ordem dos 75%) e toda a massa de gente que se situava na muito pequena burguesia urbana e no proletariado de então.
Limitado no campo eleitoral só restava ao PRP, como alternativa para conquistar o Poder, o golpe revolucionário. O que se impunha para tal? Primeiro, que houvesse espírito de revolta nas massas populares; depois, que houvesse organização revolucionária; finalmente, que alguns sectores das Forças Armadas estivessem empenhados na tentativa.
O espírito de revolta foi surgindo à medida que a governação e o trono impuseram condições de vida cada vez mais insuportáveis; a organização revolucionária minimamente estruturada ampliou-se quando encontrou terreno propício para se enraizar; por fim, a adesão das Forças Armadas fez-se em grande quantidade ao nível dos soldados, dos cabos e dos sargentos quer do Exército, quer da Armada, sendo que foram poucos os oficiais verdadeiramente empenhados na conspiração e revolta. O 5 de Outubro de 1910 foi o que toda a gente sabe: a vitória da República contra a Monarquia repressiva e oligárquica.
Vem esta introdução a propósito dos tempos que correm. Eu bem sei — e não me canso de o afirmar — que a História não se repete, o que se repete são certos planos do cenário histórico onde os factos tiveram lugar. A Politologia, a Estratégia e a Sociologia, na sua actividade científica, mas também, prospectiva, vivem muito da exploração dessas semelhanças, dessas aparentes repetições. Vejamos, então, os paralelismos possíveis.
Em Portugal, depois da estabilização da democracia, a seguir ao PREC (Processo Revolucionário Em Curso), passou a assistir-se a uma rotatividade no Poder: ou está na governação o PS, ou o PSD (sozinho ou associado ao CDS), ou, em última instância, o PS mais o PSD. O eixo da governação estende-se da chamada esquerda moderada ao centro, com fugazes associações da direita parlamentar. Os objectivos políticos levados á prática por este eixo quase têm coincidido, variando em aspectos que não são de fundo.
O eixo rotativista do pós-PREC, em função da maior ou menor abundância de capitais, apostou na criação e manutenção de uma oligarquia financeira, supostamente empenhada no desenvolvimento nacional, mas tendo em mira o máximo enriquecimento. Paralelamente, esse mesmo eixo deixou “engordar” a máquina do Estado, levando e gerando a pequena e média burguesia a viver do Orçamento ou dependendo, em grande parte, dele através da subsidiocracia. Formou-se, assim, uma espécie de “proletariado administrativo” a que se dá o nome genérico de trabalhadores a par dos trabalhadores por conta dos empresários sejam eles fabris ou prestadores de serviços.
O eixo do Poder não foi capaz de traçar uma estratégia de desenvolvimento económico que visasse os interesses nacionais e, por conseguinte, os da população em geral; traçou, isso sim, uma estratégia de adormecimento dos interesses laborais ao mesmo tempo que favorecia descaradamente os grandes empresários e o grande capital.
Sobreveio a crise e o novo Governo de centro-direita viu-se obrigado a cumprir obrigações impostas pela troika. O paralelismo continua, de certa forma, a existir, pois o comportamento político de Passos Coelho está para a actualidade como o de João Franco esteve para os últimos anos de reinado de D. Carlos: favorecimento das oligarquias instaladas e repressão (actualmente ainda só de carácter financeiro) das massas populares pertencentes à média e pequena burguesia. O clima de revolta está criado. Aliás, já vinha sendo alimentado, de certa maneira, por José Sócrates através dos favores e das mentiras que rechearam o seu tempo de governação.
Poder-se-á alegar que as diferenças superam as semelhanças, pois basta o facto de Portugal possuir uma moeda europeia e pertencer à União para se alterarem os condicionalismos. Para mim, estes dois factores só favorecem a semelhança, porque antevejo a curto espaço de tempo a desagregação da união financeira e, logo de seguida, a da união política na Europa. Estamos em estado de “pré-guerra” tal como se estava no final do século XIX e começo do século XX.
Portugal foi, em 1910, depois da França e da Suíça, a primeira República na Europa. Com Sidónio Pais, Portugal deu o primeiro sinal do que viriam a ser as ditaduras modernas na Europa. Pergunto-me se, em consequência deste nefasto rotativismo partidário que parece perseguir os Portugueses, daqui por dez anos, Portugal não será exemplo de uma outra solução política que os tempos hão-de definir. Para que tal aconteça estão a abrir-se os alicerces, através da revolta surda e ainda quase silenciosa das massas populares; terá de aparecer a Ideia que movimentará os desfavorecidos para a esperança na mudança e, por fim, terá de surgir o grupo catalisador e organizador da revolta. Se os cenários não sofrerem alteração, se os políticos não mudarem de actuação, se a conjuntura não se modificar os vindouros estarão cá para verificar até que ponto eu estou, no presente, enganado. A ver vamos o efeito deste rotativismo contemporâneo.