Voltar ao passado
Começa a ouvir-se, um pouco por todo o lado, apelos à necessidade de os Portugueses se unirem para vencer a crise. Quase ninguém diz que essa unidade nos vai conduzir à verdadeira dimensão económica que temos nos tempos actuais. Ou seja, à dimensão de um país altamente endividado, sem grandes recursos económicos e com um parque industrial quase reduzido a nada. Essa unidade salvará os ricos, porque são ricos e poderão ficar menos abastados, contudo, sempre capazes de enfrentar os desafios de um quotidiano mais apertado. Mas essa unidade não vai evitar o regresso a padrões de vida que já havíamos esquecido e que rondarão aqueles que tínhamos no final da década de 60 do século passado.
Desculpem-me os meus amigos socialistas que nos querem fazer crer que, depois de passada a crise, retomaremos a velocidade de cruzeiro que adquirimos há quinze ou vinte anos atrás. Não. Não mais voltaremos aos índices de consumo que experimentámos na época áurea da adesão à CEE ou União Europeia. Isso acabou. Teremos de viver de acordo com a capacidade económica que possuímos realmente e essa foi destruída aquando da adesão à Europa para dar oportunidade à entrada livre dos produtos vindos daquele mercado. Os dinheiros que nos foram dispensados, e que serviram para enriquecer muita gente e para lançar auto-estradas por todo o território, não foi aplicado de acordo com uma política de desenvolvimento onde poderíamos e deveríamos ter investido. Essa oportunidade passou e já nunca mais volta. Ficou-nos a pobreza estrutural. Seja qual for o governo que assuma o leme desta nau só nos pode fazer navegar na pobreza que nos caracteriza, nada mais.
Teremos meios para alterar alguns rumos. Poderemos voltarmo-nos, de novo, para o mar e fazer dele uma fonte de rendimento, através de uma marinha e dos portos que possuímos, mas teremos de ter capital para criar companhias de navegação e portos bem apetrechados para darem rápida resposta ao escoamento dos produtos. Poderemos montar parcerias com o Brasil, Angola e outros Estados africanos ricos, mas teremos de possuir capacidade de resposta concorrencial nas áreas e domínios que escolhermos para trabalhar. Ou seja, terá de haver reconversões na sociedade portuguesa e essas, porque são demoradas, terão de ser lançadas agora para dar frutos daqui a quinze ou vinte anos. Essas começam na escola e no ensino. Teremos de repensar o tipo de gente que desejamos ver formada daqui a vinte anos. Será que nos farão falta licenciados ou quadros técnicos intermédios para liderar uma mão-de-obra especializada? Será que o retorno à agricultura se compadece com a fuga para as cidades do litoral das famílias do interior? Qual o modelo de sociedade que melhor se apropria ao Portugal de amanhã?
A verdade é que não vejo no leque partidário com prática de governação nenhum grupo capaz de delinear uma política coerente para enfrentar o amanhã. Um amanhã que será, de certeza, muito diferente do presente e que estará mais próximo, em certos contornos, de um passado que foi conhecido pelas gerações nascidas na sequência da 2.ª Guerra Mundial. Desenganem-se as mulheres e os homens nascidos em Portugal nos anos 80 do século XX e, até, os da década anterior, porque vão sofrer muito com a mudança que se está a esboçar na sequência desta crise. O Portugal do crédito fácil vai desaparecer e com ele o consumo desregrado, o consumo das férias no estrangeiro, o consumo dos bens acessíveis, o consumo das marcas de moda. Já há quem esteja a pedir o lançamento de forte carga fiscal (IVA) sobre os produtos estrangeiros e supérfluos. Se avançarmos por aí, estamos a voltar ao passado e a disciplinar o que a adesão à Europa veio indisciplinar. E, digam o que disserem os meus amigos comunistas, esta seria a via que eles seguiriam se fossem Poder, ainda que acabando com o domínio da alta finança para imporem o domínio da finança colectiva.
A pobreza dos territórios, a falta de capitais e a ausência de engenho dos povos determina-lhes o modo de vida e, acima de tudo, o modo de morte.