Antecedentes
As causas da actual situação portuguesa remontam a várias
décadas atrás, nomeadamente aquando da entrada de Portugal na, então,
Comunidade Económica Europeia (CEE). Com efeito, a adesão àquela organização
foi mal negociada, porque não salvaguardou interesses nacionais importantes, em
especial os que davam sustentação à economia portuguesa. A pequena mas útil
frota pesqueira foi reduzida para dar oportunidade à continuação da grande
frota pesqueira espanhola; a agricultura, ainda que não suficiente para o
auto-sustento nacional, foi desacelerada para cumprir os objectivos da Política
Agrícola Comum (PAC), pagando-se para que os agricultores deixassem de agricultar;
não se estabeleceram prazos bastante alargados para garantir que a indústria
portuguesa tinha tratamento favorável na Comunidade, não ficando, em curto
espaço de tempo, sujeita à concorrência dos produtos europeus; não se traçou um
plano estratégico para aplicação das grandes verbas cedidas pela CEE, a fundo
perdido, destinadas à modernização de Portugal, tendo-se optado por fazer uma
vasta rede de auto-estradas em desfavor da melhoria da rede ferroviária
nacional; permitiu-se o crescimento desmesurado do aparelho do Estado através da
criação de empresas públicas quer dependentes do Governo central quer dos
municípios. Já depois da transformação da CEE em União Europeia (UE) não se
estabeleceram programas de ensino técnico capazes de fornecer mão-de-obra
especializada para as poucas indústrias existentes, tendo-se apostado mais
forte no ensino universitário e politécnico superior do que na formação de
quadros intermédios. Por outro lado, foram desnacionalizadas empresas
estratégicas para o desenvolvimento económico de Portugal, transferindo para o
sector privado não só os lucros como também as decisões de negócio. Ao mesmo
tempo, não se soube aproveitar o know-how
trazido por empresas multinacionais, perdendo-se quando esta se deslocalizaram
para zonas onde lhes eram mais favoráveis os custos de produção.
A abertura do mercado interno aos produtos da UE ampliou o
consumo, tornando os consumidores reféns dos seus próprios desejos. De certa
forma, este facto pressionou a elevação dos salários de todos os trabalhadores
e, muito particularmente, os das empresas públicas e do Estado. Ao mesmo tempo,
a construção civil aumentou a oferta de casas de habitação no mercado nacional,
quase extinguindo a prática do aluguer. Assim, as famílias passaram a endividar-se
para adquirirem o seu apartamento.
A par das causas já referidas verificou-se, também, um
aumento da chamada economia paralela a qual floresceu sem contribuir para a
cobrança fiscal do Estado enquanto os seus agentes beneficiavam das vantagens
sociais estabelecidas para todos os cidadãos, particularmente para os mais
desfavorecidos.
A adesão à moeda única — o euro — retirou ao Estado capacidade
de intervir, através dos mecanismos financeiros, nas exportações e importações,
usando a valorização ou a desvalorização da moeda para estimular a economia e,
até, criar nos trabalhadores uma falsa ideia de melhoria de vida, por via de
aumentos que se destinavam exclusivamente a acompanhar os níveis de inflação. A
adesão criou, também, obrigações inultrapassáveis, nomeadamente a de não
contribuir para a existência de um deficit
orçamental que vá para além dos 3% do valor da despesa orçamentada, de modo a
poder manter constante a estabilidade da moeda única, não a desvalorizando nos
mercados internacionais. Esta tem sido uma das metas mais difíceis de cumprir
por parte do Estado português, pois o aumento das despesas públicas, em
consequência dos variados endividamentos, faz crescer o deficit, às vezes, de maneira incontrolável. Por outro lado, um
mercado aberto a todo o tipo de importações, provenientes dos Estados membros
da UE, provoca uma natural retracção da indústria nacional, visto não conseguir
concorrer com capacidades que lhe são superiores. Assim, a vulnerabilidade
económica foi-se instalando em Portugal. Este efeito é perverso e vai no
sentido de aumentar, cada vez mais, a dependência da economia nacional,
reduzindo o tecido produtivo e, como é natural, a possibilidade de cobrar
impostos sobre uma indústria que não existe, contribuindo para o crescimento do
deficit orçamental por falta de
receita tributária.
A crise
A crise que atingiu, em 2008, todos os países como resultado
da globalização e da prática da economia neo-liberal levada ao extremo,
Portugal sofreu-a agudamente, embora mais tarde, como se se tratasse de uma
forte réplica de um terramoto. Foi durante o ano de 2010 que se fizeram sentir
os primeiros efeitos da crise com a travagem da economia e o aumento do
desemprego. O primeiro sector a entrar em derrapagem foi o da construção civil,
pois a banca reduziu substancialmente os empréstimos para compra de casa
própria. O dinheiro tornou-se muitíssimo mais caro, ainda que a taxa de juro
oficial praticada na zona euro tivesse vindo para valores quase irrisórios, pois,
os bancos elevaram o valor do spread
em função do risco que corriam e da possibilidade de aumento de crédito mal
parado. Tal medida dificultou e reduziu a procura de habitação dentro dos
segmentos cujos compradores pertenciam à chamada média classe média e classe
média baixa, pois que o segmento das habitações de luxo continuou a ter forte
procura. Isto traduz, afinal, uma realidade que se vem agravando nas duas
últimas décadas, já que o leque salarial se tem aberto muito, daí resultando
diferenças abismais entre trabalhadores com elevados rendimentos e outros com
pequeníssimos.
A crise, em Portugal, acelerou-se, na primeira metade do ano
de 2011, fruto das contínuas falências de empresas e deslocação de outras para
mercados laborais com custos de mão-de-obra mais acessíveis. Ao mesmo tempo,
numa tentativa de manter ainda dentro de limites razoáveis a assistência e
apoio social, o Governo foi aumentando o deficit
sem encontrar forma de se financiar no mercado interno. O sucessivo recurso aos
empréstimos externos, em situação de perda de capacidade económica, fez
disparar internacionalmente a ideia de que Portugal estaria próximo da
bancarrota. Este facto conduziu os emprestadores a subirem para percentagens
absolutamente inaceitáveis a taxa de juro dos empréstimos, a curto e médio
prazo, ao Estado português. O deficit
foi-se ampliando e a Comissão da UE impôs ao Governo a adopção de medidas
restritivas dos gastos e, simultaneamente, o aumento da receita pública. Foi
assim que se estabeleceram os designados PEC (Programas de Estabilidade e Crescimento)
através dos quais foi sendo aumentada a carga fiscal e reduzida alguma despesa
do Estado, especialmente por aplicação de congelamentos na progressão das
carreiras dos funcionários públicos e imposição de taxas de redução salarial
segundo a percentagem de rendimento. Foi estabelecido, para os funcionários
públicos, que nos salários acima de 1500 euros brutos se passaria a descontar gradualmente
de modo a poder arrecadar no valor da despesa.
A apresentação do quarto PEC, por parte do Governo socialista
de José Sócrates Pinto de Sousa, desencadeou uma crise política, pois o
Primeiro Ministro terá acertado previamente com a Comissão europeia as medidas
a implementar antes de as ter negociado com os partidos da oposição,
nomeadamente o Partido Social-Democrata (PSD) liderado por Passos Coelho. Deve
dizer-se que o PSD se posiciona no centro-direita do hemiciclo parlamentar e
que preconiza e advoga medidas económicas neo-liberais com possível destruição
dos instrumentos de apoio social criados e defendidos pelo Partido Socialista
(PS), tais como o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e o ensino tendencialmente
gratuito, para além de outras práticas de auxílio aos cidadãos mais
carenciados.
Aberta a crise política, o Presidente da República, Cavaco
Silva, dissolveu o Parlamento e mandou que se procedesse a eleições
legislativas para determinação do novo Governo. Ao mesmo tempo, o Governo
socialista tentava financiar-se nos mercados internacionais, enfrentado taxas
de juro cada vez mais altas, enquanto as agências de rating indicavam uma maior perda de credibilidade internacional do
Estado português. Em face de um tal quadro, e mesmo antes da ocorrência das
eleições, os três partidos que nos últimos trinta anos têm tido acesso à
governação — PS, PSD e CDS (Centro Democrático Social) — concordaram em pedir o
apoio internacional do FMI, do Banco Central Europeu e da Comissão europeia, a
designada troika. O Partido Comunista
Português (PCP) e o Bloco de Esquerda (BE) — ala mais extremista do parlamento
— recusaram-se a avalizar o entendimento com a troika por discordarem das medidas que iriam ser adoptadas à
semelhança das que haviam sido aplicadas na Irlanda e na Grécia.
Na verdade, depois de rápidas conversações, os
representantes dos três organismos que vão emprestar dinheiro a Portugal
aceitaram fazê-lo contra a implementação de duríssimas medidas económicas,
sociais e financeiras que não garantem, em absoluto, que, em 2016, Portugal
esteja em condições de cumprir as disposições da UE, pois encontrar-se-á
descapitalizado, sem economia concorrencial e com uma elevadíssima taxa de
desemprego associada a uma grande taxa de emigração.
Conclusão
A ausência de uma estratégia nacional com objectivos bem
definidos do ponto de vista económico, social e financeiro conduziu Portugal a
uma viragem brusca e desgovernada para a Europa, no início da década de 80 do
século passado, esquecendo a sua ligação secular ao mar, a África e ao Brasil.
Assim, vivendo uma euforia de dinheiro fácil aquando da adesão à CEE, na
ausência de uma negociação em força e poderosa, o país desbaratou bens em
proveito de pessoas individuais sem contrapartidas em vantagens para a Nação.
Será difícil encontrar uma saída imediata sem que haja
fortes investimentos em áreas estratégicas que vão ao encontro da vocação
secular portuguesa. Julgamos, por conseguinte, que o mar será a via para uma
reafirmação nacional através do comércio que se faz e que tenderá a aumentar
com o futuro desenvolvimento dos Estados africanos de língua portuguesa, bem
como aproveitando as sinergias emergentes do Brasil, já que, geograficamente,
Portugal é a porta de entrada mais austral da Europa em relação ao Atlântico
Sul, tendo capacidades para se tornar num grande entreposto comercial dos
produtos oriundos da lusotropicalidade. A Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa (CPLP) é uma alternativa que pode e deve ser explorada quer na
perspectiva portuguesa quer na dos Estados lusófonos, dado haver
complementaridades que a médio e longo prazo satisfarão todas as partes
envolvidas.