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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

23.05.11

A saúde dos Portugueses


Luís Alves de Fraga

 

E o médico disse-me:

— Em1933 a esperança média de vida em Portugal era de 34 anos de idade! Morria-se de tudo: febre tifóide, tuberculose, gastroenterite, gripe, pneumonia, nefrites, enfim, de tudo, de tudo!

Olhei para ele estupefacto. Nem imaginava que a esperança de vida fosse tão baixa. Acrescentou:

— A mortalidade infantil era altíssima, por isso a idade média de esperança de vida baixava assustadoramente. Quem escapava, em criança, tinha largas possibilidades de ultrapassar os 60 anos, caso não tivesse ficado com graves sequelas dos males infantis, está visto!

Recordei-me que, em 1947, tinha tido uma febre tifóide a qual me levou a ficar entre vida e a morte. Salvaram-me os cuidados continuados da minha mãe e do meu pai. Fui tratado sem antibióticos, a água fervida e nada mais. E o médico continuou:

— Está a ver, é simplesmente criminoso o que este Governo fez à Saúde em Portugal e, pior, o que vai fazer o Governo que se lhe seguir, em consequência da execução das medidas impostas pela troika. Vamos voltar ao diagnóstico feito com base, exclusivamente, nas queixas do doente, dado que os cortes nas comparticipações do Estado nos pagamentos dos meios auxiliares de diagnóstico passam a ser tão grandes que impossibilitam o paciente de pagar por inteiro tais exames. Olhe, por exemplo, um endoscópio só dá para fazer mil e duzentos exames e tem um preço elevadíssimo… Sem um auxílio significativo por parte do Estado a maior parte dos cidadãos não vai poder fazer exames ao estômago, nem comprar o medicamento genérico que lhe garanta a protecção da mucosa gástrica pois, mesmo tratando-se de genéricos, são bastante dispendiosos. Estão a condenar os nossos pacientes a morrer de doenças que têm salvação nos países onde há medicina comparticipada pelo Estado! Como médico, sinto que atraiçoo a minha vocação e a minha obrigação ética. Eu existo para salvar vidas, dentro e até ao limite do que me for humanamente possível. Tenho, e devo ter, o cuidado de tentar fazer diagnósticos de modo económico quer seja o Estado a pagar ou o doente, mas sabendo que o doente não pode pagar e não tem comparticipação estatal veja como eu fico perante a minha consciência pessoal e profissional! Veja! Estarei a condenar pessoas doentes a sofrimentos enormes, porque só lhes poderei receitar paliativos e sempre e só com base na minha capacidade de observação. Pagar uma consulta, aqui no meu consultório, já não é barato [diga-se, em abono da verdade, que pratica preços bastante acessíveis para bolsas médias]. Ir a consultas no hospital é impossível. Olhe, com tudo isto, não sei em quem vou votar no dia 5, não sei!

 

Confesso que fiquei bastante apreensivo, depois destes desabafos do meu médico. Ele ainda aprendeu a diagnosticar olhando para a língua do paciente, fazendo palpação, analisando a cor das mucosas oculares, dando importância aos gânglios linfáticos e a tantos outros pequenos indícios que a maior parte dos clínicos com menos de quarenta anos desconhecem, por não terem tido velhos mestres para os ensinarem.

Já na rua, pensei com os meus botões: Estamos tramados! Para se dar emprego a uma série de boys em empresas semi-públicas, se protegerem afilhados e familiares, se ampliarem os gastos no desnecessário, para além de desemprego, vamos ter de passar a morrer mais cedo e em piores condições. Assim, não vamos longe! Mas eles vão, lá isso vão!...

20.05.11

O Receio


Luís Alves de Fraga

 

Em 1978 estava eu a viver o final da minha terceira década de existência e, por conseguinte, em 1983 tinha iniciado a quarta. Não deixo aqui estas datas para somente referenciar a minha idade. Não. A estes anos, se a memória não me falha, corresponderam duas intervenções do FMI em Portugal. Aquela entidade impôs medidas de rigor e de austeridade. Houve gente que sofreu com isso, mas, confesso, pessoalmente, esse rigor passou por mim e deixou poucas ou quase nenhumas marcas. Porque não ligava à questão? Porque foi dada pouca publicidade ao facto? Porque o rigor foi pouco rigoroso? Não. Nada disso! Por dois ou três motivos simples que passo a explicar.

Em primeiro lugar, estava a meio de uma carreira que iria progredir com mais ou menos sobressaltos até atingir um escalão que ainda estava longe nesses anos (e note-se que, para mim, os horizontes, à época, eram mais negros do que foram na verdade). Assim sendo, havia mais vida para viver e uma certa esperança no futuro. Depois, o sistema tributário isentava de impostos directos os funcionários e os servidores do Estado que vivessem exclusivamente do seu vencimento… Não se ganhava bem, mas, também não se pagavam impostos directos, se outras fontes de rendimento não existissem. Finalmente, não estávamos subordinados à disciplina do euro, mantínhamos ainda um tecido económico produtivo mais ou menos capaz de exportar e de satisfazer, em parte, as necessidades internas, podíamos adoptar medidas financeiras que valorizassem as nossas exportações e dificultassem as importações; em suma, tínhamos autonomia e soberania.

O quadro acima traçado, quer no plano pessoal quer no plano nacional, alterou-se profundamente. Agora estou sujeito a impostos directos sobre a minha pensão de reforma, facto que, só por si, é aberrante (imagine-se o Estado de mão direita estendida a entregar-me a pensão e com a esquerda a pedir-me que lhe devolva uma parte como resultado de uma tributação… é aberrante, para não dizer que corresponde a uma idiotice, a uma vigarice, a um roubo, a um logro) – dizem que assim é por razões contabilísticas. Não me convencem! Agora, reduzem-me a pensão para a qual eu descontei durante uma carreira de quarenta e cinco anos (até passar à situação de reforma). Descontos que não foram só sobre o meu vencimento base, pois qualquer valor extraordinário que auferi constituiu matéria colectável para a Caixa Geral de Aposentações! Não satisfeito, o Estado obriga-me ao pagamento de IRS (Imposto sobre o Rendimento de pessoas Singulares) – quer dizer, a minha pensão não é uma pensão! É um rendimento! Não é a justa retribuição de uma vida de trabalho e sacrifício! Não é a paga por ter dado a minha contribuição para a sociedade e para a sustentação do Estado! É um rendimento semelhante ao da capitalização de um valor financeiro em qualquer banco ou empreendimento lucrativo! Ora abóbora, que raio de sentido de justiça social é este?! Mas mais, não satisfeito, o Estado vai cair-me em cima e cortar-me uma fatia percentual da minha pensão, porque o mesmo Estado aceitou ser governado por quem não o sabia governar! Que Estado é este? Que governantes colocámos à frente do Estado que o levam a aceitar as condições que os emprestadores agora lhe impõem?

Olhando para mim e para todos os que como eu vivem da pensão de reforma como fonte segura e única de sobrevivência, vejo que um só sentimento nos pode assaltar: o receio. Receio do futuro, por muito curto que ele possa ser. Alteraram-se os cenários macroeconómicos do país desde a última intervenção do FMI e alteraram-se os cenários pessoais. Esta crise, este castigo, por causa da má administração dos Governos que passaram pelas cadeiras do Poder desde 1983 até agora, não me oferece qualquer hipótese de tranquilidade. Nem a mim, nem a todos os reformados como eu. Que castigo podemos nós dar aos políticos que se candidatam a assumir a governação nacional na sequência do acto eleitoral de 5 de Junho? Que castigo merece o Presidente da República, eleito com os votos de menos de 25% dos Portugueses, por não ter sido capaz de impor uma estratégia de desenvolvimento quando foi Primeiro Ministro? Que castigo merece o partido do Dr. Mário Soares por não ter sabido negociar em termos a nossa adesão à CEE? Que castigo merecem os antigos governantes que aceitaram a moeda europeia sem prever as obrigações que ela impunha? Se for prisão, será que temos celas para toda esta gente?

10.05.11

Está em mudança o paradigma político?


Luís Alves de Fraga

 

 

Desde os anos 80 do século XX que o modelo neoliberal de economia foi lançado, primeiro, quase a título experimental, pela Grã-Bretanha e pelos EUA e, depois da queda do Bloco de Leste, com grande velocidade pela Europa e restantes Estados com capacidade para tal. O modelo veio mostrar que a política era, de facto, dominada pela alta finança e não o contrário. Hoje, depois da crise financeira que estalou há três anos, todos sabemos que os políticos comprometidos com o neoliberalismo não comandam os acontecimentos, porque são comandados, porque são joguetes, na mão dos financeiros do mundo. Assim sendo, pode dizer-se que o modelo ou paradigma neoliberal mostrou toda a sua face e nada mais tem a esconder. Esgotou-se. Só nele pode acreditar quem dele colhe benefícios. Ora, a maioria da população mundial não ganha nada com o neoliberalismo. Então, poder-se-á perguntar: — É tempo de mudar o paradigma político?

A resposta só pode ser afirmativa. Mas mudar como e para onde? Regressar ao Estado-providência? Como, se foram muitos dos políticos que o defendiam quem pactuou com o neoliberalismo? Parece que essa via está fechada! Ir repescar as ideias marxistas e relançá-las novamente como solução? Poderia ser, todavia, a grande maioria da população politicamente esclarecida do mundo, sabe que o modelo marxista faliu com a implosão da URSS e dos Estados que a acompanharam ideologicamente. Por outro lado, os Estados que restam, dizendo-se socialistas, mostram uma face ditatorial ou para-ditatorial que não agrada a quem está habituado a viver a democracia herdada do século XIX ou, até mesmo, da Revolução Francesa: uma democracia que respeita os direitos privados e individuais. Então, também esta via parece fechar-se. Embora absurda, a solução passaria por modelos políticos ditatoriais inspirados no fascismo ou nos seus derivados? É evidente que o mundo e os cidadãos dos Estados querem liberdade, tal como vem sendo proclamado — viciadamente ou não — pelos povos do Norte de África. Já se não desejam ditaduras como solução para opor ao neoliberalismo. O que resta, como paradigma político possível? Nada mais! Esgotaram-se as soluções conhecidas e recebidas do passado.

 

A materialização da vida quotidiana, o afogamento pelas e nas novas tecnologias, não tem permitido reflexões inovadoras. Sabemos identificar os males do passado, mas estamos perante um buraco negro em relação ao futuro. Os condicionalismos sociais e laborais do século XIX alteraram-se completamente. É absurdo falar em proletariado no século XXI, porque a proletarização, saindo da classe operária e do campesinato, expandiu-se aos serviços e sedimentou-se nas classes médias. O novo paradigma político tem de passar, exactamente, pelas classes médias, satisfazendo os seus anseios e os seus desejos. Anseios e desejos que se identificam com os fundamentos burgueses de uma sociedade habituada ao consumo. É, por conseguinte, absurdo falar de burguesia e de aburguesamento numa perspectiva marxista, porque essa é a meta de todo o ser humano: desfrutar do bem-estar que a sociedade de consumo trouxe através das evoluções tecnológicas. É absurdo falar de poder popular, porque o poder hoje pode exercer-se através da Internet, do computador, do telemóvel. Não é na rua, com pedras, que se definem caminhos e rumos políticos. A rua só serve para mostrar o número, mas o número também se mostra nas redes sociais, nas petições electrónicas.

Estaremos perante uma incapacidade inovadora? Terá, realmente, chegado o fim da História? Terá a alta finança ganho a corrida e estaremos condenados a uma servidão controlada entre o trabalho e um salário que seja meramente suficiente para manter os níveis de produção que garantem os fluxos financeiros que atravessam as novas tecnologias e desembocam nos cofres dos bancos e nos bolsos dos grandes accionistas? Que nova revolução se pode delinear para dar resposta a um paradigma que, parece, se esgotou?