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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

30.04.11

Anatomopatologia histórica


Luís Alves de Fraga

 

Acordei eram cinco horas da madrugada. Acordei preocupado com os meus alunos. Fiz-lhes um teste de avaliação de conhecimentos e desconfio que foram poucos os que conseguiram perceber o alcance dos temas que lhes propus para desenvolverem.

São alunos da licenciatura em Relações Internacionais e às matérias que lecciono procuro dar-lhes um alcance que vá para além do mero facto histórico. Tenho sempre presente que a História é, para as Relações Internacionais, um instrumento, mais um instrumento de análise da Ciência Política, de um certo tipo de Ciência Política: a que se preocupa com a relação entre os actores da cena internacional. É uma História que se não esgota no relato do facto passado. Tem de ser uma História que enterra as suas raízes nas vertentes sociais, económicas, culturais, políticas que estão na origem dos acontecimentos. Tem de ser uma Anatomopatologia Histórica, ou seja, uma História que se compara com um cadáver que se sujeita ao rigor da análise feita pelo patologista (o historiador e politólogo) que procura na anatomia dos órgãos (o mesmo é dizer, dos factos históricos) a explicação para a causa patológica que determinou a falência ou, por outras palavras, a explicação profunda e logicamente fundamentada para que o acontecimento tenha ocorrido da forma como ocorreu. O órgão não faliu porque simplesmente deixou de funcionar: o órgão faliu, porque existiu uma razão que o levou àquela falência. E a explicação pode ser social, política, económica, cultural, diplomática, bélica, geográfica, estratégica. Assim, o analista tem de ter, por um lado, uma grande intuição, uma inteligência que o desperte para os pormenores e para os liames que entre eles poderão existir e, por outro, uma cultura sociológica, económica, política, militar, geopolítica e geoestratégica que lhe facilite o desenvolvimento da compreensão das tais interligações que levam a que a explicação do facto histórico não se faça pelo relato dele mesmo, mas pelo relato das intervenções de actores que ditaram a ocorrência do facto.

 

Acordei com a angústia de saber se fui capaz de fazer com que os meus alunos tenham percebido este mecanismo e o tenham sabido aplicar. Claro, tenho por certo que a muitos faltará a perspicácia, a maturidade, a cultura geral para se tornarem em anatomopatologistas da Ciência Política e, em particular, das Relações Internacionais, através do estudo da História. As Relações Internacionais, para esses, serão sempre o simples comentário do acontecimento do dia-a-dia que se relaciona com o facto imediatamente anterior, que se explica por ele mesmo ou por razões evidentes. Mas há os outros, aqueles que eu gostaria de ver alcandorados aos patamares do estudo científico das Relações Internacionais e que se não contentam com explicações simples, tão comuns nas certidões de óbito passadas por muitos médicos: paragem cardíaca! Sim, paragem cardíaca, mas o que causou a paragem? Qual a origem? O que funcionou mal para que ela se verificasse? O coração pára, porque alguma coisa se passou para ele parar. O coração existe para trabalhar e não pára por uma razão inexplicável.

Os acontecimentos ocorrem na vida dos Povos por uma razão que quase sempre não é aquela que parece, mas outra mais profunda, mais escondida, mais complexa. É essa razão que os meus alunos – os mais interessados, os mais vocacionados – têm de saber descobrir treinando-se no teatro anatómico que é a História, porque lhes oferece acontecimentos já falecidos sobre os quais podem trabalhar com segurança, expondo explicações, aventando hipóteses, sugerindo novas interpretações.

 

Esta insónia da madrugada não a paga a universidade onde eu lecciono. Esta insónia é o motor que me anima para me superar no acto sublime de ensinar, de abrir horizontes às mentes virgens dos meus alunos. Felizmente, em cada ano que acaba, há sempre dois ou três discípulos que me deixam a sensação de ter atingido os meus fins, os meus objectivos, os meus mais íntimos propósitos. Vejo-os partir da universidade com a mesma esperança que, se calhar, anima um velho falcão ao ver a sua cria elevar-se nos ares pronta para a caçada.

26.04.11

Portugal na Europa e a Europa em Portugal


Luís Alves de Fraga

 

Na adesão à CEE não foi devidamente acautelado o interesse nacional português!

Não foi, porque se deixou que a Europa entrasse em Portugal e não o contrário. À Europa agrícola não se juntou a fraca agricultura portuguesa. À Europa pesqueira não se juntou a frota de pesca de Portugal. À Europa industrializada não se somou a fraca indústria nacional. À Europa do Mercado Comum não se juntaram os produtos comerciais portugueses. Não! Houve que acreditar que os tempos negociados para a transição eram suficientes. Houve que acreditar que as ajudas financeiras prestadas compensariam por tempo indefinido as incapacidades dos empresários portugueses. Acreditou-se que os capitalistas nacionais – habituados a, com a exploração da mão-de-obra, arrecadar os maiores lucros possíveis – se iriam transformar repentinamente em sábios gestores. Acreditou-se no que se desejou acreditar, porque não se olhou ou não quis olhar para o país real, para o país saído do condicionamento industrial do Estado Novo, para o tecido empresarial habituado à asa protectora dos Estado e à repressão fácil das várias polícias que impunham a ordem fascista. Não se olhou… Melhor, os políticos de então não olharam para o país real. E a culpa não foi nossa, senhores! Nós limitámo-nos a escolher os políticos que julgávamos competentes, porque se alardearam competentes. Nós escolhemos, ao princípio, partidos e, com Cavaco Silva, habituámo-nos a escolher um líder partidário. Foi ele quem inaugurou esse novo estádio da democracia portuguesa. Foi Cavaco Silva quem impôs aos Portugueses, em vez de um programa, um homem, um dirigente e, desse tempo em diante, passou a fazer escola esse tipo de escolha. Deixámos de escolher ideias para passarmos a escolher a ideia de um líder, de um político. Cavaco Silva soube utilizar o capital de embrutecimento do povo português, herdado do tempo de Salazar, para fazer uso dele em seu proveito. Cavaco Silva enganou-nos tanto como Salazar enganou a geração dos meus pais. Depois dele, todos, mas mesmo todos, os políticos passaram a fazer o mesmo que ele fez: imporem-se ao eleitorado, enquanto pessoas e não enquanto representantes de um projecto, de um ideal, de um sonho. E nesse cego enlevo fomo-nos deixando estar, porque o dinheiro da CEE entrava a rodos pelas portas dos portugueses e com ele se comprava o que da Europa se vendia nas prateleiras dos supermercados, nas bancas das agências de turismo, nas exposições internacionais, no mercado de bens imobiliários, nos stands de automóveis, enfim, em todo o lado.

Nas nossas casas entraram-nos os políticos vendidos quais produtos comerciais e entrou-nos a Europa. E nós, por força do provincianismo fascista, desabituados dos requintes europeus, dos cinismos dos grandes vendedores, fomo-nos deixando enlear nas malhas da Europa. Uma Europa que nos cobra hoje, pesadamente, a inocência e a falta de atenção dos nossos políticos. Uma Europa que está em Portugal e que não aceita nela o Portugal que nos obrigou a ser. Uma Europa que nos rejeita, depois de termos servido para a servir, para consumirmos os seus produtos, para engrossarmos os cabedais dos seus bancos.

Que inocentes que nós fomos! Que inocentes são os europeístas deste Portugal provinciano desembarcado de África no ano de 1975! Que herança esta deixada pelo homem de Santa Comba Dão! 

20.04.11

A economia e a ajuda externa


Luís Alves de Fraga

 

 

Tenho procurado acompanhar, o melhor que posso, os acontecimentos em Portugal, desde que chegaram a Lisboa os técnicos da troika responsável pela ajuda externa às finanças nacionais.

Acabei por perceber várias coisas: o Presidente da República remeteu-se a um prudente silêncio – que pouco difere do anterior, visto que, no seu mandato, se caracteriza por ou dizer banalidades ou por calar o que devia dizer; os partidos candidatos à governação – PS, PSD e, por arrasto, PP/CDS – continuam a comportar-se como se o mais importante fosse conquistar o Poder em vez de fazer sair Portugal da crise; os partidos da oposição verde ou vermelha – partido de Os Verdes, BE e PCP – recusam dialogar com os técnicos estrangeiros mandados fazer a análise da situação por discordarem totalmente da solução proposta; as organizações representativas das forças sociais – SGTP, UGT, confederações do comércio, da indústria e da agricultura – cada uma à sua maneira, pretendem obter os melhores benefícios para os seus associados.

É evidente que a ajuda externa vai ser dada, mas que todos estes contactos se destinam somente a “tomar o pulso” à situação política e social do país por parte dos futuros credores. Eles querem saber com o que podem contar, pois já sabem, e muito bem, que tipo de “tarraxas” devem apertar para garantir o retorno do seu dinheiro no prazo estipulado nas negociações. Dizer que se tem de viabilizar a economia do país para que seja possível sair da crise é uma “redundância” para os negociadores estrangeiros… Para além de não serem parvos, não são suicidas! A economia portuguesa tem de ser viável para que haja possibilidades de pagar! A questão não é essa. A questão fundamental é saber à custa de quê e com que tipo de estratégia se vai relançar a economia portuguesa. Esse trabalho vai ser feito pelos negociadores, exercendo pressões sobre os parceiros políticos e sociais nacionais. Vão fazê-lo olhando aos interesses das entidades que representam e não aos interesses nacionais portugueses. Se, por absurdo absoluto, chegarem à conclusão que a economia portuguesa só se torna rentável se todos os anos, durante cinco anos, forem colocados no mercado de trabalho, por exemplo, russo duzentos mil trabalhadores braçais portugueses, será essa a imposição que farão ao Governo de Portugal, seja ele qual for. E o Governo tem de se comprometer a cumprir para ir recebendo as diferentes fatias da ajuda externa, pois, quando falhar, falha a ajuda. O exemplo é, como disse, absurdo, mas é-o propositadamente para provar que foi a incapacidade dos diferentes Governos, desde o tempo do de Cavaco Silva, desenharem e cumprirem uma estratégia económica para o país, impondo metas e limites, que conduziu Portugal à situação presente.

A magna questão que coloco a mim mesmo é a de saber se, desta vez, os políticos, os representantes do investimento capitalista e os representantes dos trabalhadores aprendem que, não havendo ruptura com o sistema vigente, tem de se definir estrategicamente uma “vocação económica” para Portugal, ou seja, temos de nos especializar numa ou duas ou três produções que garantam exportação que dê para sustentar o país e a população. Nem que seja a exportar "água de nascente", ou “vinho a martelo” de qualidade imbatível, ou" saquinhos com areia das praias portuguesas", ou qualquer outro conjunto de produtos que sejamos capazes de vender em grande quantidade, de boa qualidade, que seja concorrencial e que dê trabalho directo ou indirecto aos Portugueses. Temos de ser imaginativos, inovadores, concorrenciais, competentes e agressivos.

Não tenhamos dúvidas que, se Portugal se transformasse num país comunista, era uma solução desta natureza que seria escolhida para sustentar a economia. Podemos fazê-lo em regime capitalista “só” é necessário que “puxemos” todos para o mesmo lado. Deixemos as “quintinhas” individuais, deixemos os nossos mesquinhos interesses, abandonemos a nossa proverbial inveja e avancemos para a grande aventura de conquistar o futuro depois de há quase seis séculos termos descoberto o mundo aos povos do mundo. Está na altura de mudar mentalidades.