Mão amiga fez chegar ao meu conhecimento o artigo que o Jornal de Angola publicou sobre a morte do Almirante Rosa Coutinho.
Mais do que o elogio fúnebre daquele que era, à data do 25 de Abril de 1974, o Capitão-de-fragata indicado pelos oficiais da Armada como um dos representantes do Ramo na Junta de Salvação Nacional, o articulista procurou traçar as linhas cruzadas de Rosa Coutinho com Angola, dando a conhecer a sequência dos acontecimentos entre 1974 e 1975.
O «Fio de Prumo», com a devida vénia, acolhe, aqui e agora, esse artigo por ser mais um documento para o esclarecimento da verdade histórica, ao mesmo tempo que presta homenagem à memória de mais um camarada que fez do 25 de Abril de 1974 uma data de esperança para Portugueses e Angolanos.
Rosa Coutinho faleceu ontem em Lisboa 03 de Junho 2010
O almirante Rosa Coutinho, falecido ontem em Lisboa, teve um papel fulcral no período entre o 25 de Abril de 1974 e o 11 de Novembro de 1975, dia da Independência Nacional. Foi ele que trouxe para Angola o programa integral do Movimento das Forças Armadas, que fez a Revolução dos Cravos em Portugal, e desmontou todas as conspirações montadas pelo general Spínola, Richard Nixon e Mobutu Sese Seko. Os oficiais que derrubaram em Portugal o regime colonial fascista elegeram uma Junta de Salvação Nacional constituída pelos generais Costa Gomes, António de Spínola e Diogo Neto, brigadeiro Jaime Silvério Marques, coronel Galvão de Melo, capitão de fragata Rosa Coutinho e pelo capitão de mar e guerra Pinheiro de Azevedo.
Spínola foi escolhido para Presidente da República na fase de transição e contrariando o programa do MFA, anunciou que Portugal ia criar uma federação de estados independentes com as suas colónias.
Jonas Savimbi, aos microfones da então Emissora Oficial de Angola, apoiou de imediato a solução do federalismo. Mas os “Capitães de Abril” forçaram Spínola a aceitar a tese da “independência total e completa” para todas as colónias.
Desta clivagem resultou uma situação grave. Spínola mandou para Angola, como governador-geral, o general Silvino Silvério Marques que tinha cumprido um anterior mandato ao serviço de Salazar. O novo governador imediatamente se associou aos grupos de colonos ricos que defendiam uma solução igual à da Rodésia de Ian Smith, a proclamação unilateral da independência e a adopção de um regime de apartheid. As forças de defesa e segurança da África do Sul apoiavam esta solução.
Esquadrões da morte começaram a actuar lançando o terror sobre as populações indefesas dos musseques. Os órgãos de informação, com destaque para o Diário de Luanda, apoiavam a aventura spinolista e de Silvino Silvério Marques. A situação agravou-se de tal forma que milhares de angolanos que cumpriam serviço militar obrigatório nas forças armadas portuguesas revoltaram-se e assumiram a defesa das populações. Face à gravidade da situação social e política, o MFA viu-se forçado a demitir o governador. Foi neste quadro que o almirante Rosa Coutinho chegou a Angola, investido no cargo de Alto-Comissário.
A sua primeira tarefa foi desarmar os esquadrões da morte. Depois prendeu e deportou para Portugal todos os líderes do movimento que defendia uma “independência branca”. Agentes da polícia que eram cantineiros nos musseques e taxistas invadiram o palácio do governador para derrubar Rosa Coutinho. Foi a última aventura contra-revolucionária. Nessa noite os líderes do movimento foram presos e enviados para Lisboa.
Quando a situação em Luanda acalmou, Spínola estabeleceu contactos com Nixon e encontrou-se com ele nos Açores. Os três decidiram que Angola tinha de ficar na órbita do Zaire de Mobutu e para isso era preciso que Portugal privilegiasse as relações com a FNLA. Um mês depois, Nixon, Spínola e Mobutu têm uma reunião na Ilha do Sal, Cabo Verde, e estabelecem o plano de transferência de poderes para a FNLA, sob a alegação de que o MPLA não podia ser interlocutor já que estava dividido em três facções, uma liderada por Agostinho Neto, outra por Daniel Chipenda (Revolta do Leste) e a terceira por Joaquim Pinto de Andrade (Revolta Activa). A UNITA ficou de fora porque não era reconhecida pela Organização de Unidade Africana (hoje União Africana) como movimento de libertação.
O almirante Rosa Coutinho foi informado da situação pelo MFA e estabeleceu contactos com Hermínio Escórcio e Manuel Pedro Pacavira, que estavam a “refundar” no interior o MPLA sem facções. Ficou decidido que só existia um MPLA, o que era dirigido por Agostinho Neto, e que as duas facções não eram reconhecidas pelo Alto-Comissário. Esta decisão ia custando muito caro porque algumas figuras de proa da Revolta Activa tinham excelentes relações com Henri Lopez, primeiro-ministro do Congo Brazaville, e este accionou uma “operação” da FLEC em Massaoi, com a ajuda de mercenários franceses, com o objectivo de proclamarem a independência da província de Cabinda. Rosa Coutinho organizou uma operação de fuzileiros navais e ele próprio acompanhou essa força a Massabi e os mercenários foram abatidos ou postos em fuga.
Preparação de Mombaça
O MPLA no interior estava unido e cada vez mais forte, em todas as províncias. Em Portugal começaram a surgir sinais de divisões profundas no seio do MFA. O almirante Rosa Coutinho pedia a Hermínio Escórcio e Manuel Pedro Pacavira rapidez na acção. Queria assinar um cessar-fogo com Agostinho Neto para de seguida preparar condições que conduzissem a um acordo para a independência.
O acordo de cessar-fogo entre Portugal e o MPLA foi assinado por Agostinho Neto e oficiais do MFA, entre os quais Pezarath Correia e José Emílio da Silva, os coordenadores do movimento em Angola, na chana do Luinhamege. O almirante Rosa Coutinho queria Agostinho Neto em Luanda com toda a urgência, porque a ala spinolista do MFA dava cada vez mais força à solução que privilegiava a FNLA e Mobutu.
As coisas corriam a alta velocidade e a UNITA aparecia aos olhos da opinião pública como o “movimento dos brancos”. E Savimbi auto-intitulava-se o “muata da paz”. Os colonos e grande parte das elites negras do Planalto Central engrossavam a UNITA de tal forma que já não era possível iniciar as negociações para a independência sem a sua presença. Mas a FNLA, que tinha acabado de assinar um acordo de cessar-fogo com o MFA, em Kinshasa e sob a tutela de Mobutu, rejeitava a UNITA sob a alegação de que não era um movimento de libertação reconhecido pela Organização de Unidade Africana.
Rosa Coutinho e o MFA conseguem que Agostinho Neto e Jonas Savimbi assinem um acordo de cooperação, no Luena, em Novembro de 1975. E a diplomacia portuguesa, ajudada pelo MPLA, conseguiu que a OUA reconhecesse a UNITA. Estavam criadas as condições para preparar a independência de Angola.
MPLA, FNLA e UNITA, em Dezembro, encontraram-se em Mombaça para prepararem uma posição comum a apresentar à parte portuguesa, na conferência marcada para Janeiro, no Alvor, Algarve.
Acordo de Alvor
O general Spínola estava fora da Presidência da República desde finais de Setembro de 1975, na sequência de um golpe de estado fracassado e que ele encabeçou. Mas continuava a conspirar e tinha ligações privilegiadas a sectores importantes do MFA. Durante as conversações do Alvor, essa facção, apoiada pelo poder económico em Angola, agora rendido à FNLA, rejeitou o nome de Rosa Coutinho para a fase de transição até ao dia 11 de Novembro, data definida no Acordo de Alvor para a Independência Nacional.
O afastamento de Rosa Coutinho ficou caro aos seus detractores. Porque o MPLA em troca exigiu pastas ministeriais estratégicas e bateu-se pela marcação de eleições. Agostinho Neto, numa entrevista ao jornal português Diário de Notícias, afirmava: “é bom que passemos pela experiência das eleições para cada um saber o que vale e quem representa”.
O Acordo de Alvor foi assinado e as partes aceitaram para Alto-Comissário o general da Força Aérea Silva Cardoso, que já prestava serviço em Angola. Logo que iniciou o seu mandato, permitiu a invasão do Norte de Angola pelas forças zairenses. Máquinas, equipamentos fabris e viaturas foram saqueados. O gado de raça do Planalto de Camabatela foi levado para o Zaire. O café das roças foi roubado. O Alto-Comissário mandou retirar para Luanda todas as forças portuguesas.
Em Luanda, Agostinho Neto denunciou em conferência de imprensa “uma invasão silenciosa no Norte de Angola”. O general Silva Cardoso respondeu que nada podia fazer.
Ainda em Janeiro de 1975, Daniel Chipenda e a FNLA assinaram um acordo de amizade e é aberta em Luanda uma “delegação do MPLA Chipenda”.
Agostinho Neto lembra ao Alto-Comissário que só existia um MPLA, aquele que estava no Governo de Transição. Silva Cardoso ignorou o protesto e deixou degradar a situação de tal forma que rebentou a guerra em Luanda.
Rosa Coutinho, agora figura de proa do Conselho da Revolução em Portugal, consegue substituir o Alto-Comissário pelo almirante Leonel Cardoso. Foi ele que conseguiu também que a parte portuguesa continuasse no Governo de Transição, com os ministros indicados pelo MPLA, quando a FNLA deu ordens aos seus ministros para abandonarem o governo e ordenou aos seus militantes que abandonassem Luanda e fossem para o Norte. A UNITA fez o mesmo e apelou “ao povo do sul” para abandonar Luanda. Simultaneamente uma coluna do Exército de Libertação de Portugal (ELP) e tropas sul-africanas com apoio aéreo invadem Angola pela fronteira de Namacunde e chegam ao Lubango onde Jonas Savimbi, aos microfones do Rádio Clube da Huíla, anuncia que está em marcha a tomada de Luanda.
O almirante Rosa Coutinho em Lisboa continuou a defender a presença da parte portuguesa no Governo de Transição até ao dia 11 de Novembro de 1975. E ao conseguir esse objectivo, ajudou a criar condições para que Agostinho Neto proclamasse a Independência Nacional na data prevista no Acordo de Alvor.
Ontem Angola perdeu um bom amigo.