31.12.08
Duas crises, dois políticos
Luís Alves de Fraga
Corria o ano de 1917 e Portugal estava afundado numa tremenda crise. Crise que se manifestava pela falta de trabalho, elevado custo de vida, inflação galopante, carência de alimentos, fome, e instabilidade social. Todo este panorama — horrível e insuportável — era, de facto, causado pela guerra que assolava a Europa e o mundo. Os circuitos comerciais e produtivos estavam desmantelados e imperava em todos os países a lei da sobrevivência a todo o custo. Em Portugal, as greves sucediam-se a toda a hora, conspirava-se descaradamente contra o Governo e contra a República. Parecia que ninguém conseguia compreender que a crise, sendo nacional, era, também internacional. Os Portugueses acreditavam que bastaria substituir o Governo para que as condições se alterassem. E foi isso que fizeram por recurso a um golpe de Estado apoiado num sangrento golpe militar conduzido por Sidónio Pais, major do Exército, professor, diplomata e antigo representante de Portugal em Berlim.
Foi esta, nos tempos recentes, a segunda manifestação, de um conjunto sucessivo de outras mais, de que os Portugueses mantinham vivo o culto sebastianista na crença da volta de um salvador da Pátria. Um D. Sebastião redentor. A primeira acontecera anos antes, em Outubro de 1910, aquando da proclamação da República: acreditou-se que bastava derrubar o carcomido trono dos Braganças para, por um passe de mágica, tudo se modificar no país e Portugal nascer redimido dos seus pecados, limpo das suas ignorâncias, forte das suas tibiezas. Desfeitos os sonhos iniciais, foi a guerra quem fez surgir de novo a necessidade de se imaginar possível o milagre feito por um só homem. O 28 de Maio de 1926, a entrega do Poder a Salazar, as eleições de Humberto Delgado, o 25 de Abril de 1974 — plasmado no 1.º de Maio que se lhe seguiu — Mário Soares e Cavaco Silva foram outras tantas manifestações de um sebastianismo mal definido, de contorno esfumados, mas carregado de esperanças taumatúrgicas. A última exteriorização desse messianismo atávico dos Portugueses aconteceu há quase quatro anos quando se deu a maioria dos votos legislativos ao Partido Socialista consubstanciado na pessoa de José Sócrates.
Realmente, depois de Guterres ter abandonado a governação com um «quem vier atrás que feche a porta», tal era já o plano inclinado em que entrara a política nacional; depois de Durão Barroso ter saltado da «carruagem» em andamento e haver passado a cadeira a Santana Lopes e este provar o óbvio: Portugal estava à deriva; os Portugueses, representados na figura de Jorge Sampaio, optaram pelo milagre. Era de um milagre que o país necessitava e o Partido Socialista escorado na figura de José Sócrates aparece como a salvação e o seu secretário-geral como o único salvador.
Com uma confortável maioria absoluta, Sócrates, tal como Sidónio Pais, oitenta e tal anos antes, empreendeu uma política que confundia valores correctos com mentiras. Sidónio só via o que queria ver, só descortinava o país que lhe dava jeito; Sócrates passou a legislar como se em ditadura estivesse, alheio, completamente alheio, desinteressado mesmo de todos os danos colaterais que uma política subordinada e condicionada pelos interesses estrangeiros provocava. Sidónio Pais fez o mesmo para agradar à Grã-Bretanha, em 1918. E Sócrates, tal como Sidónio, convenceu-se de que está a trabalhar para o bem-estar dos Portugueses e, exactamente como ele, rodeou-se de ministros que desejam, nas suas acções e políticas, reflectir a imagem do chefe.
A política nacional nestes quatro anos não melhorou, tudo se degradou, mas Sócrates continua impante, pavoneando-se pelo país, apregoando reformas sobre reformas que se mostram absolutamente incapazes de atenuar o mal-estar dos Portugueses. Ao contrário, a política levada a cabo cada vez mais está distante das promessas eleitorais de há quatro anos. Para ser outro Sidónio falta-lhe muito pouco!
Não pensem os menos dados ao estudo do passado que no tempo de Sidónio Pais não havia uma forte oposição àquele governante! Pelo contrário, houve-a e grande, mas existia, também, uma mole de Portugueses que, obcecada pelo mito sebastianista, surda à voz da razão, crente no que acreditava ser possível, descrente de tudo o mais e de todas as soluções lógicas, idolatrava o Presidente-Rei como lhe chamou Fernando Pessoa.
Aproxima-se o tempo das eleições, o tempo da mínima democracia — pois estão as escolhas e decisões populares reduzidas ao acto de introduzir um boletim de voto numa urna, condicionando, desta forma, quatro anos da vida de Portugal — e, olhando a conjuntura, tomando atenção às sondagens publicadas nos jornais, tudo indica que, por força do sebastianismo latente nos Portugueses, de novo — agora sem maioria absoluta — vai sair vencedor o Partido Socialista com José Sócrates na frente. Um José Sócrates sorridente, mentiroso, transpirando confiança e arrogância como se a sua vitória fosse consequência de obra realizada. Não. A vitória de Sócrates vai ser o resultado de uma escolha condicionada por uma crendice centenária, pelo receio de tomar decisões mais ousadas, pela ausência de racionalismo na escolha, por uma ignorância que ronda a estupidez.
A mim, colocando-me como observador externo, fica-me só presa na garganta uma pergunta:
— Nós, os Portugueses, somos assim por incapacidade ou por destino?