09.11.08
Associações Profissionais Militares: papel sociológico e político
Luís Alves de Fraga
Deferência da ANS
Depois de tudo o que tem sido falado sobre a insatisfação dos militares, parece, a grande pergunta que anda de boca em boca é a de saber se a democracia corre perigo em Portugal, por via da revolta moral que afecta a actividade dos quartéis.
Claro que antes de dar a resposta linear que se espera e deseja tenho de deixar claro que não são os militares os responsáveis pelo sentimento de revolta. Os verdadeiros responsáveis são os políticos que integraram todos os Governos desde aquele que, nos anos 90 do século passado, chefiado pelo Professor Cavaco Silva e secundado na Defesa Nacional por Fernando Nogueira, fez sair a chamada Lei dos Coronéis. A tentativa de reduzir a dimensão dos quadros militares herdados da guerra de África e, ao mesmo tempo, secundarizar a instituição castrense enquanto corporação fundamental da segurança e soberania nacionais deu o sinal de partida para todo um conjunto de acções que visaram degradar o prestígio das Forças Armadas, por isso, não podem ser estas acusadas de insubmissas, revoltadas ou indisciplinadas. Os executantes das políticas cegas e acéfalas de desmoralização das ditas Forças Armadas é que são os responsáveis de tal estado de coisas, porque, até Salazar sabia, que em assuntos militares se tem de mexer com pinças e não à bruta como o faz qualquer magarefe da política nacional.
Não se julgue que a bandeira da União Europeia dá cobertura total à democracia portuguesa, protegendo-a da ocorrência de um golpe militar. Não. Esse pano azul com estrelas douradas que usualmente figura ao lado da bandeira nacional, mas que nenhum militar jurou defender, não é protecção para todas as canalhices que um qualquer Governo ilegítimo queira praticar em um qualquer Estado da União! Quando muito, esse trapo azul fará reflectir na cautela e prudência de desencadear um golpe militar e, acima de tudo, nas razões que o justificam, nada mais! Mas, em Portugal, há outros mecanismos, que têm um papel sociológico ainda mal estudado, e são mais garantes da paz e tranquilidade castrenses do que qualquer União Europeia: são as Associações Profissionais Militares (APM).
Depois da extinção do Conselho da Revolução — órgão polarizador e catalisador das tensões militares de uma época — as Forças Armadas ficaram livres e independentes e somente seguras pelo juramento feito de cumprir a Constituição Política. Ora, como a História é testemunha, esse juramento é um fio ténue que se quebra com facilidade perante o entendimento castrense de uma qualquer ilegitimidade governativa. Essa fragilidade, que justifica a sucessão de golpes militares que foi apanágio da América Latina e o é ainda de África, resulta do princípio velho que se traduz na velha frase se Roma se quer a fidelidade das suas legiões tem de as compensar. Isto é sabido desde a Antiguidade Clássica!
Em Portugal, depois de muita luta e contestação — até mesmo no seio das Forças Armadas — foram criadas as APM. Estas têm vindo a firmar os seus créditos através de uma conduta cautelosa e criteriosa, mas segura e bem orientada para os fins a que se destinam. Têm dado provas de serem dirigidas por democratas fardados que, acima de tudo, defendem a democracia. Naturalmente que, no seu interior, haverá tensões e discordâncias quanto ao modo de actuação, mas, acima de tudo também, o que importa relevar é que as APM funcionam como válvula de escape catalisadora das pressões externas que motivam os seus associados e ou simpatizantes. Elas, sociologicamente, vieram ocupar o vazio deixado pelo Conselho da Revolução no que toca aos descontentamentos militares.
Não há pronunciamentos, nem quarteladas, nem golpes militares, porque existem as APM. São elas as gestoras dos descontentamentos e polarizam, encaminhando, as tensões para o Governo tomar em boa conta o que dizem e manifestam. Têm, como é evidente, um papel político de suprema relevância e só a cegueira e ignorância dos governantes o pode subestimar. Se as APM deixassem de existir ou passassem a ser serventes do Poder, em menos do tempo de arder um fósforo teríamos um levantamento militar, impondo alterações ao Governo, mesmo que em democracia (não esqueçamos que durante a 1.ª República, na vigência da democracia, aconteceram golpes militares que pretendiam somente influenciar o Presidente da República a chamar outros políticos à formação de Governo e só por duas vezes a tropa saiu para a rua impondo a ditadura!); teríamos, talvez, banhos de sangue, mas isso só iria aumentar a apetência dos militares para se imiscuírem na condução da política nacional. Os ódios e as desavenças aumentariam exponencialmente, a instabilidade governativa seria a regra. Claro que, no quadro deste cenário, pode sempre ocorrer uma ultrapassagem das APM, ficando estas marginalizadas em relação ao desenrolar dos acontecimentos, mas julgo isso pouco provável.
Como é óbvio, depois desta explicação que desejei fosse simples e clara, só posso dizer que a democracia não corre perigo de morte em Portugal. Pelo menos, por enquanto e enquanto existirem sistemas compensatórios para o descontentamento dos militares. E, a propósito, o que me causa espanto é a segurança e sobranceria com que os governantes olham para as Associações Profissionais Militares (APM) e como as Chefias dos Ramos ainda não se puseram de acordo para aceitarem que tais Associações são um precioso auxiliar do seu comando. Será por falta de cultura política e sociológica, por mera teimosia ou arrogância?