28.10.08
Sócrates e a crise
Luís Alves de Fraga
Em crise vive Portugal há mais de dez anos! Uma crise que tem sido mascarada pela existência de uma classe média endividada, mas folgando nos gastos a crédito e vivendo dos salários do mês seguinte. Uma classe média que não quer mostrar-se falida, porque, nos dias de hoje, o que mais interessa é a aparência… E parecer rico quando mal se tem dinheiro para o pão é o importante na sociedade portuguesa. Ninguém dá trabalho, nem ajuda a encontrá-lo, a quem se confessa falido! Só se ajuda quem alardeia uma situação estável. Esta é a verdade! Impera entre nós, há muitos anos, o horror à miséria. Pobre não tem lugar no nosso convívio… É isso que nos ensinam as revistas cor-de-rosa de maior consumo entre a classe média e média baixa.
A acrescentar à crise nacional vem juntar-se a crise financeira internacional a qual já começou a dar mostras de se transformar em crise económica. Os aparelhos produtivos das grandes potências dão os primeiros sinais de recessão. O desemprego já ronda a porta dos países mais ricos. A Espanha está claramente a entrar em plano inclinado, depois de um período de grande euforia, e o efeito desse facto vai fazer sentir-se de forma grave em Portugal.
O Governo de Sócrates, atento, venerando e obrigado aos poderes de Bruxelas, há três anos, em vez de detectar com antecipação a crise que se avizinhava e de impor no areópago europeu que um Estado com uma fraca economia como Portugal não podia sofrer, de modo brusco e impositivo, os efeitos das medidas reguladoras do deficit orçamental, assumiu a postura contrária. E foi assim que avançámos para o desemprego e para o fraco crescimento económico, para as desnacionalizações — nomeadamente na área da saúde — para os cortes orçamentais e para as reformas de regras adquiridas e estabilizadas há várias dezenas de anos no nosso país. Sócrates mandou “desarrumar” a “casa” em nome do saldo negativo da gestão do Estado. Deveria ter negociado esse saldo negativo e encaminhado para o desenvolvimento económico a despesa suplementar; proteger a produção nacional e actuar sobre o consumo de bens estrangeiros, cerceando-o com medidas acertadas e concertadas com a União Europeia. Sendo Portugal um país economicamente periférico dentro da União tem de ter um tratamento diferenciado na mesma. Era isto que havia de ser negociado. Todavia, impôs-se a “cultura” da revista cor-de-rosa… Não mostrar as fragilidades! Como se elas não fossem conhecidas de Bruxelas!
Para salvar o deficit desorganizaram-se os poucos sectores que ainda davam uma certa coloração de Estado-providência a Portugal. Avançou-se para a aceitação do neoliberalismo e de todas as suas consequências: desmantelou-se a Caixa Geral de Aposentações, legislou-se liberalmente sobre a Caixa Nacional de Pensões e fizeram-se tropelias que ninguém poderia imaginar há vinte anos.
Sócrates aceitou, sem margem para dúvidas, o neoliberalismo e todas as suas consequências; aceitou até a crise internacional estar instalada e os Estados mais capitalistas do mundo terem começado a tomar medidas tidas como socializantes para salvarem da bancarrota as suas instituições bancárias ou seguradoras.
O que esses Estados fizeram constitui uma medida clássica, desde 1929, para reequilibrar a produção e os circuitos económicos e financeiros. Quem estudou um pouco de macroeconomia sabe isso perfeitamente! Não se trata de nacionalizar a banca, mas somente de impor o Estado como agente regularizador da liberdade do mercado. É abandonar a postura de Estado-polícia própria do liberalismo e, consequentemente, do neoliberalismo para assumir a de Estado-providência — levando ou não até às últimas consequências essa política.
Há dias, em entrevista a órgãos de comunicação social, José Sócrates, com o maior desplante e descaramento possíveis, depois de ter conduzido Portugal para as desnacionalizações, depois de ter reduzido o peso do Estado no sector económico, depois de ter desinvestido nos mecanismos estatais que podem dar sustentabilidade à economia, veio, dizer que, por via da crise, estão criadas as condições para o Estado poder intervir na actividade do mercado, provando-se assim que ele sempre tinha tido razão ao defender um socialismo actuante. Eu fiquei abismado! Como é possível procurar fazer de um povo uma cambada de ignorantes e mentir com maior desfaçatez!
É este o homem que pretende continuar a governar Portugal depois das eleições legislativas de 2009? Valha-nos Deus!