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Estamos no começo de Setembro, o dia em que escrevo estas linhas está magnífico; o céu apresenta-se azul, corre uma ligeira brisa e a temperatura é excelente. Estamos no período mais agradável do Verão. Tudo me recorda os tempos da minha juventude quando, de férias, ainda tinha quase um mês para gozar. Pois é, é disso que hoje vou escrever.
Quando eu era criança, mais tarde já um jovem e, depois, um homem no limiar de uma vida de trabalho, o ano lectivo começava depois do dia 5 de Outubro e acabava, com os exames já concluídos, lá para o meio de Julho — os melhores alunos ou os que por ordem alfabética estavam no início das pautas até se despachavam antes! — começando um longo e retemperador período de férias: todo o mês de Agosto e de Setembro. Uma maravilha!
Os nossos pais podiam escolher o tempo de ir, ou para a praia ou para o campo, repousar, enquanto nós, dentro dos limites impostos pela época, estávamos disponíveis para “noitadas”, bailaricos e outras distracções, porque os dias eram longos e as manhãs suavemente retemperadoras até à hora do almoço. O tempo de férias não voava! Pelo contrário, parecia nunca mais ter fim, dando às paixões de Verão.
Voltar para a escola ou para o liceu era uma consequência lógica do fim do Verão, de os dias serem mais curtos, as manhãs e as tardes mais frescas. Vivíamos, de facto, ao compasso da Natureza. Uma Natureza extremamente pródiga em sol, calor e claridade neste Portugal deixado no começo do Atlântico, mas, por isso mesmo, também no fim do Mediterrâneo; um Portugal de clima ameno e suave, mesmo quando se verificam alterações resultantes das inúmeras maldades que os homens fazem à Natureza.
Nessas épocas já distantes nós sabíamos de cor a tabuada e aprendíamos equações, logaritmos, química e física, sabíamos o que era o caso notável da multiplicação e discutíamos o binómio; muito cedo, aprendêramos o que eram números primos e sabíamos operar com potências; multiplicávamos, somávamos, subtraíamos, integrávamos, radiciávamos e fazíamos tantas outras operações com números; resolvíamos problemas de física e sabíamos acertar uma fórmula de química inorgânica; também estudávamos biologia, filosofia, francês, inglês, latim e português. Numa palavra, muito ou pouco, sabíamos. E tínhamos quinze dias de férias pelo Natal e outros tantos pela Páscoa. Os nossos professores eram produtivos e ensinavam-nos e sê-lo. E tínhamos férias de Carnaval! E chegávamos ao fim do ano lectivo e sabíamos! Uns passavam com 14 ou 15, outros com 10 ou 11, mas passavam e os que reprovavam eram porque não sabiam ou não tinham estudado o suficiente. Ninguém entrava na Faculdade de Ciências sem saber a tabuada de cor ou com média negativa a matemática, ou a física, ou a química, ou a qualquer outra disciplina.
Em Portugal, na minha infância, juventude e começo da idade activa podia não haver produtividade em mais nada, mas no ensino ela era real… O que estudávamos era para ser sabido!
E tínhamos quase três meses de férias de Verão! E os professores do ensino — de qualquer tipo de ensino — tinham, também, as suas merecidas férias de Verão. Um Verão longo, suave e doce que nos retemperava a mente. Devo acrescentar que nem todos os mestres eram professores profissionalizados, isto é, de carreira, mas, nem por isso, deixavam de ser exigentes. Nesse tempo era possível um aluno fazer num só ano lectivo o exame dos anos que equivalem hoje aos 7.º, 8.º e 9.º. E muitos adultos concluíam em três anos lectivos os sete que constituíam o curso do liceu. Era preciso estudar muito, mas isso não era impossível. Fui professor em colégios particulares onde se preparavam alunos para essa tremenda maratona. Havia produtividade, como já disse, sem que, contudo, houvesse facilidades e facilitismos.
Depois de Abril de 1974 e, especialmente, em seguida à adesão à CEE, houve a vontade de alinhar pela Europa e, lentamente, Portugal, país de sol e longos Verões, começou a encurtar as férias e a aumentar o tempo de presença dos alunos na escola e na universidade sem que, com tal medida, se tenha conseguido um maior nível de conhecimentos; muito pelo contrário… Hoje vejo-me obrigado a ensinar na universidade coisas que eu aprendi na instrução primária!
Hoje a produtividade dos alunos baixou e também a dos professores. Como é possível?
A ânsia de alinharmos pela Europa há vários anos levou a que o Governo decretasse uma igualdade horária que em Agosto nos punha com dia claro às vinte e duas horas! Uma loucura!
Outra loucura é começarem as aulas em Setembro! Que isso aconteça na Alemanha, na Holanda e, até em França, onde as temperaturas descem significativamente, onde as chuvas se fazem sentir de forma acentuada, onde o sol desaparece no horizonte antes das dezanove horas, compreende-se… Mas em Portugal?! Porquê? Só para rendermos mais? Só para dizer que alinhamos pelos padrões dos outros Estados europeus? Isso é uma prova da mais completa cretinice. É um alinhamento inadequado e inapropriado.
Tivessem os Alemães, os Suecos, os Dinamarqueses o nosso Verão e veríamos se as aulas não começavam lá para meados de Outubro, como já aconteceu quando éramos iguais a nós mesmos e não desejávamos ser como os europeus!
Não é por o burro estar mais tempo atrelado à carroça que ele a puxa mais depressa!
A União Europeia não implica nem obriga a uma uniformidade de critérios subserviente; há que saber respeitar as diferenças e impô-las, mas nós, os Portugueses, estamos sempre dispostos a apagar-nos perante os outros, a inferiorizar-nos diante dos estrangeiros! Nacionalismo não é sinónimo de fascismo e só por uma distorção mental o pode ser. Nacionalismo é o sentido de defesa e orgulho do que é nacional, do que nos identifica como Povo, do que nos caracteriza.
Saibamos impor ao nosso Governo a diferença. Saibamos exigir o direito de poder gozar férias de Verão com os nossos filhos no mês de Setembro como acontecia há quarenta ou cinquenta anos atrás. Não arranjemos desculpas impróprias para privarmos as nossas crianças e os nossos jovens de gozarem o excelente Verão português. Sejamos nós mesmos com verticalidade. Comecemos pelo que parece pouco importante para conseguirmos chegar às reivindicações mais notórias e significativas.
Será assim tão difícil?