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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

30.05.08

Chefes de Estados-Maiores


Luís Alves de Fraga

 

 
A tradição sempre valeu o que valeu… Umas vezes muito, outras nada. Tudo depende, afinal, da capacidade interpretativa do observador e do verdadeiro sentido do que se pretende seja tradicional.
Vem este arrazoado ao caso, porque, há trinta e quatro anos, logo após as primeiras horas do dia 25 de Abril de 1974 ficou assente que alguns dos membros da Junta de Salvação Nacional assumiriam o comando das Forças Armadas com a designação de Chefes de Estado-Maior. Julgo que posso interpretar a razão da escolha do título.
Realmente, se o Poder estava, de facto, na mão dos mais representativos mentores do Movimento das Forças Armadas (MFA), que não eram generais, mas majores e capitães, não fazia sentido que aqueles fossem aceitar transferir o comando para uns recentes generais escolhidos mais ou menos ad hoc entre os oficiais superiores que pareciam merecer a confiança dos capitães — Galvão de Melo, Pinheiro de Azevedo e Rosa Coutinho, pois que os restantes já eram oficiais generais (Costa Gomes, Spínola, Diogo Neto e Jaime Silvério Marques). Deste modo, e para que houvesse articulação entre a Junta de Salvação Nacional e o colectivo do MFA teve de se escolher os coordenadores dos Ramos das Forças Armadas de entre os membros daquela Junta, dando-lhes uma designação que não fosse a de comandante, pois, efectivamente, só iriam representar e coordenar o Ramo de acordo com as decisões tomadas a níveis muito inferiores. Foi assim, quase pela certa, que surgiu a ideia de os designar por chefes de estado-maior, porque o verdadeiro estado-maior iria estar por trás a marcar o rumo de todas as operações. Eis que Diogo Neto é nomeado Chefe de Estado-Maior da Força Aérea, Pinheiro de Azevedo passa a ser o Chefe do Estado-Maior da Armada e Jaime Silvério Marques assume o cargo de Chefe do Estado-Maior do Exército.
Alguns historiadores mais agarrados à verdade dos documentos poderão argumentar que as escolhas foram feitas pelo general Spínola, mas, pessoalmente, julgo que este terá sofrido pressões, às quais cedeu por as achar de somenos importância, quanto à designação, até porque ele próprio vinha do desempenho da vice-chefia do Estado-Maior General das Forças Armadas e Costa Gomes da chefia. Seja como for, a designação pegou e foi ficando até ao final da existência do Conselho da Revolução, embora aos Chefes dos Estados-Maiores lhes tivesse sido concedida a equiparação protocolar a ministro.
O Conselho da Revolução «esqueceu-se» de fazer promulgar uma disposição legal que alterasse a designação de Chefe de Estado-Maior para Comandante do respectivo Ramo. Fazia todo o sentido, já que, por essa altura, os militares iriam recolher aos quartéis e deixar a política entregue aos partidos. Acima de tudo, fazia sentido porque um chefe de estado-maior é o coordenador de um estado-maior para se sujeitar à decisão superior de quem lhe dá ordens e o comanda. Por outras palavras, um estado-maior estuda a exequibilidade da ordem recebida do comandante e, sob a batuta do seu chefe, procura a melhor forma de a pôr em execução. Um chefe de estado-maior é um subordinado. Ora, o que os Chefes dos Estados-Maiores têm sido em Portugal, pelo menos desde que se extinguiu o Conselho da Revolução, é comandantes dos Ramos. E, por tradição — neste caso má e ilógica — assim se deixaram ficar, permitindo que os mais sagazes ministros da Defesa Nacional se arvorassem em verdadeiros comandantes das Forças Armadas, pois, visto que a Natureza tem horror ao vazio, esse espaço de comando tinha de ser preenchido. E muito bem podem argumentar os generais Chefes dos Estados-Maiores dizendo que foram, realmente, verdadeiros comandantes, mas também não é menos certo que a bota não deu, nem dá, com a redingote, porque a designação é que conta e nada mais.
 
Pode argumentar-se que tudo isto não passa, afinal, de uma questão semântica, contudo, é pelos estreitos e enviesados caminhos da linguagem que se conseguem marcar terrenos em política e, uma vez mais o afirmo: o cargo de Chefe de Estado-Maior ou de Comandante de um Ramo das Forças Armadas é maioritariamente político e só depois técnico, porque, verdadeiramente técnico será o chefe do estado-maior quando houver comandante. Tal como está não passa de uma ambiguidade que serve para não ser nem carne nem peixe. Ou, mais uma vez, dito de outra maneira, pode servir para serem comandados pelo comandante das Forças Armadas que ainda responde pelo título de Chefe do Estado-Maior General das mesmas (CEMGFA).

 

22.05.08

O despacho do processo disciplinar


Luís Alves de Fraga

Fotografia retirada do Diário de Notícias

 
Foi sem surpresa que tomei conhecimento do despacho do general CEMFA dado sobre o processo disciplinar que ele próprio me tinha mandado instaurar. São longas as considerações que desenvolve para chegar à única conclusão viável e possível: o arquivamento.
Foi sem surpresa que tomei conhecimento do despacho, por vários motivos: antes do mais, porque, tal como eu digo, quase com sentido premonitório, logo no início do artigo que deu origem ao processo disciplinar (pode ver-se aqui) «Nada há de pior do que perder a cabeça quando se está a ter uma discussão. A emotividade é sempre má conselheira. Em contra-partida, a calma é a grande companheira da sensatez.»; depois, porque a inconstitucionalidade do processo era mais do que evidente e eu recusava-me a acreditar que as assessorias jurídicas do general CEMFA fossem ao ponto de o empurrar para uma situação mais crítica do que a existente ao determinar a abertura do mesmo processo; finalmente, a dimensão pública que o assunto assumiu foi de tal ordem que a insistência na punição disciplinar ia colocar, ainda mais, a Força Aérea nas «bocas do mundo»… e tudo por causa de um simples artigo que teria passado despercebido dos Portugueses se não fosse a vontade de punir o seu autor por ter ousado tornar público o que, para muita gente, seria conveniente fosse tratado no segredo dos gabinetes enquanto à chuva, ao frio, ao vento e ao calor doentes militares esperavam em fila, frente à porta de armas da Base do Lumiar, pela oportunidade de conseguirem marcar uma consulta (de certas especialidades) sob o olhar irónico dos civis que, a horas muito matutinas, por ali transitavam!
Não foi surpresa para mim, porque, desde o início, percebi que as «infracções» invocadas como tendo sido levadas a cabo no artigo eram vazias de sentido pois o que, efectivamente, «doeu», o que «magoou» foi a essência do mesmo e não a forma frontal como está escrito. Essa é ainda conhecida de muita gente na Força Aérea, também por ter sido louvada por dois antigos CEMFA’s e não provém dos muitos anos dedicados ao ensino militar, do culto da liberdade académica, nem de privilégios que a minha idade me possam conceder, nem da dúzia de anos em que me encontro na situação de reserva e reforma, mas do amor à verticalidade que caracteriza quem fez da vida castrense a sua primeira vocação e a aprendeu e exerceu perante militares desde a mais tenra idade no Instituto dos Pupilos do Exército e, mais tarde, durante trinta e seis anos, nas fileiras.
 
Arquivado o processo disciplinar, poderia dar público conhecimento dos termos do despacho do CEMFA; contudo, reservo-me o direito de o fazer quando e se achar oportuno para evitar expor, mais ainda, os pressupostos sobre os quais se pretendia fazer assentar uma inconstitucional punição.
Cabe agora — isso sim — no exercício do mais elementar sentido de justiça e gratidão mostrar o meu profundo agradecimento a todos quantos individual, particular ou publicamente me apoiaram e se solidarizaram comigo, não podendo deixar de dar especial destaque à Associação Nacional de Sargentos que promoveu, desassombradamente e sem reticências de qualquer espécie, uma sessão pública para deixar bem vincada a sua solidariedade.
Para todos vai o meu bem-haja.

 

21.05.08

Organização superior das Forças Armadas


Luís Alves de Fraga

 

 
Foi há tempos notícia o facto de a decisão do conselho de ministro e a consequente directiva do ministro da Defesa sobre a organização superior das Forças Armadas estarem a provocar desaguisados entre os Chefes dos Estados-Maiores dos Ramos e o Chefe do Estado-Maior General (CEMGFA).
Não vou entrar a comentar a organização superior das Forças Armadas nos seus detalhes, porque não quero e acho que tal trabalho cabe a quem está dentro dos pormenores, contudo, não posso deixar de me pronunciar sobre a matéria fundamental: a decisão de se reorganizar superiormente as Forças Armadas.
 
Recuemos no tempo, até antes de 25 de Abril de 1974, ao Governo do Estado Novo. Como estavam organizadas as Forças Armadas?
Havia um Ministério do Exército, outro da Marinha e uma Secretaria de Estado da Aeronáutica dependente da Presidência do Conselho de Ministros, um Ministério da Defesa e um Estado-Maior General das Forças Armadas.
Na prática o Ministério da Defesa não tinha qualquer tipo de intervenção na condução política dos Ministérios da Marinha, do Exército e da Secretaria de Estado da Aeronáutica. Na prática constituía uma excrescência por onde corriam certos negócios de compras de armamento ou entendimentos com países aliados. A relevância do Ministério era mínima assim como a do Estado-Maior General. Salazar sabia que mantendo separados os assuntos tinha maior controlo sobre todos devido às concorrências e tricas que ele próprio apreciava e alimentava. Aliás, a criação do Ministério da Defesa foi relativamente recente — só surgiu no pós 2.ª Guerra Mundial — correndo os assuntos relacionados com a defesa militar pelos respectivos Ministérios. Dentro destes, o ministro, sempre militar comprometido com a política do Governo, era a autoridade máxima incontestada e incontestável. Os respectivos Chefes de Estados-Maiores não passavam de assessores técnicos de pouca ou nenhuma importância para a tomada de decisão política.
Assim se fez a guerra em África durante treze anos.
 
Após o 25 de Abril de 1974, na perspectiva de manter entre mãos de militares as decisões respeitantes à actividade castrense e, até, de certa maneira, as que conduziam à democratização da sociedade portuguesa, acabaram-se com os Ministérios e com a Secretaria de Estado, promovendo-se os respectivos Chefes de Estados-Maiores à categoria simultânea de ministros e de comandantes de cada Ramo. Tudo parecia certo e correcto para a situação vivida na altura, já que o envolvimento dos militares no quotidiano nacional era também político. O CEMGFA continuou a ser um mero coordenador de certas actividades militares que corriam os seus trâmites pelos Estados-Maiores dos Ramos.
A transição para a normalidade democrática fez-se com a criação do Ministério da Defesa ainda na vigência do Conselho da Revolução, isto é, ainda tutelado pelo órgão coordenador do processo democratizante. Extinto este, ficou uma regra que dava aos comandantes militares dos Ramos uma clara margem de manobra na subordinação ao ministro da Defesa e ao Governo: a escolha dos Chefes dos Estados-Maiores da Armada, do Exército e da Força Aérea era feita internamente por indicação do nome de três tenentes-generais para o Governo e o Presidente da República escolher um deles. Quer dizer, o cargo, sem perder o seu matiz político, tinha a marca clara de uma escolha militar e, por conseguinte, técnica, na presunção de que todos os tenentes-generais eram técnicos e não políticos. O cargo de CEMGFA ia sendo ocupado rotativamente entre os Ramos pelos Chefes dos Estados-Maiores respectivos.
Este modelo tinha a virtude de — continuo a afirmar — na presunção de os tenentes-generais não resultarem de uma escolha política, possuir uma certa representatividade democrática da vontade dos Ramos, já que o «colégio eleitoral» optava de acordo com sondagens que, sem formalidades, se faziam nos altos níveis militares. Assim sendo, as tropas reviam-se no seu Chefe de Estado-Maior, olhando-o como alguém que provinha da vontade e escolha de todos. Contudo, ao atribuir-se a tutela dos Ramos ao ministro da Defesa Nacional o Conselho da Revolução esqueceu-se de fazer deste um super-ministro, pois defesa nacional é mais do que defesa militar. Assim, como há tempos me dizia um tenente-general reformado, o suposto ministro da Defesa Nacional mais não é do que o ministro das Forças Armadas! Razão tinha o velho ditador Salazar quando não deu conteúdo de jeito ao Ministério da Defesa! O que ele não fez fizeram-no mal os conselheiros da Revolução, provando que o óptimo é, de facto, sempre inimigo do bom!
 
Mas os Governos democráticos não estavam satisfeitos com o modelo de escolha dos Chefes dos Estados-Maiores, porque, em última análise, tinham de suportar um general que podia não lhes ser simpático e isso dificultava a relação entre o ministro dito da Defesa Nacional e os Ramos. Havia que alterar o sistema. Assim, a escolha do Chefe de Estado-Maior deixou de pertencer ao «colégio» de tenentes-generais de cada Ramo e passou integralmente para a mão do Governo. Este simples facto alterou várias correlações de forças. Vejamos.
 
O cargo de Chefe de Estado-Maior deixou de ser eminentemente militar e lateralmente político para passar a ser o inverso; os Chefes de Estado-Maior são, de facto, cargos de confiança política com uma componente técnica militar o que pode corroer a confiança dos subordinados no seu comandante. A prova imediata, visível e inconfundível de que assim é, plasma-se nas passagens à situação de reserva dos tenentes-generais que se viram preteridos na escolha. Facto que não é inédito nem recente. Mas a não ocorrência desta situação também pode indiciar que a promoção a tenente-general já corresponde a uma escolha mais política do que técnico-militar, pois ao aceitar-se ser ultrapassado por um camarada mais moderno reconhece-se que o Poder político, entre vários em quem confia, confia mais num determinado do que nos restantes; ficar é aceitar a escolha por se estar comprometido com o sistema. Será que, de forma sub-reptícia, sibilina e tortuosa, estamos a cair no velho processo de promoção a tenente-general — para não dizer, também, major-general — do tempo da ditadura, em que todos eles, com raríssimas excepções, mereciam a confiança política do Governo? Talvez ainda não estejamos, mas, pelo caminhar das coisas, para lá nos dirigimos.
Depois, temos que, recaindo a escolha para Chefe de Estado-Maior num tenente-general do agrado do Governo aquele vê reduzido o seu poder de manobra e de negociação com o ministro e o Executivo a quem tem de estar reconhecido. Quer dizer, as relações político-militares estão envenenadas à partida; é preciso muito poder de decisão, muita verticalidade, muita frontalidade e muita coragem para negociar em força com alguém que nos escolheu, pois ninguém gosta de sentir que frustrou confianças. É humano, embora nem sempre correcto e conveniente.
A partir do momento em que a escolha dos Chefes dos Estados-Maiores passou a ser feita sob a exclusiva responsabilidade do Governo também todos os militares reformados, quer-me parecer, irão tendo tendência para identificar aqueles comandantes com o Poder que os nomeou, vendo neles um prolongamento do Executivo no meio militar, se não derem provas muito claras do contrário.
 
Tudo isto que acabei de elencar, com maiores ou menores variantes, função da consciência política dos militares, está hoje presente em quem serve nas Forças Armadas, daí que o movimento associativo militar ganhe maior importância e relevo junto das fileiras e de todos os que já se encontram desligados do serviço.
 
Naturalmente, que quando o Governo pretende concentrar maior poder na figura do CEMGFA reduz a capacidade de manobra técnico-militar dos Chefes dos Ramos e, em simultâneo, a sua importância política, pois passa a atribuí-la àquele, para além de reunir numa só entidade responsabilidades que, em tempos normais, devem estar entregues aos comandantes das três componentes das Forças Armadas. Por outras palavras, é mais fácil «meter no bolso» um só homem do que três ou quatro. Esta é a grande diferença entre uma ditadura institucionalizada e uma democracia ditatorial.
Creio que, depois desta revisão de todo o processo de comando superior das Forças Armadas, cabe deixar no ar as perguntas:
— Quem vai, então, colaborar com o Governo nesta disputa de poderes? E quem sai, efectivamente, prejudicado?
13.05.08

Deficientes das Forças Armadas


Luís Alves de Fraga

Centro de Documentação 25 de Abril

Universidade de Coimbra

 
Amanhã vai haver uma manifestação dos deficientes das Forças Armadas. Reclamam das condições a que estão sujeitos.
 
É inadmissível que num país europeu que manteve uma guerra durante treze anos em três frentes de combate, há trinta e quatro anos, ainda os deficientes das Forças Armadas tenham de fazer manifestações para conseguirem melhorar a sua condição.
Dito de outra maneira, para estes homens, Esta não é a ditosa pátria minha amada, porque honraram a Pátria e a Pátria não os contempla.
Foram homens que deram pedaços de si a Portugal e este não lhes paga como deve. E um Governo — seja ele qual for e muito pior se se disser socialista — que não faz a justiça de tudo empenhar para os recompensar não é digno de se sentar nas cadeiras do Poder. Não honra quem honrou Pátria.
 
O ministro da Defesa Nacional e o primeiro-ministro já deveriam ter-se debruçado sobre as reivindicações de homens que arrastam consigo há muitos anos os aleijões de guerra de modo a resolver todos os problemas que os atormentam. Não o fazendo não se mostram à altura dos cargos que ocupam.
E não se mostram merecedores do nosso respeito, porque não conseguem gerir a herança que receberam quando aceitaram ser os representantes de Portugal. Eles sabiam que havia deficientes de guerra; eles sabiam que há reformados das Forças Armadas que serviram no antigo Ultramar numa guerra que não desejaram, mas que não renegam; eles sabiam que à frente de todas as mordomias que têm ou permitem que outros Portugueses tenham deveria estar a protecção aos deficientes das Forças Armadas e aos reformados militares. É o mínimo de justiça que se pede!
Quem serviu numa guerra para a qual não contribuiu tem de ser ressarcido dos incómodos que ela lhe causou.
 
Se no nosso país houvesse verdadeira consciência dos sacrifícios pedidos a uma geração de jovens, os Portugueses, há já muito, estariam divididos em duas grandes categorias: os que foram mobilizados para a guerra colonial e os outros. Aos primeiros, atingida a idade de 65 anos — isto é, o tempo de vida segundo o qual se lhes reconhece o direito à reforma — o Estado tinha por obrigação pagar, pelo menos, 75% das despesas de farmácia relativas a todas as doenças de que possam sofrer. Deficientes ou não todos nós, os que por terras de África e da Índia andámos, somos veteranos de uma guerra; demos a nossa mocidade em climas e condições adversas. Mas uma tal medida ia deixar muito claro que entre os velhos políticos os há que nunca puseram os pés nas frentes de combate e que os novos políticos, aqueles que eram crianças, jovens ou nem mesmo nascidos em 1974 — mas que já se banqueteiam com lautos salários que a sua dedicação às causas partidárias lhes permitem — não são capazes de nutrir respeito por quem não regateou sofrer na carne e na mente os trabalhos de todos os incómodos de uma saída forçada para terras longínquas em condições adversas para cumprir, sem apoucar, um dever de cidadania que um Governo tão iníquo como aqueles de que fazem parte lhes impôs em nome de Portugal.
 
Não posso estar presente, amanhã, na manifestação dos meus camaradas veteranos deficientes. Obrigações maiores me impedem, mas espero que a eles e à sua causa se juntem os reformados das Forças Armadas e os antigos combatentes para mostrarem aos políticos governantes e aos que o não são, mas dão com o seu silêncio guarida ao oportunismo dos detentores do Poder, que fomos uma juventude sacrificada, afinal, para sermos uns velhos desonrados pelas suas irresponsáveis medidas.

 

06.05.08

A classe média militar


Luís Alves de Fraga

 
Ontem de manhã ouvi uma notícia na rádio sobre a tomada de posição de um dos responsáveis da Caritas Portuguesa quanto à situação da classe média nacional.
Lê-se no site da Antena 1: «O aumento dos preços e a escassez de bens de primeira necessidade leva a que, segundo a Caritas, “o espectro da fome” paire sobre “muitos portugueses”, com “muita gente a viver abaixo do limiar de pobreza e com esquemas de apoio social muito deficientes”.
“A questão é eminentemente política”, declarou à RTPN Eugénio da Fonseca. O presidente da Caritas Portuguesa aponta que os níveis de produção nunca foram tão elevados, mas “o problema está no desequilíbrio dos bens produzidos e isso depende da regulação que os políticos devem fazer da economia”.
 
Esta notícia chamou-me a atenção para a problemática da subsistência dos sargentos e das praças das Forças Armadas. Eles são verdadeiramente a baixa classe média dos militares. Os seus rendimentos são fraquíssimos e os vários equilíbrios financeiros que têm de fazer são impressionantes.
Os cortes efectuados no sistema de apoio na doença vieram tornar ainda mais precária a sobrevivência dos sargentos e praças profissionais.
 
Os sargentos, muito em particular, deveriam ser, efectivamente, a classe média militar, porque pelas suas atribuições estatutárias estão entre as praças e os oficiais, funcionando para aquelas como o primeiro exemplo a seguir. Se um sargento não prima pelo aprumo e brio profissionais não pode servir de elo de ligação entre a oficialidade e as praças.
E como poderá um sargento ser um exemplo se o que lhe é pago não é suficiente para a manutenção de um razoável desafogo familiar? Quantos sargentos têm de recorrer a segundas ocupações para complementar o seu orçamento ao fim de cada mês? E quantos se podem dar ao luxo de terem os respectivos cônjuges unicamente a tomar conta dos filhos e a tratar da casa? E quantos têm as mulheres em subempregos, muitas vezes, pouco dignos da categoria sócio-profissional do marido?
 
Ao ritmo a que o custo de vida se acelera em Portugal, conjugado com os fracos aumentos que são dados aos militares, não me espanta nada que, durante os próximos anos, os sargentos e as praças das Forças Armadas tenham de se socorrer dos apoios fornecidos pelo Banco Alimentar Contra a Fome ou pela Caritas.
 
Se o ministro da Defesa Nacional tivesse assessores realmente preocupados com a forma como vivem os sargentos e as praças — para não falar dos postos mais baixos de oficiais — já teria mandado lançar um grande inquérito destinado a averiguar as dificuldades da classe média militar e, assim, munido de dados seguros, poderia junto do primeiro-ministro e do ministro das Finanças fazer valer as suas razões — se é que isso lhe importa realmente! É evidente que uma acção desta natureza poderia e deveria começar por ser tomada pelos Chefes dos Estados-Maiores dos Ramos para se assumirem como os lídimos defensores dos interesses dos homens por si comandados. Números na mão, inquéritos no papel, essa poderia e deveria ser a maneira de ultrapassar muitas das dificuldades financeiras hoje existentes no seio das Forças Armadas.
Bom material de guerra tem de ser operado por homens e mulheres satisfeitos e realizados técnica e financeiramente.
Mandem os senhores Chefes dos Estados-Maiores que os adidos militares junto das diferentes embaixadas das capitais europeias façam um estudo entre o custo de um cabaz de compras pré-determinado (no qual entre o valor médio do arrendamento de uma casa e as despesas inerentes à sua manutenção) e os vencimentos pagos aos sargentos e praças desses mesmos países; depois, determinem o estabelecimento das escalas de comparação e, munidos dessas informações, reclamem junto do ministro.
Talvez, desta maneira, deixando escapar alguma notícia para os órgãos de comunicação social, ganhem popularidade mais do que suficiente junto dos seus subordinados.
Comandar não é só saber dar ordens… É preciso que essas ordens traduzam um rumo condutor até à satisfação de quem é comandado.
02.05.08

Patriotismo, RDM e reformados


Luís Alves de Fraga

 
O ministro da Defesa Nacional veio, mais uma vez, afirmar, com as cautelas próprias de um político, que o anteprojecto de Regulamento de Disciplina Militar (RDM) posto a circular e entregue para a apreciação das Associações Militares, saído do seu Gabinete, afinal não tinha em vista cercear as liberdades dos militares na situação de reserva e reforma, porque não havia sido esse o espírito do legislador. Isto disse-o ele e está bem claro no Jornal de Notícias que pode ler-se aqui.
 
Se não fosse um assunto muito sério, até poderia parecer uma manifestação do sentido de humor do ministro! Então não está no espírito do legislador e está com todas as letras na letra do anteprojecto! Como se diria nos meus tempos de jovem: — Está a gozar connosco ou quê?!!!
E a pergunta tem toda a razão de ser, porque o anteprojecto não foi remetido às Associações Militares por uma qualquer repartição burocrática do Ministério da Defesa Nacional! Pelo contrário, foi enviado pelo chefe de gabinete do ministro! Alguém escreveu o anteprojecto; alguém o fez chegar ao chefe de gabinete; alguém o fez expedir. Este alguém será sempre um desconhecido, secreto e inimputável personagem. Nunca surgirá um nome para se poder dizer a frase tão simples: — Aqui está o responsável!
Seria importante saber se o autor material do anteprojecto — o tal responsável — era civil ou militar para se compreender se o «espírito da lei» anteprojectada pertencia a alguém que de tropa nada percebe ou se de um militar que, por erro do sistema de selecção castrense, deveria ser civil.
 
Na verdade, só um civil inexperiente da Vida e das vivências militares poderia ser autor material do famigerado anteprojecto, pelo que ele contém de aberrante quando prevê, entre outras coisas, a limitação de liberdade de opinião aos militares reformados e na reserva.
Para compreendermos o porquê desta minha afirmação teremos de perceber o que lhe está por trás e lhe dá apoio. Vamos, pois, à explicação.
 
Um militar que tenha feito carreira nas fileiras ganhou, por força da educação castrense e por tradição já enraizada, o hábito de aceitar pacificamente as limitações de cidadania que a Constituição Política da República lhe impõe. Por isso ele jura respeitá-la; e respeita-a. Ele sabe que é em nome de um valor maior que lhe estão vedados certos direitos que os outros cidadãos possuem. Sabe que esta restrição não deslustra; pelo contrário, enaltece-lhe o serviço, porque se trata de serviço da Pátria.
Ver limitada a liberdade, por se estar disposto a todos os sacrifícios por ela, é uma dignidade que só pode compreender quem tem da própria Pátria um grande conceito. Por amor da Pátria é-se amputado de direitos comuns. Mas trata-se de uma amputação que honra quem a sofre. É preciso ser-se militar de carreira para, mais do que perceber, sentir o orgulho de ser assim. Isto mesmo não o compreende com facilidade um cidadão que não tenha entranhado em si o gosto, a vocação, castrense. E é natural que assim seja!
Passarem-se vinte ou trinta anos, às vezes mais, sujeito a este preceito de disciplina aumenta no cidadão-soldado o amor da Pátria. Aquilo que aos vinte anos de idade era um sonho, uma aventura, uma vontade jovem transforma-se, aos quarenta, cinquenta ou sessenta, num sentimento maduro e curtido pelo serviço árduo de uma vida votada à comunidade nacional na disposição de por ela dar consciente e decididamente a vida, se tal for exigido.
Ora, é por essas idades que o militar começa a poder voltar a ser um cidadão de corpo inteiro dado ter passado à reserva ou à reforma, mas, pelo simples facto de mudar a sua condição perante a instituição castrense, não muda a sua maneira de pensar nem se alteram os seus sentimentos patrióticos. Assim, qualquer opinião que emita sobre a política nacional ou sobre a condução da política militar, supõe-se, é feita dentro do mais acrisolado amor pela Pátria, porque os valores militares não se perdem quando se muda de situação, quando se passa de activo a reformado; não é por deixar de envergar a farda que se despe o sentimento que nos animou durante uma vida. Só não o pode compreender assim quem nunca foi militar ou quem sendo tem da vida militar uma visão canhestra, confusamente canhestra, por excessivo contacto com os meios civis e, acima de tudo, meios políticos onde, como dizia Mouzinho de Albuquerque, é comum ter-se duas caras.
Porque é vulgar ser como acabei de referir, no estrangeiro, muitas vezes socorrem-se os políticos profissionais dos reformados militares para os assessorarem — não por favor político, mas por reconhecida competência patriótica — no desempenho de certas missões onde prevalecem valores da nobreza castrense.
 
Limitar a liberdade de expressão aos militares reformados, para além de ser entre nós inconstitucional, é uma aberração que só uma mente doente, perversamente doente, pode conceber, pois, como julgo ter demonstrado, é amputar ao tecido social uma boa parte de uma opinião saudável e patriótica; de uma opinião que deve ser escutada atentamente por todos e em particular pelos condutores da política nacional, pois parte sempre de quem está habituado a cumprir, servindo sem olhar para recompensas materiais nem prebendas.
 
Oiça-se a opinião e a crítica dos militares reformados, porque ouvi-la é escutar gritos de alma deixados escapar para o bem de Portugal.