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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

22.11.07

Mais um passeio


Luís Alves de Fraga

 
Está marcado para hoje, por uma comissão de militares — a COMIL — mais um «passeio» no Rossio. Não se trata de uma convocação das associações castrenses.
O que está a vir ao cimo é a constante insatisfação dos militares face a todas as medidas que têm sido tomadas contra si. Não é um problema corporativo, como muita gente julga; é um problema nacional de grande responsabilidade que quem de direito não quer olhar com a atenção devida à dimensão do fenómeno.
 
É um problema nacional, porque os militares são os gestores da violência legal e legítima. Não há, no nosso país, nenhuma organização com maior capacidade de destruição do que as Forças Armadas. Os seus comandantes sabem isso e os políticos desconfiam.
 
O descontentamento que lavra entre os militares nunca, na história recente de Portugal — do começo do século XX à actualidade — foi maior do que agora. Por muito menos, na vigência da 1.ª República, foram feitos pronunciamentos armados. Durante o Estado Novo nunca se chegou a este patamar de descontentamento, porque os poderes ditatoriais constituídos «regulavam» com muita cautela as «válvulas de pressão» dentro do seio das Forças Armadas de modo a garantir uma tranquilidade mais ou menos comum. Actualmente, os políticos nacionais estão crentes no grande «chapéu-de-chuva» que dá pelo nome de União Europeia o qual é, julgam eles, um travão à manifestação agressiva dos militares. Admitem que, na grande comunidade da democracia europeia, não haverá mais lugar para golpes de Estado, para revoluções, para quarteladas ou para golpes palacianos de força. Não há, de facto, nos Estados onde o respeito pelas Forças Armadas se manifesta a cada momento, nomeadamente, através de pagamentos que valorizam o seu esforço e a sua dádiva; através de compensações sociais e materiais que os desmobilizam de pôr em prática qualquer tentativa de instabilização do sistema; através de uma boa assistência sanitária para militares no activo e reformados, incluindo as respectivas famílias. Contudo, num Estado que mantém índices dos mais baixos da União em quase todas as frentes e que, ainda por cima, despreza a única instituição onde, por um preço irrisório, se dá tudo — até a própria vida — e está continuadamente a desconsiderá-la, os «passeios» de militares na via pública são um aviso muito sério que o primeiro ministro deve levar em consideração e o ministro da Defesa, há muito, teria de evitar batendo-se, junto dos seus pares, com argumentos que os fizessem pensar no risco que atravessam.
 
Os diferentes ministros da Defesa Nacional, se a sua inteligência e habilidade política lhes desse para tanto, para além do diálogo permanente com as chefias militares deveriam manter canais de entendimento com as associações castrenses, porque elas, ao contrário de serem organismos sindicalistas, são centros polarizadores de tensões que poderão servir para «regular pressões» no seio dos militares do activo, da reserva e da reforma. É este papel social e sociológico que cabe às associações de militares que a arrogância do Poder não quer ver e aceitar de modo a estar mais próximo das bases castrenses.
 
Há riscos que não vale a pena correr. Só os aceitam os estúpidos ou os surdos, cegos e mudos ao mundo.
19.11.07

O custo da guerra


Luís Alves de Fraga

 
A guerra colonial acabou há quase 34 anos. Foi há muito tempo, dirão alguns dos meus leitores; só passaram três dezenas de anos, dirão outros. Terão todos razão, porque se trata de uma situação de garrafa meia cheia ou meia vazia. Tudo depende da perspectiva pela qual se olha o problema. Por exemplo, foi há muitos anos, se pensarmos que a grande maioria dos actuais oficiais generais (majores-generais e tenentes-generais ou contra-almirantes e vice-almirantes) já não combateram na guerra colonial ou, no caso dos mais antigos, fizeram-no como alferes acabados de sair da Academia Militar. Contudo, não foi há tantos anos assim, se pensarmos que a maioria dos capitães de Abril são, agora, recém-reformados que ainda não atingiram os 70 anos de idade, estando, por conseguinte, distantes do chamado tempo médio de vida. Este facto, aparentemente, paradoxal parece, também, estranho, porque a maioria dos cidadãos já esqueceu que a guerra colonial durou 13 anos, quer dizer, cerca de mais de 1/3 da carreira normal de um militar do quadro permanente.
Quem, como eu, entrou na Academia Militar em Outubro de 1961 — seis meses depois do início da guerra — e foi promovido a alferes em 1965 e avançou para África em 1966, para cumprir uma comissão de serviço de 24 meses — sempre prolongados por via da demora na substituição — em 1974 já levava 8 anos de guerra, enquanto um alferes de 1960 tinha 13 e um alferes de 1973 somente um. Analisando as respectivas idades, temos que o alferes de 1960 teria, nessa altura, entre 20 e 23 anos — entre 33 e 36, em 1974; o de 1965 entre 29 e 32 aquando da Revolução dos Cravos; e o de 1973, entre 20 e 23.
Repetindo o raciocínio para a actualidade vemos que o primeiro terá agora entre 67 e 70 anos; o segundo, entre 63 e 66 anos; e o terceiro, entre 54 e 57. Claro que estou a excluir desta análise todos os que eram tenentes e capitães em 1961 e que terão actualmente entre 70 e 76 anos de idade.
A estes homens — se lhes associarmos os sargentos dos quadros permanentes que em 1961 tinham à volta de 25 a 30 anos e que agora terão entre 71 e 76 anos — podemos chamar-lhes o custo da guerra. São uns milhares, porque, nos períodos mais agudos do conflito, na Guiné estavam efectivos da ordem dos 20.000 militares e 40 a 50 mil em cada uma das duas outras colónias — Angola e Moçambique. No total mobilizavam-se, por ano, à volta de 120.000 homens enquadrados por uns largos milhares de oficiais e sargentos dos quadros permanentes e por muitos mais graduados milicianos, cuja passagem pelas fileiras, ainda que efémera, se comportava, no mínimo, entre os 3 a 4 anos de serviço.
 
É esta visão que os jovens governantes de Portugal parece não terem. Para eles, a guerra foi um acontecimento que já se passou há muitos, muitos anos e dela ouviram falar vagamente aos pais ou a algum parente. Eles não percebem que agora ainda há custos da guerra que têm de ser pagos. Custos que são mais visíveis em cada um dos militares reformados e cujas idades estão compreendidas entre os quase 60 anos e os que sobrevivem aos 75.
 
Todas as medidas que afectam os militares reformados com idades próximas dos 60 anos são acções sobre os custos da guerra, são injustiças cometidas sobre quem esteve disponível para servir em todas as circunstâncias e em todos os momentos. Todas as medidas que afectam as pensões e as poucas regalias que se lhes haviam dado como recompensa do muito que esses militares ofertaram à Pátria, são nódoas que caiem na Democracia portuguesa, no brio e na honra de toda a Nação, porque, todos os que por lá andaram nessa guerra, se mais não fizeram não foi por cobardia ou falta de vontade… Foi porque o mundo e a razão dos povos esteve contra eles. Esses adversários eram demasiado poderosos para se deixarem vencer.
 
Se o senhor ministro da Defesa Nacional tivesse memória e consciência do que foi o sacrifico do seu próprio Pai — oficial do Exército — e o de todos os seus camaradas, se tivesse estudado a guerra à qual não foi, se não tivesse a ambição e a vaidade de se alcandorar ás cadeiras do Poder para se pavonear, já teria pedido a demissão e ter-se-ia recolhido ao magistério de onde nunca deveria ter saído. Não tem vergonha. Tem vaidade. Por isso fica instalado lá no gabinete, no Restelo, sem honra e sem o respeito de todos quantos serviram uma Pátria que ele nos quer fazer crer serve também. Não serve, porque lhe falta a coragem de se bater por quem se bateu. Não serve, porque compactua com os seus colegas que negam aos antigos combatentes as mais modestas migalhas que tanta falta lhes fazem. Não serve, porque cauciona a perseguição a todos os militares que lutam, como podem e sabem, pela defesa da dignidade de ser SOLDADO.
14.11.07

O salto de D. João II


Luís Alves de Fraga

 
As ossadas de D. João II deram um salto no túmulo onde repousam! A coisa ocorreu há poucos dias.
Esse monarca, filho de D. Afonso V, o batalhador incansável que no Norte de África quis fundar um outro Algarve — o de além-mar — grande e poderoso e, já para o fim da vida, guerreou Castela para garantir o direitos de sua sobrinha — a Beltraneja — à coroa daquele reino de Espanha, esse monarca, dizia, conta a lenda, ao subir ao trono, após a morte do progenitor, terá declarado que o pai o deixara rei das estradas e caminhos de Portugal, já que os bens da casa real os havia distribuído pela nobreza em paga dos serviços prestados nas muitas guerras por si travadas.
 
Pois é! As ossadas daquele a quem a História apelidou de Príncipe Perfeito deram um salto ao saber, lá no assento etéreo onde o seu espírito repousa, que um tal José Sócrates, primeiro-ministro de Portugal, havia arrendado, para exploração privada, a única coisa que ele herdada de seu pai: as estradas e caminhos do reino!
Está de rastos o tesouro real! É que já não havendo anéis para vender, cortam-se os dedos e trocam-se, alugam-se ou empenham-se pelo melhor preço que qualquer comerciante de macabros bens esteja disposto a dar para, com as unhas mortas, tocar a guitarra, conforme lhe for possível.
 
O leitor terá percebido bem o alcance desta concessão, até 2099, da exploração das estradas nacionais?
Isto é, por um lado, esvaziar o Estado dos encargos de manutenção e conservação dos caminhos que todos nós percorremos; por outro, dar a possibilidade de voltarmos à situação medieval de, para nos deslocarmos, ter de pagar sucessivas portagens para «entrar» nos vários «domínios senhoriais» que a assembleia-geral da Estradas de Portugal S. A. entender estabelecer. Já não bastavam as auto-estradas… Agora até as estradas, por mais miseráveis que sejam, podem ter portageiro.
Quando se dá de concessão as estradas de um país é porque já nada é do Estado!
 
Não nos venham os governantes tentar nublar o entendimento com justificações diversas! A atitude marca pelo princípio que foi quebrado. Já que não há alfândegas para dar como garantia dos empréstimos contraídos — tal como era prática nos últimos Governos da Monarquia — dão-se as estradas!
 
D. João II, face à miséria do tesouro real, tomou uma resolução revolucionária: inventou, dizem, uma conspiração da grande nobreza do reino contra a sua real pessoa e matou e mandou matar os dois nobres mais ricos para lhes ficar com os bens. Por outras palavras, utilizando uma linguagem de hoje, nacionalizou-lhes os cabedais.
Antes, em 1383-1385, já D. João I, o que havia sido mestre da Ordem Militar de Avis, adoptara igual medida contra os nobres que, seguindo a tradição da época, se haviam colocado ao lado de D. Beatriz e de D. Juan de Castela. Muito mais tarde, o mesmo expediente foi usado pelo rei D. Pedro IV — então mero regente em nome da sua filha D. Maria da Glória — quando, por extinção das ordens religiosas, lhes ficou com todos os bens de raiz. Da venda a particulares viveu, enquanto pôde, a Monarquia constitucional. A República, logo em 1911, fez algo semelhante: apoderou-se dos bens da Igreja e, embora não vendendo os mosteiros e conventos, neles, sem dispêndio para a fazenda nacional, fez instalar escolas, institutos e quartéis — agora negociados pelos governos democráticos que nos desgovernam. De novo, em Março de 1975, se nacionalizou a banca e tudo o que dela estava dependente e, com o produto deste acto, vendendo mais uma vez, sobreviveu o Estado, gastando à tripa forra em benesses qual D. Afonso V a beneficiar a sua cavalaria.
 
Está na altura de o ciclo continuar. Aproxima-se o momento de, uma vez mais, por uma revolução — pode inventar-se uma conspiração globalizante, por exemplo — nacionalizar de novo o que foi vendido e é do Estado, porque, diz o Povo, «o que há-de ser nosso à mão nos vem parar»! De desgoverno em desgoverno, de roubo em roubo, de nacionalização em nacionalização, a par de descobertas de Índias e ouro nos Brasis — o nosso último Brasil foi a adesão à CEE — Portugal, graças ao falso milagre de Ourique — mais uma vigarice para justificar a existência — há-de sobreviver, mantendo, se possível uma ampla servidão da gleba enquanto uns homens, muitos, procuram tornar-se em ricos-homens ou, talvez, com mais propriedade, em homens ricos.
Produzir e rentabilizar, trabalhando e distribuindo com justiça o rendimento conseguido, isso é que não! Somos nobres em excesso para vergar a cerviz perante tais obrigações… Um negociozito, ainda vá lá! Mas não exijam mais! Pimenta, especiarias, escravos, ouro, diamantes e cacau de algum lado hão-de vir para nos sustentarmos neste gosto pelo espavento e exibição balofa já não de carruagens puxadas por magros cavalos, mas de Mercedes e BMW, mesmo que em segunda mão, para encher gulosamente o olho do vizinho.
 
Vivamos o ciclo da História e preparemo-nos para o próximo golpe que será lançado por uma qualquer ideologia nascente. Entretanto, mantenhamos este sorriso matreiro nos lábios, porque foi sempre assim que os nossos antepassados souberam sobreviver enquanto rezavam aos seus santos protectores.

Venha daí uma nova nacionalização, porque está na hora!

12.11.07

No limiar da miséria


Luís Alves de Fraga
 
Hoje, o matutino Correio da Manhã traz um excelente artigo sobre o modo como sobrevivem Portugueses que têm de rendimento mensal pouco, muito pouco, mais do que o necessário para não estarem na miséria. Mas estão, de certeza, no limiar da miséria.
 
O jornal dá-nos o exemplo de duas situações; poderia dar de muitas mais.
Nunca, como na actualidade, desde há 33 anos, o nível de desemprego esteve tão alto; nunca, como nos dias de hoje, a precariedade de rendimentos familiares foi tão grande.
 
Ao amarrar-se ao «comboio» europeu Portugal indubitavelmente beneficiou — e difícil seria não beneficiar depois de 48 anos de ditadura e 13 de guerra — mas o desgoverno do Governo de Cavaco Silva possibilitou que se estabelecesse o começo do declive que nos levaria à posição onde estamos agora. Permitiu, porque não soube traçar uma estratégia de desenvolvimento que rentabilizasse os muitos milhões de contos diariamente entrados no país; não soube avançar para uma economia sustentada e sustentável. Durante 10 anos de maioria governativa, Cavaco Silva deixou que se instalasse, entre nós, a corrupção a par de elevados e fictícios níveis de consumo. Guterres fechou um ciclo de falta governabilidade. Os que se lhe seguiram já só tinham de suportar o desgoverno.
 
O grande pecado de Sócrates não está na tentativa desesperada de corrigir o deficit que a estrutura herdada gera quase por si só. O grande pecado foi que enganou, uma vez mais, os incautos Portugueses que acreditaram nas suas promessas eleitorais, que julgaram ser possível sair do atoleiro sem grandes, muito grandes, sacrifícios económicos. O grande pecado de Sócrates é continuar a enganar os Portugueses, exigindo a uns que apertem o cinto e a outros que o alarguem à medida dos grandes lucros e altos rendimentos conseguidos nesta sociedade onde impera a lei da globalização.
 
A classe média está a esboroar-se a um ritmo assustador. As franjas mais débeis desse grupo social ainda suportam a queda dos que estão no limiar da pobreza. São os pais, com reformas exíguas, que suprem as carências dos agregados familiares dos filhos que, sem esse apoio, já seriam indigentes.
É este corroer da classe média que está a desequilibrar a sociedade nacional. E em nome de quê?
Em nome de um pacto de estabilidade imposto pelas economias ricas da Europa que não querem ver desequilibradas as suas posições cimeiras.
 
Esta corrosão da classe média nacional faz-me lembrar o começo da perseguição nazi na Alemanha dos anos 30 do século passado. Na verdade, os judeus abastados e bem instalados, não quiseram acreditar que um dia seriam eles as vítimas das matilhas de furiosos assassinos e mantiveram-se impassíveis perante as perseguições que se faziam aos judeus miseráveis e vivendo de parcos recursos. Quando abriram os olhos para a realidade que os cercava era já tarde para a grande maioria deles.
O mesmo acontece connosco, classe média portuguesa; por enquanto são os reformados com pequenas rendimentos que sustentam os lares dos filhos em quase miséria, mas, amanhã, seremos nós, os que temos reformas mais elevadas, que, para além de as vermos degradadas pela inflação, estaremos a partilhar o que, então, já é pouco com os nossos filhos, também eles a viverem o desemprego e a quase miséria.
Estou a ser catastrofista? Esperem e verão, mas, depois, é já tarde como foi para os milhões de Judeus que morreram nos campos de concentração nazis.
O nosso campo de concentração vai ser o da economia global num país que, além de uns frágeis serviços que vende mal e descuidadamente à Europa, só terá sol e calor para oferecer por uma tuta-e-meia; outros portugueses, os enriquecidos — e não vamos ser nós, os que me lêem — gozarão lá por fora, insensíveis à desgraça do seu país natal, as delícias das gordas maquias conseguidas por extorsão dos seus compatriotas, quando estavam ao serviço desse insaciável monstro que comanda o imperialismo global.
 
Impõe-se a revolta e a manifestação do descontentamento.
Impõe-se a luta pela salvaguarda dos nossos exíguos valores.
Impõe-se a luta pela inversão deste processo.
Impõe-se a luta contra o silêncio e a apatia.
05.11.07

Os maiores arrendadores imobiliários portugueses


Luís Alves de Fraga

 
Há tempos, um meu familiar procurou um apartamento para habitar. Não podia gastar muito e tinha pouco dinheiro; a escolha teria de ser cautelosa e, depois de ver um elevado número de habitações, optou por uma com cerca de 40 anos de existência, em Lisboa, em área quase periférica. Um prédio de boa construção, sólido, um terceiro piso, casa soalheira, numa praceta sossegada, rodeada de árvores e relva, com facilidades para estacionamento da viatura, um único proprietário anterior, quatro pequenas divisões assoalhadas, enfim, um preço que pareceu económico: 115000 €, ou seja, em números redondos e na moeda antiga, qualquer coisa como 23 mil contos.
 
Na falta de capital — o que tinha era necessário para despesas de escritura, registo e acomodação — recorreu, como não podia deixar de ser, a uma entidade bancária.
Estudadas as melhores condições, contratou um empréstimo por — aqui começa a anormalidade — 40 anos! Por muito jovem que seja este meu familiar vai estar velho quando liquidar a sua divida ao banco. E, feitas as contas, vai liquidar, por agora, qualquer coisa como 600 € mensais (120 contos na moeda antiga).
 
Ao ouvir o relato, de imediato fiz cálculos rápidos e conclui que, a valores de agora, a compra lhe fica por mais do dobro do preço de aquisição; qualquer coisa como mais 173000 €. O bem custa 115000 € e o seu preço é acrescido de, pelo menos, 173000 € em 40 anos!
 
Isto deu-me que pensar. Querem acompanhar o meu raciocínio? Então, caros leitores, venham daí.
 
Primeira questão que se me coloca: será o meu familiar de facto proprietário da habitação que diz ter comprado? Virtualmente é; realmente, não é.
Com efeito, como resultado da virtual posse do bem, torna-se responsável por todos os arranjos e benfeitorias que introduza na sua habitação, por todos os encargos fiscais, por todas as despesas com o imóvel onde se situa a sua residência e, até pode vendê-la. A propriedade virtual traz-lhe encargos reais. Contudo, realmente, o verdadeiro proprietário da habitação é, até se concluírem os 40 anos do contrato de empréstimo, o banco. O banco livre de quaisquer ónus e com a vantagem de ver actualizada a prestação mensal sempre que o preço do dinheiro aumente no mercado.
Bem vistas as coisas, o empréstimo bancário, para suposta aquisição de habitação, pode reduzir-se a um contrato de aluguer com prazo limitado à partida e renda variável ao longo dos anos, sendo que todos os encargos com a conservação e fiscalidade do bem arrendado recaem sobre o arrendatário. Tão-somente isto!
 
Notem os leitores que se trata de um imóvel com 40 anos — em termos actuais, é velho — que daqui por mais 40 estará — em termos da época — velhíssimo e com um valor residual real francamente inferior ao da aquisição. Quer dizer, a legislação que regula os empréstimos — melhor dito, arrendamentos resolúveis — está desactualizada e desfasada da realidade nacional, embora seja altamente vantajosa para as entidades bancárias.
Realmente, ou a taxa do preço do dinheiro emprestado deve baixar, ou todos os ónus que recaem sobre a habitação devem correr por conta do arrendatário, ou o contrato de empréstimo (designado como hipoteca), em face da especificidade nacional, tem de ser modificado.
 
Façamos um exercício. Imaginemos que todos os virtuais proprietários deixavam de pagar a prestação às entidades bancárias e que não saíam das respectivas casas. O que aconteceria? A resposta só pode ser uma: o mesmo que aos países latino-americanos que não pagaram as suas dívidas à banca internacional. Verificar-se-ia, na pior da hipóteses, o perdão da dívida por insolvência do devedor ou, na melhor, a reavaliação da dívida de modo a poder haver solvência.
 
Quando Portugal aderiu ao euro amarrou-se às economias mais fortes da Europa ainda que o seu tecido económico seja dos mais frágeis. Estamos, por conseguinte, sujeitos às variações da taxa de juro dos Estados ricos, mas com rendimentos do trabalho muito abaixo da média europeia. A prática de empréstimo bancário para compra de habitação, nos moldes em que se realiza, fragiliza, ainda mais, os rendimentos familiares ao mesmo tempo que se assiste ao aumento quase exponencial dos lucros reais e virtuais da banca nacional.
 
Este é um dos problemas políticos e sociais mais prementes: há que fazer uma clara opção entre ter um mercado imobiliário virado para a aquisição de casa própria ou vocacionado para o arrendamento comum e normal.
Hoje quase ninguém está disposto a arrendar uma habitação por valores semelhantes aos que iria pagar por um empréstimo. Este é o indicador de que, efectivamente, o mercado está vocacionado para a aquisição. Sendo assim, e não se assumindo o Estado como proprietário de imóveis para arrendamento com transmissão de propriedade a prazo fixo — caso dos bairros sociais de Lisboa — terá este de atribuir-se um papel regulador junto dos bancos, já que se estão a substituir àquele, desempenhando uma função social.
Tal como se vive é que não pode ser, no Portugal em vias de desenvolvimento numa Europa desenvolvida.
 
Ora aqui tem o senhor primeiro-ministro — que se diz socialista — um verdadeiro problema social para resolver. Seja lesto em fabricar legislação apropriada a este grave problema que, muito em breve, se tornará incontornável. Seja tão lesto nesta legislação como o tem sido na que corta os magros benefícios aos trabalhadores.