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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

29.10.07

É confrangedor!


Luís Alves de Fraga
 
Por razões várias, confesso que, de momento, ando demasiado ocupado com trabalhos vários os quais não me permitem grande disponibilidade de tempo para escrever todas as crónicas que gostaria de deixar aqui, no «Fio de Prumo». Contudo, existem situações perante as quais o silêncio tem de ser quebrado. É o caso do vídeo que mão amiga me fez chegar através de uma mensagem e que pode ser visto de seguida.
 
 
Sei que 33 anos são muitos anos para quem tem vinte ou trinta de idade — embora poucos para quem já dobrou os 65 — no entanto, há a chamada memória histórica que adquirimos pela instrução, pelo estudo, ou pelo convívio; até pelos programas de televisão.
 
É confrangedora a ignorância que esta amostra nos dá — e que corresponde à realidade social portuguesa. Ela reflecte os programas do ensino em Portugal; do ensino mais elementar e do secundário.
 
Por uma razão que não sei explicar, depois do 25 de Abril de 1974, gerou-se como que um complexo quanto ao estudo da História Portuguesa, uma descaracterização da personalidade colectiva nacional. Estamos a deixar-nos diluir na cultura e na identidade de outros agrupamentos colectivos que nos circundam, que nos abafam, que nos submergem. Ora, uma tal atitude, além de ser uma espécie de suicídio cultural colectivo, é uma traição aos valores que nos justificam como Povo, como Democracia, como Nação e, até, como Estado, ainda, independente e soberano, dentro das soberanias relativas da União Europeia.
 
É evidente que não sou apologista dos valores nacionalistas, nem da História Nacional que enformou várias gerações de homens e mulheres durante o Estado Novo, mas, para ser independente e verdadeiro, tenho de deixar claramente dito que, no ensino primário, durante a Ditadura, mesmo criticando-se com acinte a 1.ª República, aprendia-se o motivo da existência do feriado em 5 de Outubro e, correndo o risco de verem proibidas, pela censura, algumas passagens, os jornais e as revistas da época, à sua maneira e tal como podiam, divulgavam ensinamentos sobre os escassos 15 anos e meio de democracia republicana em Portugal.
 
É, também, confrangedor o silêncio educativo que os órgãos de comunicação social estabeleceram à volta do regime derrubado há 33 anos. Também desta forma se gera a ignorância, o branqueamento, da História recente. Também desta forma se ajuda a descaracterizar um Povo que, já de si, tem tendência a menosprezar-se.
 
Quem vem salvar Portugal? Quem nos vem resgatar da ignorância e deste obscurantismo disfarçado pela tecnologia dos computadores e telemóveis? Quem nos vem ensinar o caminho das nossas raízes?
23.10.07

Duran Clemente nos “Prós e Contras” ou a Guerra Colonial mal contada


Luís Alves de Fraga
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Conhecemo-nos, somos Amigos, há nada mais, nada menos do que 53 (cinquenta e três anos), porque fomos condiscípulos no Instituto dos Pupilos do Exército, colegas do mesmo curso, companheiros do mesmo ano de entrada na Academia Militar. O Manuel Duran Clemente seguiu para o Exército e eu para a Força Aérea.
Estivemos envolvidos no 25 de Abril de 1974; ele, por força de circunstâncias várias, muito mais do que eu e com muito maior protagonismo, mas nada nos separou nem nada destruiu a nossa amizade.
Não tive oportunidade de o ver no programa “Prós e Contras”, mas pela explicação que fez questão de divulgar por um número escasso de Amigos, imagino a sua indignação.
É essa explicação — no estilo próprio de escrever do Manuel Duran Clemente — que hoje deixo aqui no «Fio de Prumo» para ser conhecida na blogosfera, pelo menos por todos quantos honram o meu blog com o favor da sua visita.
Prometo que eu próprio voltarei, um dia, a este mesmo tema.
 
 
Simplesmente GUERRA!
A operação "nó górdio"do século vinte e um!
 
apontamento sobre os "prós" dos "contra" a Liberdade,
ou como se vive uma época de mistificação e manipulação!
 
Não é o facto de ter caído numa armadilha, ao ter aceite o convite para estar presente, no último programa da RTP "prós e contras" que me obriga a este apontamento. É um desabafo e uma preocupação, sobre como no mundo de hoje é fácil para alguns mentir e branquear e para outros dialogar, apresentar elementos históricos provados e até poderem explicar com serenidade as causas da distorção, do erro, do engano ou maldade alheia.
 
O desabafo:
 
O formato e condução do programa não são sérios. Não vale a pena o eufemismo de referir isenção ou neutralidade, porque há muito esses princípios andam arredados de muito jornalismo escrito, falado ou televisionado!
Quem viu o programa, em causa, do passado dia 15 de Outubro terá constatado o favoritismo escandaloso entre, não só, o número dos escolhidos ou convidados "pró-guerra" e os de opinião contrária, como o tempo de antena dado a uns e o retirado (ou não dado a outros) pela moderadora (!?).
 
É preciso ter nervos de aço ou ser profissional da manipulação (ignorante) para não se ficar perturbado ao ouvir tanta distorção histórica, por parte de intervenientes zangados com o 25 de Abril e até ouvir um Embaixador, como o da Guiné-Bissau"reduzir o massacre das docas de Pidjiguiti (em Junho de 1959) em Bissau a uma mera reivindicação laboral. Não sabia que um dos principais activistas tinha sido Carlos Correia (mais tarde Ministro das Finanças e Primeiro Ministro), então trabalhador da Casa Gouveia (...não é nome que esqueça a um guineense com estas responsabilidades...) e ainda fui eu que (sentado próximo do Sr. Embaixador) tive de lhe servir de "muleta", ao sussurrar-lhe o nome desse "homem grande" e activista dessa greve, pessoa humilde, íntegra e patriota com quem tive o gosto de trabalhar e conviver durante dez anos de Cooperação em Bissau (desde o final dos anos 70 até ao dos anos 80).
 
Quem é que escolheu esta personagem? Este Sr. Embaixador que não sabe que Pidjiguiti representa mais de 50 mortos, de uma centena de feridos, dos sobreviventes deportados para S. Tomé, e que um mês e meio após este acontecimento ("apenas laboral" no dizer do Sr. representante de Bissau), já com Carlos Correia (e outros que conseguiram fugir) e juntar-se aos nacionalistas, comandados por Amílcar Cabral, a Direcção do PAIGC (ainda só P.A.I., ou seja, Partido Africano para Independência) abandonou a «acção política e social» e declarou -se a favor da luta conta o colonialismo português «por todos os meios possíveis incluindo o da luta armada» .Lê-se em declarações de Amílcar Cabral «a luta armada era a única resposta à força das armas e a acção não deveria ser desencadeada nas cidades... mas antes privilegiar a força camponesa». E foi o que aconteceu com escolas de formação, para quadros políticos, instaladas junto da Direcção política, no vizinho país, em Conakry.
 
«O ensino militar que vocês receberam, as armas que os colonialistas vos deram para matar a nossa gente, o material de guerra e as munições que estão em quartéis à vossa guarda. Tudo isso pode ser posto ao serviço da luta de libertação dos nossos povos. Estamos seguros de que é o que vocês vão fazer, com prudência, com cuidado e inteligência...» mensagem de Amílcar Cabral, em Outubro de 1960. Com o pseudónimo de Abel Djassi.
 
Numa outra mensagem aos colonos portugueses, Cabral avisa, «...o colonialismo português tem os dias contados e vós sabeis isso muito bem. Não deveis consentir, como homens conscientes, no absurdo de amarrar o vosso destino ao destino do colonialismo português....»
 
Ainda em 15 de Novembro o P.A.I. dirige-se ao governo português num memorando: «a via pela qual vai ser feita a liquidação total do colonialismo português... depende exclusivamente do governo português. (...) Ainda não é tarde para proceder à liquidação pacífica da dominação colonial portuguesa nas nossas terras. A menos que o governo português queira arrastar o povo de Portugal para o desastre de uma guerra colonial».
 
Não adivinhava Amílcar Cabral que esta característica de negociador (verdadeira ou insinuada) lhe iria ser fatal. Da facção militar guerrilheira, mais ortodoxa, sedenta de Poder, iria sair o plano para o matar em Janeiro de 1973, instigados ou não pelo boato, lançado pelas hostes spinolistas, de que ele, A. Cabral e Aristides Menezes, queriam ou teriam querido negociar.
 
 
 
A preocupação
 
Acrescento uma preocupação sobre os episódios que estão a passar, na RTP 1, sobre a Guerra (do Ultramar, Colonial ou de Libertação... ai.... a semântica e a dificuldade de passados 33 anos ainda haver quem tenha medo de chamar "os bois pelos nomes!!!")
 
Espero que a frase do Joaquim Furtado, que tenho como um profissional sério e íntegro, (na apresentação da síntese dos nove primeiros episódios, a que alguns de nós assistimos na própria RTP, na tarde de 15 próximo passado." ...de ter procurado, na realização dos filmes, não ferir susceptibilidades..." não resvale, no receio de magoar os responsáveis (quer da altura quer os seus correligionários actuais) exactamente aqueles que nos atiraram para aquela desgraça de treze (ou mais anos) e que ainda tentem "desonrar" o nosso 25 de Abril...como lastimavelmente esteve à beira de acontecer no famigerado programa dos "Prós e Contras" da passada segunda-feira, com a convergência dos factores já descritos no meu desabafo.
 
Entre os dislates ouvidos de saudosistas e conservadores ignorantes, destaco um que nos diz especial respeito. Alguém pretendeu pôr em causa a honorabilidade do nosso 25 de Abril, procurando apagar as suas verdadeiras razões para justificar a sua argumentação "revanchista" e falsa, com o argumento, de que só se fez o 25 de Abril por uma questão corporativa, por causa do Decreto-Lei 353/73...
Ora... Quantos de nós, já antes do decreto, havíamos começado a sentir a necessidade de acabar com a impostura???
 
Lembro-me do desabafo, já em Nacala — Moçambique (1970) — no navio Niassa, quando cerca de dez capitães, que eu já tinha visto passar por Nampula, acabados os mais de dois anos de guerra colonial, preparados para regressar a Lisboa, são forçados a interromper tal esperança e chamados (por Kaúlza) a regressar "ao mato" para integrarem a Operação "Nó Górdio"... perante o meu espanto, exclamaram: TEMOS DE ACABAR COM ISTO, ANDAM A GOZAR CONNOSCO...!!!
 
Lembro-me dos capitães que a partir de 1965, e particularmente após Maio de 1968, começam a informar-se mais e a dialogar melhor com a sociedade civil e com os alferes milicianos, enquadrando nas suas consciências as contradições do Regime, das revoltas abafadas desde 1927 até 1961, Chaves, Porto, Lisboa, Madeira, Beja. Das personagens Norton de Matos, Sousa Dias, H. Delgado, H. Galvão, e tantos outros.... Da efectiva mentira e da ficção do Grande Império (perdido a partir de 1580, mais perdido ainda depois de 1820 (Brasil), praticamente nas mãos da estratégia dos Ingleses, já desde 1640 - como paga da aliança primeiro contra Castelhanos e depois contra Franceses – e mais acentuadamente, a partir do século dezanove, proibindo o "mapa cor-de-rosa" e escoando e coordenando a exploração dos minerais, café, chocolate, chá... algodão, tabaco... portos e caminhos-de-ferro... etc. ... deixando "umas sobras para português ver" a algumas famílias nacionais, tudo isto com a benevolência dos nossos Ministros da Colónias e outras dignas altas esferas). Lembram-se que em Moçambique até o trânsito se fazia pela faixa esquerda como no Reino Unido???
 
Império sem gente, sem poder, sem motivação desenvolvimentista, sem meios materiais e sequer bélicos!!! É o que se encontra no princípio do século vinte, antes das ditas "guerras da pacificação" (1920/1930).
Timor -Leste, pouca gente se lembra, esteve nas mãos do Japão e da Austrália, mais de quatro anos de 1941 a 1945.
Pouco ou nada muda até o pós Segunda Grande Guerra.
As fronteiras das colónias são então demarcadas. A Casamança, dita portuguesa, na Guiné, passa para o Senegal, é trocada por uma parcela de pedras, a Leste, perto de Konakry, por despacho dum alto dirigente português a troco dum bairro em Paris.
Os países coloniais começam a resolver politicamente as inevitáveis descolonizações.
 
As "nossas" parcelas da Índia são defendidas com "chouriços" e não fora o bom senso de Vassalo e Silva teria havido um massacre inenarrável. Efectivamente, nem armas havia e quando alguns caixotes são abertos, felizmente são mesmo chouriços e outros produtos congéneres que se encontram. Conta quem lá esteve.
 
A Guiné estava na mão da CUF (Casa Gouveia) e o seu povo na miséria continuava. As riquezas exploradas, mancarra, arroz e cajú não davam para fazer escolas, hospitais, estradas, etc.. O desenvolvimento era nulo. (Estive lá, antes e depois da Independência)
 
Cabo-Verde tinha metade da população emigrante! (igualmente conheci, antes e depois da Independência)
 
S. Tomé e Príncipe vivia de "escravos" que alimentavam as roças dos senhores. Sendo das terras mais bonitas que já alguma vez conheci (estive lá em 1962) nem sequer as riquezas do café ao cacau e frutas serviram para desenvolver. E o turismo tinha a desculpa do paludismo e do clima equatorial.!!!! Leia-se o livro o Equador de M. S. Tavares e já entenderão porque é bom não esquecer os nosso velhos "aliados ingleses" e um pouco do que era a realidade, agora ficcionada pelos saudosistas.
 
 
Era este o Império onde em Angola (14 vezes maior que Portugal) em 1960 havia 1.500 militares portugueses e cerca de 5.000 africanos integrados. Onde o desenvolvimento à semelhança de Moçambique (nunca sustentado nem coerente com as potencialidades naturais) começou a dinamizar-se com o início da Guerra Colonial. Era precisa autorização do Terreiro do Paço para tudo e para nada, com medo da independência Branca e Unilateral. Também conheci estas duas colónias antes e depois das suas Independências. Até para uma "barragem agrícola" era preciso licença de Lisboa... Assisti a isso.
 
Os capitães, da geração do 25 de Abril, foram sabendo isto e muito mais, nas três frentes de combate. As grandes potências tinham ou estavam a perder as guerras semelhantes (Indochina, Argélia, Vietname) e a célebre APSIC (acção psicológica) colocou o capitão muito próximo do então "terrorista". Na quadrícula, o capitão não era só chefe militar no terreno, era uma personagem com um vasto leque de missões de carácter civil. Nesse entrosamento apreendeu e aprendeu que o verdadeiro inimigo estava no Terreiro do Paço. Viu de perto, durante excessivo tempo, o que certos saudosistas, já não inebriados "com a cruz e a espada contra o sarraceno" não quiseram ver porque não arrancaram a armadura vestida nos quartéis (antigos conventos) e talhada com atributos "moralizadores, pedagógicos e cívicos" para o cumprimento de missões transcendentes, defender uma legalidade constitucional e garantir a independência da Nação, una e indivisível. Isso substituiu o que se perdeu de "teológico" (a cruz e a espada). Há que compreender que o "velho" militar, que tal assimilou, dificilmente possa desconstruir em si esta assimilação, sentimento, dinâmica ou vulgo "lavagem ao cérebro". A culpa não terá sido sua mas do sistema. Quase me arriscava a solicitar a condescendência.
 
Lembro-me de capitães e primeiros-tenentes que encontrei no Congresso do MDP/CDE em Aveiro, em Março de 1973, e dos que já antes se interrogavam, na hipótese de acção, mesmo em 1969.
 
Lembro-me de ter chegado a Bissau, por castigo, e de ter começado, no dia seguinte, com outros capitães, a conspirar, sem saber da existência de Decreto nenhum. Não vou negar hoje que a saída deste célebre 353/73 nos deu jeito, mas como é que ele era corporativo se só dizia respeito às Armas de Infantaria, Cavalaria e Artilharia? Foram só os capitães destas que se revoltaram? Claro que não.
Desde logo se solidarizaram outros capitães e equivalentes de outros Ramos da FFAAs. Capitães de Engenharia, Administração, Transmissões, Saúde, Material, etc... e da Marinha e Força Aérea, no sentido de em conjunto se aprofundar o que estava em causa.
E o que estava em causa?
Uma Guerra perdida politicamente, porque os políticos não estavam nem com os ventos da História nem com o povo (e deste nós, os militares de carreira, com duas, três ou mais comissões, fora do ar condicionado, cansados da mentira e da hipocrisia... e bem assim os conscritos desmotivados e acomodados).
 
Enfim muito para dizer e que já é repetição. Mas as novas gerações merecem a Verdade.
 
Citando Alexis de Tocqville convém não esquecer que "as revoluções que triunfam fazem desaparecer as causas que as produziram e tornam-se por isso incompreensíveis para as novas gerações".
 
Isto para dizer que se assim for e se os episódios de Joaquim Furtado se remeterem apenas ao seu profissionalismo de contar uma «história» sem o devido enquadramento Histórico, ou seja, se estiver em perigo essa Verdade e ousar-se o branqueamento do trágico erro Histórico que foi a Guerra Colonial e da ficção do Grande Império, julgo que a A25A não pode ficar calada.
 
É uma especulação académica, um exercício de estilo, discutir se foi Guerra do Ultramar, Guerra Colonial ou Guerra da Libertação.
Para mim, foi guerra Colonial. Mas o mais importante é que foi uma guerra ordenada e mantida por um governo retrógrado, liderada por um chefe rural e retrógrado que tão mal fez a Portugal... cujos efeitos nefastos ainda hoje se sentem.
Os povos em confronto ganharam a guerra da Liberdade... mas ainda não ganhámos (lá e cá) a Guerra da Igualdade e da Fraternidade.
É aí que está um verdadeiro "NÓ GÓRDIO do século XXI.
18.10.07

Os pilotos-aviadores da Força Aérea Portuguesa


Luís Alves de Fraga

Fonte: Correio da Manhã

 
Ontem, conforme noticiam os jornais, Cavaco Silva, Presidente da República, foi visitar a Base Aérea n.º 5, em Monte Real. O suposto motivo da deslocação do Presidente está relacionado com a próxima partida de um contingente de 140 militares da Força Aérea, divididos em dois grupos, para o Báltico, onde vão cooperar com a defesa aérea da região, no âmbito de uma missão da OTAN. Deslocam-se quatro F-16 com seis pilotos.
É uma missão pouco mais que simbólica, embora de importância, para um pequeno Estado como o português.
 
Não me vou prender hoje com mais este empenhamento das Forças Armadas de Portugal fora do território nacional, nem discutir da valia de tais envolvimentos.
Centrarei a minha crónica nas afirmações do Presidente da República quanto à constante sangria de pilotos-aviadores da Força Aérea para servirem em companhias de aviação civis, nacionais ou estrangeiras.
 
Verdadeiramente, este é um problema que começou a surgir depois da guerra colonial e, para o entender, é preciso recuar no tempo, estabelecendo diferenças que apontem a soluções.
 
Antes e durante a guerra havia na Força Aérea a categoria de piloto atribuída a sargentos e oficiais milicianos e a de piloto-aviador aos oficiais oriundos da Academia Militar que estavam habilitados com o curso daquele estabelecimento.
Os sargentos podiam ser milicianos ou do quadro permanente e os oficiais pilotos eram milicianos ou do quadro permanente quando oriundos de sargentos. A Força Aérea foi sempre elitista na organização dos seus quadros.
 
Ora, durante muitos anos, a companhia aérea nacional foi alimentada, no que toca ao recrutamento de pilotos pela Força Aérea Portuguesa — e não só — quando passavam à disponibilidade os seus quadros milicianos.
Isto aconteceu durante a guerra e mesmo antes dela. Assim, os oficiais pilotos-aviadores — do quadro permanente pelas razões antes explicadas — não tinham «espaço» para concorrerem à actividade aérea na vida civil. Por outro lado, porque havia que formar todos os pilotos milicianos que engrossavam as fileiras da Força Aérea, os pilotos-aviadores voavam muitas mais horas em instrução, o que não lhes frustrava a vocação aeronáutica.
 
Tudo isto se modificou depois de 25 de Abril de 1974, em especial quando acabou o recrutamento de sargentos milicianos pilotos, pois as companhias aéreas continuaram a ser aliciantes em termos de carreiras, mas a fonte alimentadora — a Força Aérea — deixou de lhes fornecer, em quantidade significativa, «mão-de-obra», porque passou a recrutar para o curso de piloto-aviador da Academia da Força Aérea e para oficiais em regime de contrato (milicianos). A quantidade destes últimos desceu bastante, porque se esperava suprir as carências com oficiais do quadro permanente.
 
Justificada a «fuga» — desde pelo menos o começo da década de 80 do século passado — de pilotos militares para a vida civil há que perceber como se pode colmatar, realmente, essa sangria.
 
Na minha opinião — que dou grande importância às lições do passado — ter-se-ia de estabelecer, em paralelo, duas medidas:
1.ª Retomar o recrutamento de sargentos milicianos destinados a pilotos — com habilitações literárias do nível 9.º ano de escolaridade —, sujeitos a um contrato de um mínimo de oito anos de serviço sem possibilidades de desvinculação a não ser por incapacidade permanente para o serviço de voo; o contrato poderia ser prorrogado por períodos de dois anos até um limite de quatro, altura em que: a) ingressariam no quadro permanente como sargentos; ou, b) por frequência do curso politécnico — Escola Superior de Tecnologias Militares Aeronáuticas (ESTMA) — passariam à condição de oficiais pilotos, depois de terem concluído o 12.º ano de escolaridade;
2.ª Continuar com a admissão de cadetes para a frequência do curso de pilotagem aeronáutica, na Academia da Força Aérea, mas condicionando-lhes, por via legal, a saída da Força Aérea a um mínimo de vinte anos de serviço ou uma muitíssimo elevada indemnização.
Claro que, passando a dispor de sargentos pilotos, haveria muitos tipos de aeronaves que não ficariam tão rapidamente desguarnecidos de tripulações, tanto mais que, hoje em dia, o 12.º ano de escolaridade é indispensável em quase todas as profissões e, por outro lado, a ESTMA seria uma alternativa para formar oficiais que poderiam chegar ao posto de coronel piloto com o competente desempenho de grande parte das funções hoje só atribuíveis a coronéis pilotos-aviadores.
 
Enquanto uma medida desta natureza não for tomada, os problemas naquele Ramo das Forças Armadas só se agravarão. No fundo, recordo o aforismo popular: quem não tem cão caça com gato.
Deixar tudo como está é pretender continuar a servir dois senhores: a Força Aérea e os interesses individuais de pilotos sem verdadeira vocação militar, porque, qualquer jovem que a sinta com autêntica força apelativa opta por frequentar a Academia da Força Aérea. Poderão ser poucos, mas são garantidamente aqueles que estão vocacionados para serem os chefes e os comandantes do futuro.
 
Remeto a quem de direito esta reflexão. Já nada ganho contribuindo para o futuro da Força Aérea, mas sentir-me-ia mal comigo se guardasse uma opinião que pode ser útil ao Ramo das Forças Armadas que servi com amor e entranhado gosto durante quase quarenta anos da minha vida. Que aproveite quem quiser!
15.10.07

Uma viragem «democrática»?


Luís Alves de Fraga

 
O novo líder do PPD/PSD, Luís Filipe Meneses encerrou ontem o congresso do seu partido com um longo discurso. Não o vou comentar, porque se um longo discurso é, nos tempos que correm, uma manifestação de estultícia, maior seria a minha ao fazê-lo. Quero só pegar no ponto que julgo mais demagógico e politicamente mais perigoso: a ideia de uma nova Constituição Política.
 
O licenciado Luís Filipe Meneses não é tolo, nem ignorante e saberá que uma nova Constituição Política corresponde a uma nova República, porque, por tradição, origina um novo pacto de regime e de soberania, já que a Constituição é a Lei basilar a partir da qual se dá forma a todas as restantes. Assim, em Portugal houve, até agora, três Repúblicas: a 1.ª, de 1911 a 1933 (que, em boa verdade esteve suspensa ditatorialmente desde 28 de Maio de 1926 a 19 de Março de 1933), a 2.ª, de 1933 a 1976 e a 3.ª, de 1976 até ao presente. Antes, em Monarquia, houve a Constituição de 1822, a Carta Constitucional de 1826 e a Constituição de 1838.
 
Diz o Professor Jorge de Miranda: «(…) a história constitucional portuguesa, tal como a da generalidade dos países latinos, é feita de rupturas. As Constituições emergem em rupturas com as anteriores, sofrem alterações nem sempre em harmonia com as formas que prescrevem e acabam com novas rupturas ou revoluções. A de 1822 é consequência da revolução de 1820, a de 1838 da revolução de 1836, a de 1911 da revolução de 1910, a de 1933 da revolução de 1926 e a de 1976 da revolução de 1974; da mesma maneira o Acto Adicional de 1852 é consequência da revolução de 1851 e a alteração de 1918 da revolução de 1917. Única excepção: a Carta Constitucional, embora situada na vertente de 1820» (As Constituições Portuguesas: de 1822 ao texto actual da Constituição).
Desta transcrição infere-se, muito claramente, que Luís Filipe Meneses acaba de nos propor — e ao PPD/PSD em especial — uma ruptura que pode ou não passar por uma revolução. É um convite à revolta?
Para onde quer levar-nos o populismo de Meneses? Que aventuras nos propõe?
 
Acima de tudo, a Constituição de 1976, desfigurada por bastantes revisões posteriores, encerra ainda o ideal de uma revolução que apontava, sem sombra de dúvida, para a construção de uma sociedade mais justa, sem desconformidades gritantes e buscando um equilíbrio entre domínios que, se deixado em liberdade, usualmente são conflituantes.
Luís Filipe Meneses quer romper com a tradição de Abril de 1974. Quer destruir o que ainda se chama ideal de Abril. E fá-lo em congresso do seu partido o que é sintomático e muito grave, porque joga com a ignorância da História Constitucional dos congressistas.
 
O PS não vai ter uma oposição liderada por um homem ainda culturalmente marcado por Abril, mas por um demagogo emplumado e engalanado nos e pelos ideais do neoliberalismo.
 
Os Portugueses não se podem deixar enganar por Luís Filipe Meneses; ele está a anunciar com antecipação o futuro. E se José Sócrates enganou os Portugueses, cobrindo-se com a capa de socialista, Meneses nem isso faz, pois, mais às escancaras, proclama que é necessária a ruptura constitucional, para rebentar com os últimos resquícios de um ideal de justiça social.
 
Já que a adesão à União Europeia não permite o golpe militar possibilita, pensa Luís Filipe Meneses, o golpe supostamente democrático contra uma Constituição que nos fala, ainda, de justiça e direitos tendentes para a igualdade possível em sociedade.
 
Temos de saber dizer não à demagogia alcandorada aos lugares da oposição e não nos deixarmos enganar com cantos que nos servem somente para induzir a sonolência que antecede a morte. Neste caso, a morte política e social.
 
Atenção Portugueses!
10.10.07

Tiques de despotismo


Luís Alves de Fraga

José Sócrates fala às criancinhas, na Covilhã.

Fotografia do Correio da Manhã

 
Durante os trinta e três anos que já levamos de democracia em Portugal — incluindo os do PREC e do suposto assalto ao Poder por parte do PCP — só em duas épocas distintas tive o claro sentimento da existência de tiques de despotismo por parte do Governo: no Executivo de Cavaco Silva (quando ganhou as eleições legislativas por maioria absoluta) e no de José Sócrates, por se terem verificado circunstâncias idênticas.
 
Com Cavaco Silva falou-se de arrogância do Poder; agora, com Sócrates, estão evidentes certos sinais de acção despótica que vão para além da simples arrogância: acções persecutórias de pessoas ligadas a cargos públicos ou da Administração, processos contra a liberdade de expressão, buscas policiais fora de propósito — como foi o caso da que aconteceu há poucos dias na Covilhã — total desrespeito do cumprimento das Leis que não são convenientes — o caso das remunerações e compensações dos militares — e mais um significativo ramalhete de actos que, felizmente, ainda alguns órgãos de comunicação social vão pondo a claro.
 
Este é o mal de se porem todos os ovos no mesmo cesto! Os Portugueses não aprendem que têm de impor ao centro político — Partido Socialista e Partido Social-Democrata — as extremas: direita e esquerda. Só que a conjugação deve ser bem feita; não é conveniente juntar o PPD/PSD com o CDS, porque isso corresponderia ao desequilíbrio social do mundo do trabalho, orientando-o para um rumo que simplesmente satisfaria as aspirações da finança e do grande capital em detrimento dos assalariados. De qualquer modo, no presente momento, a quase destruição do Estado-providência está consumada em Portugal e disso se encarregou os Partido Socialista para poder alinhar com a União Europeia onde começa a imperar o mais desenvolto neoliberalismo, mesmo nos Estados onde era tradição a larga protecção social.
Na conjugação do PS com a extrema que lhe está à esquerda poder-se-ia encontrar um equilíbrio salutar para os trabalhadores — e quando dizemos trabalhadores estamos a pensar em todos os que vivem de salário dependente de um emprego — sem que os empregadores fossem excessivamente penalizados.
 
Esta conjugação de esquerdas é difícil de se concretizar em Portugal, porque culturalmente existe no inconsciente nacional a repulsa pelo comunismo e comunistas; 48 anos de uma ditadura anticomunista, seguida da afirmação socialista à custa da exploração desse mesmo medo, geraram receios que, hoje em dia, não têm fundamento — não mais é possível caminhar, na Europa, para um modelo do tipo soviético, de partido único e colectivização da propriedade dos bens de produção. Não tem fundamento, porque, por muito que se afirme comunista de linha dura, o PCP, sociologicamente, é já só um partido trabalhista, ou seja, um partido que se tem de colocar na trincheira da defesa dos interesses de todos os trabalhadores, daí o facto de, cada vez mais, assistirmos a um discurso político — e, principalmente, a uma prática — muito próximo do que é feito pelas centrais sindicais. Historicamente, quem se afastou da sua vocação trabalhista foi o PS e só assim se explica o aparente êxito político do Bloco de Esquerda, concentrando nele todos quantos ainda culturalmente receiam o comunismo, mas já se não identificam com a praxis socialista.
 
José Sócrates tem ajudado de forma muito clara ao engrossamento do Bloco de Esquerda e ao descrédito do PS como agrupamento político capaz de, recuperando a economia nacional, garantindo a estabilidade social e económica dos Portugueses. Os aplausos que recebe vêm naturalmente dos sectores que se sentem confortáveis com o alargamento da política neoliberal, os quais passam pelos detentores da alta finança e por todos quantos dela beneficiam como meros capatazes de alto gabarito social.
07.10.07

Mudam-se os tempos…


Luís Alves de Fraga

 

 

 
Ontem o país assistiu a mais uma importante manifestação de mudança dos tempos. Lisboa transformou-se, por algumas horas, numa aldeia, vila ou pequena cidade do centro e norte de Portugal. A romaria, no seu mais típico traje provinciano, veio para a rua. E todos feitos basbaques ficámos, de boca aberta, a ver.
Lisboa, capital da Europa, deu o exemplo de como se não deve festejar um aniversário de uma estação televisiva.
 
Para já, vale a pena perguntar qual é a importância da SIC ao nível nacional para que se permita a cedência do espaço mais nobre da cidade de Lisboa — a Avenida da Liberdade — para ali se fazer um cortejo de piroseiras entre o começo da tarde e o meio da noite? O que representa nacionalmente uma estação televisiva para que assim se proceda? Que força tem este meio de comunicação entre nós e em particular esta estação?
 
Imagine o leitor qual o significado do encerramento da Avenida dos Campos Elísios, em Paris, numa tarde e noite de sábado para se festejar o décimo quinto aniversário de uma estação de televisão. Imagine o fecho ao trânsito da Praça Cibeles e da Avenida do Prado, em Madrid, por igual motivo. Imagine. Tire conclusões.
Isto não está ao nível da Europa, mas ao de um qualquer Estado do designado Terceiro Mundo. Só num país de papalvos, de pacóvios, de palonços isto é possível!!!
 
Há mais de trinta anos a Avenida da Liberdade é palco, por poucas horas, dos festejos do dia 25 de Abril, uma data com significado nacional. Na noite de S. António encerra para, numa macaqueação do sambódromo do Rio de Janeiro, dar lugar ao pífio desfile das marchas populares. No entanto, a Avenida da Liberdade, há muitos, muitos anos não é palco de uma grande parada militar em data festiva, como acontece nos Campos Elísios, todos os anos, no dia 14 de Julho, ou como ocorre em Madrid, em 12 de Outubro.
 
Esta substituição dos militares por estações televisivas é bastante significativa. Fala da nossa democracia e do nosso sentido de Pátria, do nosso orgulho nacional. Mas, o pior de tudo, é que fala de como um órgão de comunicação social contribui largamente para a inversão de valores na sociedade portuguesa.
Entre o aparato de uma tropa garbosa e segura, mostrando a valia do seu poder como garante da independência e soberania nacionais preferem-se as baboseiras de uma dúzia de fracos apresentadores televisivos e os dislates de cantores de segunda categoria.
 
Repare o leitor consciente da sua nacionalidade que todas as cerimónias militares de certa grandeza relativa têm sido empurradas para o espaço fronteiro ao mosteiro dos Jerónimos, afastadas das vistas e do bulício da cidade e dos cidadãos. É como se tivéssemos vergonha das nossas Forças Armadas. Contudo, pacóvios, tal como ontem fomos, deixamos esta e colaboramos nesta descaracterização dos nossos valores.
 
Sei que, quase cinquenta anos de nacionalismo hiper exaltado pelo chamado Estado Novo, foram motivo para se procurar moderar o que antes era excessivo, mas daí à cedência da nossa principal sala de visitas a uma estação televisiva vai um abismo. Um abismo de conceitos que, por si só, diz muito.
 
Ao que nós chegámos!
É assim que me apetece acabar o apontamento de hoje.
Ao que nós chegámos!
05.10.07

A República ou a consciência colectiva


Luís Alves de Fraga

 

 

 
Temos República há 97 anos.
A Monarquia caiu na manhã de 5 de Outubro de 1910 sem que, na prática, ninguém se empenhasse verdadeiramente em defendê-la. Caiu de forma semelhante à do Estado Novo, quase sem derramamento de sangue e sem luta. E foi assim, porquê?
Porque era indiferente aos Portugueses se quem estava à frente do Estado era um Rei ou um Presidente de uma República; porque os Portugueses — os cultos, na época, os alfabetizados, que rondavam os 25% do total da população — esperavam, como quem espera um milagre, que a República pusesse fim a esta estranha maneira de ser de todos nós enquanto Povo. A República foi uma espécie de D. Sebastião salvador, tal como o foi, fugazmente, o Sidónio Pais, e, muito mais duradouramente no tempo, Oliveira Salazar.
 
Nós vivemos e alimentamos a nossa consciência colectiva da esperança de que tudo em nós mesmos mude por milagre, por acção de um agente exterior.
Até a votação massiva em José Sócrates, dando-lhe uma maioria taumatúrgica, foi feita na esperança desse milagre sempre adiado! Já havia sido assim com Cavaco Silva quando governou dez anos.
 
Como Povo caracterizamo-nos pela preguiça colectiva, pela incapacidade de nos impormos a mudança. Aceitamos a canga — desde que no acto de no-la colocarem no dorso ela apareça como um milagre transformador — com esperança; a esperança de quem não quer fazer nada por si e para si.
 
Culpamos a religião católica romana de nos ter conformado a consciência colectiva… E, se calhar, com razão! Ou, talvez, sem ela!
Culpamos o Tribunal do Santo Ofício — a Inquisição — de nos ter transformado num Povo de delatores, tal como culpamos a PIDE/DGS, de má memória, e a censura, de nos terem amordaçado durante dezenas de anos a fio.
Culpamos tudo e todos, antes e depois de Antero de Quental o ter feito nas célebres conferências do Casino Lisbonense, em 1870.
Culpamos os Ingleses de nos terem subordinado a economia, a política externa e, até, a interna, atrasando-nos o desenvolvimento, a incapacidade de construir, em 1880, um grande império em África, de terem auxiliado à independência do Brasil.
Culpamos os Espanhóis de nos quererem permanentemente anexar, de, daquelas bandas, não vir nem bom vento nem bom casamento.
Culpamos o nosso vizinho do apartamento ao lado de ganhar mais ao fim do mês do que nós, do mesmo modo que culpamos o nosso colega de trabalho por ter ascendido mais rápido na carreira.
 
Culpamos tudo e todos, mas somos incapazes de nos culparmos por não sermos competentes para nos reformarmos, para nos modificarmos, para, sem auxílios exteriores, miraculosos, fazermos por nós próprios, enquanto Povo, enquanto colectivo, tudo o que podemos para concorrer para a nossa própria defesa, para o nosso próprio bem.
Somos incapazes, porque somos, colectivamente, preguiçosos e invejosos e comodistas e — porquê ter medo de dizê-lo? — vigaristas e, também, acima de tudo, individualistas.
 
Somos tudo isto colectivamente e não somos capazes de rezar colectivamente um grande acto de contrição, formulando um amplo e profundo desejo de emenda. Não somos capazes de pensar que a nossa salvação não está em cada um se salvar, mas em salvarmo-nos todos, tendo cada qual de fazer um esforço no mesmo sentido para mudarmos como Povo.
 
Só quando os nossos políticos forem capazes de se transformarem em missionários desta cruzada redentora; quando os nossos professores se assumirem como sacerdotes desta religião do colectivo; quando esquecermos um passado histórico grandioso, mas mitificado por anos e anos de balofa prosápia; quando aceitarmos com bom agrado a nossa situação mesquinha e mísera seremos, colectivamente, capazes de renascer, de nos levantarmos perante nós mesmos e o mundo e as civilizações e as economias. Então seremos Homens, Cidadãos de corpo inteiro; então ter-se-á dado o milagre pelo qual ansiamos desde sempre e desde antes de D. Sebastião.
04.10.07

As receitas médicas


Luís Alves de Fraga

 
Há vários anos deixei de utilizar os serviços clínicos de especialidade do Hospital da Força Aérea. Razão: o sistema de marcação de consultas, porque: ou vou para uma fila, às seis horas da manhã, ao frio, ao sol ou à chuva, esperando que se abram as portas para conseguir a marcação para daí a duas ou três semanas; ou, pelo telefone, não tenho hipóteses de espécie nenhuma.
Recuso-me a mendigar uma coisa a que tenho direito; recuso-me a roubar a oportunidade a outros camaradas de outros Ramos das Forças Armadas, usando os Hospitais da Marinha ou Militar da Estrela. A Força Aérea tem um hospital deveria, em primeiro lugar servir para os seus militares e familiares dos seus militares, depois para os outros militares e, finalmente — se houvesse finalmente — para os subscritores do sistema de saúde coberto pela ADSE.
Como me recuso a mendigar, procuro especialistas civis para os achaques que me afligem.
 
Há tempo fui a um dermatologista que, para além de me levar, pela primeira consulta, 90 € (noventa euros) me passou uma longa receita de pomadas e unguentos de toda a espécie.
Como estava no final do mês (mês financeiro, entenda-se) passei pela farmácia e, sabedor dos preços destes receituários para a pele, antes de mandar aviar o que o clínico me tinha prescrito, fui perguntando os preços e, para minha surpresa, entre o que era comparticipado e o que não era, ficar-me-iam na caixa qualquer coisa como 175 € (cento e setenta e cinco euros)!
Mandei que o solícito ajudante de farmácia suspendesse o aviamento da receita e esperei que começasse um novo mês.
 
Não, meus senhores, o tempo da vergonha acabou! Sou um reformado e não tenho vergonha nenhuma em dizer que o dinheiro da minha pensão não me chega para satisfazer os encargos que assumi. E, assumi-os há mais de três anos na presunção de uma série de pressupostos que este Governo, sem me consultar — a mim nem a ninguém — alterou a seu bel-prazer. Ter vergonha de não ter dinheiro de uma pensão para a qual andei uma vida inteira a descontar?!
— Mas o senhor é um coronel na situação de reforma!
— Pois sou, e lastimo, e muito, todos os que sendo primeiros ou segundos sargentos estão na reforma sem mais rendimentos que a sua magra pensão… Os bifes, ou as iscas, a pescada ou o red fish, o bacalhau ou as batatas, o sabonete ou a pasta para os dentes custam o mesmo para eles e para mim e para o senhor governador do Banco de Portugal… Só com uma pequena diferença: eles quase não comem, não se lavam ou não lavam os dentes; eu ainda vou comendo e lavando-me e o governador do Banco de Portugal come, ou pode comer, todos os dias no restaurante Tavares (Rico); quanto a lavar-se… Bom, julgo que não deve haver sabonete que lhe branqueie a consciência!
 
Mas voltemos à receita médica.
Deixei passar o tempo suficiente para a conta bancária ficar de novo composta e lá fui todo lampeiro aviar a receita. Surpresa!!!! O prazo da mesma tinha expirado!!!!
— Mas como é? — perguntei ao ajudante de farmácia. — É que — respondeu-me — agora resolveram pôr em vigor um decreto que há muito existia e que não permite aviar receitas fora do prazo, rasuradas ou sem data.
— Então tenho de voltar ao médico, pagar uma nova consulta, para ele me passar outra receita? Ou tenho de lhe mendigar o favor de passar outra receita, porque o mês passado foi muito comprido e eu já não tinha dinheiro para comprar os medicamentos que me havia prescrito antes?
— Não — respondeu-me o jovem ajudante de farmácia — Vá ao seu médico de família e deixe lá ficar a receita. Ele passa-lhe outra com data de amanhã ou depois.
Agradeci a sugestão e vim para casa pensar nas «economias» que este nosso Governo resolve fazer. O gasto não sai pela porta, mas escoa-se pela janela!
Agora o médico de família faz o papel de escriba para recopiar receitas que o doente não teve “oportunidade financeira” de aviar ou impõe ver o doente e discordar da prescrição do especialista ou qualquer outra ideia maluca que lhe passe pelo bestunto!
Os serviços engarrafam-se por causa de um decreto concebido por um burocrata, distante das realidades deste país, gozando de boa saúde e sem ter necessidade de contar os euros para fazer escolhas entre farmácia e mercado, entre esta semana e o próximo mês.
 
Deuses iluminem os que se dizem governantes do meu país. Dai-lhes o tino suficiente para descobrirem que são incompetentes, que não valem nada, que são uns papalvos, uns inúteis, uns vampiros do Orçamento do Estado, uns vaidosos e uns desavergonhados. Deuses façam-me, e a todos os Portugueses, esse favor tão pequeno comparado com a vossa omnipotência.
02.10.07

O ministro não rejeita nada


Luís Alves de Fraga

 
O Correio da Manhã dá destaque, tal como as agências noticiosas o deram no dia de ontem, à rejeição, por parte do ministro da Defesa Nacional, de veículos blindados para transporte de pessoal, por estarem mal acabados.
 
Como é evidente, o ministro quer usufruir de um protagonismo que nem lhe pertence. A rejeição dos veículos blindados resulta da vontade da comissão técnica do Exército encarregada de fazer a recepção do material, conferindo se satisfazem aos requisitos contratuais. E não satisfazem, por isso, quem rejeita é o Exército, que, naturalmente, o tem de fazer por intermédio da Defesa Nacional.
 
Mas uma rejeição de material pode dar dividendos políticos e, o ministro Severiano Teixeira — que, às escondidas, gosta de pescar em águas alheias — chama a si a grande importância de recusar o material! Pobre figura que se contenta com tão pouco!
 
Já há tempos assinalámos aqui uma certa tendência de Severiano Teixeira para o ridículo ao fazer declarações bombásticas que ficariam correctas na boca de um secretário de Estado norte-americano, mas que soam a falso na de um ministro de quarta categoria de um país de enésima importância. Severiano Teixeira, na falta de melhor, como dizem os Brasileiros, quer bancar o importante, protagonizando um papel de opereta.
 
Senhor ministro, as Forças Armadas são — como tinha obrigação de saber — uma instituição séria e respeitável que se não devem prestar a oferecer contextos favoráveis a protagonismos falsos e bacocos. Mova as suas influências para que as agências noticiosas não deitem cá para fora inverdades.
 
Quem rejeitou os veículos blindados, repito, foi o Exército e, dentro dele, uma comissão de técnicos que sabe do assunto; de um assunto do qual o ministro nada sabe e faz figura, para quem conhece como as coisas se processam, de pau mandado, nada mais!
Tenha vergonha!