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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

31.08.07

O Presidente da República e a GNR


Luís Alves de Fraga

 
O Presidente da República, com verdadeiro sentido do equilíbrio que lhe é devido na alta função que desempenha, vetou a publicação do diploma, aprovado na Assembleia da República com os votos exclusivos da maioria parlamentar, que estabelecia a lei orgânica da GNR.
Extractos do texto da mensagem enviada à Assembleia da República podem ser lidos, on line, no Diário de Notícias de ontem.
 
Os termos do veto são exemplares e fazem cair pela base as mais elementares dúvidas quanto à tentativa governamental de inferiorizar as Forças Armadas perante uma força de segurança. De inferiorizar, até, o próprio Presidente da República na palavra final que tem na escolha dos generais de quatro estrelas em Portugal.
O Governo de José Sócrates está claramente apostado em encarar o problema da segurança nacional como uma questão menor, parecendo que a defesa da soberania poderá, com um esforço adicional, passar pela GNR cuja vocação tem sido e é a de uma força policial de segurança interna.
 
O Presidente da República, com muita razão, levanta, entre outros, o problema da dignidade do generalato. O Governo — que alberga graduados por universidades através de processos menos transparentes — não mostra qualquer tipo de rebuço em aceitar que a general pode chegar um oficial da GNR habilitado com licenciatura de uma universidade civil desprezando-se a licenciatura em Ciências Militares conseguida em qualquer das três Academias militares. Só assim pode legislar quem tem da carreira castrense uma muito desvalorizada compreensão!
 
O veto do Presidente da República vai obrigar a repensar o diploma e, no mínimo, no seio da bancada socialista deveria permitir levantar a questão da disciplina partidária; questão que corresponde à corrupção do princípio da vigilância do Poder Executivo pelo Poder Legislativo; questão que, no caso de uma maioria absoluta, anula o sacrossanto valor político da separação dos três Poderes, pois, na prática, redu-los a dois.
 
Porque acho tratar-se de uma peça muito importante não posso deixar de transcrever, na íntegra, o texto da mensagem do Presidente da República. Também para isso servem os blogs.
 
Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República
 

Excelência 

Tendo recebido, para ser promulgado como lei, o Decreto nº 160/X da Assembleia da República, que aprova a orgânica da Guarda Nacional Republicana, decidi, nos termos do nº 1 do artigo 136º da Constituição da República Portuguesa, não promulgar aquele diploma, com os seguintes fundamentos:

1. O Decreto nº 160/X da Assembleia da República, que aprova a orgânica da Guarda Nacional Republicana tem por objecto o exercício de funções de soberania nacional e reveste-se, por isso, da maior relevância, seja na perspectiva da configuração da Guarda Nacional Republicana como força de segurança, seja nas óbvias implicações na organização da defesa nacional e até nas missões das Forças Armadas
.

Esta última constatação está comprovada na natureza militar da Guarda Nacional Republicana; na sua missão de “colaborar na execução da política de defesa nacional”; na sua atribuição de “cumprir, no âmbito da execução da política de defesa nacional e em cooperação com as Forças Armadas, as missões militares que lhe forem cometidas”; na possibilidade de a Guarda ser colocada sob o comando superior das Forças Armadas, nos termos da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas e do Regime do Estado de Sítio e do Estado de Emergência; na sua dependência do Ministro da Defesa Nacional quanto “à uniformização, normalização da doutrina militar, do armamento e do equipamento”; na sujeição dos que a integram “à condição militar”; na missão que agora se pretende atribuir à Guarda no âmbito do mar territorial português.
 

2. Os reflexos na organização da defesa nacional e nas Forças Armadas assumem particular destaque nas alterações introduzidas pelo Decreto nº 160/X ao nível da estrutura de comando da Guarda Nacional Republicana e na criação de uma subcategoria profissional de oficiais generais específica da Guarda.
 

Estas alterações não favorecem a necessária complementaridade entre as Forças Armadas e a Guarda Nacional Republicana e contendem com o equilíbrio e a coerência actualmente existentes entre ambas e com o modo do seu relacionamento, podendo afectar negativamente a estabilidade e a coesão da instituição militar por que ao Presidente da República cabe zelar, também pela inerência das suas funções de Comandante Supremo das Forças Armadas.
 

3. É desnecessário sublinhar o quanto seria desejável que matérias sensíveis nas áreas da defesa e da segurança nacionais, como é o caso do conteúdo normativo do Decreto nº 160/X da Assembleia da República, fossem objecto de um amplo consenso político e jurídico em sede parlamentar, o que, como é sabido, acabou por não se verificar.
 

4. A natureza, a relevância e a dignidade das matérias em causa aconselham, pois, a que algumas das soluções normativas acolhidas no presente diploma sejam objecto de adequada ponderação adicional por parte dos deputados à Assembleia da República.
 

5. O Decreto em apreço prevê que o comandante-geral da Guarda Nacional Republicana seja um tenente-general, implicando a nomeação a graduação no posto de general, o que não acontece actualmente. Mais prevê que a nomeação do comandante-geral seja feita por despacho conjunto do Primeiro-Ministro e dos ministros responsáveis pelas áreas da defesa nacional e da administração interna, mediante audição do Conselho de Chefes de Estado-Maior se a nomeação recair em oficial general das Forças Armadas.
 

6. Desde logo, não se vislumbra qualquer fundamento coerente para esta alteração na estrutura de comando da Guarda, não sendo esta comparável, na complexidade estrutural e nas exigências funcionais e operacionais, com o Estado-Maior-General das Forças Armadas e com os três ramos das Forças Armadas.
 

A atribuição do posto de general ao comandante-geral da Guarda Nacional Republicana não é uma mera questão protocolar ou de forma. Muito diferentemente, na atribuição do posto de general ao comandante-geral da Guarda Nacional Republicana estamos perante matéria de fundo, que representa uma alteração significativa relativamente ao regime actual e que contende seriamente com o equilíbrio existente no seio das chefias militares e com a organização da defesa nacional.


7. De acordo com o Estatuto dos Militares das Forças Armadas, o posto de general corresponde actualmente tão só aos cargos militares aos quais a Constituição da República Portuguesa reconhece especial relevância, cometendo ao Presidente da República a competência para a nomeação e a exoneração, sob proposta do Governo, dos respectivos titulares: o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e os Chefes de Estado-Maior dos três ramos das Forças Armadas.
 

Este significado constitucional resulta contrariado pelo Decreto nº 160/X, ao contemplar o cargo de comandante-geral da Guarda Nacional Republicana com o mesmo nível hierárquico das chefias mais elevadas das Forças Armadas. Permitir-se-á, deste modo, inadequadas equiparações daquela a estas e poderá perverter-se a necessária complementaridade, concebida na lei, da Guarda perante as Forças Armadas e o eficaz relacionamento entre ambas.
 

8. Estas alterações não têm paralelo nos países da União Europeia. Na verdade, nenhum outro país comunitário, com excepção da França, tem no activo em funções nacionais internas cinco generais e em nenhum país comunitário, sem excepção, o posto de general é atribuído a uma força de segurança não enquadrada de modo directo na estrutura da defesa nacional e não imediatamente dependente em termos operacionais do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas. Com este diploma, Portugal passaria a ser o único Estado Membro em que tal aconteceria.
 

9. O desequilíbrio desta opção do Decreto nº 160/X não é minorado pela atribuição do posto de general ao comandante-geral da Guarda através do mecanismo jurídico da graduação. De facto, a figura da graduação anda estruturalmente ligada, nos próprios termos da lei, a um carácter excepcional e temporário, mediante tramitação adequada e legalmente prevista. Ora, no caso em apreço não pode, em definitivo, falar-se daquele carácter excepcional e temporário. Seria altamente inconveniente que viesse a própria lei adulterar a figura da graduação, certamente não contribuindo para o prestígio, quer do posto de general, quer da função de comandante-geral da Guarda Nacional Republicana.
 

10. Trata-se, pois, de uma solução que não se enquadra na tradição da Guarda e para a qual não se identificam fundamentos de ordem organizativa, funcional ou operacional.
 

11. O Decreto nº 160/X da Assembleia da República preconiza a criação na Guarda Nacional Republicana de uma subcategoria profissional própria de oficiais generais, iniciando-se hierarquicamente no posto de major-general.

Compreende-se que não seja este diploma, que aprova a orgânica da Guarda Nacional Republicana, a regular aquela matéria; e daí que se limite a confirmar a natureza militar da Guarda, a explicitar a sujeição dos seus militares às bases gerais do estatuto da condição militar, a enunciar as categorias profissionais, subcategorias e postos que integram a carreira militar da Guarda e a pressupor uma revisão legislativa com vista ao “novo Estatuto dos Militares da Guarda”.
 

12. Ainda assim, importa ponderar dois aspectos da maior sensibilidade, qualquer deles de particular significado para a defesa e a segurança nacionais, porquanto ambos relevam na preservação do equilíbrio e da coerência entre a Guarda Nacional Republicana e as Forças Armadas e, sem dúvida, também na estabilidade e na coesão destas.
 

Esta ponderação deve ocorrer já no âmbito do diploma orgânico ora em análise, pois que neste se criam os postos de oficial general da Guarda e está anunciada oficialmente a intenção de prover tais postos, quer com oficiais licenciados em ciências militares pela Academia Militar, quer com oficiais que tenham complementado a formação obtida no curso de formação de oficiais com outra licenciatura relevante para o exercício de funções.
 

13. Por um lado, deve considerar-se que, sendo militar a natureza da Guarda Nacional Republicana e correspondendo os postos da categoria profissional dos seus oficiais aos dos oficiais das Forças Armadas, os requisitos de promoção aos postos de oficiais generais da Guarda não poderão deixar de ser idênticos e conforme o estipulado no Estatuto dos Militares das Forças Armadas. Qualquer previsão facilitadora desta promoção ao nível das qualificações exigidas seria um factor de grave perturbação da instituição militar, pelas comparações com os três ramos das Forças Armadas a que daria lugar.
 

14. Por outro lado, considerando ainda a natureza militar da Guarda e o contributo desta para a defesa nacional, importa ter presente que é fundamental, por razões operacionais, que se não quebrem os laços tradicionais existentes entre as Forças Armadas, maxime o Exército, e a própria Guarda Nacional Republicana, em termos de formação militar de quem nela desempenha as funções de comando mais relevantes.
 

Se, até hoje, esta essencial ligação pessoal entre o Exército e a Guarda se construía naturalmente pelo recurso a oficiais generais do primeiro, ao caminhar-se agora para um corpo de oficiais generais oriundos dos quadros da Guarda, torna-se imperativo que este novo corpo próprio de oficiais generais não deixe, no mínimo, de ter recebido formação de nível superior e qualificações complementares em tudo equivalentes às exigidas aos oficiais generais do Exército.
 

15. A nova Unidade de Controlo Costeiro da Guarda Nacional Republicana assumirá missões que actualmente são cometidas à Marinha portuguesa, quer como força militar, quer no âmbito do Sistema da Autoridade Marítima, o que reclama articulação entre as duas estruturas e regulamentação desta articulação e da repartição dos respectivos empenhos de meios.
 

Contendendo as missões daquela Unidade de Controlo Costeiro da Guarda com a organização da defesa nacional, considera-se que a articulação entre a Guarda e a Autoridade Marítima Nacional deve ser regulada, no mínimo, através de decreto regulamentar e não por portaria com prevê o Decreto nº 160/X.
 

Considerando estes fundamentos, decidi, pois, conforme o nº 1 do artigo 136º da Constituição da República Portuguesa, solicitar nova apreciação do Decreto nº 160/X, devolvendo-o para este efeito à Assembleia da República sem promulgação.
 

Com elevada consideração.
 

O Presidente da República


Aníbal Cavaco Silva
30.08.07

No segundo aniversário: um balanço


Luís Alves de Fraga

 
Passa hoje, dia 30 de Agosto, o 2.º aniversário do «Fio de Prumo».
Pode parecer pouco, pode parecer muito. Depende do ângulo pelo qual se olha a questão.
Para mim, na minha idade, parece-me que foi ontem que comecei a escrever para aqui, mas, tomando em conta os números que os diferentes serviços de estatísticas — contador de visitas e apoio do servidor — chego à conclusão de que já deixei muitas páginas lançadas na blogoesfera. Pelos meus cálculos, devem andar por mais de três centenas.
Com efeito, até ao presente momento, tenho 155 postagens que mereceram 696 comentários dos meus leitores. Segundo o registo no servidor do contador de entradas, o «Fio de Prumo» teve, nestes dois anos, 61 268 visitantes, embora, para o público a contagem seja de 54 363 (mistérios que não são facilmente explicáveis). Arriscando-me a uma conta simples, concluo que este blog foi visitado, na média diária, nestes dois anos, cerca de 84 vezes em cada 24 horas.
Estes números deixam-me satisfeito. Acho que cumpri uma missão junto de quem por aqui passou. Tenho, naturalmente, de agradecer aos meus leitores a sua infinita paciência nestes 730 dias.
 
Ultimamente — de há vários meses a esta parte — tenho sido menos assíduo nas minhas postagens, mas, por razões que não vou trazer a público, ando empenhado em projectos que me ocupam e absorvem, quase em absoluto o pensamento. Desde o mês de Junho durmo, em média por noite, cerca de 5 horas, de modo a poder sentar-me à secretária às 6 da manhã com os pensamentos mais ou menos frescos. Em Setembro recomeçam as aulas em toda a sua plenitude e tenho de estar disponível para a leccionação; isso obrigou-me a, nos chamados meses de «férias», trabalhar com maior afinco. O «Fio de Prumo» saiu prejudicado. Mas prometo — neste momento que quero solene — que vou tentar estar mais atento e dar a todos quantos gostam de por aqui passar mais motivos para leitura.
 
Espero, daqui a um ano, poder ter garantido um serviço melhor para satisfação dos leitores e Amigos que me dão a honra de ler estas páginas virtuais cheias de problemas reais.
24.08.07

Quando a Mátria não é madrasta


Luís Alves de Fraga
 
Há algumas semanas insurgi-me, aqui, contra as palavras visionárias e claramente inadequadas do ministro da Defesa Nacional quanto ao papel que actualmente é pedido às Forças Armadas deslocadas em territórios estrangeiros. Insurgi-me, porque tudo aquilo poderia ser dito por quem, realmente, fosse ministro de um grande Estado com fronteiras para defender… As nossas todos os dias são assaltadas das mais estranhas formas e não há ninguém que cuide disso com verdadeira cautela! O senhor ministro sofre, provavelmente, de alucinações ou leu em qualquer lado a frase que disse e, sem se procurar em referir a fonte, resolveu repeti-la como um papagaio irresponsável o faria.
Com as Forças Armadas não se brinca… Ou não se devia brincar!
 
Mão amiga fez-me chegar, há instantes, os vídeos que aqui deixo em baixo.
Devem ser vistos com respeito, ainda que, pessoalmente, por ser laico e estarmos num Estado laico, entenda que neles há um excesso de religiosidade católica que, entre nós, poderia ser dispensada ou bastante atenuada.
Para todos os leitores que forem ou tenham sido militares sei que serão assaltados por aquele sentimento que só quem alguma vez jurou bandeira ou envergou uma farda das Forças Armadas sabe sentir. O coração pulsa-nos mais rápido e a juventude arremete-nos de novo; as vértebras já mais unidas, por terem suportado o peso dos anos, voltam a separar-se e ganhamos a postura de quem está disposto a oferecer o peito às balas. Isto, nenhum senhor ministro compreende, se não tiver passado pelas fileiras e cumprido com pundonor!
 
Se o senhor ministro, da pequenez da sua estatura e do alto da sua balofa jactância verbal, fosse capaz de determinar que os seus colegas de Governo estivessem presentes, nem que por uma só vez por ano, em cerimónias deste tipo, com a grandeza, a pompa e circunstância que aqui ao lado os nossos vizinhos nos mostram, talvez fossemos capazes — nós os militares — de lhe perdoar algumas das suas tropelias e dos seus desalinhos. Mas descansemos, porque não é, nunca o será e nunca haverá em Portugal quem o seja!
Os nossos políticos não gostam de militares
  
"
24.08.07

Uma palavra de compreensão


Luís Alves de Fraga

Fonte: Blog «O Abrupto»

 
Compreendo que possa ser radical a minha posição classificativa quanto a quem dá a cara nos comentários que faz nos blogs existentes por essa blogosfera imensa. Mas estamos perante um ciclo vicioso: se o anonimato é aconselhável por razões de ordem de sobrevivência, também é certo que ajuda a encobrir os denunciantes, os pusilânimes, incapazes, sempre incapazes, de mostrar-se com coragem perante o mundo.
 
O ciclo tem de ser rompido e só o pode ser através da cultura da coragem. Assim, na minha opinião, deve falar quem se encontra com possibilidades de fazê-lo, isto é, quem resolve arriscar. Se não tem essa possibilidade, deixe-se andar informado, mas remeta-se ao silêncio prudente. Faça, afinal, aquilo que se critica aos chefes militares: resguarde a sua posição, o seu pequeno tacho, a sua vidinha.
 
Não tenho nem mais nem menos coragem do que todos os que são capazes de dar a cara por uma causa, mas permito-me contar uma estória que se passou comigo, nos últimos anos de serviço activo.
 
Os oficiais superiores de uma determinada unidade — de pequena dimensão, mas do comando de um oficial general — almoçavam todos juntos numa sala a eles reservada, numa longa mesa onde não faltava tudo o que deve fazer parte de uma restauração cuidada.
Certo dia o general estava ausente e presidia à mesa o 2.º comandante, um coronel como eu, homem com aspirações a ser general, incapaz de «fazer ondas», hábil para tratar da sua vidinha, mas inábil para cuidar dos deveres mais essenciais de todos nós. Após a refeição falava-se de dignidade e de defesa da dignidade e eu reparei que na longa mesa estava colocada uma longa toalha que apresentava um rasgão no meio do tampo.
Chamei a atenção do 2.º comandante para o facto de ele nem ter coragem para determinar que aquela toalha deixasse de vir à mesa do comando, pois ou se queria dignidade e ela não era usada por estar rota — mas, nesse caso, continuava-se a ter pratinho para o pão e a manteiga e colocava-se uma mesa diferente da de todos os outros militares — ou, então, não se impunham diferenças especiais e distintivas. Havia que ter a coragem de se saber decidir.
Claro, hesitante como sempre, o 2.º comandante, em frente de quem eu estava sentado, por ser o oficial mais antigo dos dez ou doze presentes, arranjou mil desculpas para manter tudo na mesma.
Irritou-me aquela moleza, aquela incapacidade de resolução por receio e, porque sou avesso a indecisões, disse-lhe:
— Olha, meu amigo, há um processo de nunca mais esta toalha vir para a mesa do comandante e continuar-se com a fantochada da dignidade especial para os oficiais superiores! — Levantei-me, meti a mão no buraco da toalha e acabei por, num gesto rápido, a rasgar de forma a não mais ser possível remendá-la.
O silêncio foi total. Até o 2.º comandante ficou atónito.
Alguém, pressurosamente, foi informar o general da ocorrência, mas este conhecia-me, sabia da minha qualidade e nada me disse. Nem nada tinha para dizer, porque, tal como eu, era um homem que sabia decidir na hora certa sem temer consequências.
Passaram-se muitos meses até que, certa vez, o general me fez referência ao acontecimento. Respondi-lhe:
— É pena que não me tenhas interrogado no dia seguinte e que tivesses preferido ouvir relatos de bufos que só desejam «ficar bem» aos teus olhos!
Respondeu-me: — Não devias ter desautorizado o 2.º comandante da maneira que o fizeste. Retorqui: — É quando o burro cai que se lhe dá a varada, não é antes nem depois, e tu sabes isso muito bem, porque sabes o 2.º comandante que tens!
Poucos meses depois deste episódio ter acontecido, estava o general a louvar-me e propor-me, por vários outros motivos, claro, para receber a medalha militar de parta de Serviços Distintos.
 
Dei-me como exemplo para mostrar até que ponto sou coerente e como, quando se não teme e se está dentro da razão, se pode e deve ser frontal. Às vezes, os cobardes apunhalam-nos pelas costas! Ossos do ofício! Há sempre a hipótese de ficar calado!
22.08.07

Os nomes nos blogs


Luís Alves de Fraga

 
Há dias fiz uma passagem completa por todos os blogs guardados nos “meus favoritos”. Depois, fui rever todos os comentários deixados nas minhas postagens e verifiquei uma constante muito curiosa: só há dois tipos de autores de blogs, tal como só há, também, dois tipos de comentadores dos blogs alheios: os anónimos e os não anónimos.
 
Realmente há entre autores e comentadores aqueles que deixam o seu verdadeiro nome bem visível para que todo e qualquer internauta os possam identificar; alguns, até publicitam a sua fotografia. Eu sou desses.
Não é por ser desses, mas tenho de classificá-los com o epíteto de “corajosos”; dão-se a conhecer e não têm medo do que dizem nem das consequências do que dizem. Assumem-se por inteiro.
Para esses, valeu a pena fazer-se o 25 de Abril no ano de 1974. São cidadãos responsáveis que não temem, nem a Justiça do Estado nem a justiça dos homens. Encaram a sociedade de consciência tranquila.
 
Depois vem os anónimos. Sem rebuço de qualquer espécie, classifico-os de “medricas” e de “medrosos”.
“Medricas” são todos os que escolhem um pseudónimo e se escondem atrás dessa identidade não identificável, tornando-se, de repente, “corajosos”! Cheios de uma falsa coragem, evidentemente!
Fazem-me lembrar aquela frase que se dizia quando eu andava na instrução primária e algum lingrinhas vinha acompanhado de um matulão ameaçar-nos; respondíamos: — Com as calças do meu pai, até eu era homem!
Na verdade, escondido atrás de um pseudónimo, todo o cidadão pode ser corajoso, pois sabe que, pelo menos, por processos comuns, não é identificável. Diz o que quer, mas esquiva-se de poder ser incomodado. E se for, por força de algum comentário mais desabrido, está sempre incógnito. Lembra-me todos quantos iam às “manifestações espontâneas” de apoio a Salazar, mas levavam a aba do chapéu baixa para não lhe identificarem a cara; no dia seguinte, no café do bairro, podiam dizer baixinho que Salazar era um fascista, depois de terem, na repartição, assegurado ao chefe que estavam inteiramente de acordo com o Estado Novo.
“Medricas”, porque têm medo e nem aceitam que o têm.
 
“Medrosos” são os que, pelo menos com coerência, não assumem identidade de espécie alguma. Esses, no tempo do Estado Novo, não iam à manifestação, mas, em privado, muito em privado, juravam ao chefe total fidelidade à “situação”, a Salazar, à Santa Madre Igreja e a tudo e todos… Até usavam o emblema da Mocidade Portuguesa, mas escondido pelo lado de dentro da lapela do casaco!
 
A mentalidade dos “medricas” e dos “medrosos” já vem muito de trás. Tem séculos de existência entre nós. Deve-se à Inquisição e ao Tribunal do Santo Ofício.
Nesses tempos recuados, essa terrífica instituição, que zelava pela pureza da religião Católica, aceitava a denúncia anónima dos trânsfugas. Anónima para a sociedade e para o pobre denunciado, mas identificada pelos esbirros da Inquisição. Identificada para o denunciante poder receber a parte que lhe competia dos bens do denunciado!
 
Foi este padrão comportamental que ganhou raízes entre nós. Desta laia saíram os bufos que alimentavam os arquivos da PIDE/DGS, desta laia saem os autores dos blogs e dos comentários que se assinam com pseudónimos ou se mantêm anónimos.
Voltasse a haver Tribunal do Santo Ofício e vê-los-íamos em fila, embuçados, pela calada da noite, ir entregar a sua denúncia aos pressurosos defensores da fé de Roma.
 
Se têm medo, acho que os “medricas” e os “medrosos” faziam um favor a todos nós e à blogosfera se deixassem de sobrecarregá-la com as suas palavras. Se deixassem de proclamar o direito ao contraditório — que contraditório? Aquele onde não se sabe quem se contradita? — Deixem de escrever. Ao menos, aprendiam com todos os que, arrostando com ventos e tempestades, assinam com o seu nome e mostram a cara nos blogs que alimentam!
 
Realmente, faz falta uma revolução cultural! Uma revolução que ensine que o medo é a mais traiçoeira arma que pode ser usada contra quem se couraçou com o peitoral da coragem e é apunhalado pelas costas.
 
Claro que estão isentos desta dura acusação todos quantos sustentam blogs literários, onde se cultiva meramente a arte de escrever em prosa ou em verso, mas já não fogem ao meu gládio os que mantêm blogs humorísticos, pois é sabido que o humor pode ser tão corrosivo como uma longa página de sérias críticas.
 
Agora, estou de bem com a minha consciência, por isso, se calhar, de mal com os homens. Pelo menos, com alguns homens.
17.08.07

O despertar dos generais


Luís Alves de Fraga

 
Foi há algumas semanas que os generais deram sinais de estarem a despertar de uma longa letargia. Mas não foram todos os generais, não se pense! Foram alguns. Foram três «velhos» generais, na situação de reforma, que têm a particularidade de serem mais ou menos vistos em lides relacionadas com as coisas castrenses: Loureiro dos Santos, Vieira Matias — almirante — e Gabriel Espírito Santo. Por arrastamento, surgiu um quarto: o tenente-general piloto-aviador Oliveira Simões, que, em tom mais moderado, fez coro com os anteriores.
 
Loureiro dos Santos e Vieira Matias apareceram no jornal O Diabo a recordar que o mal-estar está implantado nas fileiras, que se ouvem sussurros nos quartéis. E se eles o dizem, eles o sabem, porque não são cidadãos desinformados e, muito menos, desatentos; falam com os camaradas generais mais modernos, com os mais antigos, com outros oficiais e de todos são ou conselheiros ou confessores; de todos merecem respeito.
 
As prudentes e sábias palavras do almirante Vieira Matias podem ser lidas no excelente blog, essencialmente alimentado pelo vice-almirante José Botelho Leal, intitulado A Voz da Abita (na Reforma). Quem quiser e tiver curiosidade vá até lá. Não temporalmente muito longe está um artigo publicado pelo general Loureiro dos Santos, no jornal O Público, de 23 de Julho.
 
Curioso é que o general Gabriel Espírito Santo, no editorial da última Revista Militar (Julho do corrente ano) — órgão de reduzida, mas selecta, circulação é bem claro nos avisos que faz. Diz ele logo a começar: «Quem convive com a comunidade dos militares há longos anos e se habituou a perceber o sinais do seu comportamento (…), reconhece que não se vive um momento saudável nas Forças Armadas. Há ruídos de fundo no seu comportamento que revelam falta de confiança no futuro, oposição e resistência a medidas estruturantes apoiadas em racionais que suscitam dúvidas e uma tremenda frustração face à diferença cultural que se estabeleceu na sociedade portuguesa entre o Estado (e a sua direcção política) e a Instituição Militar, cujo sinal mais evidente se traduz num entendimento diferente sobre a condição militar».
Mais à frente volta a especificar: «O que realmente preocupa a comunidade militar situa-se noutra área: a que se relaciona com a condição militar e como ela é entendida pelo Estado e a sua direcção política. Há, de facto, uma divergência cultural entre o Estado e os militares nesse entendimento que vai originando ruídos de fundo e que não deveriam existir em regimes democráticos, onde a frontalidade de acção do comando deve ser correspondida com a lógica de decisões e não a teimosia de argumentos inconsistentes».
E continua: «A condição militar deve ser olhada pelo Estado como algo a dignificar perante a Nação, entendida como elemento distintivo que foi assumido voluntariamente por alguns dos seus cidadãos para o serviço de todos, fazendo o juramento de a esse serviço sacrificar a vida.»
E, logo de seguida, num claro recado sobre as alterações que se verificam ao nível da organização de certas forças militares ou militarizadas, afirma: «A condição militar é exclusiva dos militares e não pode ser repartida por outras forças ainda que armadas e ao serviço da comunidade». E bastante peremptório: «A condição militar é o dever dos que servem a Força Militar da República, que também não deve ser dividida. Os exemplos históricos de tempos em que se quis dividir a força militar da Nação e do Estado deveriam estar presentes no processo de decisão de quem tenta estas vias».
Quase a acabar diz, com a força moral de quem foi CEME e CEMGFA: «É dever do Estado explicar à Nação o que significa a condição militar e as suas especificidades. É assim nas Democracias, onde especificidades de sistemas de ensino, de saúde e mesmo de habitação da Instituição Militar e da condição militar dos que a servem não constituem privilégios, mas sim a forma como se procura retribuir a disponibilidade permanente e particular de servir a Nação»[sublinhado da nossa autoria]. E, finalmente, deixando-nos uma réstia de esperança sobre a capacidade de todos, ou só de alguns, os chefes militares dos Ramos das Forças Armadas, diz, com segurança: «Valerá a pena continuar a insistir em argumentos tantas vezes repetidos pelo Comando das Forças Armadas nos locais próprios? Insistimos que sim, já que o ruído de fundo continua persistente sem ser convenientemente filtrado».
 
Cabe-me a vez de me perguntar: — Valerá a pena acrescentar mais alguma coisa ao que o general Espírito Santo disse? Julgo que sim.
 
Vale a pena dizer que, como Director da revista militar mais antiga do mundo, em constante publicação, ele não quis ferir susceptibilidades políticas e, por isso, remeteu para esse ser abstracto chamado Estado as responsabilidades que cabem a seres muito mais concretos e compreensíveis a que nós, que não temos a responsabilidade de dizer coisas sem parecer dizê-las, chamamos simplesmente políticos. Políticos que, sendo voluntários no serviço público tal como os militares, estão dispensados da verticalidade a que estes se amarram quando fazem o juramento de fidelidade à Pátria; políticos que podem mentir, que podem faltar à palavra, que podem cobardemente fugir quando os primeiros sinais de fogo e fumaça se fazem sentir; políticos que desejam para si prebendas e honrarias só pelo facto de cumprirem um desempenho para o qual são temporariamente eleitos, negando pequenas e poucas vitualhas a quem jura dar a vida, se e quando for preciso, pela Nação.
Vale a pena recordar aos Chefes militares que, ou se descolam do Poder político, que não servem, e se prendem à Nação e aos homens e mulheres que, nas fileiras, servem a Pátria, ou estarão a ampliar o ruído de fundo com o seu aparente sentido de disciplina, porque só sabe disciplinar aquele comandante ou chefe que antes e acima de tudo zela pelo bem-estar dos seus subordinados hierárquicos.
05.08.07

Militar, funcionário ou segurança


Luís Alves de Fraga
 
Quando eu era católico e assistia à missa — aprendi em latim, mas depois passou a ser celebrada em português — a certo passo, depois da consagração, quando a hóstia já sagrada era apresentada à assembleia, dizia-se — e diz-se — «Senhor, eu não sou digno que entreis na minha morada, mas dizei uma só palavra e a minha alma será salva».
 
Todos os domingos, ou quase todos, vou almoçar com a minha mulher à Messe Militar do Campo de S.ta Clara. Antes que o Governo se lembre de acabar com a Manutenção Militar e com todas as Messes, lá vamos comer a refeição um pouco mais barata do que em qualquer restaurante de média categoria.
Há, talvez, quatro ou cinco semanas fui surpreendido por uma estranha substituição: a recepcionista — faz também as funções de telefonista — já não era uma funcionária, nem um funcionário civil da Manutenção Militar, nem mesmo um militar, mas uma funcionária da empresa de segurança que dá pelo nome de Securitas.
 
Foi nessa altura que me vieram à mente as tais palavras da missa: Senhor, eu não sou digno… — mas agora tive de as substituir — de entrar na vossa morada… Não sou, porque estou completamente baralhado!
Eu estava a entrar num estabelecimento militar ou numa qualquer instituição de uma natureza desconhecida? É que, “no meu tempo” a segurança das unidades militares era feita por soldados; o trabalho de recepção podia ser desempenhado por militares ou por civis em estabelecimentos com a vocação de messe, mas por elementos de uma empresa de segurança?! Essa não lembra ao mais pintado!
 
A profissionalização das Forças Armadas está a andar a uma tal velocidade que, um dia destes, nas paradas militares — ainda há disso?! — vê-se desfilar um regimento da Securitas, seguido de um batalhão da ProSegur e de uma companhia da Esegur e outra da Condor; por mero acaso, está na tribuna um senhor fardado de general!!!
 
Não sei — embora possa imaginar — qual o motivo por que foi substituída a funcionária da Manutenção Militar por outra da Securitas, mas, senhores coronéis e generais, tenham a noção do ridículo… Fardados com o uniforme da Securitas à porta de um estabelecimento militar é que não! Tenham, ao menos, um pouco de… vergonha para não dizer de dignidade. A tal dignidade que me leva, todos os domingos a pensar, antes do almoço: Senhor, eu não sou digno de entrar na vossa morada… porque tenho vergonha e uma pensão de reforma que não chega para alimentar a minha forte vontade de ir comer no restaurante em frente.
 
Em face do que acabo de expor e que é rigorosamente verdade, pergunto-me: sou somente eu que tenho um exagerado sentido do ridículo e da dignidade ou estarão os militares na situação de activo a perder o que deveriam ter? Tiveram e perderam ou nunca tiveram?
Ah senhores, “no meu tempo” não era assim!
03.08.07

Palavras e demagogia


Luís Alves de Fraga

 
Vem hoje no Diário de Notícias. O homem foi passear-se até ao Médio Oriente, visitar o forte contingente de tropas de engenharia que por lá temos (qualquer coisa como 141 militares!). Foi dizer-lhes que a defesa de Portugal se faz em fronteiras longínquas!
 
Como se deve julgar ministro da Defesa de uma grande potência a falar a Regimentos, Brigadas e Divisões imaginárias faz declarações pomposas e, pelo menos, idiotas! A não ser que o ministro admita que as nossas parcas e diminutas forças militares estão a desempenhar uma função mais marcadamente diplomática do que bélica. E, então, nesse caso, as palavras não correspondem aos actos, porque ninguém pode querer ser bem representado quando regateia até ao cêntimo os valores de pagamento do agente representador.
 
Não há dúvidas, este ministro e este Governo andam a gozar com a tropa! Ou, o que é pior, devem julgar que os militares são parvos, idiotas ou atrasados mentais. Só pode ser!