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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

31.07.07

Edmundo Pedro - Memórias para não esquecer


Luís Alves de Fraga

 
Foi há meses que comprei o grosso volume que constitui o livro de memórias de Edmundo Pedro. Foi em Março, depois de lhe ter dado o braço à saída das vetustas instalações da Cooperativa Militar agora utilizadas pelo Instituto Social das Forças Armadas (IASFA), na rua de S. José, em Lisboa; era noite e o peso da idade, depois de ter dado a conhecer a sua participação no assalto ao quartel de Beja, no recuado fim de ano de 1961, fazia-o ver mal a irregularidade do caminho até à estação do metropolitano dos Restauradores. Durante escassos minutos fui o amparo de um Homem com muita história vivida, um revolucionário e lutador antifascista que pagou na carne o preço de ter abraçado ideais, então, proibidos.
 
Numas curtas férias, no final de Julho, ataquei as 553 páginas do livro. Não gostei da displicência, do descuido posto por Mário Soares na redacção do Prefácio; escreve muito melhor do que ali está plasmado; tocou-me a simplicidade, a admiração e o respeito de Fernando Rosas deixados nas folhas do posfácio.
 
O texto de Edmundo Pedro lê-se com grande interesse da primeira à última página; é rico em pormenores pessoais, em emoções.
Uma primeira parte — até ao momento do seu internamento no campo de concentração do Tarrafal — revela-nos as lembranças de um jovem operário empenhado na luta antifascista, filiado no PCP, crente nas virtualidades do sistema implantado na União Soviética; depois, na segunda parte, quando passa a descrever bocados da sua vida no Tarrafal, mostra-nos o desabrochar do mecanismo de descrença no partido onde militava. Às vezes, ronda o anticomunismo, mas, da primeira à última página, está sempre presente a sua fé nas soluções democráticas, a sua esperança de que não passa pela direita a resolução da justiça social.
 
Edmundo Pedro manteve-se um militante da esquerda. Não há a possibilidade de estabelecer entre as suas memórias e as da Zita Seabra qualquer tipo de paralelo; no seu livro, cada página, transpira coerência, verticalidade e, sente-se, verdade enquanto que, segundo parece, no da antiga militante do PCP, actual deputada do PPD/PSD, as palavras ressumam ódio, vingança, mentira e desonestidade.
Uma só nota de crítica ao livro de memórias do Edmundo Pedro: merecia um trabalho muito mais cuidado de revisão editorial, embora, assim, tal qual está, se sinta a mão do antigo operário do Arsenal de Marinha, do lutador cuja universidade foi, tal como ele diz, a do campo de concentração do Tarrafal.
 
As Memórias de Edmundo Pedro deveriam ser lidas pelas mais jovens camadas da população portuguesa porque, muito embora não entre em grandes descrições da cidade de Lisboa dos anos 30 do século passado — uma falha que poderia ter colmatado, para nos deixar o testemunho do que eram os bairros populares e a vida dos operários nesses tempos, não fosse a ânsia, que se pressente, de chegar ao fim — oferece-nos um retrato das lutas operárias e da repressão brutal que recaía sobre todos quantos desejavam a liberdade. Os jovens, para poderem apreciar o bem incalculável que foi o fim da opressão e do obscurantismo, deveriam ler e reler textos como os de Edmundo Pedro.
Há momentos em que o leitor os agentes da polícia política, os guardas prisionais, os militares da GNR e, no Tarrafal, os oficiais do Exército que se prestaram a servir de carrascos de homens cujo único crime era o de desprezarem os anti-valores que governavam Portugal.
Para mim, que acreditei e acredito que o oficialato militar não se compagina com funções policiais, foi chocante ver como houve — e, provavelmente, continua a haver — quem deslustrasse a farda envergada para sobrepor ao serviço da Pátria o serviço da política… Da política mais contrária ao bem-estar dos Portugueses, porque contrária aos valores da modernidade, do saber e do livre pensamento.
Lendo a obra de Edmundo Pedro compreende-se que, realmente, houve fascismo em Portugal; fascismo semelhante ao de Mussolini ou ao nacional-socialismo de Hitler; só que um fascismo travestido com a sotaina clerical que parecia abençoar todas as perversões de destroços humanos alcandorados aos diferentes patamares do Poder.
 
Deixo aos meus leitores uma sugestão de leitura para este tempo estival.
16.07.07

Partidos e Políticos


Luís Alves de Fraga

 
Não vai ser novidade o que vou hoje deixar aqui escrito, pois quase todos os jornais e analistas políticos afirmaram coisas idênticas logo de manhã e, ontem à noite disse-o, pelo menos, o José Pacheco Pereira, na televisão.
 
O acto eleitoral decorrido em Lisboa vem confirmar um sentimento que pairava já sobre todos os que estão atentos à política nacional: entre nós, o descrédito nos e dos partidos políticos está implantado.
 
A grande massa anónima dos eleitores já se desligou da política, já se alheou da coisa pública, já descrê do que os políticos dizem ou prometem… Já nada disso interessa. É comida requentada. Isto quer dizer que os partidos políticos e os políticos que os integram já perderam a legitimidade. Com a devida salvaguarda temporal, os Portugueses olham para os partidos políticos e para a política com a mesma indiferença com que olhavam para o regime do Estado Novo quando este foi deposto em 25 de Abril de 1974.
 
Os Portugueses estão outra vez mobilizados para discutirem futebol, rezarem em Fátima, lerem os jornais desportivos, alguns pseudo romances (os quais estão para os dias de hoje como as memórias da Beatriz Costa estiveram para os últimos anos do Estado Novo) que figuras conhecidas da televisão vão publicando e que substituem, junto da classe média, a revista Maria.
A crença, a fé, o entusiasmo pelos assuntos que a todos interessam morreram, porque foram sendo mortos pelas sucessivas classes políticas que se renovaram na sociedade nacional. Diria, sem receio de errar, que o terreno está preparado para uma mudança que não pode ocorrer, pois os condicionalismos contextuais e conjunturais se alteraram profundamente nestes últimos trinta e três anos.
 
O fundamento das minhas conclusões está nos números: abstenção igual a 62,61%. Isto é brutal! Corresponde à ausência de resposta que Marcello Caetano teve nos últimos actos eleitorais com que quis legitimar o que já não tinha legitimidade. Quer dizer, as eleições foram decididas por 37,39% do eleitorado! Os quais tiveram de se repartir por doze candidaturas! Esta eleição está deficitária de legitimidade. Lisboa é governada por uma minoria dentro de outra minoria.
 
Mas se dermos — e não devemos dar — de barato este facto, o que se apura é que o presidente da Câmara, apoiado na estrutura de um partido — o partido que tem a maioria parlamentar absoluta — consegue eleger, para além dele próprio, mais cinco vereadores; é somente o dobro do resultado do candidato dissidente do segundo partido com maior representação parlamentar, embora com uma percentagem de votantes menor (Costa com 57 907 e Carmona Rodrigues com 32 734). Logo de seguida vem o candidato apoiado pelo PSD com igual número de vereadores (três para 30 855 votantes). Depois, segue-se Helena Roseta — outra candidata sem apoio partidário — que se elege a ela e mais outro (20 006 votantes). Em seguida surge Ruben de Carvalho que, embora tenha o suporte do PCP, teve igual resultado que Helena Roseta (com 18 681 votos) e, por fim o candidato do Bloco de Esquerda, que se elege a si próprio, com 13 348 votos.
 
O CDS/PP, que há décadas tinha conseguido eleger, por vários anos, um presidente da edilidade de Lisboa, ficou pulverizado e os restantes candidatos «desapareceram», mas deixaram uma mensagem: todos juntos totalizam 7 607 votantes ou seja, mais do que os do CDS/PP (7 258) e quase tantos como os votos em branco ou nulos (7 645).
 
O eleitorado lisboeta representa — posso dizê-lo sem necessidade de confirmação — o sentir de Portugal; no mínimo, o do Portugal urbano e litoral; quer dizer, ainda se acredita em pessoas (Carmona Rodrigues e Helena Roseta) e já se não acredita em partidos políticos.
 
Qual o motivo?
As pessoas trazem projectos, falam ás outras pessoas — os que os hão-de eleger — acalentam esperanças que se propõem realizar.
Os partidos e todos os que são por eles apoiados esgotaram os discursos, ninguém pode acreditar que um candidato suportado por este ou aquele agrupamento político se lhe oponha, seja capaz de contrariar o que disciplina cega e obediente dita e impõe. Já ninguém acredita que o Partido Socialista seja ideologicamente socialista; ainda há militantes que o são, mas a máquina é igual à do PSD ou à do CDS. A máquina já não faz frente ao capitalismo globalizante, à descarada extorsão dos trabalhadores. O único partido que ainda se matem coerente com a ideologia que defende é o comunista, mas é uma postura que, certamente, terá de ser revista, pois ninguém, nos dias que correm, nem nos tempos mais próximos, crê que o regime socialista-marxista consiga implantar-se na Europa (essa, provavelmente, a razão que leva o PCP a, cada vez mais, se colocar ao lado da CGTP na luta pelas prorrogativas dos trabalhadores, virando-se para o único campo onde pode garantir a sua sobrevivência como partido coerente).
 
É importante que saibamos interpretar os resultados destas eleições intercalares sem os desculpar, aceitando justificações menores e que, evidentemente, só procuram enganar quem quer ser enganado. É importante fazer a interpretação correcta dos resultados para remediar o que pode ter remédio. Deixar morrer a luz da esperança em cada cidadão eleitor é condenar a democracia a ficar mais pobre e, pior do que tudo, mais adulterada e distante dos seus verdadeiros fins: a felicidade dos povos.
12.07.07

A Matemática, o País e eu


Luís Alves de Fraga

 
Nunca fui um ás em Matemática, mas aprendi a tabuada e ainda hoje faço contas de cabeça ou longas operações de aritmética sem necessidade de usar máquina de calcular. Nunca fui bom a Matemática, mas o primeiro curso que tirei foi o de Contabilista, tendo de saber cálculo comercial e cálculo financeiro — para quem desconhece, tinha de fazer toda a gama de cálculos sobre juros e, em especial, o do juro composto, para além de regras de liga (entre os mais jovens, sabem o que isso é?), regras de três compostas, sistemas de equações e de inequações e mais coisas que a idade e a falta de uso foi apagando da memória. Nunca fui bom a Matemática, mas conclui a disciplina equivalente ao actual 12.º ano de escolaridade — vulgarmente designado, naquele tempo, por 7.º ano do Liceu — e ainda sou capaz de fazer a discussão do binómio ou de identificar um caso notável da multiplicação. Nunca fui bom a Matemática, mas conclui as Matemáticas Gerais do 1.º ano da Faculdade de Ciências (já lá vão 45 anos!) com a classificação de 11 (onze) valores — na época, era uma nota pouco brilhante que queria dizer qualquer coisa como: «sabe mais do que o mínimo e menos do que o comum».
Ora, vem este rol a propósito das classificações que os jornais noticiam sobre os exames de Matemática em Portugal, no 9.º ano de escolaridade. A grande e esmagadora maioria dos alunos tem nota negativa. E porquê?
 
É este impertinente «porquê» que mata a cabeça de todos os ministros da Educação Nacional.
Na minha opinião, a resposta é simples e configura um problema que, ou se encara de frente, ou nunca passaremos da mediania nacional: os Portugueses não aprendem no ensino elementar básico (para mim ainda corresponde à vulgar instrução primária, à aprendizagem das primeiras letras e dos algarismos) três coisas essenciais: saber raciocinar com lógica, saber a tabuada completa e saber redigir uma composição com introdução, desenvolvimento e conclusão. Enquanto isto não for feito, não há método, sistema ou reforma que consiga o milagre de pôr os Portugueses a serem capazes de, em Matemática, pelo menos, «saberem mais do que o mínimo e menos do que o comum».
 
Se se aprender a raciocinar com lógica é-se capaz de pensar com clareza, de, com maior ou menor aptidão, resolver problemas mais ou menos complexos de aritmética, de escrever com alguma coerência e de pontuar com alguma cautela.
 
Marcello Caetano (aí estão os saudosistas a esfregar as mãos de contentes!) no seu livro Minhas Memórias de Salazar, diz, logo na página 12 da 3.ª edição:
«O acaso, de resto, tem sempre uma grande influência na vida das pessoas. (…).
Tinha-me formado em Direito em Junho de 1927. Encaminhei-me para esse curso também por acaso… Até ao 5.º ano [actual 9.º de escolaridade] do Liceu sempre me considerara com vocação para as Ciências Naturais e aspirava ser médico. Não sabia se isso seria realizável: meu Pai era funcionário da Alfândega, tinha encargos pesados de família, um curso superior era demorado e caro…
Mas no Liceu comecei a destacar-me nas Letras: discutia vivamente Literatura, destacando-me nas aulas de Português pelo conhecimento dos autores e das escolas literárias e pela facilidade em redigir. E os condiscípulos proferiram sentença quando, no final do 5.º ano, era necessário optar entre Letras e Ciências: tu vais para Letras!”
Para Letras? O meu desconhecimento das coisas práticas era quase total. Sim, está bem… eu gostava de Letras, iria então para a Faculdades de Letras… Aqui intervieram outros mais esclarecidos: não, não caias nisso! O curso de Letras só dá para professor do Liceu. Vamos para Direito! Que ser advogado rende muito dinheiro!
Bom, irei com vocês para Direito… — acabei por condescender. O Direito para mim era porém uma realidade muito vaga… (…).
Assim ingressei em 1922 na Faculdade de Direito de Lisboa em pleno estado de inocência jurídica, por ter bossa para a Literatura… Não me venham falar em vocações. Deve havê-las: nunca as conheci em mim. Jeito para ensinar, sim, escolhi e amei a profissão de professor. Mas vocação…».
 
Transcrevi, talvez em excesso, por se tratar das páginas mais belas que conheço quanto à escolha de um futuro!
O que é que ressalta de tudo o que o antigo presidente do Conselho de Ministros do regime fascista nos diz?
Simplesmente isto: teve uma excelente preparação no ensino básico; sabia fazer contas com agilidade e escrever com desenvoltura. Esse facto colocou-o na dúvida entre a Medicina e as Letras. A vitória em Direito ficou a dever-se a uma excelente memória — naquele tempo usava-se e abusava-se da memorização, tal como ele fez, mais tarde, aos seus alunos (é inesquecível a sua célebre frase: «pode dar as definições que quiser, mas não serão melhores nem mais completas do que as que apresento nos meus apontamentos, por isso…») — e a um bem fundamentado raciocínio lógico (ninguém articula leis se não souber pensar com lógica); depois, a capacidade de expor e de argumentar vinham-lhe da junção dos conhecimentos basilares. Assim, Marcello Caetano ousou duvidar da vocação e preferiu substitui-la pelo acaso.
 
Eu sempre quis ser militar, porque tinha vocação. Servir. Servir, com amplo significado, a comunidade. Servir a Pátria — que sempre soube perceber, na perfeição, o que era e o que é. Não tive dúvidas. Mas as minhas apetências naturais aconselhavam-me a escolha de um curso na área das Ciências Sociais e Humanas… nada que tivesse a ver com idiomas estrangeiros! Contudo, para ser oficial tinha de possuir formação em Ciências chamadas exactas e, aí, subi o meu calvário. Mas só fui capaz de chegar ao cume, porque tive uma boa formação básica; na instrução primária os meus queridos e saudosos professores souberam incutir-me as ferramentas necessárias para, com as dificuldades inerentes a quem não gosta de uma matéria, conseguir um êxito relativo.
Estava a preparar-me para ser oficial militar e já descobria, em mim, uma nova vocação: o ensino. Era com imenso gosto que ensinava… Matemática. Depois, anos mais tarde, descobri a História, a Sociologia, a Ciência Política, a Estratégia e, aos poucos, fui deixando «cair» o meu interesse pela Matemática e por todas as Ciências exactas que havia aprendido.
O único elo que me prende à figura de Marcello Caetano é este que tenho tentado ressaltar: um bom ensino básico catapulta-nos para a escolha de qualquer curso superior — que se concluirá com maiores ou menores dificuldades, mas que se conclui. E um bom ensino básico faz-se a partir de encaminhar as crianças para o raciocínio lógico, o domínio da aritmética e da escrita da língua nacional.
 
Não se reformem os cursos superiores, nem o ensino secundário; façam-se bons professores do ensino básico, preste-se muita atenção aos programas daquele nível e tudo se alterará neste nosso país.
01.07.07

Literatura e Editoras


Luís Alves de Fraga
 
Há dias tive conhecimento de que já se iniciaram negociações entre a Porto Editora e um grupo financeiro espanhol para venda da parte desta consagrada chancela portuguesa, que se dedica à edição de livros escolares.
Depois de já terem sido compradas a ASA, a Texto Editora e a Caminho pouco falta para Espanha dominar, quase por completo, a edição de livros escolares em Portugal, pois ocupa, também entre nós, um importante lugar na edição da literatura ficcional.
 
Depois de dominadas as maiores editoras portuguesas pelo capital de Espanha pouco restará às pequenas para poderem sobreviver com independência e segurança. Isto quer dizer que os autores nacionais ou se adaptam à vontade do mercado ibérico ou não terão possibilidades de ver publicados os seus manuscritos. Assim se afoga a criatividade de um Povo e a sua cultura escrita.
 
Este negócio para apoderar-se do mercado do livro escolar — aquele que dá mais lucro e garantias de consumo — já em Espanha levou a que se tenham discutido programas de várias disciplinas, nomeadamente o de História, pois há regiões autónomas que privilegiam o conhecimento aprofundado do seu passado em detrimento do da Espanha como Estado único. Poderá vir a acontecer o inverso entre nós?
Será que teremos, em breve, de passar a estudar em pormenor os reinados dos Filipes, esquecendo que houve uma Aljubarrota, uma batalha de Alcântara e, até as campanhas da Restauração? Será que no jardim do paço episcopal de Castelo Branco as três estátuas representativas dos reis espanhóis serão substituídas de modo a terem a mesma estatura da de todos os restantes monarcas portugueses? Que a Praça dos Restauradores, em Lisboa, se passará a denominar Praça Ibérica?
 
Não defendo um nacionalismo serôdio e bacoco ou fascizante, mas tenho, sem sombra de dúvida, amor a esta terra, a esta gente, a esta cultura que durante séculos nos manteve distintos dos vizinhos aqui do lado — nem melhores nem piores — mas somente diferentes. Por tudo isto me insurjo contra a facilidade com que se permite a descaracterização de Portugal, a estouvada e gananciosa venda dos bens estratégicos portugueses a estrangeiros que passarão a dispor de condições de forte intervenção nas decisões governamentais.
Repugna-me a ideia de imaginar que o verdadeiro centro decisório da política portuguesa — já agora fortemente dependente de Bruxelas, de Paris e de Berlim — poderá passar a ser Madrid ou Barcelona. E, bem pior, em vez de se subordinar ao palácio da Moncloa, se subjugue ao edifício de uma qualquer sede de grupo financeiro que talhe e retalhe a seu bel-prazer (claro que, no mundo globalizado em que vivemos, os Governos são eles mesmos meros serventuários da alta finança internacional, que mostra um rosto somente para ter uma cara passível de ser fotografada! O verdadeiro poder está diluído nas mãos de meia dúzia de accionistas desconhecidos, ou quase, do grande público, mas temidos nos meios onde se fazem os mais iníquos negócios especulativos).
 
À força de sentir Portugal como uma identidade separada da Espanha desde sempre e, mais em concreto, desde 1640 vejo em todas estas manobras de capitais ibéricos outros tantos Filipes II. E o mal está em que o Governo de José Sócrates se mostra impotente — quando não padrinho — perante estes jogos.
 
Nesta trincheira onde combato, todos os dias vislumbro mais nebuloso o futuro da Pátria que, na força, na coragem e no ardor dos meus vinte anos jurei servir com sacrifício da própria vida se tal fosse preciso. Mantenho-me junto ao parapeito, olhos postos na terra de ninguém, esperando as arremetidas de todos quantos, comprados e corrompidos pelo dinheiro estrangeiro, me possam querer silenciar.