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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

29.10.06

É tempo de homenagear


Luís Alves de Fraga

 

Afazeres múltiplos têm-me retirado o prazer e a possibilidade de, regularmente, deixar aqui o meu comentário ou a minha opinião sobre o que se passa neste pobre país que os homens — todos nós, afinal — se encarregam de tornar menos aprazível.

Erros sucessivos de sucessivos Governos arrastaram-nos para um estádio económico do qual, com grande dificuldade, sairemos sem custos e sacrifícios muito pesados. E isto não quer dizer que a governação actual se esteja a processar da maneira mais correcta... Talvez até, antes pelo contrário, não desenvolva as panaceias acertadas, porque se estão a dar larguíssimos passos no sentido de destruir a única força que sustenta o normal decurso da economia nacional: a classe média.

 

Mas hoje não me vou deixar prender nas teias desta discussão. Hoje vou dar continuidade ao apontamento anterior.

Nas duas semanas que estive ausente do Fio de Prumo recebi muitos e-mails e chamadas telefónicas de camaradas de armas e de gente da cultura — em especial ligados à História — manifestando-me a justiça de se prestar uma homenagem pública ao Aniceto Afonso, agora que completa 65 anos de idade e abandona as funções que, com tanto brilho e empenho, tem vindo a exercer no Arquivo Histórico Militar, nos últimos catorze. Todos me dizem: Lança a ideia no teu blog... Verás que tens aderentes. O Aniceto Afonso, como Homem de cultura e principalmente como cidadão e militar, é das raras figuras que merecem não ser esquecidas como se eu não soubesse isso muito bem! Não deixes passar a oportunidade.

Tenho meditado muito sobre o assunto.

 

O Aniceto Afonso foi um de nós — os da geração militar do 25 de Abril — que muito tem trabalhado para, neste futuro que já vivemos, a memória dos melhores anos da nossa juventude não ser perdida nem vilipendiada por todos os que não respeitam — especialmente por ignorância — os esforços de quem lhes trouxe a paz, a democracia e as condições para Portugal merecer, como nação velha neste Velho Continente, o apreço e a admiração do mundo inteiro. Aniceto Afonso, escondido na sua natural modéstia — que não faz dele um Homem menos interventor, mas o posiciona na penumbra onde se resguardam os grandes espíritos — merece que nos juntemos à sua volta e que lhe digamos, olhos nos olhos, com a frontalidade que caracteriza quem não teme juízos malévolos, lhe digamos o quanto o estimamos e o quanto esperamos que continue a fazer excelente trabalho em prol da História recente deste martirizado Povo por séculos de sacrifícios, pois, correndo o risco de me repetir, como afirmava Alguém com justo atino, «em Portugal ou se nasce por karma ou por missão».

 

Fica aqui a minha parte no cumprimento das solicitações que me têm chegado; fica o apelo a todos — militares e civis, intelectuais ou meros cidadãos que se revêem na História recente de Portugal — para avançarmos para a homenagem pública ao Tenente-Coronel Aniceto Afonso, Homem de férrea vontade e indomável perseverança, Homem de uma coragem moral muito para além do comum, Homem que, avesso à luz da ribalta, com a generosidade do seu imenso coração, me vai perdoar o que lhe estou a fazer sem seu consentimento nem conhecimento.

Aqui fica a ideia, cabe a todos nós dar-lhe corpo.

15.10.06

A nossa História Militar: uma obra e um Amigo


Luís Alves de Fraga

Tenho evitado, ao longo deste ano de existência do blog, falar de mim nestas páginas abertas à leitura de todos. Foi um princípio que defini no meu código editorial. Hoje vou abrir uma pequena excepção, porque para falar de alguém que muito admiro e de quem sou amigo, tenho de dar a conhecer um pouco daquilo que desejei manter reservado.

Há vinte e cinco anos iniciei as minhas visitas, então diárias, ao Arquivo Histórico Militar (AHM) órgão do Exército aberto ao público onde se guardam e se podem consultar os documentos com os quais se faz a História deste nosso país. Não toda a História, claro, mas sempre a História Militar, especialmente na sua vertente terrestre. Era director o coronel Frazão que havia sido, mais de vinte anos antes, meu professor de Táctica Geral, na Academia Militar.

O que era o AHM nessa época já distante? Um local de arrumação de papéis muito velhos, bem guardados e bem catalogados, muito pouco consultados, porque não tinha divulgação entre os meios académicos e pouca ou nenhuma entre os investigadores da História de Portugal. A sala de leitura situava-se no primeiro andar do espaço reservado ao arquivo, interior, sem luz do dia, com meia dúzia de velhas secretárias de madeira e outras tantas cadeiras ainda mais desgastadas. O director, fruto do seu temperamento, não era propriamente o exemplo de um anfitrião que gostasse de receber nas suas instalações; pelo contrário, satisfazia-se com a rotina.

Foi «nesse» Arquivo que lá gastei muitas horas de pesquisa, documentando-me sobre o Corpo Expedicionário Português (CEP) quando o tema ainda não se tinha tornado moda entre os estudantes universitários; dele, a custo mais ou menos elevado, fui trazendo centenas de fotocópias de documentos (algumas delas ainda não foram devidamente exploradas, constituindo um filão de conhecimentos inéditos) o que, para o parco soldo de major, que auferia na altura, representava a opção entre adquirir umas calças ou um casaco no final do mês ou ir acumulando informação em minha casa. Nunca me arrependi da escolha! Uma parte do que foi escrito pelo general Tamagnini de Abreu e Silva — cronologicamente o primeiro comandante do CEP — vinda a público há poucos anos, já repousa, em fotocópia, nos meus arquivos pessoais desde o recuado ano de 1982 ou 1983.

«Nesse» velho AHM, os funcionários civis passaram a conhecer-me, porque quase me confundia com eles nos horários de presença — todos os momentos livres que a minha actividade de docente militar me oferecia eram consumidos naquele imenso casarão do Largo de St.ª Apolónia. Nesta labuta andei, todos os dias úteis, mais de dez anos a fio.

Uma vez, vim a saber que o novo director, para meu espanto, era o tenente-coronel Aniceto Afonso. Tínhamos sido companheiros na Academia Militar, nos recuados anos de 1961. Ele tinha-se alistado em 1960. Havíamo-nos cruzado algumas vezes, nas andanças posteriores a 1975, aquando da fundação da «Associação 25 de Abril». Mais tarde, estava Aniceto Afonso colaborando com  o notável historiador Prof. Doutor João Medina, empenhados ambos em conceber a História de Portugal Contemporâneo, quando, certa manhã, me encontrou na biblioteca da Academia Militar — andava eu por lá catando informações fotográficas e bibliográficas relacionadas com a Grande Guerra — e, depois de se inteirar do meu interesse por aquele período do nosso passado recente, convidou-me a escrever o capítulo que figura no tomo II daquela obra.

 

Aniceto Afonso é um transmontano com algumas das características daqueles homens de «para lá do Marão»: sério, persistente, frontal e sem rodeios no discurso, franco, corajoso, cheio de brios, generoso, modesto na sua grandeza e, acima de tudo, amigo do seu amigo. É um Homem com quem se pode contar!

Esteve na Direcção do AHM durante catorze anos. As transformações foram sendo feitas aos poucos; primeiro, as menos visíveis, as organizativas, depois, as mais notórias. De vagar, foi reunindo uma equipa de pessoal que teve o cuidado de escolher e preparar tecnicamente. Sucederam-se os cursos, as pequenas obras os arranjos e, um belo dia, a grande mudança da sala de leitura, que deixou de ser no andar superior, passando para um grande salão, arejado e iluminado com luz natural recebida directamente das janelas viradas para a rua. As velhas secretárias e cadeiras desapareceram para dar lugar a novas, de metal e confortáveis; espalharam-se tomadas eléctricas pela sala para os consulentes poderem levar os seus computadores portáteis e tomarem as notas em tempo oportuno. Aumentou-se o número de pessoal de apoio, as fotocópias passaram a tirar-se na hora, a demora na entrega das caixas requisitadas foi reduzida a quase nada. Começaram a publicar-se folhas informativas com estatísticas e notícias sobre as inovações ocorridas. O Boletim do Arquivo Histórico Militar foi editado com maior regularidade e do facto foi dado público conhecimento com pompa e circunstância.

Novos fundos foram abertos à consulta dos investigadores que se puderam debruçar sobre o passado recente da instituição militar durante a ditadura do Estado Novo e sobre outros aspectos da vida nacional.

A mais importante alteração feita foi o grande salto para a modernidade: a informatização do Arquivo. Passou-se à digitalização dos documentos — não de todos, naturalmente, mas dos mais antigos e mais importantes — ficando assim ao alcance do investigador a possibilidade de imprimir e guardar uma cópia fiel daquilo que deixou de manusear e sujeitar ao desgaste. Mas o passo mais significativo foi o da colocação on line de alguns dos fundos arquivísticos, sendo hoje possível cruzar informação com outros arquivos nacionais.

 

Poder-se-ia dizer do Arquivo Histórico Militar que ele teve duas existências diferentes: uma, antes do Aniceto Afonso e, outra, depois do Aniceto Afonso. Ele foi a alma mater da mudança e da modernização. E tudo fez na situação de reserva em que foi ficando até atingir os 65 anos que inexoravelmente o vão atirar para a reforma. A ele que continua jovem de aspecto exterior e de ânimo interior; a ele de quem a instituição militar muito mais poderia ainda esperar se, para tanto, o general CEME fizesse a proposta ao Governo para o manter ao serviço, atendendo à sua extraordinária e distinta prestação anterior. Prefere-se perder um valoroso director do AHM a abrir o precedente. É este o Portugal que temos!

 

Ficaria incompleto o «retrato» do tenente-coronel Aniceto Afonso se deixasse passar em claro as duas grandes obras por ele coordenadas: A Guerra Colonial e Portugal na Grande Guerra. Na última, tive o privilégio de ser, a par de outros, um dos seus mais chegados colaboradores.

A Guerra Colonial tornou-se um clássico para saber tudo sobre o conflito que as Forças Armadas tiveram de manter durante treze anos nos territórios de Angola, Guiné e Moçambique. Começou por sair em fascículos anexos ao jornal Diário de Notícias e, anos mais tarde, a editora com a mesma chancela, publicou tudo em livro. A qualidade dos colaboradores e a variedade dos sub-temas desenvolvidos faz do volume um precioso auxiliar para quem queira ficar conhecedor de todas as perspectivas do conflito ou, pretendendo aprofundar algum dos temas em particular, queira tomá-lo como ponto de partida.

Portugal na Grande Guerra, infelizmente não teve, ainda, a mesma oportunidade da obra anterior, quedando-se pelos fascículos encadernáveis. Tendo colaborado não me fica bem tecer comentários ao livro, contudo, não posso deixar de realçar a excelente ideia do Aniceto Afonso e do Carlos Matos Gomes, seu parceiro na coordenação dos dois volumes e de chamar a atenção para a qualidade do trabalho do David Martelo e do Nuno Santa Clara Gomes, entre outros.

 

Capitão de Abril, conhecedor dos meandros do processo revolucionário, íntimo de alguns camaradas que lhe confiaram, em pleno PREC, funções delicadas, Aniceto Afonso deixou vastas explicações sobre esse tema na sua colaboração com João Medina em ambas a Histórias coordenadas por aquele professor da Universidade de Lisboa.

No meio académico o nome de Aniceto Afonso é amplamente conhecido, tanto por causa das funções desempenhadas no Arquivo como pelos trabalhos que levou a cabo. Em Portugal e no estrangeiro muitos são os que a ele recorrem para serem orientados nos meandros documentais da Casa que tão bem conhece. Em todos tem um amigo.

 

Aniceto Afonso vai ser reformado, abandonando as funções de director do Arquivo Histórico Militar, mas deixando atrás de si uma obra digna e admirável. Não o fez para glória pessoal — não está no seu feitio pôr-se em bicos dos pés para ser visto. A obra que erigiu foi feita para elevar a Cultura portuguesa e militar até ao topo que merece, igualando-se ao que de melhor há no estrangeiro. Teve, certamente, de lutar com dificuldades financeiras e constrangimentos orçamentais, mas tudo a sua vontade inquebrantável venceu, mostrando que ao lado do querer tem de estar o engenho, confirmando as palavras de Camões: «Não houve bravo capitão que não fosse também douto e ciente».

Ao camarada e ao Amigo desejo as maiores venturas nesta nova etapa da Vida em que poderá dar livre curso a sonhos e voos antes limitados pelas muitas obrigações que tinha de cumprir. Havemos de continuar juntos nos caminhos da História Militar de Portugal.

07.10.06

A consciência de um Governo


Luís Alves de Fraga

 

Culturalmente, até por causa da minha idade, fui fortemente influenciado pela cultura francesa. Só na minha adolescência, aquilo que poderíamos chamar cultura americana, começou a ter algum reflexo em Portugal, particularmente entre os jovens. Lá por volta do começo dos anos 60 do século passado, por força das músicas e dos cantores em voga, os Americanos (entenda-se, os naturais dos Estados Unidos da América) ganharam maior relevo em relação à influência francesa que se fazia sentir no nossos país e nas camadas alfabetizadas e urbanas.

É preciso recordar que, em 1965, por exemplo, ainda corriam nas maiores salas de cinema de Lisboa, excelentes filmes franceses, italianos e ingleses a par de algumas piroseiras vindas de Espanha (Sara Montiel e Joselito incluídos). As fitas americanas ganhavam, lentamente, terreno em especial através da televisão que, mesmo assim, se manteve fiel a excelentes séries inglesas.

 

Vem esta introdução ao caso, para justificar o facto de peremptoriamente declarar que acho os Franceses — olhados como um todo e não em casos individuais — xenófobos, arrogantes, presunçosos, educadamente cínicos e demasiado cheios de vento. Contudo, tenho procurado, ao longo da minha vida, exercitar a capacidade de aceitar no mesmo plano intelectual o que me desagrada e o que me agrada. Só assim posso pôr à prova não só a minha tolerância como, também, a minha capacidade de análise científica, em especial, dos fenómenos sociais; os meus sentimentos têm de se apagar para dar lugar, tanto quanto humanamente é viável, à frieza e imparcialidade de quem quer estar ao lado da exactidão.

 

Há dias, a 28 de Setembro, topei na revista Le Point, com a notícia do anúncio de uma decisão do Governo francês: ia passar a pagar a cidadãos das antigas colónias, que haviam combatido ao lado da França, uma pensão igual aquela que os veteranos nacionais recebem!

Fiquei, naturalmente, intrigado e procurei saber um pouco mais do assunto.

Ao consultar o jornal Le Monde, de 27 de Setembro, topei com a explicação: o Governo francês vinha pagando uma pensão aos «indígenas» das antigas colónias pela sua contribuição na defesa da França durante a 2.ª Guerra Mundial, mas esta ficara congelada, algures no tempo, após as independências dos Estados coloniais. Há relativamente poucos anos, em 1995 e 2002, Jacques Chirac avaliou o que os «indígenas» recebiam em menos de um terço do valor recebido pelos veteranos nacionais. Ao assistir à estreia do filme, em Paris, com o mesmo nome — «Les Indigènes», do realizador Rachid Bouchareb — o choque foi de tal monta que, logo após a sessão, o presidente da República decidiu mandar que lhes fosse pago exactamente o mesmo que aos seus companheiros de luta franceses. E são ainda à volta de cem mil ex-combatentes.

A reparação da injustiça é necessária, porque muitas famílias foram afectadas pelas sucessivas guerras em que a França esteve envolvida — 1914-1918, 2.ª Guerra Mundial, Indochina, Argélia — as quais deixaram marcas profundas nas respectivas descendências.

A França está com o orçamento do Estado deficitário. Não tanto como o de Portugal, mas está e, todavia, não hesita em fazer justiça. Por cá o Governo que nos coube em sorte, por escolha nossa, encarrega-se de, todos os dias, fazer aprovar medidas legislativas que ampliam a injustiça social. Há um ano, começou exactamente pelos militares do activo, reserva e reforma; agora, já sem pejo de espécie alguma, arrasa as poucas vantagens de carácter social e económico de que usufruíam os cidadãos. Claro que, para a injustiça ser mais perfeita, não se mexe nas regalias daqueles que já vivem cheios das mordomias resultantes de chorudos rendimentos financeiros. Todos esses integram o grupo que o Governo quer poupar para que invistam e façam surgir mais riqueza e mais trabalho para os Portugueses!

Em França os políticos não serão muito melhores do que os cá de casa, mas, pelo menos, têm — porque têm ou porque os obrigam a ter — respeito pela maioria dos cidadãos e, acima de tudo, por essa enorme massa que dá pelo nome de classe média, aquela que em Portugal os Governos socialistas se encarregam, há anos, de procurar reduzir à condição de classe inferior. Será que um estágio dos nossos políticos junto dos seus pares franceses lhes modificaria a maneira de se comportar ou somente iria refinar a sua natural tendência para a corrupção activa ou passiva?