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Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria
Hoje não me vou ocupar de questões militares, pelo menos, aparentemente. Não. Prefiro deitar um olho para o passado e repescar velhas notícias de que ninguém já se recorda para as lembrar e deixar à consciência dos meus leitores a interrogação sobre o que este Governo fez em prol de averiguar o factos denunciados na altura, recordando-lhes que, entretanto, este mesmo Governo foi pródigo em medidas que prejudicam os contribuintes que lhes pagam as mordomias.
Começarei pela mais antiga das notícias. Terei da traduzir, porque guardei-a da versão on-line do jornal catalão La Vanguardia, de 21 de Outubro de 2005. É assinada por Jordi Joan Baños. Intitula-se, em castelhano, de forma bem expressiva: «Portugal lava más blanco». Aí vai a tradução:
«Sedes de importantes Bancos e até domicílios de banqueiros estão sendo revistados, desde segunda-feira passada, na maior operação jamais levada a efeito em Portugal contra a evasão fiscal e o branqueamento de dinheiro. A investigação, confirmada ontem pela Inspecção Geral Fiscal do Estado [Fiscalía General del Estado], pretende provar a criação de empresas fantasmas através das quais os bancos canalizam fundos de alguns grandes clientes para paraísos fiscais. A imprensa portuguesa revelou que a Polícia Judiciária já revistou, na segunda-feira, as sedes do Banco Espírito Santo (BES) em Lisboa, Porto e a zona franca da Madeira, assim como as habitações de vários assessores e membros da família proprietária da entidade, os Espírito Santo. A confiscação de computadores e de documentos prosseguiu ao longo da semana nas sedes do Banco Comercial Português (BCP), do Banco Português de Negócios (BPN), Finibanco e, desde ontem, também no Banco Comercial Português (Millennium-BCP). Segundo o Correio da Manhã estão a ser executadas uma centena de ordens de inspecção entre hoje e a próxima segunda-feira, algumas das quais afectariam assessores e até presidentes de bancos.
A fiscal Rosário Teixeira ordenou o levantamento do segredo bancário concretamente para as sociedades de investimento Plafin, do BPN, e Servitrust, do BCP. Sob a alçada judicial está também o private banking ou aplicações financeiras para grandes clientes, a partir de 30.000 euros. Segundo publica o Jornal de Notícias, no caso do BES está sob investigação o possível encaminhamento de fundos para uma sucursal off-shore na ilha da Madeira, que, de seguida, seriam reintroduzidos em contas dos mesmos clientes em Portugal continental. Também se encontram sob investigação vários escritórios de advogados especializados na criação de empresas fantasmas em paraísos fiscais, sendo que estas operações se publicitam em anúncios de imprensa pelo custo de, apenas, 2.500 euros.
Tudo isto começou com uma inspecção de rotina a uma firma de Barcelos, especializada no fabrico de objectos em cerâmica, no norte do país, na qual se detectaram contratos em nome de uma empresa sem existência física, relativos a uma prestação de serviços que nunca foi feita.. Neste momento as inspecções executadas por uma centena de agentes da Polícia Judiciária e da Inspecção Geral de Finanças, estão sendo coordenadas pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal do Ministério Público. Mas as delongas da pesquisa geram dúvidas sobre a efectivação da mesma em face da possibilidade de destruição de provas. Ainda, segundo o diário Público, os magistrados contam já com a gravação de milhares de horas de escutas telefónicas.
O Banco de Portugal, encarregado de supervisionar a legalidade do sector bancário, afirma agora ter detectado transacções de possível irregularidade, mas que não informou atempadamente a Inspecção de Finanças por falta de elementos probatórios das mesmas. Segundo a Inspecção de Finanças, a fraude do erário público alcançaria “muitos milhões de euros ao longo dos três últimos anos”.
Deve dizer-se que o presidente do Banco Espírito Santo, Ricardo Salgado, em declarações efectuadas numa entrevista à televisão, só admite “pequenas negligências”, argumenta que a “economia paralela” é um problema universal e que o próprio banco tem mecanismos de controle. A investigação não afecta nenhum dos bancos espanhóis que operam em Portugal, como o Banco Santander, o BBVA e o Banco Popular. Será oportuno assinalar que ontem o banco mais penalizado na bolsa portuguesa, com uma caída de 2,72%, foi o Banco Português de Investimentos (BPI), que até agora não tinha sido objecto de investigações por parte da Inspecção Fiscal. O ranking bancário português é encabeçado pelo Millennium-BCP e pela Caixa Geral de Depósitos, com o Banco Espírito Santo em terceiro lugar.»
Acaba aqui a tradução de toda a notícia. Mas não acaba aqui o que gostaria de recordar aos meus leitores. Veja-se, no dia 29 de Maio do corrente ano, a crónica de Rui Costa Pinto, intitulada «Silencio ensurdecedor», na Visão on-line.
A dado passo afirma o autor: «Em termos internacionais, Portugal é visto como uma espécie de potencial paraíso da fraude e do crime de colarinho branco.
A avaliação dos especialistas estrangeiros sobre o combate à corrupção em Portugal é tão humilhante que deveria fazer corar de vergonha qualquer governo democrático.»
Alguém se lembra destas notícias?
Têm, respectivamente, nove e dois meses de publicadas.
Quem se lembra de ver escarrapachado nos jornais, badalado nas televisões, os resultados dos escândalos de Outubro do ano passado? O que fez o Ministério Público? Onde estão os administradores de todos aqueles bancos?
Não, ninguém se lembra, ninguém ouviu mais falar de tais assuntos, mas todos se recordam do enorme «desperdício financeiro» que representa comprar submarinos para a nossa Armada. Toda a gente tem opinião quanto a esse assunto. Todos têm bem presente a necessidade de se reduzirem os gastos com a saúde e assistência médica dos militares. Muitos sabem que é necessário vender parte dos mais modernos aviões da Força Aérea por falta de verbas para sustentar a sua operação.
E sabem qual a razão porque se recordam destas questões? Pensem um pouco. Porque a comunicação social, todos os dias, ao serviço das artimanhas do Poder político, recorda os cidadãos desses mesmos temas, silenciando os gravíssimos crimes de colarinho branco que imperam neste desgraçado país. E silenciam, porque o Poder político é conivente com os criminosos que continuam a movimentar-se nos corredores dos ministérios, do parlamento e nas redacções dos periódicos e das estações televisivas. Somente isso, nada mais! Nada mais!
Há tempos, chegou-me às mãos, já nem sei vindo de onde ou de quem, uma mensagem reportando o escândalo das chamadas pensões milionárias e, para exemplificar, referia a notícia do jornal Correio da Manhã que, entre outras, citava, com fotografia, o caso do General, agora reformado, Alvarenga de Sousa Santos que exerceu as funções de Chefe de Estado-Maior da Força Aérea e as de Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas. Desempenhou, no fim da carreira, os mais altos cargos militares que podem ser atribuídas a um oficial. Só isso! Deve acrescentar-se, porque poderia parecer semelhante ao exercício de funções de qualquer Presidente da República — dez anos em dois mandatos —, que os cumpriu depois de uma carreira de, pelo menos, trinta e seis anos efectivos de serviço militar, com comissões em campanha.
Refere o jornal (como se poderá ver) ter-lhe sido arbitrada uma pensão de reforma no valor de € 5584 e, depois, menciona com pensões semelhantes o caso de dois juízes desembargadores com menos três euros mensais!
Para além de patética, é ridícula a notícia!
Note o leitor, com bom-senso, a tremenda contradição, a maldade, a insidiosa velhacaria que se pretende passar para o público: um general que percorreu o máximo da hierarquia militar portuguesa e de qualquer país comparado com dois juízes desembargadores! Será possível — e, pessoalmente, não sei — que estes também tenham atingido o máximo das suas carreiras, mas, não há dúvida, é que, em simultâneo, há mais do que quatro juízes desembargadores no país a exercer funções e nas Forças Armadas há só três Chefes de Estado-Maior — um por cada Ramo — e um Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas. A falácia em que se pretende induzir os Portugueses é esta!
Não está errado um chefe militar, que atingiu o máximo de toda a hierarquia, ter uma pensão de reforma de mais de cinco mil euros mensais! Errado está que um sargento tenha uma miséria! Que um coronel tenha uma ridicularia comparado com o nível de exigências que lhe foram feitas ao longo de, pelo menos, 36 anos de serviço! Errado está um ministro, que foi durante meia dúzia de anos deputado, ter uma pensão de reforma semelhante à de um militar que se viu obrigado a tudo sacrificar na vida durante uma vida de trabalho! Errado está que um autarca possa usufruir de pensão de reforma, ao cabo de catorze anos de exercício de funções, semelhante, em valores, à de um militar que, além de ter estado nas fileiras trinta e seis anos, sofreu deslocações por todo o país, esteve dias e dias sem ver a família, correu riscos incalculáveis! Tudo isto é que está errado!
Injustiça social é a comparação que se faz entre funcionários cujas vidas passaram sem sobressaltos de maior — e, quando os tiveram, foram compensados com largueza financeira — e militares que auferem valores que envergonham quem recebe e quem paga!
Injustiça social é um Estado permitir desníveis acentuados de salários e pensões entre funcionários que a pouco são obrigados e outros que tudo estão prontos a sacrificar para cumprirem compromissos livremente aceites para servir a colectividade.
Para que línguas viperinas não possam extrair conclusões sobre aspectos inexistentes, deixo claro que nada me liga ao General Alvarenga de Sousa Santos, para além da camaradagem de armas que me amarra a qualquer outro militar — general, sargento ou praça.
Em apontamento anterior já referi a releitura da obra A Abrilada de 1961. Não me vou repetir, mas, ao meditar sobre o relato dos factos, assaltaram-me questões que não posso deixar de partilhar com os meus leitores.
A razão fundamental do falhanço da tentativa de afastamento de Oliveira Salazar das cadeiras do Poder, em Abril de 1961, encontra uma grande parte da justificação em considerações de carácter ético dos militares que estavam envolvidos na intentona e que, afinal, eram ministros ou altos responsáveis castrenses. Quiseram fazer um golpe dentro mais estrita legalidade. Como se isso fosse possível!
Há meses escrevi aqui sobre a atitude do general espanhol José Mena Aguada, quando, a propósito da autonomia catalã, com grande frontalidade, avisou a classe política de Espanha de que não poderiam ser ultrapassados os limites da Constituição. Foi afastado do alto cargo que exercia, depois de sofrer punição disciplinar, e quase o crucificaram com o instigador de golpes antidemocráticos. E tudo porque, nos tempos que correm, se entendeu que as Forças Armadas estão absolutamente subordinadas à vontade do Poder político.
Claro que estão e não podem deixar de estar, mas como em tudo na Vida há limites que devem ser observados! Esses são os limites da Ética Militar. Mas haverá uma ética para os soldados e nenhuma para os cidadãos? E nenhuma para os políticos? Como é que articulam — se é que isso é possível! — as diferentes «éticas»?
Para simplificar as questões por mim levantadas julgo que se pode resumir tudo a uma simples pergunta: — Porque é que nos países do Norte da Europa, incluindo a Grã-Bretanha, não há tradição de intervenção dos militares na Política e ela existe na França, na Espanha, na Itália, na Grécia, em Portugal, nos Estados da América do Sul, em África e em alguns outros?
Creio que a explicação é muito singela. Vejamos.
O Poder militar só tem, por regra, tendência a interferir com a regular vivência do Poder político em circunstâncias bem determinadas: a) quando é vítima das arbitrariedades desse mesmo Poder; b) quando o nível de corrupção se estende transversalmente a toda a sociedade e secciona o Poder militar corrompendo-o, também; c) quando o nível de desordem social atinge pontos de ruptura e coloca em causa a estabilidade do Estado; d) quando o Poder político alimenta a corrupção entre os apaniguados de quem governa, gerando grandes e graves injustiças sociais; e) quando a independência e a soberania correm riscos e o Poder político não assume ou não tem capacidade para assumir a direcção da defesa do Estado. Poderá haver situações em que se combinam algumas destas alíneas ou que se apresentem variantes das que enunciei.
Julgo que há circunstâncias que são características de Estados africanos, outras que são comuns a Estados sul-americanos e outras a Estados europeus. Creio que, neste último caso, estão as que tipifiquei nas alíneas c) e d).
Tentarei ser mais específico, socorrendo-me do exemplo nacional.
A situação prevista na alínea c) foi a que justificou a intervenção militar em 28 de Maio de 1926, impondo a ditadura. É evidente que a explicação não se limita nestes curtos termos! Contudo, foi ela que vigorou e vingou para transformar uma ilegalidade num acto legítimo. E não tenhamos dúvidas da legitimidade do golpe que impôs a ditadura! Toda a gente, com excepção de um pequeno grupo de políticos mais clarividentes, apoiou a tomada do Poder político pelo Poder militar no momento do seu implante. Anos depois, o descontentamento já era significativo.
O problema da legitimidade da ditadura de 28 de Maio está indissoluvelmente ligado à questão da ordem pública. As principais cidades portuguesas, de então, viviam em constante desassossego quer por causa das sucessivas greves quer em consequência dos atentados — com características de terror — que os anarco-sindicalistas levam a efeito a toda a hora quer, ainda, pela própria insegurança provocada por grupos de bandidos e fora-da-lei que incomodavam as pacatas populações. A impossibilidade de os políticos e o sistema democrático vigente serem capazes de controlar a desordem — que também se espalhava à própria disputa partidária — levou a que o Exército impusesse a força das armas, invocando para tal a sobrevivência da Nação. As Forças Armadas fizeram aquilo que nenhuma organização política ou social poderia fazer, até por lhe faltar a credibilidade e a representatividade nacionais.
Entre 28 de Maio de 1926 e 25 de Abril de 1974 aconteceram várias tentativas de reposição da legitimidade democrática que falharam, essencialmente, não por serem descobertas pelo sistema policial vigente mas por a consciência nacional não ter ainda apreendido o quanto indesejável era, já então, o regime legal em exercício. A rua tem de dar legitimidade à revolta e ela passa, também, pelos quartéis. Nenhum soldado é só soldado; é também cidadão. Assim, só quando existe real sintonia entre o sentir do soldado e o sentir do cidadão é que estão criadas as condições para as Forças Armadas aderirem, sem relutância, ao desejo de mudança política.
A 25 de Abril de 1974 estavam reunidas as condições descritas por mim na alínea d): a consciência da corrupção a todos os níveis e de todas as formas, tal como a das injustiças sociais era sentida na rua e, também, nos quartéis. O golpe militar era inevitável, como inevitável tinha sido o de 28 de Maio de 1926!
Olhada desta forma a Ética Militar não pode ser entendida como um conjunto de valores inamovíveis e inalteráveis, pois assume-se como uma resposta dialéctica ao Poder político ou, se se preferir, à Ética comportamental do Poder político. Quando ele actua sem atender a uma Moral de irrepreensibilidade o Poder militar, mais tarde ou mais cedo, identifica-se com a vontade da rua e derruba o Poder político instituído para, em seu lugar, colocar aquele que lhe parece corresponder à defesa do bem-estar e da sobrevivência da Nação. Não há Poder militar golpista; há Poder político sem comportamento ético irrepreensível ou, pelo contrário, sem mácula. O Poder militar responde ao comportamento do Poder político, nada mais. É assim que se explica a falta de tradição intervencionista dos militares na política nos países do Norte da Europa — é que, por lá, os políticos praticam políticas não condenáveis! Por lá, os o Poder político tem uma Ética que cumpre rigorosamente... Por cá!... Bom, por cá, a postura moral dos políticos nacionais é de mero golpismo constante. Depois espantam-se!
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