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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

29.12.05

Uma visita e uma entrevista (III)


Luís Alves de Fraga

Para dar por concluída a análise da entrevista do ministro da Defesa Nacional concedida ao Correio da Manhã, falta abordar um ou dois pontos, nos quais procurarei ser sintético.


A propósito de uma pergunta sobre o sistema de saúde militar, Luís Amado refere que num futuro próximo deixarão de existir três hospitais — o da Marinha, o do Exército e o da Força Aérea — para existir somente um Hospital das Força Armadas. E, demagogicamente, para dar crédito à sua decisão, com todo o despudor, afirma: «Vejo a reforma da Saúde Militar já nas actas do Conselho da Revolução de 1975». Comecemos por aqui..


Um só hospital das Forças Armadas. Porque motivo existem três hospitais? O senhor ministro terá estudado convenientemente toda a História dos Serviços de Saúde Militar do nosso país? Saberá que, por exemplo, na Armada, há navios que vencem médico embarcado? Conhece o motivo porque nasceu o Hospital da Força Aérea? Já alguma vez lhe falaram no Hospital da Terra Chã? Já lhe deram a conhecer as estatísticas de atendimento dos diferentes hospitais militares? Sabe que, em tempo de guerra, o Serviço de Saúde Militar é sempre aquele que apresenta maior deficit de pessoal, tendo de se socorrer de elevado número de milicianos? Desconhece que, hoje, qualquer militar pode ser atendido em qualquer dos três hospitais, independentemente do Ramo a que pertence? E que, pelo menos no Hospital da Força Aérea, se atendem funcionários do Estado beneficiários da ADSE? Então, porquê um só hospital das Forças Armadas? Qual é a racional? Onde está a poupança? Duplicação de serviços? Ah, então o senhor ministro opta por um único serviço que cobrirá os três Ramos com a desvantagem de o utente em vez de esperar um mês por uma consulta passar a esperar três ou quatro! Grande solução! Acredita que os custos fixos se reduzem? Não sabe que é preferível e mais barata a manutenção de uma pequena unidade com uma elevada taxa de ocupação e baixa taxa de espera a uma grande unidade com taxas de tempo de espera muito elevadas? Onde está a preocupação com os doentes? Vai-se repetir, nas Forças Armadas, o mau funcionamento que existe a nível nacional?


O senhor ministro esquece que, em 1975, os hospitais só atendiam os militares do Ramo a que pertenciam e, quando o problema da Saúde Militar se levantou, ia no sentido de se especializarem as três unidades hospitalares em ramos diferentes de medicina, garantindo, assim uma melhor cobertura sanitária para todos os militares e suas famílias. Como desconhece, atira areia para os nossos olhos, esquecendo que há gente que não esquece. Eu não esqueci.


Mais à frente, na entrevista, Luís Amado, deixa escapar esta brilhante afirmação: «Mas o importante é desenvolver um processo coerente que identifique bem as missões no futuro, que estabeleça o paradigma de organização mais adequado, o tipo de equipamento indicado e a natureza das carreiras necessárias para servir esse modelo de Forças Armadas».


Qual é a cartomante, o astrólogo ou vidente com bola de cristal frequentados pelo licenciado Dias Amado? É que para definir os parâmetros antes referidos é preciso ter um excelente serviço de informações estratégicas e uma muito clara noção dos interesses e objectivos nacionais, coisa que em Portugal não existe.


Que futuro? Até onde vai o futuro do senhor ministro? Que missões? De defesa dos interesses nacionais permanentes ou dos temporários? Que interesses temporários? Estas são questões tão elementares que até parece mal colocá-las. Mas são perguntas que têm de ser feitas num país que alegremente aliena, a privados e estrangeiros, sectores estratégicos da nossa economia. Há, por conseguinte, uma total incoerência entre a prática governativa e o discurso do ministro da Defesa Nacional. Não pode ser levado a sério por quem sabe o que é Estratégia e Defesa! Mas a irresponsabilidade vai mais longe, porque desconhecendo em absoluto as grandes tendências conjunturais e contextuais do futuro, o senhor ministro associa as missões desse devir ao paradigma de organização das Forças Armadas, ao equipamento e, pior ainda, à natureza das carreiras que servirão esse modelo construído na base do hipotético, do provável, do instável. É extraordinário! Como arquitecto, o senhor ministro da Defesa Nacional parte da construção dos anexos para a definição do edifício principal.


Não é aqui o local, nem o momento, nem sou eu quem lhe vai ensinar como se faz, porque o economista Luís Amado, ministro da Defesa Nacional, tem obrigação de se saber rodear das autoridades competentes que o esclareçam como se constrói um sistema militar de defesa nacional. A mim cabe-me o papel de mostrar aos meus leitores que o senhor ministro não sabe e não sabe ou não quer ouvir quem melhor o poderia aconselhar.


Para mim, está provada a competência do senhor ministro Luís Amado!


Em tempos muito recuados, dizia-se por graça, entre as tropas de infantaria a seguinte frase: «Deus nos livre da nossa artilharia, porque com a do inimigo podemos nós». Ora, em face da entrevista que acabo de comentar, sem qualquer ponta de blague, eu parafraseio o dito dos infantes, afirmando: Deus nos livre do nosso ministro da Defesa Nacional, porque dos interesses nacionais portugueses toma conta o inimigo.

28.12.05

Uma visita e uma entrevista (II)


Luís Alves de Fraga

Como prometido, cá volto à entrevista do licenciado Luís Amado ao Correio da Manhã.


Um Amigo e camarada chamou-me a atenção para outra interpretação das palavras do senhor ministro. Passo a expor.


Se a décalage entre a remuneração dos militares e a dos restantes corpos do Estado se ficou a dever à falta de modernização das Forças Armadas, por onde diabo anda a modernização do restante aparelho estatal que nunca demos por ela e todos os serviços a reclamam? Como se vê, trata-se de mais uma falácia do senhor ministro que, tal como certas crianças, por serem incapazes de fazerem esculturas na areia da praia se entretém a atirá-la aos olhos dos outros.


E o licenciado Luís Amado vai ao ponto de afirmar: «Repare que entre 1974 e o final dos anos 90, o papel das Forças Armadas não estava tão bem definido como antes, nem como se percepciona hoje face ao novo desafio com que somos confrontados».


Mas esta afirmação é divertidíssima! Dá para rir a bandeiras despregadas! Para além do que já dissemos no apontamento anterior, note-se como o ministro da Defesa Nacional, do PS (partido que sempre, até hoje, me mereceu a maior simpatia), faz a defesa da visão estratégica dos governantes do Estado Novo! Isto é incrível! Então o papel das Forças Armadas em 1973 e antes dessa data, segundo o licenciado Luís Amado, estava bem definido?


Das três, uma: ou o senhor ministro está desfasado no tempo e julga-se integrante de um ministério salazarista/marcelista (Forças Armadas para defender a herança dos nossos maiores contra as arremetidas dos comunistas); ou o senhor ministro aceita que o papel da Forças Armadas não sofreu alteração ao longo de todos os tempos e Governos (e neste caso não faz sentido a sua argumentação); ou o senhor ministro aceita aquilo que é comum a muitos dos seus colegas políticos: as Forças Armadas foram um esteio do Estado Novo e, por isso, têm de ser castigadas até se mostrarem conscientemente civilizadas, ou seja, até, pelo menos, estarem na reforma todos os oficiais que fizeram o 25 de Abril.


Convenhamos que é ridículo...


Mas avancemos na entrevista. A dado passo, João Vaz, o entrevistador, pergunta «se já estão ultrapassados os problemas com o associativismo militar» e eis que entre vários tons de blá-blá, o senhor ministro Luís Amado deixa escapar esta frase digna de ficar emoldurada para a História: A seu tempo serão chamadas [as associações de militares] a pronunciar-se sobre outras matérias no âmbito do que entendemos ser a sua intervenção.


Excelente! Gonçalves Proença, ministro das Corporações, no tempo de Salazar, não responderia com mais acerto! Meu Deus! Este senhor é socialista? Este senhor faz parte de um Governo democrático? Este senhor sabe o que é o diálogo entre partes representativas de interesses opostos? Não é, não faz parte e não sabe.


Com esta afirmação, Luís Amado acabou por ofender todos os militares que fizeram o 25 de Abril para dar voz a quem a não tinha na ditadura. E mais não digo. Guardo-me para amanhã, ou depois, continuar a análise desta entrevista bastante infeliz do licenciado Luís Amado, ministro da Defesa Nacional. É bom, aqueles que me lerem, interiorizarem o significado das palavras proferidas pelo membro do Governo e os respectivos comentários da minha lavra...

26.12.05

Uma visita e uma entrevista (I)


Luís Alves de Fraga

Foi notícia nos jornais de hoje (26 de Dezembro) a inesperada visita de José Sócrates e de Luís Amado, respectivamente, primeiro-ministro e ministro da Defesa Nacional, às tropas portuguesas estacionadas em Cabul — 156 militares, no Afeganistão. Levaram-lhes bolo-rei e vinho do Porto.


O meu primeiro comentário vai no sentido do piroso, do ridículo, do demagógico, que tem esta deslocação dos ministros a terras tão distantes. Quem como nós, os militares da minha geração, esteve nas colónias de África durante 13 anos de guerra e éramos uns largos milhares — cerca de 50.000, em permanência, por três teatros de operações, no final dos anos 60 e no começo dos de 70 — sente vontade de rir quando o primeiro-ministro se desloca para consoar com uma centena e meia de militares! É ridículo e demagógico. Mas é, acima de tudo isso, falso. Falso, porque corresponde a nada. Nada, para além de simples acção de propaganda.


Pese toda a minha velha e desgastada antipatia pelos mais altos responsáveis do Estado Novo, mas, ao menos, esses eram coerentes. Mandavam-nos para os calores africanos e consolavam-se com as filhós de Natal, sentadinhos nas suas super confortáveis e aquecidas salas de jantar, em Lisboa. Não precisavam de fingir ou enganar ninguém! De vez em quando, lá nos apareciam umas senhoras, tentando trajar a farrapilha de beneméritas, distribuindo uns cigarros pelas praças. Eram as senhoras do falecido Movimento Nacional Feminino. Agora são ministros que, em lugar de cigarros — acção politicamente incorrecta —, levam bolo-rei e vinho do Porto!


Valha-lhes Santo António de Lisboa, porque o de Pádua é italiano!


 


No Correio da Manhã de hoje, vem uma entrevista com o ministro da Defesa Nacional, Luís Amado (espero que pela família, pois, pelos militares já vai sendo pouco!).


Não vou reproduzir aqui as respostas do senhor ministro, todavia, não resisto a deixar algumas frases lapidares pronunciadas por aquele membro do Governo, não fugindo a comentá-las, provando o quanto falaciosas elas são.


Repare-se neste excerto digno de toda a nota:


Tenho sublinhado que é necessário reajustar, numa perspectiva de médio e longo prazo, os estatutos remuneratórios dos diferentes corpos do Estado. Mas, para isso, é absolutamente indispensável que as Forças Armadas se modernizem, se reestruturem e se reorganizem com vista ao novo papel que lhes deve ser cometido no âmbito do exercício das funções do Estado. Repare-se que, entre 1974 e o final dos anos 90, o papel das Forças Armadas na sociedade portuguesa não estava tão bem definido como antes, nem como se percepciona hoje face ao novo desafio com que somos confrontados.


O que nos diz o senhor ministro? Para além de banalidades, diz-nos que vencimentos equiparados aos dos restantes funcionários do Estado, tal como o foram no passado, só os terão os militares quando as Forças Armadas se reorganizarem, se modernizarem e se reestruturarem. Isto é, trocando por miúdos, nunca mais haverá vencimentos condignos, porque a tentarem modernizar-se, reorganizar-se e reestruturar-se andam as Forças Armadas, desde que acabou a guerra em África ou, para ser mais preciso, desde 1976. Têm sempre faltado verbas para assim poder acontecer.


O senhor ministro ou nos está a tomar por parolos ou quer fazer de nós parolos, mas, sem dúvida nenhuma, está a intoxicar a opinião pública contra as Forças Armadas, fazendo passar a mensagem — falsa, altamente falsa — de que não tem havido esforço nos sentidos que indica. Isto, no mínimo, é perverso. É perverso e tem de ser vigorosamente desmentido. Olhos nos olhos. Tem de se exigir verdade, de um ministro de um Governo nacional.


O senhor ministro para disfarçar diz, ingenuamente, de seguida, «com vista ao novo papel que lhes [às Forças Armadas] deve ser cometido no âmbito do exercício das funções do Estado». Realmente, o que é que esta frase quer dizer? Mas que novo papel podem desempenhar as Forças Armadas? De bombeiros? De guarda-nocturno? De varredores? De quê? Que novo papel vai inventar o senhor ministro e a sua equipa para as Forças Armadas? Elas sempre tiveram a mesma missão, o mesmo papel: garantir a defesa da soberania e independência do território nacional. Secundariamente, esta missão pode passar pelo exercício de acções conjuntas ou isoladas fora do território nacional, servindo a política externa portuguesa, na defesa dos interesses de Portugal. Este foi, é e será sempre o papel das Forças Armadas portuguesas.


E o resto da afirmação do senhor ministro continua a ser palha para papalvos comerem. Demagogia e falsidade.


Hoje, valerá a pena ficar por aqui. Amanhã voltarei à entrevista do licenciado em Economia, Luís Amado.

23.12.05

Há 19 anos... Como foi e quem foi


Luís Alves de Fraga

«O Orçamento Geral do Estado para o presente ano apresenta um corte substancial no capítulo das Forças Armadas, que terá de “apertar o cinto” e restringir as suas actividades operacionais. Dos 46 milhões de contos inicialmente pedidos para a “manutenção e logística”, apenas lhe foram concedidos 32 milhões (aproximadamente a mesma verba do ano passado.


Segundo uma fonte oficiosa “criou-se, assim, uma situação que não teve em linha de conta as necessidades reais das Forças Armadas e que as vai obrigar a reduzir os seus níveis de actividade operacional”. Refere ainda o mesmo informador que a verba proposta pelo Governo, acrescida agora com o aumento de 3 por cento, não acompanha a inflação prevista de 14 por cento e destina-se à recomposição dos “stocks”. Sublinhe-se, todavia, que no sector de pessoal o Orçamento prevê um aumento de 16,5 por cento e de 10 por cento no da manutenção de efectivos (milicianos).


Segundo a mesma fonte, este orçamento exíguo significa que “as Forças Armadas que já desenvolvem uma gestão de grande rigor, a tenham de agravar ainda mais, demonstrando a sua capacidade de reajustamento a níveis que eventualmente não lhe permitem o desempenho de missões que lhe estão cometidas, inclusive no quadro dos compromissos com a NATO.»


Esta é a transcrição exacta do que se dizia no dia 13 de Fevereiro de 1986 no jornal O Dia, logo na primeira página que, a toda a largura, destacava: Militares insatisfeitos com verbas orçamentais.


Quem governava o país nesse tempo? Cavaco Silva, que tomara posse no dia 6 de Novembro do ano anterior. Três dias depois desta notícia, Mário Soares ganhará a 2.ª volta das eleições disputadas com Freitas do Amaral (na 1.ª, este conseguira 46,3% e Soares somente 25,4%).


No dia 16 de Janeiro o serviço militar obrigatório havia sido reduzido de 24 para 12 meses.


As Forças Armadas estavam a ser alvo de cortes sucessivos nos orçamentos e de medidas que lhes afectavam gravemente a operacionalidade. Se é certo que do ponto de vista remuneratório a situação parecia não estar a sofrer alterações significativas — trata-se de uma mera aparência, porque, na realidade, os vencimentos vinham sendo limitados desde o fim do Conselho da Revolução, em consequência de baixos aumentos e elevada inflação —, na perspectiva do desempenho, o corte de 14 milhões de contos (mais de 23 por cento do que havia sido pedido) reflectiu-se na modernização e no treino do pessoal.


Importante é perceber que isto acontecia quando outros Ministérios viam “engordar” os seus orçamentos de maneira desmesurada. A “gestão de grande rigor”, que se refere no jornal, é a que sempre pautou o comportamento administrativo castrense. E é ela que continua a sustentar os sucessivos “apertos de cinto” a que os sucessivos Governos vêm obrigando as Forças Armadas. O sentido de cumprimento das obrigações garante a possibilidade de suportar o abuso e a violência que os Governos impõem aos militares.


Neste apontamento quis deixar provado, de forma indesmentível, que as Forças Armadas, realmente têm sido vilipendiadas pelos sucessivos Governos de Portugal. Isso não ocorre só agora... Tem vindo a ser uma constante. Só que, no presente momento, argumenta-se com critérios de equidade, de justiça, de moral.


Que equidade? Que justiça? Que moral? Depois de todos os servidores do Estado terem sido largamente bafejados pelos orçamentos de há mais de vinte anos a esta parte e os militares terem estado a viver em regime de dieta financeira, vêm-se invocar esses valores! Meu Deus, que hipocrisia!

19.12.05

Interesse público, segurança e desgoverno


Luís Alves de Fraga

Nasci e vivi muitos anos no bairro lisboeta da Graça. Conheço-o perfeitamente mais os seus arredores.


Quem vem, de carro, pela avenida General Roçadas em direcção à rua Morais Soares tem de contornar meia praça Paiva Couceiro e ficava parado, nos semáforos, de frente para dois edifícios construídos no final dos anos 20 início dos anos 30 do século passado: um, destinado a junta de freguesia e, outro, a esquadra de polícia. Diga-se, em abono da verdade, este último com uma traça apropriada ao efeito, pois no topo tinha uma guarita redonda em cada canto da frontaria. Qualquer dos dois, se a memória não me atraiçoa, não passava do segundo andar, ou seja, tinha três pisos.


Há coisa de três anos, na rotunda das Olaias, começaram obras na via pública para construir uma passagem desnivelada e saídas para a praça Paiva Couceiro e rua Morais Soares. Noutro dia, por qualquer motivo que não recordo e que não vem ao caso, fiz o percurso pela avenida General Roçadas e eis que, no semáforo, tal como se fosse uma boca desdentada, dou pela falta do edifício da velha esquadra de polícia. Pura e simplesmente tinha sido derrubado para dar lugar a uma inesperada estreita rua de acesso a amplas vias que, passando por trás dos prédios da artéria Barão de Saborosa, na zona da Picheleira, vêm dar à rotunda das Olaias.


Fiquei espantado. Tão espantado que encravei o trânsito quando o semáforo passou a verde e não arranquei de imediato com o carro. Lá rodei por sobre o espaço onde em tempos foi a esquadra e tive de encostar, mais à frente, para perceber a enormidade urbanística que havia sido cometida. Urbanística, cívica e anti-segurança pública.


Então, seja qual for o motivo, destrói-se uma esquadra de polícia, que havia sido concebida de origem e raiz destinada a esse fim, para dar entrada a um acesso que poderia ter ido entroncar em qualquer outro lugar? Está tudo doido ou serei eu o estrábico (não tenho nenhum engulho contra os que sofrem deste defeito físico, note-se!)?


Se ainda existe, eu sei que, na Vila Cândida — a cerca de setecentos metros dali — há uma esquadra de polícia. Mas essa serve a Graça, os Anjos, o Bairro América e a Quinta do Ferro, quase até Santa Apolónia.


Onde está o sentido de gestão dos poderes públicos, camarários e urbanísticos? Troca-se seja o que for, para abrir uma via mais rápida para se chegar ao engarrafamento da rotunda das Olaias, e «entupir» a avenida Gago Coutinho mais depressa, em hora de ponta. Alguém ganhou com este negócio, mas não foram os residentes das zonas afectadas. Esses, perderam em segurança!


Ainda não me tinha refeito da desagradável surpresa e eis que tenho, pela leitura dos jornais diários, a resposta para as minhas dúvidas e incertezas. Foi quando o ministro da Administração Interna visitou unidades da GNR e PSP para ver e «entregar» os novos coletes anti-bala com que aquelas corporações vão ser dotadas. Pois foi! O senhor ministro António Costa declarou que se iria proceder à venda de património para assim comprar equipamento para as forças de segurança.


Isto é andar ao arrepio de qualquer boa medida de gestão.


O Povo diz, e tem motivos, «vão-se os anéis, ficam os dedos». Veja-se a profundidade do aforismo: vão-se os anéis, quer dizer, perde-se o que se pode voltar a comprar, mas sustenta-se o património, aquilo que não é renovável. Pois! Só que António Costa, e os seus companheiros de Governo, percebe o adágio ao revés. Prefere cortar os «dedos» para comprar «anéis». O património nunca mais volta a ser recuperado, atendendo ao sucessivo endividamento do Estado, e o material vai tornar-se obsoleto dentro de alguns anos! Feitas as contas, fica-se sem nada.


Claro que se têm de equipar as forças de segurança, mas há, pelo menos, duas outras maneiras de o fazer: ou se poupa no orçamento de despesas correntes ou se aumentam as receitas. O mais correcto, é racionalizar os gastos, coisa que este e todos os Governos que o antecederam não fizeram.


Importante é que a receita para tratamento destes males foi, uma vez mais, declarada publicamente. Fiquemos, agora, à espera de qual vai ser o património restante das Forças Armadas que se venderá para, com o produto, se comprar material de guerra.

17.12.05

Ensino Militar - Formação de oficiais


Luís Alves de Fraga

Academia Militar.jpg


 


 


Estamos no tempo em que o económico comanda todos os aspectos da vida. Para economizar há sempre quem tenha opinião, porque sobre o assunto, entre nós, é usual falar quem sabe e quem não sabe do que fala.


Fazer economias é fácil! Basta receber e não gastar ou, em alternativa, não gastar o património que se tem. Mas economizar deste modo será a forma mais correcta de o fazer? Estou doente, como quero economizar, não vou ao médico, nem compro medicamentos. Economizei sem olhar a consequências. Tal atitude só se pode classificar de uma maneira: é o fruto de uma determinação estúpida.


Anda por aí muito aprendiz de político que, não percebendo rigorosamente nada de educação militar nem, até, de processos de ensino, preconiza, para economizar, a junção das escolas que formam oficiais das Forças Armadas. Tal e qual como se «fazer» um oficial do Exército fosse o mesmo que dar graus de licenciado em Direito, Farmácia ou Medicina, para referir algumas de entre todas as licenciaturas possíveis.


Ser oficial do Exército não é o mesmo que ser oficial da Armada ou da Força Aérea. Há uma idiossincrasia específica para cada Ramo das Forças Armadas; há-as, até, dentro do mesmo Ramo! O meio e as exigências que se colocam ao emprego de cada força, definem as diferenças. Não ser capaz de perceber isto é como dizer que um notário pode fazer de advogado ou o juiz de notário só porque todos são licenciados em Ciências Jurídicas.


Economizar juntando os futuros oficiais na mesma escola, e só distinguindo o que é de todo distinto, é votar as Forças Armadas à quase inoperância.


Claro que, entre nós, há até oficiais militares, que defendem um modelo de formação única, numa única escola. Mas existem dois motivos para que assim seja: ou desconhecem, desvalorizando, os outros Ramos; ou receiam a perda de importância hegemónica — por maior peso específico, em função da chamada «massa crítica» — de um dos Ramos sobre os outros dois. Não vou entrar em pormenores. Importante é perceber a diferença entre formação inicial do oficial e formação posterior. Nesta já se podem fazer cursos conjuntos entre componentes dos Ramos, desde que não prevaleça a referida intenção hegemónica!


A grande lição a tirar é a de que se tem de formar primeiro o oficial, depois o técnico, não se devendo nem podendo confundir economia de meios com qualidade formativa, nem se esquecendo que as tradições existem como elemento aglutinador do presente como factor de sobrevivência no futuro. Acima de tudo, é importantíssimo saber que os erros praticados no ensino não são cobrados no imediato, mas no mediato, com juros muito altos.


 

15.12.05

Conflito de gerações militares?


Luís Alves de Fraga

Há tempos, veio-me parar às mãos um documento extraordinário: uma acta de um conselho disciplinar da Academia Militar, de Março de 1965. O resultado final foi conclusivo — exclusão de quatro alunos a poucos dias de acabarem os respectivos cursos. Os considerandos feitos nesse conselho são espectaculares pelo que revelam da mentalidade dos oficiais da época — a maioria eram majores, tenentes-coronéis e coronéis. Em tempo e local oportuno darei a devida publicidade, com as considerações resultantes de uma análise e interpretação profunda, ao documento que já caiu, por diversas vias, no domínio do conhecimento público.


Isto vem, de facto, a propósito do título escolhido para esta crónica. Terá havido, ao longo dos tempos, conflitos de gerações de oficiais?


Por mais que medite e analise documentos castrenses do século XIX, começo do século XX e inicio do presente, chego sempre à conclusão da inexistência desse fenómeno entre militares. Pontualmente, aqui ou ali, parecem aflorar estados de espírito, configurando traços de conflito de tal natureza. Contudo, trata-se mais de casos individuais ao invés de colectivos. Surge, todavia, algo que, numa interpretação superficial e leviana, seria passível de comparação a um conflito de gerações, mas, realmente, trata-se de um outro tipo de confronto, bem mais profundo, nada tendo a ver com a idade dos intervenientes.


Na minha opinião, esses confrontos são resultados de mentalidades alteradas por elementos estranhos ao meio castrense, pertencentes mais ao domínio do social e do político.


Com efeito, os ciclos de confronto, desfasadamente, coincidem com alterações do âmbito político nacional, com referência a modificações internacionais. Isso aconteceu do absolutismo para a o constitucionalismo (entre 1834 e 1850), da Monarquia constitucional para a República (entre 1910 e 1933), da ditadura do Estado Novo para a Democracia (entre 1974 e 1982) e da Democracia para a Globalização (entre 1982 e 2005, por estarmos nesse ano e não arriscar a fazer futurologia).


A diferença de um «velho» coronel, que o foi há 15 ou 20 anos, para um «jovem» coronel promovido ontem não resulta das idades; resulta do modo como cada um olha para a mesma realidade. Como olha e, mais do que isso, como a compreende. As mudanças sociais, económicas e políticas, ocorridas desde o fim do Conselho da Revolução e a era do pleno conceito de operações de paz, são profundas. Nós fomos educados militarmente para fazer a guerra, para defender soberanias e independências; os novos oficiais «cresceram» a ouvir falar de guerras que são operações de paz, de intervenções armadas para impor ordem política. O confronto entre ideologias ocidentais e orientais (entenda-se «capitalismo» e «comunismo») é algo do passado, é um tema que já está na História e justificou um determinado género de armamento e um certo conjunto de doutrinas de emprego dos meios militares.


Esta mudança, meramente debuxada a traços muito amplos, atenua conceitos que nós, os «velhos», tínhamos como pilares conformadores da nossa postura perante a política e os políticos (note-se que não é impunemente que foi sobre nós que recaiu o ónus da mudança, em Portugal) e que já não são exactamente os mesmos dos «novos» oficiais. Para eles, a democracia é um dado adquirido e não questionável — em especial na condução dos negócios públicos —, enquanto para nós, que fomos a sua parteira, ela é questionável, em especial o modo como se executa.


«Velhos» e «novos» militares continuam a venerar os mesmos símbolos e os mesmos valores, porém, já não estão nos mesmos sítios, porque as perspectivas pelos quais os olhamos não são coincidentes.


São evoluções e só não será, na verdade, velho quem for dialecticamente capaz de compreender estes ajustamentos tectónios das placas político-sociais.

13.12.05

O dia do Combatente


Luís Alves de Fraga

Tanta coisa tem mudado neste país, de acordo com as modas internacionais (leia-se, «americanas») que eu já me perdi em relação a certas datas festivas. Para mim, aos 17 ou 18 anos de idade, todos os dias era dia de S. Valentim... Talvez não estivesse junto da namorada, talvez não lhe desse flores, talvez não lhe mandasse um bonito cartão com frases inventadas por outros, mas de certeza que o meu coração palpitava por ela como não tinha, antes, palpitado por nenhuma outra. Quem era ela não é importante. Importante é que não precisava de ter um dia especial no calendário para me lembrar de namorar nem de que tinha namorada. Igualmente, quando tinha 5 ou 6 anos, não havia árvore de Natal, nem faixas com letras garrafais dizendo «Merry Christmas», nem tocava insistentemente, em todas as lojas, o Jingle Bells, mas fazia-se o Presépio e quem «dava» as prendas era o «Menino Jesus». Quando era um adolescente, ainda não se falava em «Dia das Bruxas» ou «Halloween», mas gozávamos, até cair para o lado, os três dias e as três noites de Carnaval. Quando era garoto, não havia «coelhinhos de Páscoa» nem imensos ovos de chocolate, mas comiam-se as broas, os folares e as amêndoas doces. Agora, desapareceram as velhas tradições e impõem-se novas, que são de outros por outras razões e outras estórias a sustentá-las. Mas recordo-me, também, de ser petiz, e, ou a 9 de Abril ou a 11 de Novembro, se fazer um peditório nacional, no Dia do Combatente. Recordo-me, porque, salvo erro, por uma quantia, então já significativa — 50 centavos de um escudo, que tinha cem — dada para apoio da Liga dos Combatentes, dita, na altura, «da Grande Guerra», se recebia um capacete de lata pintada, a imitar os de ferro, que cobria a cabeça do meu dedo indicador. Ainda coleccionei uns quantos de vários anos de peditório.


Não estará na altura de sermos originais — tanto quanto se pode sê-lo — e lutarmos por ter de volta o nosso Dia do Combatente?


Podia ser a 9 de Abril. De preferência, batalharmos para que seja feriado. Recordarmos em todas as terras deste país — cidades e vilas —os nossos mortos e os nossos estropiados, de todas as guerras, mas, em especial das últimas onde combatemos.


Não interessa a justiça da causa belicosa. Não é a nós militares que compete julgar essa questão. Importa recordar os homens que comandámos e que connosco viveram as angústias de todas as campanhas.


É necessário que os jovens saibam reconhecer, nos veteranos, os sacrifícios de quem lutou por uma comunidade — a nossa, a portuguesa. É imprescindível que se façam palestras nas escolas, onde os militares vão explicar o significado de Pátria e a importância de cada beliscadura deixada no corpo e na mente de quantos lutaram, em todos os tempos, para que a bandeira de Portugal pudesse esvoaçar ao lado de outras, de grandes nações, sem arremedos de vergonha, nem subterfúgios de arrependimento. Explicar que, mesmo quando a luta pode parecer injusta, foi a disponibilidade para servir os altos interesses do Povo que levou os melhores de todos nós a entregarem-se no altar da Pátria e aí depositarem a vida, bem supremo, para cumprir, sem tergiversar, as ordens tidas como boas.


Num país, cujo Estado é laico, mas festeja com feriados, os dias santos do catolicismo — que tem dois mil e cinco anos de existência — parece não ser exigir muito que os seus 862 anos de independência, a qual, como disse Mouzinho de Albuquerque ao Príncipe Real D. Luís Filipe, «é obra de Soldados», tenham, também, um feriado para nele se dar a todos e, em particular, aos mais jovens, notícia dessa «obra».


Seria o Dia do Combatente. Daquele que lutou em Ourique, em Aljubarrota, na Ribeira de Alcântara, na Baía da Salga, em Malaca, em Diu, em Ormuz, na Serra dos Guararapes, no Ameixial, no Rossilhão, em Flor da Rosa, no Buçaco, em Azeitão, no Cuamato, nos Namarrais, no Cunene, em Nevala, em La Lys, no Guadarrama, em Nambuangogo ou em Mueda. Daquele que lutou em todas as guerras, soltando dos lábios duas palavras: o nome da pessoa amada e o de Portugal.


Chegou a altura de exigirmos dos poderes públicos, do Presidente da República, dos deputados, dos governantes, dos juízes, a aprovação do feriado nacional dedicado ao Dia do Combatente para que as bandeiras se ergam nos mastros de todos os quartéis, de todos os navios, de todas as escolas, de todas as repartições públicas, drapejando ao vento e à chuva, ao sol e ao frio, para que os órgãos de comunicação social recordem que se trata de uma jornada de festa, mas de reflexão, de alegria, mas de respeito, de repouso, mas de orgulho. Orgulho em todos os que, pelos seus sacrifícios, nos deram a coragem de andarmos de cabeça erguida entre os povos dignos e honrados que honram os seus heróis, mesmo que anónimos, mas sempre grandes.

11.12.05

Arma de arremesso


Luís Alves de Fraga

As associações militares e os seus dirigentes têm feito tudo o que eticamente está ao seu alcance para protegerem os interesses dos profissionais castrenses. E têm-no feito no respeito pela mais estrita legalidade, mesmo quando ela é de uma profunda injustiça. O esforço e o sacrifício, bem como o seu saber, merecem de todos nós muita estima e muita consideração.


Entre as várias movimentações que os dirigentes associativos levaram a cabo uma teve mais impacto na resolução do diferendo que nos opõe ao Governo José Sócrates: a audição por parte dos grupos parlamentares minoritários, na Assembleia da República.


É curioso o facto de todos se terem entendido — e pelos vistos, bem — para conseguir que sejam feitas reapreciações da legislação recentemente saída, a qual tanto lesa os nossos interesses — pequenos interesses, diga-se em abono da verdade — capazes de minorarem os baixos vencimentos que nos são pagos.


Isto prova à saciedade, por um lado, a injustiça das medidas governamentais, por outro, o enorme poder de argumentação dos líderes associativos que nos defendem. Mas prova, também, outra coisa: é que os problemas das Forças Armadas ainda são uma excelente arma de arremesso entre os políticos. Hoje são estes que a usam contra aqueles; amanhã, se preciso for, são aqueles que a usam contra estes. No meio, estamos nós e, pior do que tudo, estão os reais interesses da defesa da Nação.


Neste vai e vem de cá para lá entre políticos e grupos com assento no parlamento é possível que haja ainda algum benefício para os militares, mas eticamente não deveria ser assim. A classe política teria de ter vergonha do jogo que está a fazer, porque toda ela, ao longo de mais de vinte anos, contribuiu para a degradação das nossas condições de vida e, mais grave, deixou que, como força, fossemos ficando obsoletos e incapazes de desempenhar com eficiência — conceito que os políticos desconhecem, pois, socorrem-se frequentemente da eficácia, em alternativa! — a missão a nós confiada pelo Povo português.


As Forças Armadas não podem ser arma de arremesso entre políticos. São assunto demasiado sério para que lhe dêem tal utilidade. As Forças Armadas e tudo o que a elas respeita deveriam merecer o consenso da classe política, porque não havendo esse entendimento entre quem governa e quem, no parlamento, critica o Governo, deixa evidenciado o antipatriotismo dos que, afinal, dizem defender os altos interesses de Portugal. Há valores que não se discutem, porque estão muito acima da política corriqueira pronta à satisfação de desejos vis e particulares. Um desses valores é o da defesa da Pátria e, para que tal seja possível, em última instância, as Forças Armadas têm de estar cercadas de uma aureola de intocabilidade absoluta. Mas o governantes nacionais sempre pecaram por descuidarem a magna questão castrense. Assim se ligaram à História Militar nomes como o conde de Schomberg, o conde de Lippe, o marechal Beresford, todos estrangeiros, que, em momentos de grande perigo, vieram organizar a defesa descuidada pelos Portugueses. Nos tempo modernos, basta recordar todo o improviso que foi a mobilização para a participação na 1.ª Guerra Mundial, para a manutenção da neutralidade armada nos Açores e Cabo Verde, durante a 2.ª, bem como, mais recentemente, a instalação das Forças Armadas em Angola, no ano de 1961. Esta constante é própria de um país onde quem governa desleixa o fundamental e assim se perdeu Olivença, se deixou invadir duas vezes Timor, durante a 2.ª Guerra Mundial, e se permitiram os cruéis massacres de Março de 1961, no Norte de Angola. Depois, quando o «fogo» já consome os haveres, pede-se aos militares profissionais que façam «milagres», desdobrando-se em múltiplas tarefas, improvisando o que a cautela e cuidadosa consciência devia, atempadamente, ter prevenido. Os governantes, em Portugal, cultivam a imprevidência. Por isso, enquanto os Portugueses se podem orgulhar das suas Forças Armadas, as Forças Armadas não se devem orgulhar dos governantes portugueses. Triste sina!


 

09.12.05

Associativismo Militar


Luís Alves de Fraga

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De vez em quando ainda me chegam aos ouvidos as recriminações de camaradas que estiveram desde a fundação com o movimento associativo militar. Queixam-se de verem, agora, na primeira linha desse mesmo associativismo alguns outros camaradas que, há anos, ainda os acusavam de posicionamentos errados.


Compreendo o desgosto dos pioneiros, a sua mágoa, mas fico a pensar que a verdade e a boa razão vêm sempre ao cimo tal como a gota de azeite. Felizmente, hoje podemos contar com os relutantes e críticos de ontem. Isso quer dizer que estávamos na boa e na correcta posição. Mas também quer dizer que tais camaradas são pessoas de bem, porque, ao contrário de se entrincheirarem na sua falsa luta, foram capazes de mudar e vir ao nosso encontro. Façamos uma grande festa para nos regozijarmos com a adesão desses nossos amigos.


Claro que compreendo os motivos das relutâncias associativas do passado. Basta pensarmos que é mais fácil fazer uma revolução política do que uma revolução das mentalidades. Estas evoluem muito mais lentamente.


A minha geração nasceu e cresceu dentro dos princípios do conservadorismo ditatorial do Estado Novo, cujo visceral inimigo era o comunismo. Fomos criados — em especial os «meninos das cidades» — no respeito «aos nossos chefes, nossos pais» (para recordar o verso de um dos hinos da malfadada Mocidade Portuguesa). Incutiram-nos valores quanto a certos comportamentos que, ainda hoje, 31 anos depois de termos conquistado a liberdade, sub-repticiamente, se vêm instalar no nosso espírito, condicionando-nos certos comportamentos.


O conceito de militar, patriota, livre para todos os trabalhos, pronto para servir sem recompensa foi repescado pelos ideólogos do Estado Novo, na exaltação de um nacionalismo inebriante, de concepções ligadas à obediência cega à vontade real, própria do fim da Idade Média e do começo da Idade Moderna. O nobre e cavaleiro que se prezava estava sempre disponível para o serviço do seu rei — isto diz-se em alguns compêndios de História, esquecendo de acrescentar que «tanta disponibilidade» esperava pingues recompensas da fazenda real. Foi assim que, por essa Europa fora, se construíram grandes casas nobres!


Curiosamente, durante a vigência do Estado Novo, dizia-se dos militares que eles viviam da e na «miséria dourada» — o que era um facto —, mas, por outro lado, às Forças Armadas e seus elementos foram dadas — em especial no tempo de Salazar — certas pequenas regalias que, de forma canhestra e transversal, vinham compensar quase tudo o mais. Depois, havia, de facto, os «barões» militares que, servindo o regime, sabiam servir-se ou eram por ele bem recompensados. Existia neste sistema algo de semelhante ao quadro medievo que antes referi. Mais uma vez, a minha geração militar foi educada ainda dentro destes princípios, embora nós, os de entrada nas fileiras a partir de 1960, tenhamos começado a fugir ao figurino que nos impunham, por isso fomos os que arriscámos fazer a Revolução.


Os tempos mudaram e, se se mantém como verdade inalterável todo o patriotismo, todo o espírito de sacrifício, toda a disponibilidade para servir as causas que superiormente servem o interesse nacional, também é verdade que já não estamos dispostos a viver das mercês de um poder político que, afinal, o é por vontade de todos os Portugueses, para servir os Portugueses. Assim, justificam-se as associações militares como parceiros de diálogo com o Governo, mas, também e talvez até mais, com as chefias militares — que, infelizmente, teimam em olvidar o importante papel do associativismo castrense como veículo dos anseios de todos os militares (daqueles por quem os chefes são responsáveis e dos que já não têm chefes).


Só um certo estrabismo mental leva a não perceber que as associações castrenses, ao contrário de serem elementos de instabilidade, são instrumentos de estabilidade, porque, a alternativa à contestação ordeira foi e é, desde os tempos de Roma até à actualidade, a revolta militar.


 

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