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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

30.11.05

Caixinha de surpresas


Luís Alves de Fraga
 

Ontem, 29 de Novembro, fomos surpreendidos com a notícia que Lisboa, em Março de 1975, teria dado indicações a Washington de não se opor militarmente à invasão indonésia do território de Timor Leste. Sabemo-lo, porque só agora foram abertos arquivos secretos americanos onde se guardavam tão singulares documentos.


Durante alguns dias — se calhar aproveitando a pré-campanha para as eleições presidenciais — vai ser explorada esta recente informação. Depois, depois tudo cairá no esquecimento, como vai sendo habitual entre nós, cada vez mais absorvidos por esta sociedade de consumo rápido. Esquecimento até que, de novo, se abra a caixinha das surpresas sobre Timor e de lá salte outra novidade.


Para mim, que, posicionado aqui em Lisboa, acompanhei os episódios do quotidiano de há 30 anos dividido entre dois sentimentos — o de cidadão afectado pelas ocorrências do dia-a-dia e o do observador histórico a viver a própria História —, estas descobertas vêm confirmar suspeitas reservadas no meu íntimo durante as últimas três décadas. Com base nesse motivo, sinto-me autorizado a escrever sobre a notícia vinda agora a público.


Os homens e mulheres que hoje têm 40 anos eram crianças inocentes em 1975. Pouco ou nada recordam desses meses que mudaram a vida e os destinos de Portugal. A sua «virgindade» memorial leva-os a acreditarem em tudo o que oiçam ou leiam dito ou escrito por quem eles julgam autorizados no conhecimento da matéria. Nós, os mais experientes, sabemos como se deturpa a verdade para daí tirar dividendos. Ora, em traços largos, a verdade é que há 30 anos, em Março, se vivia a mais completa confusão social no país. Os Portugueses queriam encontrar o caminho do futuro, mas, sem experiência política, ensaiavam as mais diferentes vias levados por todas as «sereias» que lhes cantavam aos ouvidos. Os oprimidos, as vítimas de um regime ditatorial que durara 48 longos anos, desejavam, de um dia para o outro, ver mudada a sua condição. Gritavam os operários, barafustavam os agrários, fugiam assustados os patrões, tomavam-se de assalto as casas devolutas, acusava-se este e aquele de fascista ou reaccionário, de comunista ou revisionista. As ideologias andavam no ar. Os soldados e os marinheiros recusavam a autoridade simples das hierarquias tradicionais, aceitando as revolucionárias e as que mais laxismo permitiam. Tudo era contestado, porque tudo era contestável. No Norte, as populações, mais tradicionais, viviam assustadas perante a hipótese de uma revolução comunista; no Sul, porque tradicionalmente mais explorados, os trabalhadores clamavam por um sistema justo de distribuição da riqueza.


Manter o equilíbrio e a tranquilidade neste mar encapelado foi muito difícil. Era preciso um extraordinário esforço de distanciamento como se tudo o que se passava à nossa volta fosse um filme visionado num ecrã gigante e nós simplesmente estivéssemos sentados na plateia.


Expostos os contornos de uma situação social altamente complexa, pode perguntar-se: — Causa alguma estranheza que de Lisboa se tenha dado a resposta que agora os arquivos revelam? Quem viveu tudo isto e quiser ser honesto tem de concordar que era impossível fazer mais. O reforço militar mandado para Timor foi uma simples companhia de Pára-quedistas numa altura em que ainda eram uma tropa de elite. O seu poder de combate embora respeitável, não seria suficiente para se opor a um desembarque em forma de tropas invasoras. Recuarem para as montanhas e dali manterem os Indonésios fixos em Díli e suas redondezas era uma operação possível de ser tentada se se tivesse a certeza que, mais tarde ou mais cedo, chegariam reforços de Lisboa e, acima de tudo, apoio logístico. Nada disso estava assegurado, pelo contrário. O próprio desentendimento político entre Timorenses impedia a opção sugerida. Já então o irrealismo e a incapacidade dos Americanos para avaliarem as situações de povos cujos hábitos desconhecem foi claramente relevada face aos documentos agora trazidos a público.


Vale a pena meditar nesta questão para se perceber como os actuais «donos do mundo» são soberanamente ignorantes!

28.11.05

Cambada de inutéis...


Luís Alves de Fraga

O apontamento de hoje tem por base o comentário de um meu leitor. Agradeço-lhe, pela oportunidade que me ofereceu.


Não são raros os cidadãos que, tendo passado pelas fileiras (entenda-se, por aquilo que vulgarmente se designa por tropa), uma vez na disponibilidade ou desligados do serviço, expressam a opinião de que, por nada terem feito durante esse período da sua vida, os militares são uma cambada de inúteis, por os quartéis serem lugares onde o ócio assentou arrais. E quando os militares pretendem justificar pontos de vista contrários a tal opinião, não passam de um grupo corporativo a defender privilégios.


Claro que esta argumentação pode ser desmantelada de várias maneiras, mas seria fastidioso fazê-lo aqui. Vou tentar provar a falácia utilizada, socorrendo-me de exemplos muito simples.


Numa região onde não há fogos, nem inundações, nem desastres, nem outras ocorrências estranhas, os bombeiros são inúteis. Inúteis, porque não fazem nada! E quando houver um incêndio e eles não souberem como utilizar o material ou, até mesmo o material, por falta de uso, por carência de verbas para treinos, estiver inoperativo, que tipo de bombeiros são estes? Uns inúteis, porque não provaram a sua utilidade. Para serem «úteis» deveriam, se calhar, de vez em quando, atear um «fogozinho» para depois o irem apagar... Mas não é o caso.


Imaginemos uma outra região onde até, de vez em quando, os bombeiros são chamados para acorrerem a pequenos acidentes e há um — não operacional —cuja obrigação é atender as chamadas telefónicas (que, por força das circunstâncias, são poucas). Esse bombeiro entretém o tempo, no seu posto, em amenas cavaqueiras com os familiares distantes, a namorada, os amigos espalhados por esse país fora. Qual a visão que tal soldado da paz tem da actividade do seu quartel?


Curiosamente, todos os militares que fizeram a guerra em Luanda, ou nas grandes cidades das colónias, sem nunca terem ido para o mato, ao regressarem a Portugal tinham da mesma um entendimento bem diferente daqueles cuja comissão foi passada em aquartelamentos precários, sujeitos a emboscadas nas deslocações e a ataques inesperados de um adversário astuto e conhecedor do meio ambiente. Infelizmente, o valor das Forças Armadas mede-se, muitas vezes, com base na estreita visão e inexperiência de alguns antigos militares ressabiados. É, por isso, uma análise parcial e pouco fiável. Para podermos compreender o que parece uma inutilidade teremos de saber bastante mais sobre a essência da função castrense.


O que tem de ser hoje a actividade de um quartel, de um navio ou de uma base aérea? Como decorre o dia-a-dia do pessoal encarregue do apoio logístico das unidades operacionais? Respondamos.


Tal como os bombeiros da região onde nada acontece, os militares podem assumir duas posturas: manterem-se preparados para o desempenho da sua função principal: fazer a guerra; ou, porque não tem orçamento que tal permita, ou por falta de ordens nesse sentido, nada fazerem para além da rotina diária própria da guarnição de uma unidade bélica. Em ambas as circunstâncias há sempre quem trabalhe; são aqueles que pertencem à chamada área do apoio logístico os quais passam pelo barbeiro, os mecânicos, os cozinheiros, os quarteleiros, os enfermeiros, os médicos, o pessoal dos serviços administrativos e de secretaria, entre outros. Estes têm sempre trabalho a desenvolver, mesmo que os operacionais estejam inactivos.


A inactividade dos operacionais conduz sempre à sensação de que todos os outros nada fazem, mas, pior do que isso, à incompreensão da sua própria utilidade. Pena é que ainda haja gente que, tendo sido militar, desconheça os fundamentos da utilidade da instituição castrense.

27.11.05

Mais uma estratégia errada?


Luís Alves de Fraga

Este Governo parece apostado em traçar estratégias erradas — ou, no mínimo, pouco inteligíveis para o comum dos cidadãos. Realmente, olhando para os meses passados, vemos que começou por faltar a uma promessa eleitoral — não aumentar os impostos —; de seguida, entrou em conflito com a função pública em geral e, mais em particular, com os professores, os militares e os magistrados — situações conflituais que se continuam a arrastar; depois, gera-se o confronto por causa dos apoios aos candidatos Mário Soares e Manuel Alegre — que, para além de dividirem o tecido partidário do PS, divide o eleitorado simpatizante do mesmo partido; mais à frente, acontece a discussão do Orçamento do Estado, onde são evidenciadas medidas draconianas quanto ao corte de despesas, enquanto vamos tendo notícias de gastos desnecessários em certos ministérios, nomeadamente com assessorias dispensáveis, e promessas de continuar com projectos megalómanos em obras públicas — aeroporto da Ota e TGV.


A não ser que este desconchavo constitua, ele próprio, uma estratégia, através de gerar momentos de diversão sobre temas que nos passam à margem, a mim, sugere-me a existência de uma liderança plena de altos e baixos, traçada por uma vontade que se afirma em certos instantes e se apaga noutros, sem completo acerto entre os diferentes sectores governamentais e, mais do que isso, com acessos de autoritarismo e arrogância.


O último argumento que vem confirmar a minha sugestão anterior é a recente medida de mandar retirar os crucifixos das escolas.


Para que não restem más interpretações, sou conscientemente favorável ao preceito constitucional que determina a laicidade do Estado português; sou republicano e laico. Advogo que compete aos pais e aos filhos fazerem a sua livre escolha dos valores religiosos que possam querer adoptar sem constrangimentos de nenhuma espécie. A liberdade, como ponto de partida para o respeito mútuo, é o eixo fundamental para servir de apoio a uma sociedade tolerante e não obscurantista. Após esta prévia advertência, necessária à compreensão da minha postura política, julgo que poderei continuar.


Ainda que há 30 anos tenha sido aprovada a regra constitucional da laicidade do Estado, a verdade é que, com uma prudência em tudo louvável, os vários Governos provisórios e os sucessivos Governos constitucionais optaram por não reacender, nos já distantes anos 70 do século passado, a questão religiosa, que foi bandeira da 1.ª República. Se o fizessem era, num tempo de grande mudança, abrir mais uma frente para desunir e desmembrar a sociedade portuguesa. Foram cautelosos — e a meu ver, bem — os militares e os políticos que conduziram os primeiros passos da Revolução de Abril. A laicidade foi «escorrendo», com o rodar dos tempos, para o regular funcionamento das instituições. É um processo que, por si próprio, se está a impor mesmo sem a intervenção do Estado ou apesar da «neutralidade» do Estado.


A laicidade tem-se afirmado pelo discurso político, pelas opções partidárias, mas, acima de tudo, pela fortíssima influência dos órgãos de comunicação social, com particular relevo para os televisivos. Formalmente, não deveria ser assim, contudo, qual será o resultado de um posicionamento frontal? A radicalização de todos quantos, na vida diária, já adoptam uma conduta laica ou semi-laica. Neste caso, as hostes favoráveis à permanência de símbolos religiosos em escolas e locais públicos, unir-se-ão e criar-se-á — como se está já a criar — uma onda de afirmação de algo que não corresponde a verdade nenhuma.


O Norte de Portugal diz-se católico. Sê-lo-á, efectivamente? Veja-se a adesão das gentes nortenhas a programas televisivos onde impera a falta de moral — até cívica — e de bons costumes, tais como os de um certo humor super duvidoso e de reclusão forçada em «casas», «quintas» e «quartéis»! Veja-se a proliferação de bares de alterne por vilas até há 30 anos pacatas e recatadas! Onde está a influência do clero católico nessas famílias nortenhas? Desapareceu. Aliás, olhadas bem de perto, todas as actuais manifestações populares de prática da religião católica apostólica romana — aquela que supostamente é maioritária no nosso país — não passam de simbolismos sem sentido, até para aqueles que nelas participam. Os exageros públicos — tais como o cumprimento de dolorosas promessas — são o fruto de uma crendice que não se extirpa por decreto, mas tão só através de um paulatino trabalho de luta contra o obscurantismo levado a cabo por professores esclarecidos. Deixem estar os crucifixos, mas eduquem os mestres. Assim, estou convicto de que, com exclusão de núcleos muito bem definidos e identificados, acaba desaparecendo a já fraca influência obscurantista do clero. O que resta, agora, são reminiscências infundamentadas de uma religiosidade passada. Quanto às crendices menores — «adoração» de imagens, peregrinações e procissões — não merecem a perda de tempo em combatê-las, porque ou se tornam em meros adornos folclóricos ou deixam de existir com o rodar dos anos.


Nos recuados tempos da cristianização da Europa, a Igreja foi bem mais inteligente, porque, ao invés de contrariar práticas pagãs, associou aos locais de peregrinação os seus templos, encaminhando os bárbaros hábitos para devoções católicas. A mutação foi «indolor».


À Associação Cívica República e Laicidade compete alertar para os desvios existentes e aceites pelo Estado e, neste caso, pelo Governo. No entanto, a este último cabe definir caminhos a seguir de modo a não tornar instável o que até aqui estava estabilizado. O jogo da tolerância, tem de ser inteligentemente jogado, porque a flexibilidade, naquilo que não é fundamental, demonstra sentido de Estado.

25.11.05

Outra vez as pensões de reforma


Luís Alves de Fraga

O Correio da Manhã, do dia 24 de Novembro, referiu-se ao aumento de pedidos de reforma de funcionários do Estado, nomeadamente professores, juízes e militares. Sem, de forma alguma, pretender questionar o valor das verbas pagas aos magistrados, não pude deixar de reparar nos números deixados cair pelo jornalista. Fiquei a pensar, o resto do dia, nas disparidades existentes. Acompanhe-me o leitor, se quiser, nesta digressão.


Segundo julgo, o topo da carreira dos juízes atinge-se ao chegar a conselheiro. Pois muito bem, a reforma que lhe é atribuída fica-se, em valores ilíquidos, por qualquer coisa como 5.663,51 euros, porque, logo abaixo, o juiz desembargador recebe 5.498,55 euros. Há uma diferença de 164,96 euros – o equivalente a 33 mil escudos. O juiz de direito vem a perceber a quantia de 5.182,91 euros, sendo a diferença para o segundo de 316,45 euros e para o primeiro de 480,60 euros. Quer dizer, do topo da carreira para o terceiro lugar a contar de cima não chega a existir um diferencial igual a cem contos.


O primeiro apontamento que me ocorre fazer é, com base na mesma notícia, estabelecer a disparidade de valores entre a reforma de um tenente-general — supostamente o topo da carreira de um qualquer militar, visto que general é já um cargo de escolha e de confiança política — para a de um juiz conselheiro — também ele topo de uma carreira. O tenente-general tem como pensão qualquer coisa como 4.219,19 euros, ou seja, aufere menos 1.444,32 euros (cerca de 289 contos) do que o juiz conselheiro. É obra! E é obra, se pensarmos na importância absoluta e relativa que ambos têm no aparelho do Estado.


O segundo apontamento que quero deixar evidenciado é o que põe em relevo a reforma de um juiz de direito (de comarca ou de círculo) que, em 1979, era equivalente à de um coronel. Atente-se nos números. Ao primeiro cabe um valor ilíquido de 5.182,91 euros e ao segundo qualquer coisa como 3.443,85 euros. Isto dá uma diferença de 1.739,06 euros ou, em moeda antiga, 348 contos. É ainda mais obra! Provando, assim, como os militares têm sido tratados nesta sociedade democrática que ajudaram a construir ao oferecer, de bandeja, a liberdade aos políticos na madrugada de 25 de Abril de 1974.


Haverá ainda alguém que se atreva a considerar os militares um grupo privilegiado entre os servidores do Estado?


O terceiro apontamento, que resulta uma vez mais da notícia em apreço, refere-se à comparação dos diferenciais existentes entre o juiz conselheiro e o juiz de direito (que, como vimos, não chega a cem contos) e entre um tenente-general e um coronel (também este último ocupa a terceira posição a contar de cima — tenente-general, major-general e coronel). Realmente, se ao tenente-general cabe uma pensão de reforma no valor de 4.219,19 euros ao coronel são-lhe liquidados 3.443,85 euros, resultando numa diferença de 775,34 euros, ou seja, cerca de 155 contos. Conclui-se que, com algum propósito, se privilegia mais a diferença entre um tenente-general e um coronel do que a diferença entre um juiz conselheiro e um juiz de direito.


Dos apontamentos anteriores o mais chocante é, sem sombra para dúvidas, o baixo conceito em que a Democracia, através dos políticos que a representam e gerem, tem os militares. E atente-se neste pormenor que não é despiciendo: limitei-me a referir pagamentos de oficiais de elevada graduação; como viverão os sargentos e as praças? Que equilibrismo financeiro terão de fazer para sustentar uma família?


Um país que mostra tanto desprezo pelas suas Forças Armadas não se pode ter, a si próprio, em boa conta!

23.11.05

Os compadrios continuam...


Luís Alves de Fraga

Nos jornais de hoje vem a notícia da assinatura de um protocolo entre o Ministério da Administração Interna e um tal Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova (IPRI-UN), com vista a propor um novo modelo de segurança interna nacional. Este estudo custar-nos-á a módica quantia de 72.500 euros, qualquer coisa como 14.000 contos em moeda antiga. À frente dos trabalhos vai estar Severiano Teixeira — antigo ministro da Administração Interna, no tempo do Governo Guterres, e actual porta-voz da candidatura de Mário Soares — e com ele vão colaborar Nelson Lourenço e Nuno Piçarra. É trabalho para durar um ano.


Se isto não fosse triste, dava para nos rir-mos a bandeiras despregadas. Mas é triste e revoltante, por vários motivos. Eu passo a expor.


Em que conceito tem o senhor ministro António Costa os estados-maiores da GNR, da PSP e os comandos/direcções das diversas polícias existentes? Pelos vistos, considera-os um bando de inúteis. Ou inútil será o senhor ministro, por não saber dirigir superiormente os órgãos de planeamento, estudo e apoio de que dispõe?


Qual é, ou será, a reacção do Senhor general comandante da GNR? Estará o seu estado-maior impossibilitado de nomear um grupo de trabalho para apresentar propostas de um novo modelo de segurança interna, sem dispêndio de um cêntimo para a fazenda pública?


E no Instituto de Defesa Nacional não seria possível coordenar-se um grupo de trabalho que reunisse especialistas das diferentes áreas para, mais uma vez, sem dispêndio, se estudar o importante modelo de segurança interna?


O SIS não tem condições para fazer estudos desta natureza, mesmo que integrando elementos de outras forças e polícias?


O Estado-Maior da Armada, que superintende na Polícia Marítima, não poderia coordenar um conjunto de elementos que representassem todas as forças de segurança interna?


Porque não, na dependência do Gabinete do ministro da Administração Interna, formar-se um grupo de estudo para solucionar este magno problema?


Não, não podia ser aceite nenhuma das ideias anteriores, porque isso impossibilitava a oportunidade de dar a ganhar uns cobres a certas entidades e/ou estabelecimentos (se é que o IPRI-UN constitui um estabelecimento!).


É a isto que se chama desgoverno e/ou compadrio.


Compadrio, porque dos 14.000 contos alguns, poucos, destinar-se-ão a aquisição de equipamentos para esse tal IPRI-UN, uns quantos para compra de livros e, o resto, será dividido de forma desigual, cabendo pequenas partes aos indivíduos envolvidos na execução da pesquisa para elaboração do relatório final e a parte de leão irá direitinho para o bolso do coordenador do projecto. É sempre assim, tal como, no passado recente, foi sempre assim e continuará a ser assim no futuro.


Analisemos, agora, a «coisa» sob outro ângulo.


Porque raio terá sido escolhido o IPRI-UN — recordo, Instituto Português de Relações Internacionais para elaborar um modelo de segurança interna?


Todos nós sabemos que hoje, cada vez mais, as ameaças à segurança interna com maior grau de perigosidade preparam-se no exterior, mas isso, só por si, não justifica que seja um organismo vocacionado — segundo a sua designação — para as relações internacionais a ser escolhido para estudar e propor um modelo de segurança interna. A justificação só pode encontrar-se no compadrio. Por este andar, o ministro da Defesa ainda encomenda a um qualquer instituto, inserido ou não numa universidade, o estudo do modelo de defesa nacional!


Este protocolo, de tão ridículo e tão descaradamente abusivo da forma como se gastam os dinheiros públicos, ofende os Portugueses que percebem como funcionam os estados-maiores das forças de segurança e das Forças Armadas. Nunca como agora está mais certo o adágio popular: «Poupa-se na farinha para gastar no farelo».


Senhores ministros, tenham vergonha e não façam dos Portugueses gente parva e ignorante!

22.11.05

Trinta anos depois


Luís Alves de Fraga

Faltam poucos dias para a passagem do aniversário do chamado «golpe» de 25 de Novembro. A História parece estar feita. Ainda agora, o semanário Expresso traz uma larga reportagem sobre o assunto.


Mas estará, de facto, feita a História do «25 de Novembro»?


Essa foi a data assumida, logo na altura, como sendo a do fim do processo revolucionário em curso (PREC). Tendo vivido os acontecimentos tenho uma opinião justificativa que diverge bastante de todas as que por aí circulam. Vou arriscar dar-lhe publicidade, como mera hipótese académica. Afinal, já passaram 30 anos!


Comecemos por nos situar no dia 11 de Março de 1975. Ao fim do dia estava criada a oportunidade de se avançar, sem rebuço, para as nacionalizações. Era imprescindível que assim se fizesse, porque não estando dominada a alta finança comprometida com o Estado Novo, o perigo do retrocesso era constante. E, a tal propósito deveria haver plena concordância entre Washington e Moscovo, por uma causa comum: as independências das colónias. Para ambas as capitais tinha de ser irreversível a descolonização, porque uma vez concluída, o teatro de confronto entre as duas super-potências passaria a ser em África, apoiando ou combatendo quem ficasse detentor do poder. Portugal era um teatro de operações político que, logo depois de retirar as suas tropas do continente africano, deixaria de ter interesse para os EUA e para a URSS. Importaria manter os Açores na órbita de Washington, nada mais.


Ora, as Forças Armadas haviam-se dividido, em consequência de cada qual entender a democratização segundo modelos teóricos pré-definidos e não como objectivos a alcançar com pragmatismo.


Cientes desse pragmatismo estavam os estados-maiores dos dois grandes partidos da altura: PCP e PS.


O PREC, em ritmo acelerado, tinha de reduzir o passo para se conseguir uma integração no modelo de democracia ocidental. Pessoalmente, julgo que Moscovo não estava interessado em empenhar-se num desequilíbrio europeu capaz de transformar a «guerra fria» em «quente», por causa de Portugal ou, até mesmo, por causa dos Açores. Washington, depois da última independência colonial, ficaria indiferente a que a democracia portuguesa incluísse o PCP ou o excluísse.


Se aceitarmos este cenário, temos que, para a ala progressista do MFA não comprometida com o PC, importava «abrandar» a «aceleração» revolucionária sem exclusão deste partido; ao Partido Comunista interessava continuar no processo de democratização, mas libertando-se da irrequietude de uma extrema-esquerda inconsequente, desvairada e sem significativos apoios internacionais.


Temos, por conseguinte, a explicação por que o «25 de Novembro» foi a 25 e não a 8 de Novembro ou a 25 de Outubro. A reviravolta dever-se-ia dar depois de 11 de Novembro, ou seja após a independência de Angola. Tudo o que acontecesse de seguida, em Portugal, seria da exclusiva responsabilidade dos Portugueses.


Depois da chegada a Lisboa das últimas tropas regressadas de Luanda, o fim da «bagunça» impunha-se de imediato. Ao mais alto nível do PCP — não me repugna a ideia — sabia-se da preparação de dois «golpes», o dos militares que pretendiam a desaceleração do PREC e o dos que, pelo contrário, inebriados pela euforia popular, desejavam uma tomada de poder pela extrema-esquerda. No quartel-general comunista deixou-se que ambos corressem para o afrontamento sem dar apoio aos primeiros e esperando que o bom-senso dos segundos travasse uma «caça às bruxas» (entenda-se, aos comunistas) que as alas mais reaccionárias do tecido social português tanto desejavam por incapacidade de perceber esta teia complexa de interesses cruzados. Ernesto Melo Antunes, o Homem lúcido e pragmático do MFA, logo no dia seguinte, à noite, na televisão, desmobilizou quaisquer veleidades contra os comunistas, chamando a atenção para a importância que eles tinham na construção da democracia no nosso país.


Tudo o que se passou, depois de 25 de Novembro de 1975, foram atitudes de mera vingança mesquinha, muitas vezes movida por despeitos pessoais mal resolvidos.


Se a hipótese que acabo de colocar algum dia for provada, ter-se-á de refazer a História, retirando certas glórias ao PS — por não ter sido, realmente, o «salvador» de Portugal das «garras» comunistas —, atribuindo ao marechal Costa Gomes a lucidez e a calma de ver para além dos acontecimentos — ilibando-o da grosseira imagem de alguém que flutuava ao sabor das ocorrências — e, finalmente, fazendo justiça aos militares do MFA — a todos sem excepção — por terem sabido fugir à tentação de uma guerra civil onde correria sangue de irmãos, afinal, por coisa nenhuma.


É esta tranquilidade, esta ponderação, este saber conduzir processos quando o caos parece comandar tudo, que os políticos, desejosos de fama e glória junto das gerações vindouras, em especial aqueles que, não tendo vocação castrense, não perdoam aos Soldados de Portugal os únicos a quem se deve a Democracia que eles — os arrogantes profissionais da política — têm vindo a atraiçoar.

20.11.05

Os Interesses Nacionais e os militares


Luís Alves de Fraga

Os Estados, tal como as pessoas, têm os seus interesses que procuram defender quando os pressentem ameaçados.


Há interesses constantes, também chamados permanentes, e interesses pontuais ou temporários. O mais importante dos Interesses Nacionais permanentes é o da manutenção da soberania e independência. Esse existe enquanto a Nação ou as elites estaduais se empenharem em defendê-lo. Há, depois, interesses que variam — subsistem ou modificam-se — consoante a conjuntura nacional e internacional. Nos anos 60 do século passado, era um interesse nacional (talvez até, erradamente tido como permanente) a manutenção das colónias africanas; hoje, é um interesse nacional não permanente a manutenção de boas relações diplomáticas e políticas com os países africanos de língua oficial portuguesa. Actualmente, constitui um interesse nacional acompanhar, dentro do possível, a política externa da Comunidade Europeia, afirmando a nossa integração nesse espaço geopolítico. Para tanto, temos de compreender que aos direitos se contrapõem deveres, os quais podem até ser só de natureza moral.


Por vezes, não surge claro para o comum das pessoas quem são os principais elementos empenhados na defesa dos Interesses Nacionais. Embora possam envolver conjuntos distintos e variados de indivíduos, de quem se espera uma actividade constante nesse domínio é dos diplomatas e dos militares.


Aos primeiros, cabe a condução de todas as negociações que envolvam agentes estrangeiros representantes de outros Estados ou organizações internacionais (e deve ter-se em conta que neste tipo de «negócios» não se jogam só interesses estatais; com efeito, nos países que sabem desenvolver boas políticas de defesa de interesses nacionais, discutem-se condições de sobrevivência de empreendimentos económicos tidos como estratégicos). Eis a razão pela qual aos diplomatas é pedida uma boa preparação geral e um excepcional conhecimento da política nacional dos países que representam e daqueles com quem travam negociações.


Aos segundos, importa a condução do uso da força para prosseguir, muitas vezes de maneira indirecta, a defesa dos mesmos interesses que possam estar ameaçados em situações de conflito bélico. Note-se que referi, de maneira indirecta, pois, no mundo actual e segundo as conjunturas que se desenham, cada vez menos se recorre ao confronto directo para defender interesses nacionais. Presentemente é em «tabuleiros de xadrez alheios» que se conseguem os posicionamentos de «xeque-mate» capazes de nos favorecerem. Daí a presença em «Missões de Paz», garantindo o lugar à mesa das negociações quando se passarem a discutir as vantagens da participação armada.


Este novo tipo de empenhamento dos militares, como extensões armadas dos meios diplomáticos, obriga tanto os profissionais castrenses a possuírem uma excelente capacidade de compreensão da sua missão, como, mais ainda, a uma extraordinária difusão da importância das Forças Armadas nos contextos nacionais e internacionais.


O sentimento de revolta e de incompreensão que existe, agora, entre os militares portugueses tem assento, exactamente, na injusta atitude do Governo, porque, por um lado, sabe que é imprescindível a participação das Forças Armadas em certas missões, em curso no mundo — facto que lhes confere uma importância nacional fora de série — e, por outro, nivela-as por baixo como se nada valessem e faz passar para a opinião pública a impressão de serem um sorvedouro de dinheiro sem qualquer tipo de contra-partida para o bem-estar internacional dos Portugueses.


Esta injustiça sentem-na os militares como uma afronta, uma bofetada, pois há mais de vinte anos vêm sendo tratados como um conjunto profissional de segunda categoria e de nula ou quase nula importância. E o Governo deverá levar em conta que o grupo castrense tem um apurado sentido da justiça. É tempo dos políticos arrepiarem caminho!

19.11.05

Neste momento, o silêncio


Luís Alves de Fraga

1sar- Roma Pereira.jpg


Morreu em operações, no Afeganistão, um primeiro sargento comando português — Roma Pereira — e um cabo, também, comando, ficou gravemente ferido.


Foi no cumprimento do dever que tudo aconteceu. Um dever determinado pelo Estado através das competentes hierarquias civis e militares. Um dever que deve estar de acordo com os interesses nacionais. É, por conseguinte, um dever nacional.


Não é o momento para aqui discutir seja o que for. Agora, resta-nos guardar silêncio, porque um dos nossos morreu no cumprimento do dever e outro sofre.


No altar da Pátria repousa mais um sacrificado por Portugal.


Na minha vida de quarenta e quatro anos de Soldado já vi e já tive conhecimento de muitos camaradas que, cumprindo a palavra que havia dado no dia do Juramento de Bandeira, deixaram o nosso convívio para sempre, entrando no amplo átrio onde há séculos se alinham, sem números nem postos, todos quanto o fizeram para que seguisse intocável o destino de Portugal e de toda a sua gente.

É altura de nós, os vivos, nos erguermos, assumirmos a postura correcta de sentido e deixarmos que ecoe nas nossas mentes o toque de silêncio, seguido do da alvorada, porque é assim que nós honramos todos quantos foram leais para com esta Pátria velha e desgraçada, mas que é a nossa.
18.11.05

Ser Soldado


Luís Alves de Fraga

Há quarenta anos — e não me tomem por um daqueles saudosistas que tem sempre a certeza de no «tempo dele» tudo ter sido melhor —, na Academia Militar, entre outras coisas, aprendi, logo nos primeiros dias, o valor da vulgar «Palavra de Honra». Aprendi e usei, poucas, mas as vezes suficientes para provar a veracidade da aprendizagem. Eu conto.


Ensinavam-nos os instrutores que a «Palavra de Honra» é um valor inalienável e invulgarmente poderoso. Tão poderoso que, ao dá-la, se esconjuravam todas as desconfianças que sobre o cadete existissem.


A isto, chamo hoje, lição prática de Ética. Não só militar, mas Ética de cidadania.


Uma ou duas vezes, fui acusado de qualquer falta comportamental pelo comandante de Companhia. No entanto, eu não a tinha cometido. Era injusta a acusação e a respectiva punição — que seria pequena, provavelmente, contudo, suficientemente grande para me emporcalhar a folha de matrícula enquanto cadete. Faltavam-me provas que abonassem a minha inocência e, em desespero de causa, repontei delicado, mas firmemente, com o capitão: — Dou a minha Palavra de Honra que não fui eu quem actuou da maneira de que me acusa.


Foi instantânea a mudança de atitude do oficial. Disse: — Senhor cadete, não se fala mais neste assunto. Pode ir em paz. Todavia, não se esqueça que me deu a sua Palavra de Honra.


Mais tarde veio a provar-se a injustiça da acusação.


Naquele Casa ensinavam-se a cultivar Valores que iam para além da simples instrução militar prática e teórica. Moldavam-se posturas na e para a Vida.


Infelizmente, mais tarde vim a confirmar que nem todos os responsáveis por tais ensinamentos os seguiam com o rigor usado na sua leccionação. Isso são outras estórias.


Quase trinta anos depois da minha entrada na Academia Militar fui, agora na Academia da Força Aérea, nomeado professor de Deontologia Militar. Resolvi elaborar uma «sebenta» para uso dos alunos. Julgo que ainda por lá anda. Escrevi-a em pouco tempo, mas foi dos momentos da minha vida, como cidadão e como militar, que mais profundamente desci ao âmago de mim mesmo. Tinha de analisar os meus Valores, os da Sociedade Civil e Castrense, a sua evolução e, acima de tudo, tinha de ter uma plena consciência de quem eram os jovens para quem escrevia. Tinha de me aperceber das mudanças, estudando-as, identificando-as e encontrando novas formas de posicionar com dignidade os futuros oficiais da Força Aérea. No final, fiquei satisfeito comigo mesmo.


Vou deixar, para mera meditação daqueles que me lerem e tiverem paciência, algumas passagens desse trabalho, do qual não me envergonho. Aqui vai.


 


«Lealdade é a qualidade de quem, sem subterfúgios, honesta e francamente, cumpre as obrigações que livremente assumiu.


Interpretando, agora, o dever 3º do Artº 4º do RDM («Respeitar e agir lealmente para com os superiores, subordinados ou de hierarquia igual ou inferior (...)») podemos reformulá-lo dizendo:


Respeitar os superiores, subordinados ou de hierarquia igual ou inferior e agir para com eles, sem subterfúgios, com honestidade e franqueza, cumprindo as obrigações que livremente assumiu, (...).


Note-se como, seguindo a redacção proposta, ressalta mais claro que o militar fica obrigado a respeitar, também, os seus subordinados e a ser, também, leal para com eles; vulgarmente julga-se que a lealdade só é devida aos superiores (trata-se de uma confusão com o conceito de fidelidade «física» (...) que já não é admissível nas Forças Armadas modernas, mas que era tradicional quando o oficial podia «vender» os seus serviços mais os dos subordinados, facto que se manteve em uso, em alguns países até ao começo do século XX e noutros até meados do século XIX).


(...).


Cabe ao subordinado o direito e a obrigação de, frontalmente, interrogar o seu superior sobre a conveniência da ordem, dizendo o que julga melhor e mais próprio. É uma obrigação, porque um comandante deve zelar pelo bem-estar e pela integridade dos seus comandados; é um direito, porque o cumprimento das ordens deve resultar de um acto consciente e não de um condicionamento da vontade (...).


(...).


As grandes mudanças económicas que se verificaram no mundo e, especialmente, em Portugal nos últimos cinquenta anos, foram provocando, lenta mas seguramente, grandes alterações ao nível dos princípios morais — o consumo e o desejo de poder consumir ampliaram, às vezes de uma forma artificial, as necessidades de cada um de nós. Esse aumento do desejo de consumir transformou-se numa exigência de aumento de rendimentos e aquilo que, no princípio era um bom «motor» para que cada um crescesse até ao limite da sua competência e capacidade, tornou-se numa concorrência interpessoal que foi passando por cima da maior parte das barreiras morais tradicionais. O Homem foi perdendo, até, a consciência de estar a ultrapassar essas mesmas barreiras.


A corrosão dos princípios morais tradicionais foi-se tornando tão banal na sociedade que não deixou de penetrar, também, na instituição militar. Todavia, se há grupo humano onde tem de existir um forte sentido moral, esse grupo é o militar. Exige-se uma moral sólida na vida castrense, porque as forças armadas, quaisquer que sejam, têm de funcionar coesas de modo a que assim possam cumprir melhor o seu fim último: defender a comunidade nacional.


O desejo de conquistar o melhor lugar, de atingir mais rapidamente o topo da escala hierárquica, de surgir como o elemento indispensável, são sentimentos que, quando penetram no seio das forças armadas corroem o valor fundamental que gera a disciplina: a lealdade.


Ninguém pode ser leal e, ao mesmo tempo, esperar ultrapassar, por qualquer meio aqueles que, por competência, por maior valor, por mais antiguidade, estão à frente. Nas forças armadas a concorrência tem de ser cautelosamente gerida e, a primeira condição para que tal aconteça, passa pelo desenvolvimento de personalidades bem formadas, as quais têm de admitir a existência da diferença não baseada em pseudo direitos, mas sedimentada na maior capacidade e na melhor preparação.


O chefe militar do presente e do futuro, para poder exigir lealdade, deve ser capaz de a praticar com os seus subordinados, isto é, tem de zelar pelo seu bem-estar, pelos seus legítimos interesses, de modo a quebrar as concorrências marginais que não beneficiam o serviço e prejudicam as relações entre as pessoas; por outras palavras: as obrigações devem ser bem cumpridas, porque são um dever do militar e não porque, fazendo-o, se consegue evidenciar as falhas ou as incompetências dos outros militares.


(...).


Os subterfúgios ao cumprimento das nossas obrigações começam dentro de nós mesmos, só depois é que procuramos encontrar justificações exteriores que expliquem a ausência de verdadeiro empenho.


O homem que já não é capaz de distinguir o subterfúgio ao cumprimento das suas obrigações perdeu o fiel mais importante da vida, porque matou a capacidade crítica ou, se se preferir, deixou morrer a moral dentro de si próprio e tornou-se num ser imoral ou, no mínimo, amoral. Todo o ser humano pode enganar os outros, mas tem por obrigação não se enganar a si próprio


 


Fico-me por aqui. Pensem, se quiserem, os meus leitores militares nas palavras e conceitos que tentei semear; julguem-nas os meus leitores civis para melhor nos compreenderem, compreendendo a Honra de se ser Soldado.


 

16.11.05

O Rei(s) vai nu


Luís Alves de Fraga

Os jornais trazem a notícia da punição de um cabo de Marinha — o Luís Reis — por ter declarado publicamente que a Armada teria convocado exercícios navais para o dia em que estava prevista a manifestação dos militares, contestando as medidas governativas, facto, obviamente, falso segundo todos os órgãos responsáveis por aquele Ramo das Forças Armadas. E digo obviamente, porque, mesmo que fosse verdade, passava a não ser, por falta de possibilidades de o cabo Reis demonstrar o contrário. É exactamente como as contas telefónicas astronómicas, que nos aparecem em casa, de chamadas que nós não fizemos. Temos de pagar, visto o elemento de prova estar na companhia fornecedora do serviço. O capitão Dreyfus não foi condenado a prisão por espionagem quando, efectivamente, era inocente?


O Regulamento de Disciplina Militar (R.D.M.) é um código ético de conduta e, em termos de ética, a fluidez é extraordinária por falta de objectividade. O cabo Reis infringiu um qualquer dever de um qualquer artigo desse código de conduta. Porquê? Disse uma mentira. Uma mentira que podia (pode, pôde) ter influenciado a opinião pública! Realmente o que falta é a existência de códigos éticos, postos em execução por decretos governamentais, para permitirem a punição de todos os «Pinóquios» desta nossa sociedade civil!


O cabo Reis, homem com 40 anos de idade — dos quais, se calhar, metade passados ao serviço da Armada — disse uma mentira. Uma mentira menor à qual os Senhores almirantes decidiram dar grande importância, mais para servir de «medida exemplar» do que pelo facto de uma afirmação feita por um cabo afectar o bom nome do Estado-Maior da nossa marinha de guerra.


Sejamos verdadeiros. Desde quando o que diz um cabo na praça pública, nos órgãos de comunicação social, tem importância para os grandes decisores militares? Importante é a «exemplaridade» da punição que visa atemorizar todos os outros cabos Reis dependentes de um magro pré que recebem no final do mês e lhes garante uma super magra pensão quando forem velhos e já não servirem para nada. Bom, para nada não é bem assim! Servirão para guardas-nocturnos de edificações em construção, por exemplo, como acontece a muitos antigos praças calejados no desconforto de um serviço militar mal remunerado e com uma família já habituada às suas ausências do lar.


Sejamos verdadeiros. O que determina a punição não são as afirmações de um cabo, seja ele Reis ou Príncipe. Assusta é o movimento associativo capaz de pôr em causa uma série de pressupostos bem escorados na tradição do «comer e calar».


Sejamos verdadeiros. O que impõe a punição do cabo Reis é a necessidade de dar satisfação ao senhor ministro Luís Amado, provando que, afinal, os comandos superiores das Forças Armadas continuam a «ter na mão» os seus homens. Mostrar a exemplaridade e de como se jugulam as «rebeliões».


Esquecem-se os chefes militares que, mais tarde ou mais cedo, estarão na reserva e na reforma — como eu já estou —, passando por um processo de «elemento descartável», sem poder nem honrarias — vou ter as que o Regulamento prevê para o meu, o nosso, posto, à porta do cemitério quando for deitado dentro daquela «caixa» de madeira que espera por todos os Homens — no qual as pessoas, por mera educação, ainda nos tratam com deferência, chamando-nos «senhor coronel», «senhor general», «senhor comandante», «senhor almirante». Mas é só mera deferência, porque eles, os políticos, sabem que, nessa situação, já só somos um número para a Caixa Geral de Aposentações onde, se se formar fila junto ao guichet dos pagamentos, à nossa frente pode estar um cabo reformado e atrás de nós um general ou uma contínua de qualquer escola deste país.


É esta a vã glória de ser chefe militar, em Portugal! Não se iludam, meus caros camaradas mais modernos e na situação de activo, a reserva e a reforma inexoravelmente esperam por vós!

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