O (des)governo que se vive em Portugal é assustador!
Os eleitores deram, no último acto eleitoral, a maioria ao Partido Socialista na suposição de que este agrupamento político iria tomar medidas capazes de moralizar, efectivamente, a Administração Pública e o sector económico dependente do Estado; esperaram, também, que, através de medidas de carácter social, se gerassem condições de retoma do investimento; os empresários admitiram a possibilidade de uma rápida reforma do sistema judicial de modo a cortar com as delongas existentes na resolução das demandas pendentes. Numa palavra, os Portugueses acreditaram no milagre prometido por José Sócrates.
Os meses passaram e o manto da mentira, curto e esfarrapado, começa a deixar ver a mentira da governação socialista. Têm sido várias as decisões adoptadas pelo Governo geradoras de incómodos e revoltas populares. O acto eleitoral que se aproxima vai deixar bem à vista o desagrado do Povo soberano.
De entre as medidas adoptadas o Governo resolveu encetar uma campanha contra a Instituição Castrense, retirando-lhe as poucas regalias que os militares que a servem ainda possuíam em função do tipo de vínculo «contratual» a que estão obrigados. É deplorável que o Partido Socialista tenha alinhado neste jogo, sabendo que estatutariamente os militares na situação de efectividade de serviço não podem reclamar. Trata-se de um acto pouco correcto, porque se machuca quem está ferido no direito de resposta.
Na tentativa de chamar a atenção pública para a pouca correcção das medidas que se pretendiam tomar e já foram aprovadas em Conselho de Ministros, escrevi a carta aberta que se segue, endereçada ao Primeiro-Ministro José Sócrates. Foi publicada na íntegra no Diário de Notícias do dia 15 de Agosto. Sei que foi lida por centenas de camaradas meus, os quais comungam do mesmo sentimento de revolta que me animou ao escrevê-la. Por hoje, fica no blog. Daqui a algum tempo voltarei a escrever sobre o assunto, de modo a que todos aqueles que acederem a estas páginas possam compreender quão iníquas são as decisões assumidas por um Governo que todos esperávamos fosse de uma grande integridade e correcção. Aí vai:
Lisboa, 7 de Agosto de 2005
Exmo. Senhor Primeiro Ministro
Sou coronel da Força Aérea, na situação de reserva, tendo atingido o oficialato há 40 anos, quatro dos quais passei em África, em tempo de guerra, a servir os interesses que o Estado, através do Governo de então, me determinou.
A minha família sofreu, nessa altura e, afinal, durante uma vida, os sobressaltos que V. Exa. pode imaginar (será que pode?). Estivemos sempre prontos para mudar de local de residência; para a minha mulher tomar conta dos nossos filhos, por tempo indeterminado, sem que eu lhe pudesse dar qualquer apoio; para os nossos filhos transitarem de escola, de liceu e, se necessário fosse, até de universidade. E tudo isto aconteceu na nossa vida. Tudo isto, a troco de um soldo(vencimento de um oficial militar) que, por ser miserável, o decoro me obriga a calar.
Curiosamente, foi ainda durante a vigência do Estado Novo, quando era Presidente do Conselho de Ministro o Prof. Doutor Marcelo Caetano, que se reconheceu aos militares dos quadros permanentes a necessidade de lhes dar um tratamento diferenciado em certos aspectos de protecção social. Assim nasceu a chamada Assistência na Doença aos Militares (da Força Aérea, do Exército, da Armada) ADMFA, ADME e ADMA ao mesmo tempo que nascia a ADSE (Assistência na Doença aos Servidores do Estado) e, para todos, a pensão de sobrevivência. Além de se compensar o baixo pagamento dos militares, de todos os postos, especialidades, armas, classes ou serviços, acima de tudo, garantia-se às suas famílias um apoio que lhes era fundamental quando os maridos e pais estavam deslocados ou impedidos de dar assistência aos seus dependentes. Era e é uma forma de segurança social especial, porque o estatuto militar é diferente do das restantes profissões.
Será possível que V. Exa. tenha deliberado acabar com as ADMs fazendo transitá-las para um regime semelhante ao da ADSE? Será possível que V. Exa. tenha aprovado mandar estudar um recuo para uma situação que nem passou pela cabeça dos Governantes do período ditatorial e fascista da nossa História, quando, ainda por cima, se viviam as contenções económicas e financeiras de uma guerra que, afinal, ninguém queria? Que condenem os familiares dos militares a não terem qualquer tipo de comparticipação financeira em despesas de saúde quando não beneficiem de outro sistema, ou se vejam empurrados para os serviços médicos sociais, seguindo um «alinhamento por baixo»?
A que situação levaram os Governos de Portugal, em democracia, esta velha nação? Será possível V. Exa. compreender o que é passar uma vida inteira quarenta e quatro anos de serviço e vinte de juventude em sucessivas crises (políticas, económicas, sociais), aguardando por uma velhice reconhecida e economicamente desafogada dentro de princípios que há muitos anos se foram definindo e agora, se vêem alterados abruptamente? Sabe V. Exa. que um coronel, em 1979, tinha um soldo pouco distante de um juiz de círculo, de um director de serviços, de um professor catedrático e que, agora, nos dias de hoje, é, de entre as categorias apresentadas, aquele que menos recebe? E note V. Exa. que cresceu o número daqueles outros funcionários, aumentando-lhes as sinecuras, enquanto se reduziram os efectivos de oficiais consequentemente, de coronéis nas Forças Armadas.
Quererá V. Exa., Senhor Primeiro Ministro (Servidor temporário do Estado por exclusiva vontade do voto popular e por isso, servidor de todos nós, porque a nós, cidadãos, a nós deve o lugar que ocupa!), socialista por convicção, quererá deixar o seu nome ligado a decisões ignóbeis, acobertando-as com um igualitarismo demagógico e populista? Será que Salazar tinha razão quando afirmava que o país estava incapaz de viver em democracia?
Não quero, nem posso, acreditar.
Ao dispor de V. Exa.
Luís Manuel Alves de Fraga
Coronel da Força Aérea, na Reserva
B.I: 001003 A EMFA
P. S. Não estranhará, certamente, V. Exa., depois do regresso das férias que está a gozar no Quénia, de saber (será que isso lhe interessa, realmente?) que, ao abrigo da liberdade de expressão do pensamento que ajudei, há 31 anos, a construir, pus a circular esta carta na Internet.