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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

19.10.05

De alferes a ministro


Luís Alves de Fraga
 

Desde que caiu a ditadura, em 25 de Abril de 1974, caiu, também, sobre o Ministério da Defesa Nacional uma espécie de anátema que levou ao afastamento sucessivo de ser um militar a sobraçar aquela pasta.


Se durante o Estado Novo os ministérios militares quase estiveram reservados a oficiais de carreira e poucos foram os civis a gerir assuntos castrenses, a «vingança», nos trinta e um anos de democracia foi bem pior, pois nunca nenhum militar se sentou no conselho de ministros como gestor desses mesmos assuntos. E, contudo, foram vários os militares que passaram à situação de reserva para fazerem carreira como políticos! É extraordinário como os aparelhos partidários nunca conseguiram eleger um profissional militar — admito até, um sargento saído para concorrer a uma junta de freguesia! — reunindo condições mínimas para o cargo de ministro da Defesa Nacional. Já elegeram indivíduos que nem prestaram serviço nas fileiras, mas, ao menos um ex-cabo readmitido, um antigo soldado da Guarda Nacional Republicana (profissional, por conseguinte), isso nunca!


Não tendo havido um antigo militar de profissão ministro da Defesa Nacional, já os houve antigos alferes (ou a tal equivalentes) milicianos. Daqueles que, quase sempre, quiseram fugir à obrigação de cidadania, quando, no passado, havia serviço militar obrigatório. Foram (são) homens que tiveram da vida militar uma visão naturalmente distorcida, adorando-a, odiando-a ou simplesmente sendo-lhe indiferente do ponto de vista afectivo. Todavia, isso não invalida, que a percepção que têm da organização militar seja sempre distorcida. Hão-de olhar para o conjunto, tomando-o pela parte que experenciaram, tal como o turista que viajou de automóvel por algumas más estradas de um país e conclui que todas as restantes rodovias se lhe assemelham. Para ele, poder-lhe-ão contar maravilhas dessa terra, no entanto, a memória guardada é a dos solavancos e do guinchar das molas do seu veículo. Nada mais lhe fará grande sentido dessa fugaz passagem por aqueles sítios onde não chegou a viver. Até poderá ver muitos filmes sobre a terra e os seus costumes, ler muitos livros, conversar com especialistas, mas o buraco onde quase se lhe partia o automóvel, esse jamais será esquecido e o seu entendimento do país continuará a ser ditado pelo ranger das molas e as pancadas dos amortecedores. É assim, porque é humano! E tem sido assim que os ministros da Defesa Nacional, em democracia, têm visto as Forças Armadas... A sua experiência pessoal como alferes miliciano tem-lhes ditado entendimentos de uma organização da qual nem imaginam a verdadeira complexidade! Não imaginam, dado terem-na percepcionado de baixo para cima e como simples«vítimas».


Argumentarão alguns que os vários ministros da Defesa Nacional têm tido assessores militares. Retorquirei: a influência exercida junto do ministro será, dentro dos padrões normais de comportamento, condicionada pela sua isenção intelectual, pela experiência pessoal, pelos conhecimentos teórico-práticos das situações estudadas, pelas sua naturais opções políticas, pelos seus dotes persuasivos, pelo desejo de «sobrevivência» laboral (ou seja, manutenção no cargo) e, por fim, pelas ambições pessoais. Claro que os ministros têm, também, tido assessores civis que, a meu ver, estarão, na perspectiva profissional, em desvantagem perante os militares, pois à lista anterior dever-se-á retirar o segundo e terceiro itens, acrescentado um outro que poderemos designar por «total confiança e subordinação política ao ministro» isto porque, enquanto o militar tem sempre assegurada a sua «rectaguarda» profissional, o civil perde-a quando deixar de ser um atento servidor do detentor da pasta!


Assim, e em conclusão, um ministro da Defesa Nacional é, no máximo, um antigo alferes miliciano estribado na experiência, ambição e honestidade dos assessores militares e na lealdade, ambição, honestidade e inexperiência dos assessores civis. Deste modo se explica, em boa parte, o soberano desinteresse a que tem estado votada a instituição militar, desde 1982. Desinteresse e quase ostracismo durante os Governos onde preponderam os ministros socialistas por serem, e demonstrarem ser, os mais anti-militares de todos.


Ora, em jeito de remate, atendendo ao que deixei dito quanto à gestão do Ministério da Defesa Nacional, se tivermos em conta o facto de a última palavra pertencer sempre ao ministro, e enquanto os políticos recearem a entrega da pasta a um militar na situação de reserva ou de reforma, podemos não ficar tranquilos quanto ao futuro da instituição castrense, porque não existe nenhum elo de confiança entre o decisor máximo e as vítimas ou beneficiários da decisão. Isto leva-nos, a nós militares, a ter de pensar seriamente na honestidade intrínseca dos Governos havidos desde a extinção do Conselho da Revolução, porque temos sido geridos, no máximo, por alferes com poderes de ministro... E, o mais perigoso, é que os ministros têm tido consciência dessa inversão disfuncional que os não tranquiliza e, ao invés, oferece-lhes um capital de insegurança só compensável pelo exagero de poder com que se rodeiam., impondo uma quase submissão dos chefes militares à sua ignorante sobranceria. E verdade se diga, salvo raras e honrosas excepções — como foi bem recentemente a do chefe do Estado-Maior da Força Aérea — as chefias têm aceite pacificamente o comando político de alferes milicianos arvorados em responsáveis máximos pela Defesa Nacional. Um escândalo que sai fora da nossa tradição republicana e, até, monárquica.

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